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terça-feira, 11 de agosto de 2020

[MANLIO DINUCCI] O QUE FAZ A ITÁLIA A FAVOR DO DESARMAMENTO NUCLEAR?


                                      



No 75º aniversário do bombardeamento atómico de Hiroshima e Nagasaki, o Presidente da República Sergio Mattarella reiterou que “a Itália apoia fortemente o objectivo de um mundo livre de armas nucleares". Foi ecoado pelo Presidente da Comissão de Defesa da Câmara, Gianluca Rizzo (M5S): “Faço minhas as palavras do Presidente da República, a favor de uma política que aponta para um mundo livre de armas nucleares”. Compromisso institucional máximo, portanto, mas em que direcção?

Façamos falar os factos:

Ø A Itália ratificou o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), em 1975, que afirma: "Cada um dos estados militarmente não nucleares, que faça parte do Tratado, compromete-se a não receber armas nucleares de ninguém, nem o controlo sobre tais armas, directa ou indirectamente ".

Ø Ao violar o TNP, a Itália concedeu as suas próprias bases para a instalação de armas nucleares dos EUA: actualmente bombas B61, cujo número é estimado em algumas dezenas, mas não é verificável. Estão instaladas nas bases de Aviano, juntamente com os caças F-16C/D dos EUA, e em Ghedi-Torre, onde os Tornado PA-200 da Força Aérea Italiana estâo prontos para um ataque nuclear sob comando USA.

Ø A Itália - confirma a NATO – faz parte dos países que “fornecem à Aliança aviões equipados para transportar bombas nucleares, sobre os quais os Estados Unidos mantêm controlo absoluto, e pessoal treinado para o efeito”.

A B61 será substituída, em breve, pela B61-12: uma nova bomba nuclear, com potência seleccionável no momento do lançamento, que se dirige com precisão para o alvo e tem a capacidade de penetrar no subsolo para destruir os ‘bunkers’ dos centros de comando.

O programa do Pentágono prevê a construção de 500 bombas nucleares B61-12, com uma despesa de 10 biliões de dólares. O programa está em fase final: nos polígonos do Nevada estão em curso os testes de lançamento da nova bomba (sem ogiva nuclear). Entre os aviões certificados para o seu uso estão o Tornado PA-200 e o novo F-35A, fornecidos à Força Aérea Italiana.

Não se sabe quantas B61-12 serão instaladas na Itália e noutros países europeus. Poderão ser mais do que as bombas B-61 anteriores e também ser instaladas noutras bases. A de Ghedi, reestruturada, pode acolher até 30 caças F-35A com 60 bombas B61-12.

Às novas bombas juntam-se as armas nucleares da Sexta Frota estacionada em Itália, cujo tipo e número são secretos. Além de que, com o rompimento do Tratado INF, os Estados Unidos estão a desenvolver mísseis nucleares de alcance intermédio com base em terra, que, como os Euromísseis dos anos 80, também poderão ser instalados em bases italianas.

A Itália, oficialmente um Estado não nuclear, desempenha assim a função cada vez mais perigosa, de base avançada da estratégia nuclear dos USA/NATO contra a Rússia e contra outros países.

Como membro do Conselho do Atlântico Norte, a Itália rejeitou em 2017, o Tratado ONU sobre a abolição das armasnucleares. No mesmo ano, mais de 240 parlamentares italianos - principalmente do Partido Democrata e do M5S, os actuais partidos do governo – comprometeram-se, ao assinar o Apelo ICAN, a promover a adesão da Itália ao Tratado ONU.

Na primeira fila, o actual Presidente da Comissão de Defesa, Gianluca Rizzo, e o actual Ministro dos Negócios Estrangeiros, Luigi Di Maio. Três anos depois, como os factos comprovam, o seu compromisso solene revela-se um expediente demagógico para recolher votos.

Para concretizar, em Itália, "uma política que aponta para um mundo livre de armas nucleares", como declara Gianluca Rizzo, não há senão um modo: libertar a Itália das armas nucleares, conforme prescreve o TNP, e aderir ao Tratado ONU, executando o que eles estabelecem: “Cada Estado Parte que possua armas nucleares no seu território, pertencentes ou controladas por outro Estado, deve assegurar a rápida remoção de tais armas”. Portanto, os signatários do Compromisso ICAN, exigem que os Estados Unidos removam todas as armas nucleares da Itália.

Se no Parlamento há alguém que queira um mundo livre de armas nucleares,
demonstre-o não por palavras, mas mas com factos.

Manlio Dinucci

il manifesto, 11 de Agosto de 2020

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Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos

Email: luisavasconcellos2012@gmail.com

Wepage: NO WAR NO NATO

sexta-feira, 12 de junho de 2020

[Manlio Dinucci] NÃO HÁ SOBERANIA ECONÓMICA SE NÃO EXISTIR SOBERANIA POLÍTICA


                             
                      Conte e Profumo com o novo Falco Xplorer, o maior drone que a empresa Leonardo construiu


Actualmente, discute-se quanto e que financiamento a Itália receberá da União Europeia e sob que condições. Chegam mensagens tranquilizadoras de Bruxelas. Mas como tais financiamentos serão concedidos em grande parte, sob a forma de empréstimos, vários economistas alertam que existe o perigo de forte endividamento e de uma perda posterior de soberania económica. Assim sendo, a atenção política-mediática concentra-se nas relações entre a Itália e a União Europeia. 

Tema importante, que não pode ser separado das relações entre a Itália e os Estados Unidos, que ninguém discute no Parlamento e nos meios de comunicação mediática. Assim, continuam a ignorar-se as implicações do plano de “assistência” à Itália, lançado pelo Presidente Trump em 10 de Abril (il manifesto, 14 de Abril de 2020). 

