quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

JOAN MIRÓ - EXPOSIÇÃO DE COLECÇÃO DO ESTADO PORTUGUÊS

A história atribulada desta magnífica colecção de obras de Miró, um dos nomes mais relevantes da arte do século XX é conhecida:
O Banco BPN entrou em insolvência, o Estado Português tomou o controlo do banco (nacionalizou-o) e assumiu o passivo do mesmo, à custa do contribuinte. Este banco possuía uma colecção de arte notável,  a qual tinha gerido como um investimento, que guardava longe do público, sendo o seu valor comercial avaliado em muitas centenas de milhares de euros. O Estado, ele próprio falido e pressionado pela «troika», há dois anos atrás não hesitou em colocar esta colecção de arte em leilão na Christie's. Porém, várias vozes de intelectuais e artistas se rebelaram pois estavam conscientes da importância deste património público, que poderia ser valorizado culturalmente. Houve gente saloia que se insurgiu contra a conservação desta colecção do artista catalão em mãos do Estado, pois achavam que - não sendo sequer um artista português - não haveria nenhum motivo especial para conservar estas obras no património do Estado. 
Esta visão provinciana, tacanha, felizmente não prevaleceu (por uma vez, viva!).  O Estado retirou estas obras do leilão. Aliás, a Christie's não deve ter criado muitas dificuldades, visto que tinha pouco interesse em intermediar a operação de alienação dum património nacional que se tornara polémica. 


                                   Imagen relacionada

Eu não deixo de ver a obra de Miró e esta colecção, em particular, como a coisa «em si», para além das circunstâncias que rodearam esta exposição agora, transitoriamente, no Palácio Nacional da Ajuda e depois - em exposição permanente-  no Museu de Serralves.

                             


Sempre tive um fascínio muito particular por esta obra, multifacetada, produzida desde a década de 20 até à de 80 do século passado, como expressão de uma procura... Procura da infância, da criança que está dentro de nós, que comunica imediatamente - sem filtros - com o  mundo das coisas e os seres. 

                                             

Miró percorreu várias etapas mas, a partir de certo ponto na sua carreira, privilegia certas formas-arquétipos. Poucos são os artistas que realmente conseguem imprimir um cunho tão pessoal e tão universal, pois ele foi buscar à profundeza dos sonhos, à visão do homem dito primitivo, à expressão espontânea do gesto. 

                                           

Admirei, na exposição, os seus desenhos do início dos anos 60, que mostram uma faceta completamente zen, numa altura em que quase ninguém, no Ocidente, estava ao corrente desta estética e filosofia orientais.

Muitos espantos e descobertas se poderão fazer quando somos colocados em contacto com estas 85 obras em exposição do Palácio da Ajuda

                                             

Há cerca de doze anos atrás, visitei com imenso prazer o Museu Miró em Barcelona. Foi para mim uma revelação, embora já tivesse muita familiaridade com a obra deste artista, não apenas em livros de arte, como através de museus em vários países, como - por exemplo - a colecção do Centre Pompidou, em Paris. 

                                

Porém, a colecção de obras de Miró agora expostas na Galeria D. Luís do Palácio da Ajuda, conseguiu surpreender-me: não será isto a marca dum artista genial? A de, sempre que nos debruçamos sobre a obra, termos a sensação forte de descobrir algo de novo, de acrescentar novas facetas às que tínhamos armazenado na memória? 

Estou de acordo com Robert Lubar Messeri, quando afirma... "a maioria do povo português quer que a colecção fique no país, pois esta colecção de arte é extraordinária, uma verdadeira riqueza para Portugal, que tem atraído cada vez mais turismo internacional".


"Miró é um dos artistas mais importantes de todos os tempos. É uma questão subjectiva em termos de avaliação, mas na arte do século XX, os três maiores artistas são Picasso, Matisse e Miró. Ao ter mantido a coleção, Portugal fica colocado como um país que apoia a arte moderna e contemporânea", sublinhou.


terça-feira, 9 de janeiro de 2018

CONCERTO PARA PIANO Nº1 DE LIZT, POR LANG LANG NOS PROMS

                  

O concerto para piano nº1 de Lizt é um manifesto da música romântica. Nele se condensam todas as características musicais e estilísticas do romantismo... a revolução que marcou a música ocidental, desde os finais do século XVIII, à primeira metade do século XIX. 

