sexta-feira, 29 de julho de 2022

[NO PAÍS DOS SONHOS] «Dança dos Cavaleiros» de Prokofiev


 

Este é um sonho que preferia não ter. Preferia um vazio, um manto branco, ocultando todas as imagens terríveis que passam diante dos meus olhos fechados. 

Estas imagens, não as podemos ocultar, porque são o cinema interior que o nosso cérebro produz. De tal maneira nos implica, que ficamos exaustos, esgotados, trementes e gélidos, mas nada podemos fazer. 

Nada nos pode afastar daquela caminhada rítmica, compassada, obsessiva, dos Montagus e Capuletos. Vejo que se dispõem numa dança hierática, macabra, pois já se sabe que não haverá quartel; será que irei presenciar o desencadear do ódio hereditário, da «vendetta», entre as duas casas aristocráticas? 

Não, a música é essa mesma, da Suite de Prokofiev, porém o contexto é outro. É bem mais real, mais assustador, por isso mesmo. Aqui, neste sonho, não estamos no teatro, estamos numa rua qualquer duma cidade banal, no Século XXI. 

A civilização ruiu, só restam bandos de assassinos desapiedados, que ditam a sua lei. Não há lugar para o amor, ou para qualquer sentimento humano. Em breve, será a matança. Os olhos, de ambos os lados, estão injetados de sangue. Se não estás num dos campos, então, és inimigo a abater; este é o cálculo feito por qualquer um dos lados. 

Na vida do sonho, como na vida real, não me alinharei jamais com um dos campos de bandidos que se digladiam, para impor a sua lei às gentes. As pessoas comuns são como as presas das aves de rapina: Movem-se, sem saber que, dentro de instantes, vão ser atacadas, feridas, liquidadas e devoradas.

Esta dança obsessiva tem a altivez brutal da fatalidade que avança. Tem o peso inexorável do destino em cada nota. Depois de acordar, interpretei este sonho como premonitório da nova era trágica em que estamos a entrar; como em 1940, o ano da estreia da obra-prima de Prokofiev.




quinta-feira, 28 de julho de 2022

QUEM TEME A PAZ?

Portugal é um país cristão ou, pelo menos, com fortes raízes e cultura cristãs. É muito fácil criticar o cristianismo. Há quem tenha dito (Nietzsche) que é a religião dos fracos, dos escravos, mas não no sentido emancipatório, antes no sentido de justificação da desigualdade, da opressão, etc. Outros pensam que muito daquilo que se fez em nome da Cruz, ao longo da História, é tão horrível que, na sua essência, o cristianismo deve ser portador de ódio e não de amor, não se pode aceitar que «a religião do amor» nada tenha que ver com desmandos e crueldades exercidas pelos que se designam como seus fiéis seguidores. 

Enfim, a paz de espírito, a renúncia a meios violentos de afirmar uma determinada verdade, não é exclusivo do cristianismo, mas antes é vulgar nas outras grandes religiões. Por exemplo, no budismo, é muito explícita a condenação da violência, porém houve samurais budistas, houve perseguições cruéis dos convertidos ao cristianismo por budistas, houve «monges-soldados». O islamismo proíbe que as pessoas sejam convertidas à força, à religião do Alcorão.  Porém, nas épocas de expansão do Islão, a conquista militar desembocava numa conversão forçada das populações. As populações conquistadas e não-convertidas, estavam sujeitas a um imposto específico, por continuarem a exercer sua religião tradicional e sujeitas também, com frequência, a serem transformadas em escravas. 

A verdadeira paz é interior. Não é privilégio de alguma religião, ou corrente ateísta. A paz de espírito significa que nós somos guiados pela nossa própria ética. Ela pode decorrer da adesão a uma religião, ou ideologia não-religiosa. Porém, na sua essência, esta ética dedica-se a viabilizar um mundo menos mau: Um mundo onde as forças do mal não se podem servir de e manipular os sentimentos das pessoas, por forma a chegarem aos seus fins desprezíveis, que se resumem, essencialmente, ao poder. 

Assim, a distinção essencial, não é étnica, religiosa, ou outra, senão que se está a favor - ou não - da distribuição o mais ampla e o mais igualitária possível do poder. Por outras palavras, pretende-se evitar a concentração do poder - quaisquer que sejam as razões invocadas para o fazer - ou se acha que há legitimidade para impor essa (falsa) solução de concentração do poder, para se «fazer reinar» a paz. No segundo caso, está-se a mascarar (perante os outros e si próprio) o desejo de poder, de domínio sobre os outros. 

