terça-feira, 4 de julho de 2023

O RENOVO DA FILOSOFIA NATURAL

 

         Figura: simbolismo tranquilo de paisagem holandesa, séc. XVII 

Eu sinto que é necessário eclodir um novo ramo da grande árvore naturalista. Um ramo que pode florescer em meio das estruturas falsamente «inteligentes» e que nos cercam e mesmo nos invadem por todos os lados. 

Já não chega, com efeito, a resistência natural dos seres vivos e mesmo dos humanos, enquanto organismos. Na realidade, o que de positivo se poderia extrair de «progressos científicos e técnicos» neste novo milénio, foi desviado, quando não mesmo anulado, ou subvertido, pela civilização da ganância, do hedonismo e do individualismo exacerbado. Estas três características são apenas diferentes facetas dum fenómeno global de desorientação, decadência e desequilíbrio nas nossas  sociedades tecnologizadas, a saber:  

A ganância é o desejo de enriquecer e acumular riqueza por cima de quaisquer considerações éticas ou morais. Note-se que não considero o desejo de enriquecer, em si mesmo, como um mal. Mas, se as pessoas fossem formadas dentro de padrões de equidade e justiça (o que não acontece, antes pelo contrário) iriam naturalmente considerar que o facto de serem ricas, ou de terem enriquecido, se deve em grande parte, a estarem numa sociedade que lhes  proporcionou as coisas básicas, a própria organização social, sem o que os seus esforços teriam sido fúteis. A maior riqueza implica maior responsabilidade social, implica ter-se em conta a adequação do que se faz com o dinheiro e com  o poder daí decorrente. Isto seria a lógica de indivíduos que foram educados para internalizar certos valores. Pelo contrário, pessoas que não têm uma escala interna de valores acabam fatalmente por pensar que são ricas «porque o mereceram», etc.

Na escala individual, o hedonismo campeia, como forma predominante de comportamento, nas sociedades mais afluentes, mas também nas outras, com uma adoração de quem é rico, tem sucesso, tem fama, tem exposição mediática, etc. 

Este tipo de mediatização da vida pessoal chega ao ponto de uma «mise en scène» da própria vida pessoal e familiar, para se enquadrar dentro do imaginário da multidão adoradora do ídolo.  A media de «massas» é a principal promotora desta despudorada exposição da vida particular das «estrelas» (sejam de cinema, de desporto, de política, de empresários, dos membros de casas reais, etc.). Mas, não seria possível ela fazer este «trabalho de coscuvilhice», se as pessoas, que são o objeto dessa curiosidade, não se prestassem de bom grado ao jogo, não «abrissem as portas», por um lado; por outro,  este jornalismo vai ao encontro do desejo do público, ávido de intriga, de «ver pelo buraco da fechadura», ávido de conhecer as venturas e desventuras dos ricos e poderosos, de as comentar longamente, imaginando-se membro ou, pelo menos, frequentador dessa «elite».

O individualismo exacerbado é dado como «modelo» de comportamento. A ideologia de massas vai buscar todos os casos de «sucesso», que são invariavelmente descritos como a «gesta heroica» de um indivíduo, forçando o destino e finalmente recebendo o justo triunfo e recompensa pela sua persistência etc. Este discurso é um panegírico muito comum nos empresários. Têm todos eles uma característica; a de que «saíram do nada». Mas, também serve o propósito de mitificar a carreira de académicos, de médicos, de políticos, de artistas, etc. Portanto, nesta ideologia, o sucesso é tudo e assim tem-se as maiores nulidades promovidas a modelos de comportamento, de bom gosto e de virtudes!

Seria fácil atribuir isto tudo ao capitalismo, só que tal não decorre automaticamente do capitalismo, ou doutro tipo de organização económica e política da sociedade. Decorre do abandono da ligação do homem, dos homens organizados em sociedade, com a Natureza. 

Com efeito, este divórcio deu-se bastante cedo, na história da humanidade. Mas, embora a tecnologia inventada e desenvolvida, tenha sido sofisticada em vários domínios, desde a mais alta antiguidade, a vida em sociedade era ainda regida pelos ciclos naturais: As pessoas comiam o que a natureza lhes dava, na estação em que ela lhes dava; a agricultura era uma imitação da biologia e da ecologia; não a radical artificialidade, pondo as plantas e os animais em condições antinaturais, como hoje em dia, praticamente em todas as sociedade humanas (desenvolvidas, ou «em desenvolvimento»). 

Hoje tornou-se evidente, a humanidade está a ser acorrentada pelas invenções ou gadgets que alguns inventaram. Os que fabricam estes objetos tecnológicos dirão que eles trazem conforto, prazer, saber, velocidade, etc. Eles querem vender o máximo de produtos... nunca irão desvendar os aspetos negativos; porém, o público desejoso de consumir estes objetos, «esquece-se» de verificar minimamente se as promessas publicitadas, são reais ou apenas uma forma de publicitar o produto, «vendendo sonho».

A humanidade já não está em ligação com o mundo natural, na sua imensa maioria, pois uma maioria dos humanos habita em grandes cidades; outros, habitarão em centros urbanos mais pequenos, mas podem - numa proporção variável - estar tão «mentalmente urbanizados» como os primeiros. Sobretudo, a vida urbana com sua escravidão assalariada, a agressão à saúde e ao equilíbrio humano,  o gigantismo e  fealdade predominante do espaço urbano, etc. é ainda tida como local de vida «ideal», sobretudo pelos habitantes das áreas menos urbanizadas, ou rurais, que restam. Todos - ou quase - anseiam ir para a grande cidade, vista apenas pelas oportunidades, nunca vista através do prisma da exploração desenfreada e da vida antinatural.