A orquestra sinfónica da BBC, nesta noite dos «Proms» de 2011, é dirigida por Edward Gardner.

Lang Lang é, porventura, o meu interprete preferido desta peça: seu desempenho é caracterizado por uma grande energia, uma técnica perfeita, resultando numa interpretação totalmente conseguida, sublinhando a grandiosidade da arquitectura musical subjacente, o acento heróico...
Note-se que romantismo musical não tem nada de efeminado, contrariamente ao que muita gente pensa, como se pode comprovar pela audição desta obra.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

O VERDADEIRO IMPACTO DA COMIDA RÁPIDA (FAST FOOD)

                     

                            Toxiphobe Leaders Tend to Be Paranoid Tyrants

                                            Comidas de plástico, vidas de plástico... 

Sabes qual o preço real que pagas (pagamos todos) por essa comida supostamente «barata»?

- Conta com uma elevada probabilidade de adoeceres com cancro, diabetes, obesidade... 

- Conta com a destruição sistemática de floresta tropical para obtenção de pastos ou para plantações (milho ou soja) destinadas a rações para alimentar o gado, a carne no teu hamburger.

- Conta com todos os subprodutos de plástico, desde copos, talheres, barquetes, etc. correntemente usados pela indústria «fast-food» e que acabam a contaminar os oceanos ou são incinerados. Neste último caso, vai contaminar a atmosfera com moléculas cancerígenas. 

- Conta com a destruição de milhares de pequenas empresas familiares, cafés e restaurantes, que forneciam refeições na zona onde se vão implantar estes fast food.

- Conta com o desaparecimento da qualidade de vida, do convívio natural que se organiza em torno de uma refeição familiar ou de amigos.

- Conta com a perda de autonomia das pessoas, incapazes de cozinhar, de confeccionar uma refeição simples para elas próprias e os seus, a partir de matérias primas não processadas adquiridas numa loja ou supermercado...

domingo, 7 de janeiro de 2018

ESCREVENDO «SEM PANINHOS QUENTES» - A QUESTÃO POLÍTICA Nº1 DE PORTUGAL

                           

Contrariamente à opinião de António Barreto e de outros, que julgam haver possibilidade de reforma do sistema por dentro (mas acreditarão eles realmente, no seu íntimo, numa tal coisa???) penso que a questão política em Portugal se coloca de outro modo, não meramente por observação das «danças internas» dos partidos, mas sobretudo das realidades sociais, políticas, económicas, internacionais. 
A questão política nº1 de Portugal é saber... 
 - se este país se transforma definitivamente em país destino de férias para a classe média baixa da Europa, enquanto os seus próprios filhos e filhas, não têm outra escolha senão servir nos bares e restaurantes (três meses por ano) ou emigrar para outras paragens onde o seu valor seja mais justamente apreciado...
- ou se Portugal tem energia interna para sacudir os vários jugos (internos e externos) que o prendem como país neocolonial e enceta um caminho de libertação, original, sem dúvida, mas que terá de aprender algo com os outros países neocoloniais que estão tentando agora mesmo libertar-se das suas dependências. No mínimo, deverá tentar encetar o seu caminho sem cair nos erros, alguns fatais, em que caíram outros.
Ora, se a política é protagonizada por forças políticas e por opiniões públicas, creio que as duas hipóteses acima são assimétricas, no que toca às probabilidades de concretização dos respectivos cenários.
- No primeiro caso, estamos perante a realidade vivida; é o presente, a que assistimos. 
Para prova disto basta pensar-se no lamentável exemplo do desenvolvimento caótico do «alojamento local»* e nos impasses, nas falsas «soluções» que uns e outros avançam, na esperança vã de saída duma situação de intencional desregulação (a lei da selva capitalista), que foi provocada pelos que (des)governam o país e os seus principais centros urbanos.

- No segundo (encetar a caminhada libertadora), não existe massa crítica, porque a classe que poderia ter nisso um interesse real (e não meramente ideológico ou sentimental ou «nacionalista»), a classe média, é mantida anestesiada, drogada, pela ilusão persistente de que Portugal é um «Estado democrático».

Todos os «espertos», os «doutores da treta» espalhados pela media, mas também pelos partidos, incluindo os ditos de «esquerda», contribuem para a persistência desta visão e reforçam constantemente este complexo.