O domínio sobre si próprio, a transformação pacífica, por dentro, de pessoas realmente imbuídas de pacifismo, é difícil de realizar, na prática. Mas, em teoria é muito simples de enunciar, de uma simplicidade que uma criança de tenra idade pode perceber: «Não trates os outros do modo como não queres que te tratem a ti» ou, formulado pela positiva, «Trata os outros do modo como gostas de ser tratado».

Não acredito que existam «genes da agressividade», nem que a agressividade contra um grupo, uma nação, uma fação seja ela qual for, esteja baseada em algo profundo, instintivo. Acredito que é devido à educação e ao entorno social, que são criadas as condições da intolerância, de se considerar que existem «raças» ou etnias com méritos diferentes, ou que a «competição e a superioridade dos vencedores» sejam as legítimas causas da desigualdade.

Os que não participam diretamente numa guerra estão sujeitos,  porém, à guerra psicológica, a serem forçados, coagidos física e psicologicamente, a «se arrumarem» num ou noutro lado. Alguém pacifista - no genuíno sentido da palavra - não deseja a continuação da guerra, deseja que haja cessar-fogo, para se encetarem conversações de paz, para que os povos sejam poupados a mais mortes, destruições e desgraças. 

Porque acontece isto? Ou seja, por que razão uma boa parte das pessoas, não envolvidas nas operações militares, se sentem «justificadas» em opinar que a guerra deva continuar até um dos lados («o nosso») ter esmagado o outro? Elas sentem-se justificadas (?) a decretar a continuação da morte, ferimentos, traumas, em pessoas desconhecidas, de um e do outro lado, completamente inocentes das causas e peripécias que levaram ao estado de guerra. 

Na realidade, os poderosos são os causadores e beneficiários deste estado de supressão do que há de realmente humano no ser humano. Esta supressão tem de ser prévia ao estado de guerra, para ser possível «ativá-la» e «potenciá-la» quando este estado de guerra se inicia. Os tambores da guerra começam a troar muito antes das primeiras batalhas. 

Quem realmente tem uma profunda convicção religiosa, seja em que religião for, ou tem um sentido ético profundo, sendo ateu ou agnóstico, não pode deixar de fazer tudo para que a política militarista, belicista,  deixe de se apoderar de nós, da nossa sociedade. Temos de começar por nós mesmos, mas também com os familiares, amigos, colegas... É sempre a propósito falar-se de paz, é sempre adequado propor soluções com vista à resolução dos conflitos. É da responsabilidade de cada um fazer com que a opinião pública se transforme, que exija aos dirigentes políticos soluções pacíficas imediatas aos conflitos bélicos.

    


terça-feira, 26 de julho de 2022

J. S. Bach: Allemande da Suite francesa Nº 4 em Mi bemol maior

As duas versões, para cravo (Richard Egarr) e para piano (Murray Perahia), da Allemande da Suite francesa nº4, aqui apresentadas são a meu ver de igual excelência, pela sua adequação da interpretação ao instrumento e pela sua sobriedade. 

Uma «Suite» é uma sucessão de danças estilizadas, com a mesma tonalidade, reunidas numa determinada sequência. A Allemande costumava ser a primeira peça - além da peça introdutória, o prelúdio ou toccata -  duma suite para o cravo ou o alaúde. Nesta Allemande sobressai o estilo «brisé» ou «quebrado», que foi importado do reportório do alaúde, para os instrumentos de tecla com corda. Neste estilo, os acordes decompostos desenham a melodia. Os acordes que compõem a tessitura harmónica da peça sucedem-se e, por vezes, existem curtas passagens de junção. Este estilo era típico dos prelúdios, mas também era usado noutras formas, como é o caso desta Allemande. 

A designação de suites «francesas» é posterior à morte de Bach. Na realidade,  há bem pouco de «francês» para as diferenciar: Nas 6 suites «francesas», a segunda dança da suite é - em 4 casos - uma «Courante» portanto do tipo francês, sendo, nos outros 2 casos, do tipo «Corrente» ou italiano. Quando Bach escreveu estas suites (cerca de 1722), a estilização destas danças estava bem estabelecida, tendo evoluído do Renascimento e Barroco inicial, até uma codificação universal, no Século XVIII. 
Não será tanto pelas características da Allemande, Courante, Sarabande e Gigue, as peças «obrigatórias» da Suite, que se poderá diferenciar o gosto francês, italiano, ou alemão. Penso que a diferenciação «nacional» mais perceptível será antes ao nível das outras peças, cuja presença não era «obrigatória» (ex.: Bourrée, Menuet, Gavotte, Rigaudon, Laure, etc.) . 

