sexta-feira, 2 de março de 2018

DA FALSA RECUPERAÇÃO À NOVA DESCIDA AOS INFERNOS

Durante todo o período que sucedeu à grande ruptura de 2007/2008, as opiniões públicas foram embaladas por vozes de sereia, que proclamavam uma espectacular recuperação dos mercados financeiros e das economias dos países do «Ocidente». Na realidade, o que é que se passou?

As sociedades ocidentais têm estado dominadas por um tipo de capitalismo designado por «crony capitalism», ou seja, capitalismo mafioso. Neste capitalismo, não funcionam as «regras de mercado», muito pelo contrário: Os mecanismos de formação de preços nos mercados financeiros - nas acções, nas obrigações, ou nos derivados - estão todos manipulados pela intervenção constante dos Bancos centrais, com o beneplácito dos governos e para maior salvaguarda, não das economias nacionais, mas das mega corporações, com projecção mundial.
  
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A este estado de coisas soma-se, no «Ocidente», uma descida constante dos índices da «economia real», ou seja, os que revelam dados da produção de bens e serviços. 
Sabemos bem que os países asiáticos se tornaram os fornecedores da maioria dos bens industriais no mundo inteiro, invertendo completamente a situação, relativamente à realidade de há cerca de 40 ou 50 anos atrás, em que as produções industriais estavam situadas, em maioria, na América e Europa.

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Em muito poucas décadas, o Ocidente desindustrializou-se e o Oriente recebeu todo o tipo de indústrias, quer as tradicionais, quer as «de ponta», principalmente devido à política de deslocalização, levada a cabo pelos grandes industriais europeus e norte-americanos. Estes puseram seus lucros em primeiro lugar; não se importaram nada com a sustentabilidade das economias de seus próprios países. 

Agora, acumulam-se sinais inquietantes de um excesso de confiança nas bolsas e no imobiliário. 
Mas a economia real estagna, por mais que as estatísticas dos governos (quer dos EUA, quer da UE) sejam manipuladas, de maneira a dar impressão de que há uma recuperação. 
Os empregos criados são de baixa qualidade, temporários, muitos deles, a tempo parcial. 
A inflação é também manipulada para dar  impressão de crescimento do PIB. Se houver uma subestimação acentuada do fenómeno inflação, os valores de aumento aparentes do PIB não serão corrigidos de forma adequada. 
Os índices das bolsas também estão falseados, com a contínua auto-compra de acções pelas grandes empresas, as que detêm um peso importante nas transacções em bolsa. 
Os bancos centrais, com os seus programas de «QE», também contribuem de maneira decisiva para esta falsa euforia. 

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Os grandes bancos - tal como nas vésperas do grande «crash» de 2008 - estão a emprestar muito pouco uns aos outros, o que indica desconfiança recíproca na liquidez dos mesmos. 
Os especuladores continuam atirando capitais (que podiam ser para investimento produtivo) para a nova «túlipa-mania», as criptomoedas.

O aumento anunciado, em 4 etapas, das taxas de juro pela FED (Reserva Federal Americana, Banco Central - privado- dos EUA) irá provocar uma saída dos capitais investidos na Europa (e no Japão), atraídos pelas melhores taxas de juro do outro lado do Atlântico. A manter-se o programa anunciado, o resultado será catastrófico para o conjunto da UE. A única incógnita é saber-se quando é que a fuga de capitais para os EUA começará em grande escala: talvez ela seja visível já nesta Primavera e Verão de 2018. Esta saída de capitais irá provocar um abrandamento das actividades económicas, em todo o lado de cá do Atlântico, a poucos meses de intervalo. 
Em particular, irão sofrer maior embate países como Portugal, muito dependentes de factores "voláteis" - como o turismo - para a sua recuperação, depois dos anos de austeridade forçada. 

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Claro que os EUA, a prazo, não irão «vencer» numa competição em que têm jogado a cartada de afundar os seus próprios aliados e parceiros mais chegados, os países europeus, principalmente. 
Mas, transitoriamente, a sua economia parecerá mais atraente que as da União Europeia.

quinta-feira, 1 de março de 2018

A CRIAÇÃO MONETÁRIA E A INFLAÇÃO

Muitas pessoas são mantidas na ignorância, em relação aos mecanismos que operam nas economias. Nomeadamente, para muitas pessoas, a inflação é um «mistério», do qual apenas experimentam os efeitos, sem realmente compreenderem a sua origem e a razão de ser. 