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*Algumas referências recentes para ajuizarmos o problema do alojamento local:

Alojamento local, legislação:


Deficiente fiscalização:


Guerra jurídica, causada por decisões conflituais:


Ilusão de rentabilidade:



Conflitualidade nos condomínios e projecto-lei:


Gentrificação e alojamento local:



Transformação do centro pelos sectores de luxo:











sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

CRIPTOMANIA: INSUFLADA PELOS BANCOS CENTRAIS ?

Pode parecer extravagante a hipótese colocada no título, mas ela surge, contrariando a narrativa dominante, cada vez mais plausível. 
Com efeito, as criptomoedas são diabolizadas como instrumento de lavagem de dinheiros do crime, das redes terroristas, etc. ou meio de fuga ao fisco de multimilionários discretos, etc. ... 
Porém, além dos sensacionalismos mediáticos, nas salas alcatifadas dos diversos centros de poder (bancos centrais, grande banca, governos, instâncias internacionais) desenham-se estratégias e toma-se muito a sério a questão.

É que os poderosos deixaram crescer este mercado, inicialmente qualquer coisa de volume insignificante, há oito anos atrás, para volumes de capitalização total que impressionam ! Que isso tenha acontecido por terem uma visão muito «curta», parece-me ser uma interpretação completamente ingénua. 
Mais provável será estes mesmos poderes estarem atentos, para - no momento oportuno - tomarem controlo e usarem os aspetos tecnológicos que favoreçam ainda mais a centralização. Um «golpe de mestre» afinal: usarem novas criptomoedas por eles criadas e monitorizadas para efetuar a transição, para manterem sob controlo o famoso «reset» que muitos analistas veem chegar, sem dizerem, ao certo, como!

Tenho vindo a chamar a atenção dos leitores, ao longo do tempo, para as criptomoedas e o seu significado. 
Se, por um lado, me tenho mantido fora das demagogias e sensacionalismos destinados a «vender» notícias, tenho estado por outro, igualmente consciente de que, justamente é agora, nesta época, que se desenvolvem tais recursos: é no final do sistema baseado exclusivamente em moedas «fiat» (ou seja, os bancos centrais emitirem moeda sem estar garantida por algo tangível),  iniciado pelo repúdio de Bretton Woods por Nixon, em 1971.

As criptomoedas, claramente, não podem dar nenhuma garantia, enquanto estiverem fora dum mercado regulado de divisas (todas elas emitidas por Estados). Alguns Estados não querem ouvir falar de cripto- «moedas», como sendo «divisas», mas sim apenas de activos financeiros, de uma nova categoria de instrumentos financeiros. Enquanto uma moeda é um meio de troca de valor, essencialmente, já um «activo financeiro» é um meio de obtenção de lucro, potencialmente pelo menos, logo susceptível de cair debaixo da alçada do fisco.
O essencial do circuito, neste mercado de cripto divisas,  é de privado para privado; eu pago a alguém um bem ou serviço, transferindo determinada quantidade em criptomoeda do meu «porta-moedas digital» para o dessa pessoa. 
As zonas de troca das criptomoedas por divisas «clássicas» (onde se podem comprar criptomoedas com dólares, ou outras moedas «oficiais», assim como trocar criptomoedas pelo seu valor em dólares) são mais ou menos públicas, embora sejam detidas por entidades privadas, mas não são - de facto - reguladas. Não sendo (por ora, pelo menos!) sujeitas a inspecção, controle, fiscalização, regulamentação, não se podem jamais assimilar a «casas de câmbio», onde se compram e vendem divisas. 
Duas falsas certezas fizeram com que o destino do «bitcoin» e doutras congéneres fosse tão brilhante, até agora:
- o mito da absoluta segurança dos «porta-moedas», dos pontos de troca e das próprias operações de  privado para privado.
- o mito de que as operações estão completamente fora do alcance, da supervisão, do controlo e do poder de taxação dos Estados. 