Esta Allemande  utiliza elementos muito simples. Acho que tem uma sensibilidade «feminina», sem ser «efeminada». Consigo imaginar  Anna-Magdalena Bach a interpretar a Suite em Mi bemol maior. A obra está presente no livro manuscrito, dedicado à sua caríssima e amantíssima esposa, por Johann Sebastian. 




                




 

domingo, 24 de julho de 2022

«Infocracia» de Byung-Chul Han, uma filosofia política para o nosso tempo




 Byung-Chul Han é um filósofo e autor de grande importância para compreensão do nosso tempo. Ele sabe dissecar a sociedade contemporânea, marcada pelo totalitarismo da informação, à diferença de totalitarismos passados, que se mantinham impondo um discurso único, total, com a violência necessária, aos quais os corpos tinham de se submeter fisicamente. No totalitarismo contemporâneo, também caracterizado nos seus aspetos psico-sociais, o indivíduo submete-se «voluntariamente», coloca-se - ele próprio - debaixo do olhar dos dispositivos de vigilância e de recolha de dados («data» em inglês, retomando o termo latino). O capitalismo da informação não está preocupado com a produtividade material do trabalhador. A sua «mina de ouro» são os «big data», que são constantemente  «minerados» extraindo-os de biliões de dispositivos (smartphones, computadores, câmaras de vigilância, etc.). Com estes dados, ajusta os incentivos, as pequenas recompensas, as pequenas doses de droga quotidiana aos adictos. Estas dependências são calibradas para a manutenção do status quo. 
Nesta sociedade o controlo das mentes e pulsões inviabiliza quaisquer rasgos revolucionários das massas. A infocracia torna possível que os indivíduos «não possuam nada e sejam felizes» segundo a fórmula de Klaus Schwab do Fórum Económico de Davos. Quanto aos da oligarquia, têm a garantia de continuidade do seu domínio político, económico e social, sem precisarem de recorrer à repressão dos corpos e ao grau de violência física das ditaduras do século passado.  

Creio que este ensaio «Infocracia», muito mais rico em conteúdo do que eu poderia explicar nesta breve nota, marca uma viragem no pensamento radical (no sentido de ir às raízes das questões). Trata-se de perceber como os mecanismos de domínio são capazes de cooptar as vontades dos súbditos, fazendo destes escravos mas convencidos de terem um máximo de liberdade. 
No capitalismo da informação, a alienação da pessoa, trabalhador/consumidor/ usuário das redes sociais, atinge um novo patamar, embora o desenho geral da sociedade se mantenha, na essência, o mesmo: uma pequena «elite» que manobra para manter o domínio sobre uma massa destituída, de poder, de lucidez e, por fim, da sua humanidade.

sexta-feira, 22 de julho de 2022

O QUE MOVE O MUNDO?

            Salvador Dali (1931): SEIS APARIÇÕES DE LENINE SOBRE UM PIANO

 O que move o mundo, as sociedades? Existe algum princípio gerador da evolução das sociedades? Existe(m) força(s) determinante(s) da História?

Aqui, neste breve ensaio, apenas poderei aflorar as questões acima enunciadas.

Durante muito tempo, as pessoas estiveram convencidas que as ideias é que moviam o mundo. Que eram as ideias que impulsionavam o «progresso». A própria ideia de «progresso», surgiu assim e foi-se afirmando uma corrente progressista, ou seja, que via o tal progresso como inevitável e - sobretudo - como algo de positivo para os destinos coletivos da humanidade. 

Esta ideia, que se foi afirmando durante o período chamado das «Luzes», teve como principais propagandistas pessoas pertencentes à burguesia, a classe em ascensão nessa época (séc. XVIII e XIX). Os intelectuais, que não estivessem ao serviço do aparelho da Igreja, os «batalhões» de intelectuais laicos, eram recrutados entre os filhos de pessoas abastadas, que podiam dar uma educação «liberal» à sua descendência. As filhas, continuavam discriminadas e tinham, em geral, uma preparação para serem «boas donas de casa, esposas e mães». 

Este grupo de intelectuais oriundos da burguesia adquiriu rapidamente o controlo das instituições públicas, decisivas na época  e que ainda o são: as instituições científicas, as universidades, o ensino médio e superior; a magistratura, incluindo advogados, juízes, procuradores e notários; as burocracias estatais, a administração nos ministérios, não só postos de nomeação governamental, como de «carreira» (hoje, designados como fazendo parte do «Estado profundo») e as elites militares, especialmente, nos postos que implicavam saber técnico, tais como Artilharia e Engenharia militar.