No entanto, o Embaixador dos EUA em Itália, Lewis Eisenberg, define-o como “a maior ajuda financeira que os Estados Unidos já deram a um país da Europa Ocidental desde 1948, desde a época do Plano Marshall”. Em apoio às actividades de saúde anti-Covid, “dezenas de milhões de dólares já foram e irão para a Cruz Vermelha e algumas organizações não-governamentais” (não perfeitamente identificadas). Além disso, o plano prevê uma série de intervenções para “apoiar a recuperação da economia italiana”.

Para este fim, o Presidente Trump ordenou aos Secretários do Tesouro e do Comércio, ao Presidente do Banco de Exportação e Importação, ao Administrador da Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional, ao Director da Corporação Internacional de Financiamento ao Desenvolvimento dos Estados Unidos (agência governamental que financia projectos de desenvolvimento privado) para usarem os seus instrumentos para “as empresas italianas”. Não está dito que empresas são e quais serão financiadas por este plano, nem a que condições estão vinculados estes empréstimos.

O Embaixador Eisenberg fala, em geral, das óptimas relações entre os Estados Unidos e Itália, demonstradas por “importantes indicadores económicos e estratégicos”, incluindo “um dos maiores acordos militares com a empresa Fincantieri”, que ganhou um contrato em Maio passado de cerca de 6 biliões de dólares para a construção de dez fragatas multifuncionais da Marinha dos EUA. O grupo italiano, 70% controlado pelo Ministério da Economia e Finanças, possui três estaleiros nos EUA, onde também estão em construção quatro navios de guerra semelhantes para a Arábia Saudita.

Outro indicador económico e estratégico importante é a integração crescente da Leonardo, a maior indústria militar italiana, no complexo industrial militar dos EUA, sobretudo através da Lockheed Martin, a maior indústria militar dos EUA. A Leonardo, da qual o Ministério da Economia e Finanças é o principal accionista, fornece aos EUA produtos e serviços para as forças armadas e para as agências de serviços secretos e administra em Itália, as instalações fabris de Cameri, dos caças F-35 da Lockheed Martin.

São estes e outros interesses poderosos - especialmente os dos grandes grupos financeiros - que ligam a Itália aos Estados Unidos. Não só a política externa e militar da Itália, mas também a política económica, subordinada à estratégia dos Estados Unidos, baseada num confronto político, económico e militar cada vez mais agudo com a Rússia e com a China. O plano de Washington é claro: explorar a crise e as fracturas na União Europeia para fortalecer a influência dos EUA em Itália.

As consequências são evidentes. Embora, por exemplo, seja do nosso interesse nacional suspender as sanções a Moscovo, a fim de relançar as exportações italianas para a Rússia para restaurar o oxigénio, especialmente às pequenas e médias empresas, tal alternativa foi impossibilitada pela dependência das escolhas de Washington e de Bruxelas.

Ao mesmo tempo, estão em perigo os acordos da Itália com a China no âmbito da Nova Rota da Seda, que não são bem aceites por Washington. A falta de soberania política real impede estas e outras escolhas económicas de importância vital para sair da crise. Mas, no ‘talk show’ político, não se fala de toda esta conjuntura.

Manlio Dinucci


il manifesto, 9 de Maio de 2020



Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos
Email: luisavasconcellos2012@gmail.com

terça-feira, 28 de janeiro de 2020

[Manlio Dinucci] A POLÍTICA '100 SEGUNDOS PARA A MEIA-NOITE'

                                 
ITALIANO PORTUGUÊS

Enquanto a atenção político-mediática estava concentrada na campanha eleitoral, em Itália, o ponteiro do “Relógio do Apocalipse” - o relógio simbólico que no Boletim de Cientistas Atómicos dos EUA indica a quantos minutos estamos da meia-noite da guerra nuclear - foi movido para a frente, para 100 segundos para a meia-noite. É o nível de alarme mais alto desde que o “Relógio” foi criado, em 1947 (como comparação, o nível máximo durante a Guerra Fria foi de 2 minutos para a meia-noite).
No entanto, em Itália, a notícia passou quase ignorada ou assinalada como uma espécie de curiosidade, quase como se fosse um jogo de vídeo (videogame).

Ignora-se o facto de que o alarme foi lançado por uma comissão científica da qual fazem parte 13 Prémios Nobel.
Eles advertem:
“Estamos perante uma emergência real, um estado absolutamente inaceitável da situação mundial que não permite nenhuma margem de erro nem atraso imediato”. A crise mundial, agravada pela mudança climática, “torna realmente possível uma guerra nuclear, iniciada com base num plano ou por engano ou por simples mal entendido, a qual poria fim à civilização”.

A possibilidade de guerra nuclear - sublinham - foi acrescida pelo facto de, no ano passado, vários tratados e negociações importantes terem sido cancelados ou destruídos, criando um ambiente propício a uma corrida renovada aos armamentos nucleares, à proliferação e à redução do limiar nuclear.

A situação - acrescentam os cientistas - é agravada pela “ciber-desinformação”, ou seja, pela contínua alteração da esfera de informação, da qual dependem a democracia e a tomada de decisões, conduzida através de campanhas de desinformação para semear a desconfiança entre as nações e destruir os esforços internos e internacionais para promover a paz e proteger o planeta.

O que é que faz a política italiana nessa situação extremamente crítica?

A resposta é simples: cala-se. Domina o silêncio imposto pelo vasto arco político bipartidário, responsável pelo facto de que a Itália, país não nuclear, albergar e estar preparada para usar armas nucleares, violando o Tratado de Não Proliferação, que ratificou. Responsabilidade que se torna ainda mais grave pelo facto da Itália se recusar a aderir ao Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares (Tratado ONU),votado pela grande maioria da Assembleia das Nações Unidas.