Têm surgido varias notícias nestes últimos anos, desfazendo o primeiro mito, de pessoas que perderam fortunas, devido a hacking das suas criptomoedas. 
O risco é tal que, apesar de milhares por cento (!) de lucro que certos investidores terão obtido, muitos outros renunciam investir em absoluto, ou apenas arriscam uma fracção diminuta, não arriscam parte significativa dos seus portefólios.
Quanto aos bancos centrais estarem totalmente fora da jogada, é uma ideia claramente falsa: por exemplo, o BIS (o «banco central dos bancos centrais») tem dedicado imensa atenção ao nascimento e crescimento deste mercado das criptomoedas. 
Quanto aos governos (veja-se o artigo exaustivo, aqui) têm atitudes muito diversas, abordam o fenómeno de forma muito diferente: desde os que tomam uma atitude claramente repressiva, até aos que aceitam que este mercado tem potencial para ser incorporado ao sistema monetário mundial e suas entidades reguladoras (os bancos centrais).

A grande banca comercial tem necessidade absoluta de se envolver na tecnologia «blockchain». 
A blockchain pode estar descentralizada, permitindo que a rede, formada pelos computadores de muitos milhares de proprietários de criptomoeda, tenha o registo automático e anónimo de todas as transações que se efectuam no ciberespaço. 
Mas, também se pode utilizar a tecnologia blockchain de modo centralizado, mantendo o controlo de operações numa entidade única, pela qual terão de passar todos os movimentos.  
O facto é que os grandes bancos estão a apostar pesadamente nisto, com grandes despesas e muitos peritos a trabalhar exclusivamente para esse fim. Veja-se o caso da cripto moeda «Riple» recém-nascida e muito cortejada pela grande banca!

Finalmente, alguns pensam que o futuro estará numa criptomoeda associada a uma garantia ouro, ou ouro/prata,  o que permitiria que o risco de desvalorização ou sobrevalorização bruscas ficasse muito diminuído. O ideal seria uma transação segura e sem as oscilações especulativas acentuadas que se observam atualmente nas quotações das criptomoedas. 
Este nexo entre criptomoedas e valores tangíveis daria mais estabilidade e mais segurança, aparentemente, mas creio que o problema seria transferido então para outro nível: o da necessidade de uma absoluta seriedade da entidade - por hipótese, uma entidade depositária de ouro em cofres privados - encarregue de disponibilizar esse mesmo colateral-garantia, credibilizando as  operações do ciberespaço. Afinal de contas, isto seria como a função dos bancos centrais (antes da ruptura com o padrão-ouro em 1971), detendo determinadas quantidades de ouro como «moeda de último recurso» e garantindo, pela convertibilidade em ouro, o valor da divisa emitida, tal como tenho explicado em vários artigos (ver aqui e aqui, por exemplo).

Nada está definitivamente fechado, neste domínio, quer num sentido, quer noutro. 

Penso que, por enquanto, as criptomoedas apenas acrescentaram mais uma camada de especulação num mundo financeiro já largamente parasitado pelas actividades especulativas (vejam-se os grandes bancos a jogarem dinheiros dos clientes em operações com derivados, totalmente desreguladas).

Mas tenho a certeza que 2018 vai trazer aqui uma clarificação, em paralelo com uma alteração global tectónica do poder
Neste contexto, as criptomoedas são vistas por muitos como uma revolução irreversível. Muitas pessoas comparam a sua importância com outra revolução tecnológica dos anos 90 do século passado, o surgimento e a expansão da Internet.

                            


NOTAS:




1- Max Keiser:


https://www.rt.com/shows/keiser-report/414964-episode-max-keiser-1171/



2- O BIS e as criptomoedas:


https://www.bis.org/publ/qtrpdf/r_qt1709f.htm



3- Como encaram as criptomoedas:


http://www.independent.co.uk/news/business/news/bitcoin-latest-updates-central-banks-say-regulation-cryptocurrency-digital-ecb-us-federal-reserve-a8106961.html



4- Caso Riple:


https://www.forbes.com/sites/cbovaird/2018/01/03/ripple-climbs-past-3-hits-all-new-high/#28bc73067c0b



AFEGANISTÃO: CEMITÉRIO DE IMPÉRIOS

Desde o império de Alexandre da Macedónia, passando pelo império Britânico no século XIX,  pela União Soviética nos finais do século passado, até ao império dos EUA de hoje, o Afeganistão tem sido  (com muitos milhares de mortos em vão!) literalmente o cemitério de exércitos poderosos, mas igualmente, o cemitério no sentido metafórico de perda completa de ilusões imperialistas de grandeza, finalmente desfeitas em cacos, sem honra nem glória.