Não irei detalhar muito mais sobre a formação e evolução da intelectualidade dos últimos duzentos anos. Mas irei sublinhar que a quase totalidade da classe política, incluindo os  revolucionários, é oriunda dessa camada: São pessoas oriundas da burguesia com um nível de educação, que lhes confere um estatuto «superior». Um exemplo deste estatuto especial, consiste na situação dos médicos, não só hoje  - talvez hoje, a perder um pouco do seu brilho - como nos séculos XIX e XX. Eram (e são) pessoas respeitadas, veneradas como sacerdotes laicos da religião da «ciência». Esta «ciência» é somente a expressão da ideologia cientista ou mecanicista. Muitas pessoas procuram, por ambição própria ou induzidas pelos progenitores, uma carreira de prestígio, que lhes dê superioridade social (e económica), algo que se designa por «status». Além do aspeto económico, o aspeto de prestígio social está na base de muitas das «escolhas» de carreira, que não são «livres escolhas», porque as pessoas são empurradas para elas. 

Embora esta casta ou camada, a burguesia intelectual, não seja geralmente a detentora direta dos meios de produção (empresas), beneficia - ainda assim - duma parte do «bolo», visto que o excedente dos lucros desses meios de produção vem alimentar instituições onde esta intelectualidade floresce. Basta pensar-se nas  universidades privadas e nas doações por grandes patronos, as corporações gigantes e com muitos lucros, que fazem assim autopromoção com o seu «mecenato» cultural e científico, ao mesmo tempo que baixam o seu nível de impostos (aqueles aos quais não têm maneira de escapar). 

Será essa intelectualidade, com o seu brilhantismo e capacidade de persuasão, que nos quer convencer de que «são as ideias que fazem andar o mundo para a frente». Estão a defender o seu estatuto e a sua posição económica,  sem dúvida, mas não se apercebem disso, na maior parte. Estão convictos de que têm uma «missão». Aliás, quanto mais convictos forem disso, melhor irão desempenhar o papel que lhes foi atribuído. São como missionários e a sua religião é somente uma - apesar da diversidade aparente - a «religião do progressismo».


No entanto, com o crescimento das forças produtivas do capitalismo, outras visões se vieram opor a esta visão de idealismo ingénuo, de que as «ideias faziam avançar o mundo».

A difusão de teorias políticas e sociais no século XIX e XX, veio dar a prioridade às chamadas «forças materiais», em particular, ao capital e ao trabalho humano. Marx e o marxismo são creditados - inadequadamente, a meu ver - por tal mudança de perspetiva. Mas ao fetichismo das ideias, apenas se substituiu o fetichismo da mercadoria, do capital, do dinheiro. O chamado «Materialismo histórico» é uma ideologia inventada por Marx e por Engels, sobretudo para justificar a sua teoria política, de que a sociedade, fatalmente, iria transformar-se em socialista e, depois, em comunista. Com o fervor dos propagandistas, mas com grande deficiência ao nível filosófico, trataram de «justificar» as suas crenças, com uma visão global da História e da Sociedade que viesse «confirmar» a sua escolha por um determinado modelo de sociedade (a sociedade comunista autoritária). Marx era um discípulo de Hegel. Daí que tenha vertido a sua visão da História, da Sociedade e da própria Natureza, numa matriz de Dialética. Na época, meados do século XIX, a crença ou fé na ciência, mais propriamente num cientismo materialista, era muito difundida nas classes intelectuais onde também se difundiam propagandas revolucionárias e socialistas de vários matizes. Para «fundamentar» as suas crenças e dar-lhes uma aparência de «teoria científica», Marx e Engels foram buscar argumentos aos economistas clássicos (Adam Smith, David Ricardo, etc.), e também aos socialistas franceses (Proudhon, nomeadamente), assim como a muitos cientistas sociais e naturais, da época. Embora eles tivessem um grande poder de síntese, deve-se ter em conta que existem poucos conceitos e teorias, que se creditam como sendo «marxistas», que sejam realmente de Marx e Engels. Quanto muito, eles foram seus difusores; serviram-se de certos conceitos como os de «mais-valia», de «classes sociais» (ambos presentes nos economistas ingleses clássicos, tal como em Proudhon e noutros socialistas franceses), etc. Os marxistas que lhes sucederam, mostrando enorme ignorância ou má-fé (ou as duas coisas), limitaram-se a tomar como «palavra de Evangelho» tudo o que liam nos escritos de Marx e Engels, sem ter em conta que eles estiveram envolvidos em violentas polémicas com seus opositores, nomeadamente, com autores anarquistas e outros socialistas não-autoritários. Os que ergueram as primeiras cooperativas, os sindicalistas da primeira hora, os que fundaram comunas e as fizeram funcionar, todos eles foram apodados de «socialistas utópicos» por Marx. Porém, o comunismo autoritário que defendia tinha todas as características duma utopia! O socialismo prático dos operários que se auto-organizavam em cooperativas, formando associações sindicais e fazendo frente à exploração dos patrões, enfim todos os que estavam empenhados na luta de classes, nessa época, eram esses mesmos que Marx considerava utópicos! Hoje em dia, muitos marxistas que repetem as mesmas atoardas, estão a reproduzir falsos argumentos, usados com uma finalidade difamatória, por uma das partes em polémica. 