No Artigo 4, o Tratado estabelece:

“Qualquer Estado parte que possua armas nucleares no seu território, possuídas ou controladas por outro Estado, deve assegurar a remoção rápida dessas mesmas armas”.

Portanto, para aderir ao Tratado ONU, a Itália deve solicitar aos Estados Unidos para removerem do seu território, as bombas nucleares B-61 (que já violam o Tratado de Não Proliferação) e de não instalar as novas bombas B61-12, nem outras armas nucleares.

Além do mais, como a Itália faz parte dos países (como declara a própria NATO) que “fornecem à Aliança, aviões equipados para transportar bombas nucleares - sobre os quais os Estados Unidos mantêm controlo absoluto - e pessoal treinado para esse fim”, para aderir ao Tratado da ONU, a Itália deveria pedir para ser isenta dessa função. O mesmo aplica-se ao Tratado sobre Forças Nucleares Intermédias (Tratado INF), destruído por Washington.

Tanto na sede da NATO, da União Europeia e da ONU, a Itália seguiu a decisão dos EUA, dando, essencialmente, luz verde à instalação de novos mísseis nucleares dos EUA no seu território. Isso confirma que a Itália não tem - por responsabilidade do vasto arco político bipartidário - tem uma política externa soberana, que responde aos princípios da sua Constituição e aos reais interesses nacionais. No comando que determina as orientações fundamentais da nossa política externa, está a mão de Washington, directamente ou através da NATO.

A Itália que, de acordo com o texto da sua própria Constituição repudia a guerra, faz parte da engrenagem que nos levou a 100 segundos para a meia-noite, da guerra nuclear.

il manifesto, 28 de Janeiro de 2020

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DECLARAÇÃO DE FLORENÇA
Para uma frente internacional NATO EXIT, 
em todos os países europeus da NATO
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PORTUGUÊS ROMÎNA SLOVENSKÝ SVENSKA TÜRKÇE РУССКИЙ

Manlio DinucciGeógrafo e geopolitólogo. Livros mais recentes: Laboratorio di geografia, Zanichelli 2014 ; Diario di viaggio, Zanichelli 2017 ; L’arte della guerra / Annali della strategia Usa/Nato 1990-2016, Zambon 2016, Guerra Nucleare. Il Giorno Prima 2017; Diario di guerra Asterios Editores 2018; Premio internazionale per l'analisi geostrategica assegnato il 7 giugno 2019 dal Club dei giornalisti del Messico, A.C.

Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos
Email: luisavasconcellos2012@gmail.com
Webpage: NO WAR NO NATO

terça-feira, 8 de outubro de 2019

Manlio Dinucci: «O F-35 na agenda secreta de Pompeo em Roma»





 O caça furtivo F-35 torna-se invisível não só ao radar, mas também à política: nos comunicados dos encontros do Secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, em Roma, não há vestígios. No entanto, o ‘Corriere della Sera’ revela que Pompeo solicitou à Itália  para pagar os atrasos dos caças adquiridos e para desbloquear a encomenda de uma compra posterior, recebendo de Conte a garantia de que "seremos leais aos pactos".

A Itália comprou até agora, 14 caças F-35 da americana Lockheed Martin, 13 dos quais já entregues,estão "completamente financiados". Anunciou no Senado, em 3 de Junho, a então Ministra da Defesa, Elisabetta Trenta (M5S), anunciando outras aquisições que elevarão o total a 28 caças até 2022. A Itália comprometeu-se a comprar 90, com uma despesa prevista de 14 biliões de euros. A essa despesa, junta-se a da actualização contínua do software (o conjunto dos programas operacionais) do caça de que a Lockheed Martin mantém exclusividade: somente para os aviões comprados até agora, a Itália deve despender cerca de meio bilião de euros. 

A Itália não é só compradora, mas fabricante do F-35, como parceira de segundo nível. A Leonardo (anteriormente Finmeccanica) - a maior indústria militar italiana, da qual o Ministério da Economia e Finanças é o principal accionista, com uma quota de cerca de 30% - administra a linha de montagem e testes do F-35 na fábrica de Faco de Cameri (Piemonte), de onde saem os caças destinados à Itália e à Holanda. A Leonardo também produz asas completas para os aviões montados nos EUA, utilizando materiais produzidos nas fábricas de Foggia (Puglia), Nola (Campania) e Venegono (Lombardia). O governo dos EUA seleccionou a fábrica de Cameri como centro regional europeu para manutenção e actualização da fuselagem.

O emprego na Faco é de cerca de mil trabalhadores, dos quais muitos são precários, apenas um sexto do esperado. As despesas para a construção da fábrica e a aquisição dos caças são muito superiores ao valor dos contratos estipulados pelas empresas italianas para a produção do F-35. E não devemos esquecer o facto de que, embora os ganhos vão quase inteiramente para os cofres das empresas privadas, as despesas saem do erário público, fazendo aumentar a despesa militar italiana, que já atingiu os 70 milhões de euros por dia. 

O Secretário de Estado, Mike Pompeo, nos encontros com o Presidente Mattarella e com o Primeiro Ministro Conte, sublinhou a necessidade da Itália e de outros aliados europeus "aumentarem os seus investimentos na defesa colectiva da NATO". Certamente, nas reuniões confidenciais, este pedido foi feito por Pompeu com tons não diplomáticos, mas peremptórios. Certamente, enquanto o Departamento de Estado elogia a Itália porque "alberga mais de 30 mil soldados e funcionários do Pentágono em cinco grandes bases e mais de 50 sub-instalações", Mike Pompeo solicitou, em reuniões confidenciais, poder instalar outras bases militares em Itália (talvez em troca de algum alívio das taxas aduaneiras dos EUA sobre o parmesão italiano). 

