Do meu ponto de vista, o capitalismo não é uma "forma de economia" somente, é sobretudo um "modo de produção". É o capitalismo, enquanto modo de produção, que estabelece a relação dos homens com as mercadorias e define as relações hierárquicas entre eles, decorrentes da posição de cada um no processo de produção das referidas mercadorias. A detenção privada dos meios de produção não pode ser critério suficiente para caracterizar o modo capitalista de produção. Basta ver que, nos modos de produção esclavagista e feudal, as respetivas classes dominantes possuíam a quase totalidade dos meios produtivos.
Uma das notáveis características do capitalismo, é que os que detêm a propriedade dos meios e controlam a produção, acumulam poder sob forma de dinheiro. O dinheiro e a inteira panóplia dos veículos financeiros, deixaram de ser apenas meios auxiliares nas trocas, passaram a ser a forma preferida de acumulação de capital. Preferida, em relação às propriedades fundiária, imobiliária, ou industrial ... O próprio capital financeiro passou a controlar as outras formas de capital.
O trabalho assalariado, historicamente, veio substituir outras formas de exploração. Mas, anteriormente, as classes dominantes exploravam o trabalho do escravo e depois, do servo. Também, através de rendas, em produtos ou em dinheiro, beneficiavam dos frutos do trabalho do camponês, do artesão e do comerciante.
Dizer que a instauração do salariato foi um progresso, ou até, um passo para a emancipação do trabalho, é uma falácia: A relação salarial foi sempre fortemente assimétrica, até aos dias de hoje. Proporciona um controlo quase absoluto do trabalhador assalariado pelo empregador.
Se certas formas de exploração do trabalho se encontram hoje em declínio, suplantadas por outras, isto tem relação direta com mutações nos processos produtivos, e não com o suposto "fim" do sistema capitalista.
A derrocada do capitalismo pode advir de muitas maneiras, numa forma ou noutra de autodestruição: Por exemplo, pela externalização dos custos ambientais, causando irreversível degradação do ambiente em todo o planeta; pode resultar de uma guerra nuclear generalizada; pode advir de confrontos no seio das sociedades, sem que ocorra revolução: Uma série de revoltas, guerras civis, golpes de Estado, terminam, geralmente, em maior repressão pelas polícias e forças armadas e pela conversão das democracias formais em regimes autoritários.
Tudo isto tem possibilidade de ocorrer. Pode acontecer em várias combinações, ou em simultâneo. Mas, a «Grande Revolução», nos moldes em que os românticos revolucionários imaginam ... só acontecerá nas suas cabeças, impregnadas de narrativas fantasiadas do passado.
O capitalismo não está moribundo; porém está em crise. Reconhecer-se isto, não equivale a dizer que esta crise seja a derradeira.
Uma característica do modo de produção capitalista, é de se autodestruir parcialmente e periodicamente para, num novo ciclo de crescimento, aproveitar as dinâmicas de reconstrução: Isto traduz-se por lucros, resultantes da intensificada exploração dos humanos e dos recursos naturais, por um lado; e por outro, por maior controlo exercido pela classe dirigente, sobre as restantes classes.
Qual é o país onde o capital está a fazer maiores lucros?
- Todos sabemos que é a China. O facto de uma casta controlar este país com mão-de-ferro, não significará que ela própria beneficia, direta e indiretamente, dos privilégios do poder? - Se assim não fosse, seria caso inédito em toda a História! - Não, o que acontece é que ela está adiantada, em relação às oligarquias do Ocidente, nomeadamente, nos métodos de controlo social.
A experiência em grande escala do COVID, serviu para o poder - na China e depois, no resto do mundo - testar sua capacidade em submeter as massas.
Os processos de controlo social ultimamente postos em prática em países de "democracia liberal", foram copiados da China, onde já estavam sendo praticados.