Na verdade, assistiu-se, desde então até agora, ao crescimento da «religião materialista», não firmada em qualquer ciência, mas na ideologia. O termo ideologia significa uma «teoria política que é avançada para facilitar a tomada de poder, ou fundamentar a manutenção desse poder». Portanto, é o contrário, em termos teóricos e práticos, da ciência propriamente. A dita ideologia, declarada repetidamente como «verdade científica», tem servido aos sequiosos de poder para exercerem esse poder sobre os proletários, sobre o povo em geral, para impor a sua «ditadura do proletariado». Qualquer pessoa que estude, em profundidade, o que Marx e sucessores entendem pela expressão «Ditadura do Proletariado» (como eu estudei), irá chegar à conclusão de que se trata da (auto)justificação da dominação da nova classe burocrática sobre a sociedade em geral. Na verdade, este conceito de «Ditadura do Proletariado» é a única originalidade do marxismo, enquanto teoria política. Tudo o resto - conceitos de socialismo, comunismo, luta de classes, proletariado, etc. - são conceitos, ou que Marx foi buscar aos teóricos da economia clássica (burgueses), ou que eram lugares-comuns do movimento socialista, operário, na sua época. É revoltante ver-se o grau de ignorância de muitos militantes comunistas e socialistas atuais, sobre os factos acima apontados. Estes factos são sobejamente conhecidos dos intelectuais dos vários partidos, mas eles omitem-nos, porque acham que são verdades «inconvenientes» para as massas.

A difusão do marxismo levou a que muitas pessoas, que pouco sabem de Marx e que nunca se consideraram marxistas, adotem (sem saberem) conceitos típicos de Marx e dos seus adeptos: Uma visão determinista, no campo social e da História, é marxista, faz parte do chamado «Materialismo Histórico». O facto de se considerar tal ou tal posição como «materialista» é, muitas vezes, fruto da ignorância sobre os conceitos de matéria e de energia da Física contemporânea. O ensaio «Materialismo e Empiriocriticismo» de Lenine, é um exemplo disso, quando discute a natureza da matéria e da energia. Ele utilizou argumentos de autoridade e citações de cientistas, mas fora de contexto. Dominique Lecourt escreveu um interessante estudo sobre essa obra. Na época posterior a Lenine, na URSS, a deriva do regime fez com que se erigisse uma «ciência proletária», em oposição à «ciência burguesa». Algo semelhante aconteceu na «Revolução Cultural» chinesa. Em ambos os casos - além duma selvagem perseguição, que custou a vida a cientistas íntegros - a ciência e a técnica  sofreram atrasos tais, que se reflectiram em desastres económicos, distanciando esses países em relação aos EUA e outros países ocidentais. Isto aconteceu tanto na URSS de Estaline, como na China Popular de Mao.

O fracasso do marxismo enquanto teoria coerente do Mundo e da evolução histórica, não significa que os erros do cientismo, do materialismo mecanicista, do determinismo, do «ideologismo», tenham sido varridos para sempre, da teoria, ou da prática políticas. Infelizmente, existe muita gente, que foi - duma forma ou doutra - influenciada pelos preconceitos e pelas distorções ideológicas acima referidos. Muito do que se passou na «crise do COVID» seria impossível sem a forte difusão do materialismo vulgar, ele próprio resultante duma versão caricatural do marxismo. 