O aumento de preços ao consumidor é, afinal, equivalente a uma diminuição do poder de compra do salário ou pensão, ou quaisquer rendimentos monetários do indivíduo. 
Mas esse aumento não se verifica por obra  e graça de uma «força natural», uma tal «mão invisível» do mercado. 
Ele ocorre porque o sistema monetário está desenhado de tal modo que os poderes (dos Estados e do grande capital) podem a seu bel prazer manipular o volume de dinheiro em circulação, o dinheiro disponível. 
Veremos adiante como conseguem essa proeza. Mas, desde já, vamos esclarecer quais as vantagens deles, ao disporem e usarem abundantemente dessa capacidade de manipulação:
Imagine o leitor que tem de receber uma soma correspondente a um empréstimo que fez ao Estado (via obrigações do Tesouro ou outros instrumentos) ou a uma grande empresa. Isto é uma forma comum de poupança, investir-se em dívida pública ou privada, directa ou indirectamente, através de fundos. 
O juro é fixo: se tiver um juro abaixo da taxa de inflação real, por exemplo, juro de 3% ao ano, sendo que a inflação real é de 4%, na realidade está a perder 1% ao ano sobre essa suposta «poupança». 
A manipulação dos índices de inflação destina-se a ocultar este facto, a realidade da inflação, ou seja: existe uma perda do poder aquisitivo duma dada moeda, perdemos valor real somente por determos essa moeda. 
Um dado montante em dívida, que tem de ser integralmente paga ao fim de 5, 10 ou mais anos, o chamado «principal» irá valer, em termos reais , muito menos que o valor dessa mesma quantia no momento inicial: por exemplo, 1000 € em 2007 tinham uma capacidade de adquirir determinada quantidade de mercadorias, de bens ou serviços... o poder de compra dessa mesma quantia em 2017 é apenas de cerca de 60% de há dez anos atrás, compra-se menos 40% com esse dinheiro em 2017, relativamente ao que se poderia comprar dez anos antes, em 2007.

Os pensionistas perdem constantemente poder de compra, o ajustamento no montante das suas pensões vem sempre tarde e a más horas: o sistema de pensões (seja público ou privado) tira vantagem, obviamente, da existência de inflação. 
As contas do Estado, em geral, beneficiam com a inflação pois, no médio e longo prazo, as dívidas acabam por pesar muito menos e são mais facilmente liquidadas. 
Note-se que é uma devolução de «gato por lebre»... com efeito, se o Estado (ou a entidade privada) devolver dez anos depois os 1000 € que pediu emprestado, está a restituir apenas 600 €: o equivalente ao poder de compra de 600 €, em 2007!

Para gerar artificialmente inflação, que beneficia os devedores - principalmente a grande banca, as grandes empresas, os Estados - dá-se uma criação monetária constante. 
A criação monetária pode ser efectuada pelos bancos centrais. Eles têm feito isso ultimamente em grande escala quando compram dívida, com dinheiro criado a partir de nada: é o que tem feito o BCE, nomeadamente, desde há vários anos, com uma compra mensal média de 60 biliões de euros em activos financeiros aos bancos dos vários países e obrigações dos Estados-membros. 
O dinheiro globalmente disponível no sistema vai aumentando, sem que exista correlativa e proporcional retirada de circulação dessa divisa. Cada unidade nesta moeda (neste caso, o euro) fica portanto com o seu valor diminuído, visto que existem mais euros em circulação, para comprar sensivelmente a mesma quantidade de bens ou serviços.
Mas a principal criação monetária, nas nossas sociedades, é efectuada quotidianamente pelos bancos comerciais: através dos empréstimos, eles criam dinheiro a partir de nada: Se tiver 100 € no banco e o mesmo banco emprestar 100€ a outro cliente, este irá ter a sua conta creditada com 100 €, que poderão ser utilizados. 
Devido ao empréstimo do banco, existirão agora 200 €, onde antes existiam apenas 100€. 
É esta a principal origem de inflação monetária. Os bancos detêm quase todo o controlo do crédito, tendo portanto capacidade de «aquecer» uma economia, facilitando o crédito, ou o contrário. 