Existe algum desejo de subtração a este ambiente urbano e à artificialidade do seu modo de vida mas, em muitos casos, este desejo permanece não realizado; noutros, as tentativas para viver em espaços rurais falham, porque as pessoas foram para lá com visões românticas do que é viver no campo, como agricultores. 

Em qualquer dos casos acima, trata-se duma pequena minoria. Enquanto a imensa maioria das pessoas urbanizadas anseia «estar no campo», mas em férias, apenas. Trazem para o espaço rural o modo de vida urbano («as casas de férias»), fazendo curtas estadias periódicas, numa transumância sazonal das famílias, sobretudo em estâncias de férias na costa, zonas  hipertrofiadas no Verão. São vilas e aldeias inicialmente rurais ou de pescadores, agora apenas vivendo de e para o turismo. 

Mas a Natureza embora esteja doente em muitos sítios é, sem dúvida, mais forte que as «civilizações», que apenas se interessam em extrair dela as matérias-primas, o rendimento, em pô-la a produzir como se duma fábrica se tratasse. A cura para os múltiplos males sociais que assolam a humanidade, não a tenho. Nem creio que alguém -seriamente - a possua. Certamente não a possuem, aqueles que se fazem arautos de filosofias ou ideologias de pacotilha, que aproveitam a moda ecologista, mas são destituídos de conhecimento científico. No fundo, são meramente políticos que se apropriam de slogans ditos «verdes», para melhor deterem as rédeas do poder (e os lucros daí decorrentes). 

Eu, antes de mais, procuro para mim próprio uma filosofia de vida: Um modo de ser e de estar, que seja compatível com as poucas verdades que eu reconheço, como sendo uma base válida para nortear o meu comportamento. Nesta medida, não proclamo que encontrei a solução para os problemas que afligem a humanidade. Tenho algum conhecimento, muito incompleto, dos modos como as sociedades funcionam, como se organizam, como produzem, com se distribuem no espaço, como se sustentam e se destroem a si próprias. Mas, de forma muito incompleta e com muitos erros, pois tenho de me basear por um lado, na experiência própria limitadíssima da sociedade, por outro de recolha de dados transmitidos por outros que - consciente ou inconscientemente - segregam sua visão do mundo (ideologia), ao descreverem os fenómenos sociais.

A filosofia natural parte do reconhecimento de que  Natureza tem um grau de complexidade e sofisticação enormes. Que encontrou soluções de adaptação a vários ambientes, com as suas características físicas próprias e com as comunidades de organismos que aí se encontram e vivem, sem «ajuda» humana de qualquer espécie. É também saber-se «ouvir» os animais e plantas, inclusive os «animais humanos» (e nós próprios), não para tirar daí «lucro» ou vantagem, mas para harmonizar o nosso comportamento, para estarmos inseridos harmoniosamente no Todo que é o Universo.

É uma religião, no sentido de re-unir o Homem com o Todo. As grandes religiões fazem isso, ou fizeram-no numa etapa da sua História, tendo sido reconhecidas como tal pelos que as fundaram, as expandiram e as seguiram. As ideologias, como reduções da «ciência» para servir de meio de alcançar o poder e de o manter, são «religiões», mas no sentido negativo de obscurecerem o relacionamento dos humanos com a Natureza e com o Divino. 

Se Deus é universal, se está em todo lado, se é omnisciente, se transcende tudo o que o espírito humano consegue conceber, então a Natureza é outra forma de designar Deus. Ela está em nós e fora de nós. Está nas estrelas e galáxias, assim como na profundeza dos oceanos e em todo e qualquer lugar que queiramos investigar. Queres respeitar a Natureza, então respeita-a como Divina, não a reduzas a objeto conveniente, ou a fonte de lucro. As relações entre os homens estão subvertidas, porque a relação dos homens com a Natureza e com Deus está subvertida. Só pode haver um progresso verdadeiro, se este progresso for para todos e isto engloba as gerações vindouras. Mas, este o falso progresso é depredador, faz-se à custa da capacidade de regeneração do ambiente e, portanto, das gerações vindouras. A orgulhosa civilização tecnológica mundializada, que nos aparece como «o progresso», não é mais do que a exacerbação do violar das leis naturais e divinas. Esta destruição é não criativa, ou seja, é uma depredação, em especial dos ecossistemas mais produtivos, em abundância e diversidade. 

Pare-se de chorar «lágrimas de crocodilo»,  a hipocrisia que consiste em afixar uma ideologia «verde» ou «ambientalista», para as pessoas se «sentirem bem com as suas consciências» e faça-se o que é necessário e possível, para se subtraírem a vós próprios, mas também ao vosso entorno (família, vizinhos, colegas...) a ideologia que mina e destrói irreversivelmente a capacidade de regeneração da vida.

Viver com consciência é, sobretudo, viver em função dum conhecimento do papel que tenho na Natureza. Quanto mais profundo for esse conhecimento, quanto melhor desempenho o papel que julgo ser o meu, melhor me sinto. Eu julgo que este sentimento é partilhado pelos humanos; senão por todos, por uma grande parte deles. É por isso que mantenho a esperança, apesar deste presente de regressão e degradação civilizacional, de que somos testemunhos.




1 comentário:

Manuel Baptista disse...

https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2022/02/reflexao-natureza-o-unico-suporte-da.html
O artigo acima tenta responder à questão dos aspetos práticos de uma filosofia natural.