Em termos gerais, o espírito crítico e o conhecimento real da Evolução Histórica, são «venenos mortais» para quaisquer ideologias totalitárias de «esquerda» ou de «direita». No nosso tempo, os conhecimentos relevantes, tanto em História, como em Ciências Sociais, aumentaram de tal maneira em número e complexidade, que a generalidade das pessoas não os pode facilmente assimilar. Isto facilita a tarefa aos autoritários de toda a espécie, pois fazem passar por «ciência», aquilo que é apenas a sua ideologia. Isto não acontece somente com marxistas, mas com muitas outras correntes, que florescem, principalmente, nos meios académicos. Não vejo outra solução para o problema, senão aumentar a difusão da educação para um espírito crítico. Caso contrário, arriscamo-nos a cair noutra ideologia intolerante, de sentido contrário à que queremos combater.

Num Mundo caótico, onde se desenvolvem forças de destruição que ameaçam a própria base da civilização contemporânea, também é muito necessário o BOM SENSO: Não emitir a torto e a direito teorias, nos domínios económico e social, apresentando-as como se fossem a «VERDADE». Deveria haver mais senso e espírito crítico, para não se aceitar argumentos, pelo facto de serem enunciados por «autoridades académicas ou científicas». 

quarta-feira, 20 de julho de 2022

A MELHOR RESPOSTA NO LONGO PRAZO À VOLATILIDADE DOS MERCADOS

POR QUE RAZÃO OS ARAUTOS DO SISTEMA FAZEM TUDO PARA DESVIAR AS PESSOAS DA PROTEÇÃO MAIS ÓBVIA  PERANTE A GRAVE CRISE ECONÓMICA

https://www.mining.com/web/hungary-triples-gold-reserves-as-central-banks-turn-buyers-again/

 À medida que entramos mais profundamente numa zona de turbulência acrescida, na economia e finança mundiais, também as relações entre os ativos de diversa natureza estão a revelar-se mais instáveis. Os índices de volatilidade refletem as incertezas nos mercados e - embora no longo prazo - estes possam achar um novo equilíbrio, nas fases de transição, costuma haver substanciais ganhos e perdas. Como sabemos, nos mercados financeiros, as perdas de uns, são os ganhos de outros, e vice-versa.  A minha previsão é que haverá um considerável número de pessoas que apostaram, ou irão apostar, na economia de casino, nos mercados bolsistas, e terão sua atenção desviada das matérias-primas, dos metais preciosos, em particular.

Ao longo dos anos, o ouro e a prata têm sofrido uma constante supressão (pelos bancos sistémicos, os bancos centrais e os governos ocidentais) destinada a desviar o grande público desses investimentos.  É o que vou tentar explicar neste artigo.

O ouro e a prata têm os seus preços determinados em grande parte, não pelo mercado físico (ouro e prata físicos), mas pelo mercado de «futuros», de «papel». Neste, pode-se apostar num valor futuro de quilo ou onça de ouro ou outro metal precioso, sem que se tenha jamais de concretizar a transação, comprando ou vendendo o referido metal físico. Claro que este mecanismo permite que sejam transacionadas quantias enormes, mas que não têm correspondência física. Uma exceção a esta situação é a do mercado de matérias-primas (incluindo os metais preciosos) de Xangai, onde as quantias transacionadas são reais, não são meras «promessas» de compra e de venda porque todos os contratos-promessa têm de ter subjacente a respetiva quantidade de metal. 

Na economia especulativa, financeirizada, o ouro é por vezes designado como valor refúgio, mas no sentido de se investir em ouro-papel, como alternativa a deter-se «dinheiro-cash». Nos mercados do Oriente, pelo contrário, o ouro e a prata nunca deixaram de ser dinheiro, ou seja, metais cuja posse equivale -essencialmente - a dinheiro. Para termos uma noção de como as divisas (que são chamadas impropriamente «dinheiro») se desvalorizam em relação ao ouro, basta referir que uma moeda de ouro, contendo uma onça troy de ouro puro, tinha o valor de vinte dólares US, em 1913. Nessa altura, com essa moeda, ou com uma nota de banco neste valor (20 dólares US), podia-se comprar um fato de qualidade e nos bons alfaiates, em Nova Iorque. Quem tenha essa moeda de uma onça de ouro, que agora ronda os 1800 USD, poderá comprar  um bom fato, na mesma. Mas, não seria o caso de alguém que só tivesse guardado 20 USD em nota-bancária. A nota de 20 dólares daria para comprar, quanto muito, umas peúgas ! Claro que a relação é ligeiramente diferente para outros itens de consumo, ou para itens industriais mas, no global, estima-se que (em média) o «dinheiro-papel» perdeu desde 1913 97% do seu poder aquisitivo. O ouro conservou, em termos gerais, o seu poder aquisitivo.