O custo dos empréstimos, as taxas de juro são o instrumento mais utilizado para controlar a quantidade de dinheiro disponível. Os bancos centrais, os governos e a banca comercial detêm o controlo dessas taxas, para manterem em funcionamento o sistema, mas no sentido de os favorecer a eles
O cidadão comum está, muitas vezes, enredado em dívidas, em relação à casa, ao automóvel, a várias compras (cartões de crédito...). Tem muito pouca margem de segurança para «ficar à tona», caso falhe - num dado momento - a entrada de dinheiro, ou se for obrigado a fazer face a despesas não previstas.  
Desde 2008, sobretudo, a poupança é desestimulada, visto que as taxas de juro são negativas, em termos reais. Se a inflação verdadeira é de 6% , um depósito a prazo com juro de 4%, é negativo: - 2%
Com este mecanismo, as pessoas são empurradas para apostas arriscadas no casino da especulação, na bolsa de ações, ou noutros activos financeiros.  
Outras pessoas «jogam» no imobiliário, estimuladas pela bolha especulativa a investirem em casas ou apartamentos claramente sobre valorizados; quando vem uma crise, perdem imenso, 50% ou mais do valor investido, quando não perdem tudo, porque ficaram falidas.
A economia individual ou familiar tem de ser compreendida de modo diferente da economia global. É necessário poupar, sempre que possível, e fazê-lo a vários níveis. 
As famílias e indivíduos podem poupar, fazendo reserva de alimentos ou outros bens consumíveis: ao terem uma dispensa contendo mais do que o consumo imediato (por exemplo, reservas de alimentos que se podem guardar 2 a 6 meses...) estão a poupar, porque evitam pagar mais caro. Não devem recorrer ao crédito e, caso o tenham feito, ir diminuindo o montante em dívida, sempre que tenham oportunidade disso. 
Se têm algum excedente,  é mais seguro investir fora do sistema financeiro: por exemplo, em moedas ou barras de ouro ou prata, em bens imobiliários (casas e/ou terrenos), etc...estes funcionam como almofada de segurança, caso haja aceleração da inflação: os referidos investimentos têm, neste caso, um aumento que equilibra, ou mesmo ultrapassa, o efeito da inflação sobre salários e pensões.

As pessoas devem tentar aprender noções práticas de economia fora do convencional, da pseudo-ciência económica, que apenas está interessada em que as pessoas vivam na ilusão. Não se poderão defender, se estiverem na ignorância dos mecanismos básicos, aliás, muito menos complicados do que possam parecer à primeira vista.
Por ingenuidade e défice de informação, acabam por ter o comportamento que interessa aos detentores do grande capital. Sobretudo, não irão jamais questionar, apontando responsabilidades, pela degradação do poder de compra de suas poupanças, de seus salários e pensões... 

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

[NO PAÍS DOS SONHOS] ASA CHAN - MINKARA


Estava naquele aeroporto há tantas horas. Esperava já não sei que voo; apenas sabia que tinha de esperar por uma vaga, um lugar num voo ... para chegar ao meu destino.
Os zumbidos, ruídos metálicos e as vozes confundiam-se e formavam um fundo sonoro contínuo. De vez em quando, dormitava, mas depressa acordava. A espera era ritmada pelas vagas de gente que se aproximavam ou afastavam, no hall em me refugiara.
Ia-me entretendo com recordações recentes da minha estadia naquela terra, já distante, a que deixava para trás, ou daquela a que regressava.
Talvez tivesse sido ao terceiro dia, que o encontrei. Ele estava tão saturado como eu. Descobrimos que íamos para o mesmo sítio. Falámos de coisas triviais, prometemos nos encontrar mais tarde.
Mas a probabilidade real de nos encontrarmos depois, após a chegada à cidade-destino, era muito próxima de zero.

Dias depois, recebi a gravação acima, por via de redes sociais... só depois de muito pensar, cheguei à conclusão que tinha vindo dele; o tal colega de infortúnio no aeroporto em caos total.

Síntese e harmonização do nosso andar em círculo, em torno do Globo, tal como moscas zunindo até caírem exaustas? Ou profunda meditação que nos auxilia a abrir os chakras do corpo e alma? Ou ainda expressão do mundo de sonho, veiculado pelo músico xamã?

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

BACH AO PIANO

Houve, desde a segunda metade do século XX, um renovo de interesse pela música antiga, especialmente barroca, na perspectiva de uma maior fidelidade às sonoridades de origem, da restituição do ambiente sonoro da época, o que implica a interpretação apropriada, usando instrumentos antigos (ou cópias dos mesmos) e as técnicas adequadas para os tanger. 

Porém, a música de J. S. Bach, desde o século XIX nomeadamente, a partir de Mendelssohn, foi sendo «redescoberta» e reinterpretada por sucessivas gerações, usando a orquestra moderna e o piano, o que realmente coloca estas interpretações e reportório numa categoria à parte. 