Certamente, na agenda secreta de Pompeo, estava também o ajuste para próxima chegada,  a Itália, das novas bombas nucleares USA B61-12, que substituirão as actuais B-61. Uma nova arma nuclear projectada especialmente para os caças bombardeiros F-35A, seis dos quais pertencentes à Força Aérea Italiana, receberam, em Outubro, o certificado da NATO de plena capacidade operacional.

Mike Pompeo, em Roma, não se ocupou só de coisas materiais, como o F-35 e o queijo Parmesão. Num simpósio no Vaticano, fez um discurso em 1º de Outubro, sobre "Dignidade Humana e Fé nas Sociedades Livres": afirmou que "os Estados Unidos chegaram um pouco depois de São Pedro, mas protegeram sempre a liberdade religiosa" e, com ela, a "dignidade humana"; acusou a China, Cuba, Irão e Síria de suprimirem essas liberdades. Palavras proferidas, com uma grande cruz como fundo, por um homem santo que, no momento em que se tornou chefe da CIA, declarou ao Congresso que tinha considerado" a reintrodução do 'waterboarding' e de outras medidas de interrogatório aprimorado", ou seja, a tortura. 

il manifesto, 7 de Outubro de 2019

(traduzido do italiano por Luísa Vasconcellos)

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

[Manlio Dinucci] COM GUERINI, AINDA MAIS LIGADOS AO PENTÁGONO


                         



“Relação historicamente privilegiada, que é necessário reforçar o mais possível": assim, na sua visita a Washington (29-31 de Janeiro), o Ministro da Defesa, Lorenzo Guerini (PD) definiu a ligação da Itália com os Estados Unidos.

O Secretário de Defesa dos EUA, Mark Esper, definiu a Itália como “um sólido aliado NATO” que, albergando mais de 34.000 militares e outros funcionários do Pentágono, “desempenha um papel vital na nossa projecção de força na Europa, no Mediterrâneo e no norte da África”.

O papel da Itália é mais importante de tudo quanto diga o mesmo Esper. O Pentágono pode lançar do nosso território, através dos comandos e das bases dos USA/NATO, operações militares numa área que, do Atlântico se estende à Rússia e, ao sul, a toda a África e ao Médio Oriente. Sempre com o consentimento e com a colaboração do Estado italiano.

“Ambos os países - sublinha o comunicado oficial do Pentágono - reconhecem a influência desestabilizadora do Irão no Médio Oriente e concordam em continuar a trabalhar juntos para conter as actividades iranianas, cada vez mais perturbadoras”. É assim cancelada a posição formal assumida pelo Governo italiano (e, portanto, pelo próprio Guerini) que, após o assassínio de Soleimani ordenado por Trump e a reacção iraniana, tinha sublinhado a necessidade de “evitar uma escalada posterior e favorecer uma redução da tensão através da diplomacia”. Confirmando que a decidir é Washington e não Roma, Guerini declarou, na conferência de imprensa no Pentágono, que “a Itália decidiu permanecer no Iraque após uma conversa telefónica com o Secretário Esper”.

Guerini - informa o Ministério da Defesa - também foi recebido pelo Conselheiro do Presidente Trump, Jared Kushner, “promotor do recente plano de paz para o Médio Oriente”, ou seja, do plano de criar um “Estado Palestiniano” segundo o modelo das “reservas índias” criadas pelos EUA, no século XIX.

O Ministro Guerini também teve, de Esper, alguns puxões de orelhas: a Itália deve empenhar-se mais para levar a sua despesa militar (cerca de 70 milhões de euros por dia) a, pelo menos, 2% do PIB (cerca de 100 milhões de euros por dia ); deve limitar também ou proibir o uso da tecnologia chinesa 5G, em particular a da Huawei, que “compromete a segurança da Aliança”.F-35
No entanto, imediatamente a seguir, o Ministro Guerini teve a sua maior satisfação: o Chefe do Pentágono agradeceu-lhe por “ter reforçado o papel da Itália como parceiro fundamental dos Estados Unidos na indústria da Defesa, e pelo seu forte apoio ao programa do caça F-35, no qual a Itália, um parceiro de segundo nível, fez investimentos importantes na pesquisa e no desenvolvimento”.

Em Washington - lê-se num comunicado publicado em Roma - o Ministro Guerini encontrou-se com “representantes da indústria italiana da Defesa e com os principais ‘think tanks’ do sector”.

Em primeiro lugar, certamente, com os dirigentes da Leonardo - a maior indústria militar italiana, da qual o Ministério da Economia e Finanças é o principal accionista - que nos EUA fornece produtos e serviços às forças armadas e às agências de inteligência/serviços secretos, e em Itália gere a fábrica de Cameri dos caças F-35 da Lockheed Martin.

Guerini também se reuniu, em Washington, com os gerentes da Fincantieri, controlada em mais de 70% pelo Ministério da Economia e Finanças. Nos EUA, o Fincantieri Marine Group constrói navios de combate costeiros para a US Navy. Quatro navios do mesmo tipo estão agora a ser construídos por esta empresa Fincantieri para a Arábia Saudita, sob um contrato de 2 biliões de dólares, estipulado pela Lockheed Martin.

Em 2019, enquanto Fincantieri, controlada pelo governo, assinava o contrato para a construção de navios de guerra para a Arábia Saudita, a Câmara aprovava uma moção, apresentada pela maioria do governo, que pedia um embargo à venda de armamentos à Arábia Saudita.

il manifesto, 4 de Fevereiro de 2020


               







DECLARAÇÃO DE FLORENÇA
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Manlio DinucciGeógrafo e geopolitólogo. Livros mais recentes: Laboratorio di geografia, Zanichelli 2014 ; Diario di viaggio, Zanichelli 2017 ; L’arte della guerra / Annali della strategia Usa/Nato 1990-2016, Zambon 2016, Guerra Nucleare. Il Giorno Prima 2017; Diario di guerra Asterios Editores 2018; Premio internazionale per l'analisi geostrategica assegnato il 7 giugno 2019 dal Club dei giornalisti del Messico, A.C.

Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos
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sábado, 30 de novembro de 2019

[Manlio Dinucci] F-35 LEVANTAM VOO COM ASAS BIPARTIDÁRIAS


                         


Lorenzo Guerini (PD), Ministro da Defesa do Governo Conte II, comunicou às comissões parlamentares, a passagem para a fase 2 do programa de compra dos F-35, da empresa americana Lockheed Martin. Passagem preparada pelo Governo Conte I: o Vice Primeiro Ministro Salvini (Lega) sublinhou, em Março passado, que “qualquer hipótese de abrandamento ou correcção do programa de compra dos F-35 seria uma perda para a economia italiana”; o Subsecretário dos Negócios Estrangeiro, Di Stefano (M5S) solicitou uma “revisão profunda dos acordos”, mas acrescentou que “se tivermos penalidades a pagar, certamente não entraremos na História por ter traído um acordo feito com empresas privadas: existe toda uma cadeia que deve ser respeitada”. Em Maio passado, o Governo Conte I autorizou “a construção e entrega de 28 caças F-35 até 2022 (os aviões entregues até ao momento são 13), cujos contratos foram completamente financiados”, obviamente com dinheiro público.
Em Outubro passado, em conversas confidenciais com o Governo Conte II, em Roma, o Secretário de Estado USA, Mike Pompeo, pedia à Itália para desbloquear a encomenda para uma compra posterior. O Ministro da Defesa Guerini assegurou-lhe, imediatamente, numa entrevista ao Corriere della Sera, que "a Itália é um país confiável e credível em relação aos compromissos internacionais: contribuir para o programa F-35 é um sinal tangível de nossa confiabilidade". Alguns dias depois, durante uma conferência de imprensa em Washington com o presidente Mattarella, o presidente Trump anunciou exultante: "A Itália acabou de comprar 90 novos F-35. O programa é muito bom".
A Itália confirma, portanto, o seu empenho em comprar 90, com uma despesa prevista de cerca de 14 biliões de euros. A essa é junta-se a não quantificável para a actualização contínua do software de caça. A Itália não é só compradora, mas fabricante do F-35, como parceira de segundo nível. La Leonardo - a maior indústria militar italiana, da qual o Ministério da Economia e Finanças é o principal accionista, com cerca de 30% - está fortemente integrada no complexo industrial militar USA. Foi, por este facto, escolhida para gerir a fábrica Faco, em Cameri (Piemonte), de onde saem os caças destinados à Itália e à Holanda. A Leonardo produz, também, as asas completas para os aviões montados nos USA, utilizando materiais produzidos nas fábricas de Foggia (Puglia), Nola (Campania) e Venegono (Lombardia). O emprego na Faco é de cerca de mil postos de trabalho, dos quais muitos são provisórios, apenas um sexto do previsto. A despesa para a construção da fábrica Faco e a compra dos caças são superiores ao valor dos contratos estipulados pelas empresas italianas para a produção do F-35. Do ponto de vista económico, ao contrário do que o governo alega, a participação no programa F-35 é um fracasso para o erário público.

O Ministro Guerini lançou a fase 2 do programa F-35 “sem uma avaliação de mérito e na ausência de uma declaração, em discordância com as indicações do Parlamento”, denuncia o deputado da LeU, Palazzotto, pedindo que o Ministro explique “em que base, assumiu, autonomamente, esta decisão”. Na sua “explicação”, o Ministro nunca dirá a verdadeira razão pela qual tomou essa decisão, não autonomamente, mas por deliberação do ‘establishment’ italiano. A participação no programa F-35 reforça a ancoragem política e estratégica da Itália aos Estados Unidos, integrando ainda mais o complexo militar industrial italiano no gigantesco complexo militar-industrial USA. A decisão de participar no programa é, portanto, uma escolha política, feita numa base bipartidária. Confirma-o, o facto da Liga, adversária do Partido Democrata, aplaudir o Ministro do Pd: “Observamos com satisfação, que sobre o F-35, o Ministro Guerini anunciou o início da fase 2”, declaram, unânimes, os legisladores da Liga. As principais forças políticas, em contraste uma com a outra, reagrupam-se, seguindo os Estados Unidos, “o aliado privilegiado” que, em breve, instalará em Itália, juntamente com os F-35, as novas bombas nucleares B61-12 projectadas, em particular, para estes caças da quinta geração.
il manifesto, 30 de Novembro de 2019







                                   

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Manlio DinucciGeógrafo e geopolitólogo. Livros mais recentes: Laboratorio di geografia, Zanichelli 2014 ; Diario di viaggio, Zanichelli 2017 ; L’arte della guerra / Annali della strategia Usa/Nato 1990-2016, Zambon 2016, Guerra Nucleare. Il Giorno Prima 2017; Diario di guerra Asterios Editores 2018; Premio internazionale per l'analisi geostrategica assegnato il 7 giugno 2019 dal Club dei giornalisti del Messico, A.C.

Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos 
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sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

[Manlio Dinucci] Fogos de artifício de fim de ano: 50 bombas nucleares USA da Turquia para Aviano

                            

Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos
Email: luisavasconcellos2012@gmail.com
Webpage: NO WAR NO NATO

“Cinquenta ogivas nucleares estariam prontas para mudar da base turca de Incirlik, na Anatólia, para a base USAF de Aviano, em Friuli Venezia Giulia, já que os EUA desconfiam cada vez mais da lealdade à NATO do presidente turco Erdogan”: relata a ANSA citando o que foi declarado pelo general aposentado da Força Aérea dos EUA, Chuck Wald, numa entrevista à Bloomberg, em 16 de Novembro. O facto da ANSA e alguns jornais falarem sobre este assunto, mesmo tarde, ainda é positivo. Isto confirma o que il manifesto documentou há muito tempo. "Parece provável - escrevemos em 22 de Outubro (mas a ANSA ignorou a notícia) - que, entre as opções consideradas em Washington, há a transferência de armas nucleares dos EUA da Turquia para outro país mais confiável. Segundo o Atomic Scientists Bulletin (EUA), a base aérea de Aviano pode ser a melhor opção europeia do ponto de vista político, mas provavelmente não tem espaço suficiente para receber todas as armas nucleares da Incirlik. O espaço poderia, no entanto, ser obtido, dado que já havia começado em Aviano, o trabalho de reestruturação para acolher as bombas nucleares B61-12 ».
Baseado no que foi relatado pela ANSA, o coordenador nacional dos Verdes, Angelo Bonelli, pergunta ao governo se confirma a notícia e traz imediatamente o problema à avaliação do Parlamento, pois que a Itália seria “transformada no maior depósito de armas nucleares da Europa e este silêncio do governo italiano é inaceitável”. Na realidade, não é só o governo que está calado, mas o próprio Parlamento, onde a questão das armas nucleares dos EUA em Itália, é tabu. Levantá-la significaria questionar a relação de sujeição da Itália aos Estados Unidos.
Assim, a Itália continua a ser a base avançada das forças nucleares USA. Segundo as últimas estimativas da Federação de Cientistas Americanos, em cada uma das duas bases italianas e nas da Alemanha, Bélgica e Holanda, actualmente existem 20 bombas B61 para um total de 100 mais 50 em Incirlik, na Turquia. No entanto, ninguém pode verificar quantas são na realidade. Das estimativas resulta que os USA estão a diminuir o seu número, o que está longe de ser tranquilizador. Eles estão a preparar-se para substituí-las pelas novas bombas nucleares B61-12. Diferentemente da B61, lançada verticalmente, a B61-12 segue em direcção ao alvo, guiada por um sistema de satélite e também tem a capacidade de penetrar no subsolo, explodindo em profundidade para destruir os bunkers dos centros de comando. O programa do Pentágono planeia, a partir de 2021, construir 500 bombas B61-12 com um custo de aproximadamente 10 biliões de dólares. Não se sabe quantas B61-12 serão instaladas em Itália, nem em que bases, provavelmente não só em Aviano e Ghedi. Como mostra o mesmo anúncio do projecto, publicado pelo Ministério da Defesa, os novos hangares de Ghedi poderão hospedar 30 caças F-35 com 60 bombas nucleares B61-12, o triplo das actuais B-61 (il manifesto, 28 de Novembro de 2017).
Ao mesmo tempo, os USA estão a preparar-se para instalar mísseis nucleares terrestres (entre 500 e 5.500 km) na Itália e em outros países europeus, semelhantes aos Euromísseis eliminados pelo Tratado INF, assinado em 1987 pelos USA e pela URSS. Acusando a Rússia (sem qualquer prova) de tê-lo violado, os USA retiraram-se do Tratado, começando a construir mísseis da categoria proibida: em 18 de Agosto eles testaram um novo míssil de cruzeiro e, em 12 de Dezembro, um novo míssil balístico, este último capaz de atingir o objectivo em poucos minutos. Ao mesmo tempo, estão a fortalecer o “escudo antimísseis” na Europa. Na sua “resposta assimétrica”, a Rússia começa a instalar mísseis hipersónicos que, capazes de atingir uma velocidade de 33.000 km/h e de manobrar, podem perfurar qualquer “escudo”.
A situação em que nos encontramos é, portanto, muito mais perigosa do que demonstra a notícia já alarmante da provável transferência de bombas nucleares USA de Incirlik para Aviano. Nesta situação, domina o silêncio imposto pela vasta coligação política bipartidária responsável pelo facto da Itália, país não nuclear, albergar e estar preparada para usar armas nucleares, violando o Tratado de Não Proliferação que ratificou. Essa responsabilidade torna-se ainda mais grave, pelo facto da Itália, como membro da NATO, se recusar a aderir ao Tratado sobre a Proibição de armas nucleares (Tratado ONU), votado por uma grande maioria da Assembleia Geral das Nações Unidas.

il manifesto, 30 de Dezembro de 2019

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

UMA «UNIÃO» EUROPEIA EM DESAGREGAÇÃO

A imagem que me ocorre quando reflicto nos processos que se verificam actualmente na União Europeia, é a de arribas ou falésias, em que as bases são escavadas pelo mar, as fissuras no calcário das arribas vão-se alargando e - de tempos a tempos - um enorme bloco deixa de ser capaz de se sustentar e cai ao mar ou na orla costeira. 