Por que razão quase não se fala desta guerra perdida, teimosamente mantida durante 16 anos... até hoje, contra toda a racionalidade?
- Será para ocultar a «perda de face» do Estado profundo, que controla o Pentágono, a CIA e todos os políticos de Washington, incluindo os presidentes...

quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

ESTRANHOS CASOS DE SOLIDÃO «SOCIAL»

              
Tenho vindo a refletir sobre alguns comportamentos e atitudes de pessoas, minhas conhecidas ou não, que revelam antes de mais uma grande incapacidade para estarem sós. 
Algumas pessoas procuram desesperadamente um parceiro/a, convencendo-se que a vida assim é um fardo difícil de suportar, mas possuem pouca tolerância, por outro lado, para se compatibilizarem e aceitarem pessoas reais, com outros modos de ser, com outras visões do mundo e da vida em sociedade.
Outras, têm uma vida «social» aparentemente muito ampla e diversificada, mas com uma superficialidade que espelha a superficialidade nelas próprias.
Outras ainda, pensam que são muito capazes de «compreender os outros»; porém, isso apenas acontece nas suas cabeças, não no mundo real.

Muitas pessoas têm «medo» de estar sós: sentem-se angustiadas, sentem-se inseguras. 
A disfunção social traduz-se,  por ser a principal causadora, ao nível dos indivíduos, dos comportamentos auto-destruidores, começando pela fragilização da auto-imagem e podendo ir até a comportamentos de risco, roçando a criminalidade ou marginalidade.
As famílias estão desestruturadas, a cada geração é maior o número de crianças que crescem sem um dos progenitores (o pai, na imensa maioria dos casos) e, no entorno destas crianças, muitas vezes, não existe sequer uma rede verdadeira de afetos. 
A família nuclear, reduzida ao mínimo, está produzindo pessoas adultas disfuncionais em termos sociais, em particular na esfera afetiva, incapazes de relacionamentos felizes com os outros. 
As crianças estão mais isoladas dos adultos e, por isso, incapazes de compreender os adultos das gerações anteriores, o que faz com que a sociedade se estruture em «gerações», estruturação aparentemente cómoda para alguns, mas que é totalmente anti-natural, pois sempre houve uma sociedade composta por várias gerações, formando uma rede em torno dos indivíduos. 
Dizem alguns estudiosos do comportamento humano que a nossa capacidade de relacionamento algo profundo e significativo com outros humanos tem um número limite bastante baixo, o de uma pequena aldeia com umas poucas centenas de adultos. É verdade que as oportunidades reais de contactos significativos com outras pessoas, ao longo da vida, devem ter sido desta ordem de grandeza, durante dezenas de milhares de anos. 
Podia-se esperar uma multiplicação deste tipo de interacções como resultado da industrialização. Mas a industrialização não trouxe senão uma redução desse número (refiro-me a interacções sociais significativas, com algum conhecimento aprofundado, não trivial, do outro). 
A industrialização acentuou o isolamento das pessoas, com o ambiente urbano em que se viram incluídas. Neste ambiente foram nascendo cada vez mais humanos: sabe-se que o número total de humanos vivendo nas grandes aglomerações mundiais, já é agora maior que os vivendo em pequenas vilas ou aldeias, que ainda têm um modo de vida rural. 
O indivíduo continuou a ter a «sua aldeia», de certo modo, na rede de relacionamento social urbana, durante algum tempo, mas isso está a perder-se com a individualização extrema que se observa em múltiplos aspectos da vida social contemporânea. 
Os empregos eram antes uma natural oportunidade de diversificar os relacionamentos humanos, a vários níveis. Hoje em dia, pelo contrário, a própria organização do trabalho favorece a separação, a individualização, uma falsa autonomia, pois está sempre dependente da vontade soberana do «dador de trabalho», da empresa. O patrão, ele próprio, tornou-se algo impessoal, sem rosto, em cada vez maior número de casos.
A sociedade humana não tem (nem teve, nunca) uma estruturação rígida, como a dos outros animais sociais. 
Isso é que permitiu à humanidade inventar outros modos de organizar a sua própria vida social, ao longo dos tempos. Porém, agora, chegou-se a uma espécie de beco sem saída.

A solidão não será propriamente «a doença do século»; no entanto, é um sintoma da verdadeira doença do século - o individualismo.