Hoje, o ensino de instrumentos de tecla dá um enorme relevo às peças de Bach. De facto, o próprio deixou para a posteridade recolhas com intuitos claramente didáticos: os Livrinhos (Büchlein) para Ana Magdalena e Wilhelm Friedmann, os Orgelbüchlein (versões de corais para órgão solo, de variados estilos) e os Clavier Übung. Um dos volumes dos Clavier-übung inclui as partitas e o concerto italiano, aqui interpretado por Lang Lang:

                        

                              https://www.youtube.com/watch?time_continue=2&v=_pdcTqNn2qQ


Na segunda metade do século XIX e primeira metade do século XX, a transcrição ou «redução» para piano solo de peças inicialmente compostas para orquestra ou para órgão, tornou-se muito comum. Helène Grimaud tem uma excelente interpretação da Chaconne (composta para órgão solo) em Ré menor, transcrita por Busoni

                                     
                                    https://www.youtube.com/watch?v=sw9DlMNnpPM

Os concertos para cravo e orquestra foram populares antes dos anos 1970, antes do renovo do interesse do grande público pela interpretação mais genuína da música antiga e em especial da música para cravo. Vários intérpretes dos anos 50 e 60 incluíam estas peças de Bach no seu reportório. Um deles foi Glenn Gould, cujas gravações de Bach são reeditadas e apreciadas muitos anos após sua morte precoce. 



A criação de um reportório para o piano usando música de Bach tornou-se de novo «moda», recentemente, graças a alguns grandes interpretes. A adaptação ou transcrição ao piano implica uma «reinvenção» ou «reinterpretação» de música que manifestamente não tinha sido pensada para este instrumento. Evgeny Kissin interpreta de forma bastante convincente a siciliana da sonata para flauta e cravo BWV 1031, transcrita para piano.

                                         

                             https://www.youtube.com/watch?time_continue=2&v=SGUd_kWdrkQ









domingo, 25 de fevereiro de 2018

VERÓNICA O. BAPTISTA, OBRAS* (VOL. 5)

(*colecção particular; aguarelas, tintas-da-china e guaches)


                            





                          

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

NEANDERTAIS E HUMANOS «MODERNOS» - CIÊNCIA E VULGARIZAÇÃO CIENTÍFICA

                 
                            Conchas perfuradas e restos de ocre em sítios arqueológicos datados
                             e identificados com os Neandertais 
                             http://advances.sciencemag.org/content/4/2/eaar5255
                             
A somar a muitas outras anteriores, chega-nos a notícia de que grutas em zonas do Sul de Espanha tinham pinturas rupestres (não figurativas) originárias de uma época em que a zona somente era povoada por neandertais, sendo certo que os «Homo sapiens modernos» ainda não tinham aí chegado. Estes saíram de África, segundo se estima actualmente, há menos de 60 mil anos, tendo permanecido vários milénios no Levante (onde é hoje Israel, Líbano...). 
Eles, os homens «modernos», antes de chegar à Península Ibérica, dispersaram-se por zonas do Centro e do Leste da Europa e por outro caminho - bordejando o Mediterrâneo - ocuparam territórios no Sul e Oeste europeu.


                                     
Sendo os humanos modernos uma espécie em competição directa pelos mesmos recursos que seus parentes, os Homo sapiens neanderthalensis, as zonas anteriormente povoadas  exclusivamente por neandertais foram sendo também aquelas onde os humanos «modernos» se vieram a estabelecer. 
A substituição não foi brusca, pelo contrário, foi muito longa. Houve - de certeza  - hibridação genética (todos os euroasiáticos possuem pedaços de ADN de origem neandertal, sabe-se isso desde os princípios deste milénio); houve também «hibridação cultural», desde há muito que se reconheceu que populações neandertais, supostamente mais «primitivas», teriam copiado muita tecnologia dos Homo sapiens «modernos», sendo muito incerto atribuir certos sítios arqueológicos a homens «modernos» ou aos neandertais, somente com base em artefactos obtidos nas escavações. 

Não há dúvida de que, no caso da humanidade ancestral, a dinâmica populacional é complexa e não se coaduna facilmente com o estereótipo de uma «progressão linear», de uma «evolução progressiva e ininterrupta» instilada pela media ignorante e apressada, ou pelos «manuais de História» adoptados no ensino, que retraçam os primórdios da Humanidade de modo muito esquemático, ao ponto de transmitir ou reforçar ideias-feitas (preconceitos) nos alunos. 
Por fim, temos uma comunidade científica que debate com calor os seus pontos de vista, nem sempre utilizando bons argumentos: Veja-se o caso da polémica (científica, antes de se tornar mediática) em torno do «menino de Lapedo» (descoberto e descrito por João Zilhão, 1998).