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Aqui, na minha analogia, os blocos representam nações: no estádio mais avançado da desagregação está a Grã Bretanha e seu doloroso e incerto «brexit». 
Mas o processo de fragmentação existe também a Leste, com o grupo de países (Polónia, Hungria, República Checa, Eslováquia) que recusa a política de migração imposta pelos poderes dominantes da UE. 
Outro grupo problemático é o dos países com défices e dívidas públicas excessivos. Estes incluem vários países do Sul: Grécia, Itália, Espanha e Portugal. 
Nestes países, a crise do tecido económico com desemprego de massa, resultante da austeridade imposta desde Bruxelas, engendrou uma profunda crise social. 
A Itália tem um governo, resultante de uma coligação heterogénea, mas que está decidido a fazer frente às exigências de um «Euro-grupo», dos comissários e doutros burocratas que, afinal, não representam senão a vontade da oligarquia instalada na mecânica eurocrática.  
Tudo se conjuga, neste dia 29 de Outubro, para que a Itália veja rejeitado o seu orçamento pelos todo-poderosos comissários da UE. 
Porém, ao contrário do que certa imprensa propala, papagueando o discurso dos eurocratas em Bruxelas ou de quem os apoia ao nível local, a Itália tem boas razões para manter tal orçamento, moderadamente expansionista, num contexto em que a crise social, iniciada com a grande recessão de 2008, permanece - 10% de desemprego - gerando ou aprofundando fenómenos inquietantes como racismo, xenofobia, etc. 
O rigor contra Itália explica-se como uma espécie de retaliação pelo facto do seu governo não aceitar as políticas migratórias instituídas pelos poderes centrais. 
Com efeito, o seu orçamento com um défice de 2,4% apresenta uns 0,4% acima do que os comissários de Bruxelas achavam sustentável, porque a dívida pública italiana excede 132 % do PIB. Mas, por outro lado, um orçamento moderadamente expansionista é necessário para desencadear um maior consumo nas camadas que foram mais afectadas pelos dez anos de depressão que atravessamos. 
Se houvesse um mínimo de boa vontade, não iriam ser colocados demasiados obstáculos à Itália, até porque o seu governo tem uma legitimidade muito maior do que os senhores de Bruxelas. 
Mas, aqui joga-se um jogo que visa intimidar, dar o exemplo: «se te portas mal, olha o que te acontece». O comportamento da UE em relação à Grécia, em 2010-2014, seguiu este padrão. 
O que se está a passar com o «brexit» igualmente, embora as responsabilidades do péssimo governo de Theresa May também sejam enormes. 
A média económica põe em realce a subida dos juros das obrigações soberanas italianas: porém, deveria também realçar o facto de que as obrigações soberanas (a dívida emitida pelos estados) de todos os países do sul foram compradas sistematicamente pelo BCE, durante mais de 6 anos (2012 -2018) e distorceram o mercado da dívida destes países, até valores de juros irrisórios, totalmente artificiais. 

Creio que a miopia da eurocracia no poder vai arrastar a Itália para a ruptura. Mas a Itália tem muitos trunfos; tem potencial na indústria, no comércio, no turismo. Terá, com certeza, muitos parceiros económicos (dentro e fora da Europa) com os quais poderá estabelecer acordos mutuamente vantajosos.   

quarta-feira, 15 de abril de 2020

[Manlio Dinucci] TRUMP ORDENA A «ASSISTÊNCIA» À ITÁLIA

RETIRADO DE:
                  

ITALIANO PORTUGUÊS

O Primeiro Ministro Conte anunciou aos italianos, em directo na televisão, em 10 de Abril, que a Itália não assinou nenhum compromisso com o MES (1), o fundo europeu “salva-Estados”, e que o seu Governo discutirá apenas "um MES não condicionado”, ou seja, que não imponha condições que sejam prejudiciais aos interesses nacionais e à soberania do país. Posição correcta.
No entanto, o Primeiro Ministro não anunciou aos italianos que, em 10 de Abril, o Presidente Trump emitiu, a pedido do governo Conte, um “Memorando sobre a Prestação de Assistência ao Covid-19 à República Italiana” (2) que contém, de facto, fortes restrições para o nosso país.
Trump anuncia que “o Governo da Itália solicitou a assistência dos Estados Unidos”. Assim, com base na autoridade que lhe foi conferida pela Constituição e pelas leis, “ordena o seguinte” para ajudar “um dos nossos aliados mais antigos e mais próximos”.
As ordens, emitidas aos Secretários dos Departamentos e às Agências dos Estados Unidos, estabelecem dois tipos de intervenção:
Ø A primeira, de natureza médica, para ajudar a Itália a combater o Covid-19, “demonstrando ao mesmo tempo a liderança dos Estados Unidos diante das campanhas de desinformação da China e da Rússia”. Ao Secretário da Defesa, o Presidente ordena que disponibilize, para assistência, “os mais de 30.000 militares e funcionários dos EUA, em Itália” com as suas “estruturas”.
Ø A segunda e mais consistente intervenção consiste em “apoiar a recuperação da economia italiana”, que corre o risco de acabar “numa profunda recessão”. O Presidente Trump ordena aos Secretários do Tesouro e do Comércio, ao Presidente do Banco de Exportação e Importação, ao Administrador da Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional, ao Director da Corporação Internacional Americana de Finanças para o Desenvolvimento (agência governamental que financia projectos de desenvolvimento privados) para usarem as suas ferramentas, a fim de “apoiar as empresas italianas”.
Ainda não se sabe quais ferramentas serão usadas pelos Estados Unidos para “apoiar a recuperação da economia italiana”, nem quais serão as condições concedidas para a “ajuda”. Mas o plano de Washington é claro:
Ø explorar a crise e as fracturas na União Europeia para reforçar a influência USA em Itália, enfraquecendo, ao mesmo tempo, as relações da Itália com a China e com a Rússia.
Confirma-o, a autoridade com que foi lançado o plano de “Assistência à República Italiana”:
Ø uma série de ordens presidenciais dadas não apenas aos Secretários dos Departamentos acima mencionados, mas ao Secretário de Estado (3) e ao Assistente do Presidente para Assuntos de Segurança Nacional. (4
Um dos objetivos do plano certamente enquadra-se no que o New York Times define como “uma corrida armamentista global para obter uma vacina contra o coronavírus, que está a desenvolver-se entre os Estados Unidos, China e Europa”. (5) Os primeiros que forem capazes de produzir a vacina - escreve o NYT – “podem ter a oportunidade não só de favorecer a sua população, mas de ter vantagem ao enfrentar as repercussões económicas e geoestratégicas da crise”.
A companhia farmacêutica americana Johnson & Johnson (6) anunciou, em 30 de Março, que havia seleccionado uma possível vacina contra o Covid-19, na qual trabalha desde Janeiro, em conjunto com o Departamento da Saúde, com um investimento conjunto de mais de um bilião de dólares. A empresa anuncia que, após os ensaios clínicos programados para Setembro, a produção de vacinas poderá começar nos primeiros meses de 2021 em “tempos substancialmente mais acelerados do que o normal”, atingindo rapidamente a capacidade de produção de mais de um bilião de doses.
O plano de “assistência” à Itália, ordenado pelo Presidente Trump, também poderá incluir o fornecimento da vacina que, provavelmente, será usada (talvez tornando-a obrigatória) sem se preocupar com os tempos de teste e produção “substancialmente mais acelerados do que o normal”, nem o custo económico e político dessa generosa “assistência”.

Manlio Dinucci
il manifesto, 14 de Abril de 2020

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quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

[Manlio Dinucci] A Finança Global Controla a Itália: Governo Draghi, Por Quem Os Sinos Dobram

 https://www.globalresearch.ca/financial-establishment-controls-italy-draghis-government-for-whom-the-bell-tolls/5737630


Em Roma, a transferência entre o ex-primeiro-ministro Giuseppe Conte e Mario Draghi ocorreu no Palazzo Chigi com a tradicional cerimónia do sino. Enquanto se aguarda a verificação de qual será o programa político do novo governo multipartidário, apoiado por quase todo o arco parlamentar, as suas orientações podem ser previstas nos currículos de alguns ministros e do Primeiro-Ministro. Roberto Guerini (Partido Democrático) e Luigi Di Maio (Movimento 5 Estrelas) foram reconfirmados nas pastas da Defesa e das Relações Exteriores, um fato que indica que o governo de Draghi fortalecerá ainda mais o “Atlantismo”, que é a adesão da Itália à NATO sob o comando dos EUA. Os últimos actos dos dois Ministros do Governo anterior são emblemáticos.

O ministro da Defesa Guerini embarcou no porta-aviões Cavour, da Marinha italiana, que partiu de Taranto para os Estados Unidos, onde adquirirá a certificação para operar os caças F-35B de 5ª geração da Lockheed Martin. Depois de reiterar que “a relação transatlântica com os Estados Unidos - uma grande nação com a qual nosso país tem uma ligação profunda - desempenha um papel essencial para a Itália”, o ministro sublinhou que “a Itália se tornará um dos poucos países do mundo, junto com os Estados Unidos, Grã-Bretanha e Japão, dispondo da capacidade de possuir porta-aviões com aeronaves de combate de 5ª geração. ” Acima de tudo, graças ao grupo Leonardo, o maior produtor de guerra italiano, que participou da construção dos F-35s.

Na esteira da estratégia EUA / NATO, o Ministro das Relações Exteriores Di Maio foi a Riad, onde assinou um memorando de entendimento de “diálogo estratégico” com a Arábia Saudita, a Monarquia absoluta que o grupo Leonardo está ajudando no uso dos Euro- caças Typhoon e que estão bombardeando o Yemen, também abastecendo a Arábia Saudita com os mais avançados de navios de guerra, que está construindo nos Estados Unidos.

O mesmo grupo Leonardo reaparece no currículo do físico Roberto Cingolani, nomeado para o novo “Super-Ministério” (solicitado pelo líder ideológico do Mov. 5 Estrelas, Beppe Grillo) para a Transição Ecológica: Cingolani é especialista em nanotecnologia e em robótica, e foi responsável pelo departamento de tecnologia e inovação do grupo Leonardo desde 2019, “um actor global em Aeroespacial, Defesa e Segurança”, cada vez mais integrado ao gigantesco complexo militar-industrial dos EUA. 30% do capital do grupo é detido pelo Ministério da Economia, chefiado por Giancarlo Giorgetti, número dois do Partido «Lega» e braço direito do líder da «Lega», Matteo Salvini. Definido como um "auditor", vai cuidar dos 30 mil milhões de euros, já atribuídos pelo seu Ministério para fins militares, e os outros 25 milhares milhões provenientes do Fundo de Recuperação para elevar os gastos militares italianos de 26 para 36 milhares de milhões por ano, conforme solicitado pelos EUA e pela NATO. Esta tarefa será também confiada ao novo Ministro da Economia e Finanças, Daniele Franco, ex-Director-Geral do Banco da Itália, oficialmente uma instituição de direito público, onde participam 160 bancos e fundos de pensões.

No novo governo, os “técnicos” têm mais poder do que os “políticos”. O currículo de Mario Draghi vem demonstrá-lo: de director executivo do Banco Mundial em Washington passou para director do Ministério do Tesouro em Roma, onde desenvolveu a privatização das principais empresas públicas italianas; de vice-presidente do banco americano Goldman Sachs (um dos maiores bancos de negócios do mundo) passou a Governador do Banco da Itália e a Presidente do Banco Central Europeu. Draghi é, ao mesmo tempo, um membro do «Grupo dos Trinta», a poderosa organização financeira internacional com sede em Washington, que a Fundação Rockefeller criou em 1978.

Assim, o poder do Complexo Militar-Industrial e das altas finanças fortaleceram-se com o governo de Draghi, constituindo mais uma perda para os princípios de soberania e do repúdio à guerra, consagrados na Constituição italiana. Não fosse assim, o Ministério da Transição Ecológica iniciaria a sua actividade eliminando a maior ameaça que pesa sobre o ambiente: as armas nucleares americanas instaladas em Itália.


Este artigo foi publicado originalmente em italiano no Il Manifesto.

Manlio Dinucci  é Pesquisador Associado do Center for Research on Globalization.