Quando uma aposta em ouro-papel é perdida, ou seja, quando a aposta vai no sentido contrário do mercado, a pessoa que a fez perde uma percentagem do dinheiro investido, pois tem de vender ou comprar a um preço desfavorável... Muitas vezes, essas quantias são avultadas e os especuladores têm de obter dinheiro de outros investimentos, ou pedir empréstimo para cobrir a perda, com uma tal aposta «a descoberto». Se alguém fizer uma venda a descoberto e se houver um comprador, ela terá de comprar a quantia equivalente de ouro a outro agente, ou dar o dinheiro correspondente para indemnizar esse comprador. Nas bolsas de matérias-primas ocidentais, onde funcionam os mercados de futuros, como o COMEX (Chicago) ou LBMA (Londres), é vulgar, dum dia, transacionar-se em contratos de futuros o equivalente da produção anual mundial de ouro ou de prata. É evidente que, na realidade, aquilo que é transacionado são contratos-de-futuros, ouro-papel, ou prata-papel, que especificam quantas onças (500 ou 1000 onças, por exemplo) de metal  estarão disponíveis para entrega, pelo valor de X dólares, num dado prazo (por exemplo, dentro de 2 meses). Nestas bolsas, só algumas entidades têm acesso ao ouro e prata físicos, um punhado de grandes bancos, que negoceiam com grandes clientes e armazenam esse ouro nos seus cofres. Quanto aos outros, terão de se contentar com dólares, no valor equivalente ao preço estipulado. Muitos não estão sequer interessados em tomar posse do metal físico, contentam-se em receber a diferença de preço, caso tenham acertado na aposta. As quantias transacionadas nestes mercados são centenas de vezes superiores aos metais preciosos efetivamente depositados nas mesmas bolsas. Compreende-se que, nestas circunstâncias, seja fácil para grandes bancos e fundos financeiros, fazerem operações de venda a descoberto (isto é, sem possuir o metal físico estipulado nos contratos), emitindo grande número de contratos. Com esse instrumento de manipulação e com a «miopia induzida» das entidades reguladoras desses mercados, é notório que só raramente são apanhados em fraude. Recentemente, empregados da J P Morgan e também o próprio banco, foram condenados por manipulações do mercado do ouro. Este e outros bancos, têm sido multados por manipulações do ouro e da prata. Os valores das coimas, que parecem somas enormes, são inócuas para eles: Em poucos dias, têm mais lucro do que o montante das multas. Ou seja, há um discreto incentivo para continuar a fazer fraude, tanto mais que um público não esclarecido pensa que só grandes capitalistas ficarão prejudicados com tais manipulações do preço do ouro.

Numa economia em que exista o padrão-ouro, os governos ou bancos centrais não poderão manipular a moeda, visto que a quantidade de ouro que possuem nos cofres dos bancos centrais respectivos não pode ser aumentada a seu bel-prazer. Então, todos os governos que sustentam a especulação desenfreada e os seus agentes corruptos, incluindo os académicos, vão dizer que o ouro é uma «relíquia do passado», que retira muita flexibilidade à gestão económica e financeira, etc. Enfim, é certo que os défices monstruosos, quer nos orçamentos de Estado, quer nas balanças comerciais, serão muito menos prováveis, com um padrão-ouro. Esta é uma das razões porque, entre a derrota de Napoleão em Waterloo e o início da Iª Guerra Mundial, houve 99 anos de desenvolvimento capitalista, com alguns solavancos, mas sem crises comparáveis às crises vividas ao longo dos séculos XX e XXI: 1929, 1971, 1987, 2000, 2008 ... ou 2022! 

Pessoalmente, sou contrário a que uma moeda nacional sirva como «moeda de reserva mundial», porque o país detentor desse privilégio irá - com certeza - abusar dele ao fim de algum tempo, de uma ou doutra forma. Na era do 100% eletrónico, uma operação de câmbio duma para outra moeda é feita instantaneamente, não é complicado. Nem é mais complicado fazer o cálculo do câmbio duma quantia de Rupias para Euros (por exemplo), do que de Euros para Dólares US. Então, que interesse tem uma moeda de reserva? Para medir os preços e compará-los, temos a melhor «moeda de reserva» imaginável, que é o ouro! O ouro é um elemento químico; não é pertença de nenhum Estado (ao contrário de uma moeda). A sua falsificação é fácil de detectar. Podemos referir o preço de qualquer item em termos de ouro. Por exemplo, um objeto que custa 200 euros, traduz-se em 3.72 gr. de ouro puro (à cotação de hoje, 20/07/2022). A conversão de uma soma numa divisa, para gramas ou onças de ouro, é tão fácil como para outra divisa. O ouro é aceite em todas as economias, sendo transacionado com cotações diárias iguais ou muito próximas: Em Londres, Madrid, Moscovo, Xangai, Nova Iorque, Tóquio, ou em qualquer outra parte do mundo. Por isso, este padrão- ouro seria muito conveniente para o comércio internacional; permitiria que as mercadorias fossem avaliadas e transacionadas com preços mais justos. Ninguém poderá, a seu bel prazer, de repente, duplicar a extração, purificação e refinação  do ouro: Isso envolveria muito trabalho, muita energia; por isso mesmo, o ouro é muito estável. Mas, com uns meros «clicks», os funcionários dos bancos centrais podem aumentar para o dobro (ou mais) a quantidade total em circulação duma divisa, como temos visto ultimamente. 