Para mim, é ocasião de me maravilhar, pelo facto de cientistas estarem muito preocupados em fazer encaixar a realidade das suas descobertas dentro dum quadro rígido conceptual, ou seja:
Existem conceitos de espécie diversos. 
Por exemplo, o conceito de espécie de Lineu, implícito na taxonomia de espécie bi-nominal (o nome específico do homem é Homo sapiens; o género ao qual pertence é apenas "Homo")... ainda está presente, cada vez que se dá um nome (segundo a nomenclatura taxonómica) a nova espécie...
Ou o conceito biológico de espécie, devido Ernst Mayr: segundo esta definição, são da mesma espécie os indivíduos que -no seu ambiente natural (não enjaulados, etc)- se cruzam e dão descendência fértil. Isto significa que os híbridos, resultantes do cruzamento das duas populações iniciais, podem cruzar-se entre si, sem perda de fecundidade e tendo descendência plenamente fértil.
No século XIX e princípio do séc. XX, com a popularização do Darwinismo e de teorias evolutivas associadas a uma antropologia «racial», punha-se a questão de saber se as diversas «raças» humanas  deveriam ser classificadas como seres da mesma espécie... Foi necessário muito sangue e sofrimento para que fossem varridos os preconceitos racistas que imbuíam os discursos de muitos cientistas (antropólogos, historiadores, biólogos, sociólogos... e claro, depois repercutidos pelos media, até ao «homem da rua»). 
Só se começou a questionar seriamente o conceito de «raça» aplicado ao humano na década de 1960, com LewontinStephen Jay Gould e outros. 
Segundo a biologia, uma nova raça (no sentido verdadeiro, sem aspas) é uma nova espécie que está em formação, que ainda não se separou completamente da espécie de origem. Há ainda interfecundidade com a espécie de onde provém,   mas esta já não é perfeita. Por exemplo, a taxa de fertilidade dos híbridos (a descendência de 1ª geração, resultante do cruzamento entre raças «puras») está diminuída. 
Uma população onde os indivíduos possuem um decréscimo significativo da fecundidade no estado natural, está - a prazo - condenada a desaparecer. 
Suponho que tal deve ter acontecido, ao longo de muitas centenas e mesmo milhares de anos, às populações dos neandertais que se intercruzaram com homens «modernos». 
Os híbridos teriam menor viabilidade do que qualquer uma das linhagens puras - neandertal e homem moderno. 
Tal é possível nas espécies em causa, porque os neandertais evoluíram durante muitos milhares de anos (mais de 100 mil?) de forma completamente separada dos restantes Homo, que permaneceram em África
Por outras palavras: após tanto tempo, o homem de Neanderthal, devido às adaptações ao clima muito frio e agreste do continente euro-asiático (equivalente aos climas do extremo norte da Europa ou da Sibéria, de hoje), era inevitável que seus genes tivessem diferenças significativas em relação aos homens «modernos», que permaneceram em África, do outro lado do Mediterrâneo: estes últimos só entraram na Europa há cerca de 60 mil anos... 
O encontro e cruzamento entre as várias sub-espécies (ou raças verdadeiras) que constituíam as várias populações do género Homo no continente euroasiático, com a espécie Homo sapiens «ancestral» vinda de África, acabou por esbater as marcadas diferenças físicas (morfológicas, bioquímicas, etc). 
A espécie humana actual é única e as chamadas «raças» não são verdadeiras raças*, pois a inter-fecundidade, entre os membros de diversas etnias ou populações e a fecundidade dos seus híbridos é plena: não existe qualquer tipo de barreira genética ao cruzamento. 
O preconceito é que torna tão complicado o assunto, pois as espécies humanas desaparecidas são vistas, subjectivamente, como «nossas» ancestrais. 
Se as víssemos apenas como um conjunto de espécies que evoluíram, espécies que são objecto de estudo em paleoantropologia, em biologia e em genética das populações... talvez houvesse menos carga emotiva no debate! 
- Mas nós, os humanos, somos assim... subjectivizamos tudo!  

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*ver também o meu livro de 2008, sobre o processo de humanação: 
https://app.luminpdf.com/viewer/cSg3omvykP9g3rj5u