Pode-se argumentar, sem sofisma, que a organização do capitalismo na China atingiu um nível superior de eficiência. Esta eficiência permitiu que haja uma real melhoria no nível de vida das massas laboriosas chinesas, não há dúvida sobre isso.
De certa maneira, ocorreu algo semelhante nos EUA, durante a transição do séc. XIX para o séc. XX; e na Europa Ocidental, nos 30 anos após a IIª Guerra Mundial.
Observa-se hoje, na China, a vigorosa expressão da nova forma* de capitalismo: Nesta, a sociedade é dirigida por um coletivo autoritário, que decide sobre todos os domínios, desde os setores exportadores, até às indústrias de defesa. Quanto aos capitalistas, se eles quiserem prosperar, terão de obedecer às diretrizes estatais e receberão proteção e favorecimento do Estado, controlado pela casta no poder.
Na China de hoje, não apenas cerca de 800 milhões de pessoas saíram da pobreza absoluta; também se regista o maior crescimento em novos multimilionários, anualmente.
Curiosamente, a China começou a desenvolver-se, quando deixou de praticar a ortodoxia marxista-leninista (e maoista) e iniciou a construção dum capitalismo industrial, moderno e eficaz, com total pragmatismo. Aproveitou os capitais e o «know-how» das grandes firmas capitalistas ocidentais, que deslocaram para a China parte das suas instalações fabris.
É escusado dizer, a China «comunista» soube tirar partido da mão-de-obra. Foi graças à sua elevada produtividade, que se acumulou uma imensa riqueza nas mãos dos dignitários do regime, dos grandes capitalistas seus protegidos e das empresas multinacionais.
Na China, a extração de lucro pelos capitalistas (nacionais ou estrangeiros) está garantida pelo aparelho administrativo e político do Estado. Por outro lado, a classe operária tem aceitado esta situação, pois seu bem-estar tem melhorado de ano para ano.
A força deste sistema produtivo, que não tem nada de socialismo senão a retórica, advém de fatores como a importação de capitais, o facto de ter ignorado o direito de patentes na fase inicial da industrialização, a penetração nos mercados mundiais graças a preços imbatíveis, os quais foram possíveis, tanto pelos baixos salários praticados, como pelo efeito de escala. O tamanho do território chinês e da sua população, permitem produzir grandes quantidades de bens, com menor custo que noutros países competidores.
Existem, porém, fragilidades: Se houver marasmo ou menor crescimento económico, é impossível satisfazer a expectativa da população em melhorar suas condições de vida. Por isso, os dirigentes chineses têm grande preocupação em manter satisfeita a sua classe operária.
O sistema dito "misto" chinês, é tão capitalista como o capitalismo histórico, ou seja, como o capitalismo industrial que se desenvolveu, dos meados do século XIX até princípios do Séc. XX, na Europa e na América do Norte, principalmente.
O regime chinês, não é análogo das «democracias liberais» do Ocidente. Porém, não se pode classificar a China como "socialista", ou como em "transição para o socialismo". Entendo por «socialismo», a sociedade onde os meios de produção, o poder político e a organização da sociedade em geral, estão sob o controlo da classe trabalhadora.
Mas, o desenvolvimento pujante da China levou a que ela já seja hoje a maior potência económica. Sem dúvida que estes resultados se devem à política industrial, dirigida de forma inteligente pela elite do Estado, utilizando as potencialidades do imenso país e com seu povo, disciplinado e diligente.
Não sei se o socialismo virá para a China na segunda metade do presente século. Mas, se assim for, terá que ser um socialismo da abundância** e não da escassez. Este socialismo da escassez - repetidas vezes - teve resultados desastrosos em todo o mundo (incluindo na China da época de Mao).
Entretanto, a China, apesar de todos os problemas internos por resolver e de todos os perigos globais que a poderão ameaçar, está já em primeiro lugar como potência económica mundial, se a avaliarmos em paridade de poder de compra, o que me parece a forma justa de comparar os desempenhos económicos entre países.