Muitas pessoas dizem...  «O ouro não serve para nada, é perfeitamente inútil, só dá despesa». Eu pregunto-lhes: «E o papel-moeda, serve para algo mais, além de troca e pagamento, algo mais que o ouro? O ouro tem algumas aplicações industriais e em joalharia; que eu saiba, o papel-moeda não tem.»

- «Mas o ouro consome energia e custos para o manter...». «Sim, é verdade, mas também os seguranças armados guardam cofres-fortes que contenham apenas notas em papel; estas também são transportadas em veículos blindados, etc.» 

-«Mas não haveria bastante ouro para atender às necessidades da economia mundial». «O ouro é um metal-monetário; isso significa que o ser humano atribui um valor ARBITRÁRIO a determinada quantidade de metal (kg, onça, etc.). Se a onça de ouro, agora, equivale a 1800 dólares US, ela está muito desvalorizada, em relação à quantidade total de papel-moeda, devida à impressão eletrónica, nestes últimos tempos. A dívida mundial total atinge, segundo estimativas, mais de 300 triliões de dólares, soma difícil de imaginar, para quem  não está habituado a lidar com números astronómicos!!!

Com certeza que o padrão-ouro não é a panaceia! Mas, curiosamente, há uma grande coincidência entre  os mais acérrimos defensores do sistema, os ditos neoliberais e os inimigos de qualquer mudança para um padrão tangível (e o ouro será sempre o mais conveniente, por razões que não irei referir, aqui). Curiosamente, também, advogam uma moeda- padrão digital obrigatória, que irá submeter qualquer pessoa ao escrutínio dos bancos, bancos centrais e governos. Com as «moedas digitais» emitidas pelos bancos centrais, é o fim da privacidade, da autonomia e da liberdade : Alguém que seja punitivamente desligado do seu «porta-moedas digital», ficará num estado de morte económica. Muito dificilmente poderá subsistir. Este é o futuro que se reservam, a si próprios, os tais «liberais»: Eles terão o poder de decidir quem tem acesso, ou não, ao seu próprio porta-moedas digital. Por outras palavras; terão o poder de decidir sobre as nossas vidas! O 100% digital em mãos dos bancos centrais retira qualquer liberdade aos cidadãos. Afinal, estes tais «neoliberais», deveriam ser designados antes por «neototalitários», ou  algo semelhante. 


terça-feira, 19 de julho de 2022

ASTOR PIAZZOLLA (1921 - 1992) - A MINHA HOMENAGEM

Astor Piazzolla já tinha sido homenageado por mim, neste blog. Porém, achei que era boa oportunidade de mostrar a sua música em todo o seu esplendor. 

Não sei bem como, mas sinto-me em sintonia profunda com ela, embora eu não seja argentino, nem de qualquer outro país da América Latina. Mas, isto só é possível, tal como para outros portugueses e latinos, porque a Cultura Latina é - de facto - a nossa cultura comum, com imensas facetas, dimensões e contrastes. 

Ela, cultura Latina, está distante o suficiente das culturas Germânica, Anglo-Saxónica, Eslava, para se poderem  diferenciar as várias tradições.  Tanto no plano erudito, como no da música popular, noto que os monumentos musicais latinos e anglo/germânicos são perfeitamente  distintos. Ter-se uma boa cultura musical geral, não impede que se tenha preferências estilísticas próprias. 

As minhas idiossincrasias emocionais relacionam-se mais com o Sul e com a Latinidade, embora - por educação e habituação - tenha estudado a boa música anglo-saxónica e germânica (erudita e popular), que tem sido produzida.

Desejo-vos uma boa audição!!

Lista de faixas: