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domingo, 26 de março de 2023

UM BANHO DE BELEZA

Também é importante, mesmo no meio de um mundo que está no estertor do colapso, de ancorarmos a nossa mente nas coisas belas que tem a vida. Estou a ouvir o 2º concerto para piano de Rachmaninov, interpretado magistralmente por Yuja Wang.

Para mim, é a perfeição na interpretação.
Os céus deram-nos tantas maravilhas, neste universo, que me deixa espantado, a estupidez dos humanos em não se satisfazerem com aquilo que há de belo, elevado, perfeito, quer na Arte, quer na Natureza.
Não vou fazer glosas sobre a estupidez e o desejo insaciável de alguns, de sempre mais poder e riquezas. Não vou insistir neste ponto.
Aqui quero que prevaleça a beleza pura, aquela que oferece o êxtase, ao ouvinte verdadeiro. Não é preciso ter feito estudos muito avançados em música, nem noutra arte, para apreciar a obra monumental deste concerto, em si mesmo.


Mas, este monumento sonoro é apenas mais um, de um número interminável de obras que nos legou o passado. Este passado revive magicamente sob os dedos de Yuja Wang.


Ao falar desta interprete e desta obra, não quero esquecer todas as horas de puro prazer que usufrui com outros interpretes e músicas: Posso voltar a elas com facilidade, graças à sofisticada técnica contemporânea de captação e reprodução do som.

Porém, tenho receio da técnica, pois ela nos pode dar instrumentos de morte, cada vez mais eficazes, mas por outro lado, é a técnica e a ciência que estão na base da reprodução fiel da música e da imagem; isso é também algo que não é suficientemente valorizado pelas pessoas, sobretudo as mais jovens.

Elas vivem num mundo maravilhoso, embora ameaçado pelas guerras e pelas catástrofes ambientais, mas não se apercebem plenamente, julgo eu, do maravilhamento de que falo.

Isto, porque eu pertenço a uma geração suficientemente antiga para se contentar com o gira-discos estéreo (grande maravilha!) e os discos de vinil. Em que os telefones eram objetos fixos, ligados a um fio (grande invenção!) e eram a única maneira prática de nos comunicarmos verbalmente à distância. Neste universo, a cor das imagens do cinema, não se tinha ainda vertido no écran do televisor.

Vivi num mundo onde - se quiseres saber algo do que se passa pelo mundo - tens poucas opções, o jornal e a rádio, e mesmo nos mais «livres» países, tinhas muito pouca variabilidade, sempre o mesmo espectro de opiniões políticas.

Agora, não digo que seja melhor, mas é tudo diferente. Os marcos dessa época são caducos, tão caducos como os da época de Beethoven, só para dar um exemplo.

Mas, existem constantes; existem aspetos profundos da mente, da psicologia, que se mantêm. Por isso, nós podemos encontrar sabedoria e «insight» psicológico em autores cujo quotidiano era totalmente diferente do nosso.

Pensemos em Balzac, Dostoievski, Eça de Queiroz, Charles Dickens e outros, muitos outros. Não é possível, nem interessa, ser exaustivo na lista da grande literatura mundial, mas é preciso incluir nela os países e as civilizações muito diferentes de onde vivemos.

Quando eu era criança deliciava-me com as obras de literatura que havia nas bibliotecas dos meus pais e das minhas avós. Lá encontrava-se todo o tipo de literatura, mas sobretudo o romance. Eu absorvia essas obras, com uma gula insaciável. Não me lembro de todos os autores e títulos de romances que li. Muito pouco ficou na minha memória.

No entanto, descobri (há poucos anos) que a transposição de uma obra da literatura, para o cinema ou televisão, era um empobrecimento, não apenas porque teria sempre de se cortar cenas e mesmo capítulos inteiros da obra escrita, como -sobretudo - porque nós, ao vermos as imagens, ouvirmos os diálogos, estamos a condicionar a mente a «ver» tal e tal personagem, tal e tal conteúdo, à maneira do realizador do filme. Não estamos a ver a obra em si mesma, mas uma leitura, que pode até ser genial, do conteúdo dessa obra.

Muitas imagens mentais que se formam no cérebro quando se lê um romance ou outra obra de ficção, são muito especiais, pois não estão apenas descritas no próprio texto, resultam também da reconstrução mental que o leitor faz daquele pedaço de literatura.

O universo mental é ainda mais rico do que aquilo que nos é dado perceber do mundo exterior, pelos sentidos.

É -sobretudo - infinitamente diversificado, varia de pessoa para pessoa e, mesmo na mesma pessoa, evolui, transforma-se ao sabor dos anos e das diversas leituras que se podem fazer.

Deixo-vos com uma belíssima voz, interpretando «Vocalise» de Serguei Rachmaninov









quarta-feira, 18 de julho de 2018

O REALISMO NÃO-INGÉNUO

A relação das pessoas com o mundo, que estas percepcionam, é normalmente assumida como simples, não problemática. 
O realismo ingénuo consiste em tomarmos o resultado dos nossos sentidos como uma descrição bastante fiel da realidade.
Porém, a informação objectiva não existe, pois o que nós percepcionamos quando vemos, ouvimos, cheiramos, etc. é sempre um complexo de «inputs», a vários níveis: 
- o próprio objecto e as ondas luminosas, acústicas, de moléculas olfactivas, etc. que dele emanam; 
- a captação pelos respectivos sentidos e o modo como estes descodificam o sinal  e o  traduzem em linguagem neuronal; 
- por fim, a percepção cerebral e a elaboração de uma «imagem mental», a qual se vai necessariamente compatibilizar com as memórias armazenadas, ou seja, uma total reconstrução da informação contida no input nervoso.  

O realismo não ingénuo admite portanto como evidente que a noção de que existe uma realidade exterior ao nosso ser, não obriga a que tenhamos de saber, através dos sentidos ou até de instrumentos (que afinal são extensões dos sentidos), qual é a natureza dos objectos que nos são dados a conhecer.
Por isso, a elaboração de um complexo de expectativas e desejos interfere sempre com a nossa percepção da realidade externa. Aqui, a chave do entendimento reside na noção de «percepção»: 
- o facto de que não seja uma simples transposição da realidade, mas antes uma elaboração mental, onde existe um input do exterior, mas onde predominam forma mental e  enquadramento subjectivo.
Todos nós tivemos experiências de miragens ou ilusões, assim como o equivalente ao nível dos sentidos auditivo, etc. Pois estas experiências correspondem a «imagens construídas» ou o equivalente, nos outros sentidos. Assim, sabemos em casos extremos, verificados, da não conformidade com o modelo mais habitual da realidade. Sabemos que os órgãos dos sentidos e os centros cerebrais que os controlam e elaboram sobre os mesmos, são capazes de construir «imagens» convincentes do real.  
No caso do sonho, também, somos tomados pelo convincente «realismo» daquilo que sonhamos, porque a elaboração das imagens passa-se no cérebro e não na retina ou nos impulsos nervosos que conduzem as mensagens ao cérebro. Caso contrário, só poderíamos sonhar «imagens» geradas e transmitidas, nesse momento, pelos órgãos dos sentidos respectivos.
A elaboração da realidade, cujos contornos possam ser apreendidos por várias pessoas ao mesmo tempo, não é coincidente. Isto mostra que não existe olhar «objectivo». 
Várias pessoas descrevem -com toda a sinceridade -  aquilo que vêem, ouvem, etc. e as descrições, normalmente, não são coincidentes, por vezes mesmo profundamente contraditórias entre si. A realidade não pode ser «matéria de consenso entre pares», entre testemunhas do mesmo fenómeno. 
O que origina as ondas (sejam electromagnéticas, sejam doutro tipo) existe, ou pode existir, como entidade independente do(s) observador(es). Porém, a interacção das ondas referidas com as «máquinas de captação do sinal» (sejam elas órgãos dos sentidos, sejam máquinas colocadas para detectar o referido sinal) não existe - obviamente - na ausência de detectores. 
A questão, debatida longamente durante séculos, se a realidade é ou não exterior ao observador, se persiste quando o observador não está, ou se manifesta na ausência de um ser que capte a informação emitida pelo objecto, parece-me obsoleta, num certo sentido. Parece-me permanecer como formulação defeituosa do modo como descrevemos o percurso da informação, desde os referidos objectos até à mente: 
Se a captação do sinal é que é - no final de contas - a «sensação», necessariamente ela supõe a presença do ser capaz de realizar tal captação. 
Afinal de contas, será impossível uma captação «objectiva», pois o sinal, mesmo quando captado por máquinas, não é mais do que uma tradução, seguida de interpretação. Haverá sempre perda de informação de um suporte (ou tipo de vibração), na passagem para outro. Além disso, no outro extremo existe sempre alguém, aquele que obtém e interpreta os dados registados pela máquina. 

A análise do problema leva-me a formular a hipótese que se pode referir como «Realismo Não-Ingénuo». Assumo que estejamos - afinal de contas - a teorizar, explicita ou implicitamente, o seguinte:
- Temos uma teoria sobre a emissão de energia dos corpos, sobre as ondas, de vária natureza, intensidade e comprimento que atravessam o espaço
- Temos uma teoria sobre a captação das mesmas ondas pelos órgãos dos sentidos, o mesmo é dizer descrição fisiológica dos órgãos e fenómenos da sensação.  
- Temos uma teoria sobre a maneira como o nosso cérebro,  o nosso «eu», constrói uma informação, partindo da impulsão do exterior, mas que não é só isso. Por outras palavras, não é o mero impulso nervoso que conduz o sinal da referida informação, vinda de fora, é muito mais que isso.

Nada mal! ... Se o leitor tiver estas referidas teorias bem arrumadas, ao efectuar a sua abordagem sobre os fenómenos da mente e da interacção desta com o «mundo», com «a realidade». São imensamente complexas e dinâmicas, as áreas da ciência cujos resultados participam na elaboração das referidas teorias.

Pessoalmente, prefiro dizer que não possuo teorias nenhumas sobre os referidos aspectos da questão. 
Quanto muito, vou captando algumas «dicas», aqui e ali, em artigos científicos, que eventualmente permitirão que especialistas elaborem teorias novas, ou melhorem as existentes. 
Fico contente, pois assim o meu pensamento é enriquecido por tais contributos.