Tenho vindo a refletir sobre alguns comportamentos e atitudes de pessoas, minhas conhecidas ou não, que revelam antes de mais uma grande incapacidade para estarem sós.
Algumas pessoas procuram desesperadamente um parceiro/a, convencendo-se que a vida assim é um fardo difícil de suportar, mas possuem pouca tolerância, por outro lado, para se compatibilizarem e aceitarem pessoas reais, com outros modos de ser, com outras visões do mundo e da vida em sociedade.
Outras, têm uma vida «social» aparentemente muito ampla e diversificada, mas com uma superficialidade que espelha a superficialidade nelas próprias.
Outras ainda, pensam que são muito capazes de «compreender os outros»; porém, isso apenas acontece nas suas cabeças, não no mundo real.
Muitas pessoas têm «medo» de estar sós: sentem-se angustiadas, sentem-se inseguras.
A disfunção social traduz-se, por ser a principal causadora, ao nível dos indivíduos, dos comportamentos auto-destruidores, começando pela fragilização da auto-imagem e podendo ir até a comportamentos de risco, roçando a criminalidade ou marginalidade.
As famílias estão desestruturadas, a cada geração é maior o número de crianças que crescem sem um dos progenitores (o pai, na imensa maioria dos casos) e, no entorno destas crianças, muitas vezes, não existe sequer uma rede verdadeira de afetos.
A família nuclear, reduzida ao mínimo, está produzindo pessoas adultas disfuncionais em termos sociais, em particular na esfera afetiva, incapazes de relacionamentos felizes com os outros.
As crianças estão mais isoladas dos adultos e, por isso, incapazes de compreender os adultos das gerações anteriores, o que faz com que a sociedade se estruture em «gerações», estruturação aparentemente cómoda para alguns, mas que é totalmente anti-natural, pois sempre houve uma sociedade composta por várias gerações, formando uma rede em torno dos indivíduos.
Dizem alguns estudiosos do comportamento humano que a nossa capacidade de relacionamento algo profundo e significativo com outros humanos tem um número limite bastante baixo, o de uma pequena aldeia com umas poucas centenas de adultos. É verdade que as oportunidades reais de contactos significativos com outras pessoas, ao longo da vida, devem ter sido desta ordem de grandeza, durante dezenas de milhares de anos.
Podia-se esperar uma multiplicação deste tipo de interacções como resultado da industrialização. Mas a industrialização não trouxe senão uma redução desse número (refiro-me a interacções sociais significativas, com algum conhecimento aprofundado, não trivial, do outro).
A industrialização acentuou o isolamento das pessoas, com o ambiente urbano em que se viram incluídas. Neste ambiente foram nascendo cada vez mais humanos: sabe-se que o número total de humanos vivendo nas grandes aglomerações mundiais, já é agora maior que os vivendo em pequenas vilas ou aldeias, que ainda têm um modo de vida rural.
O indivíduo continuou a ter a «sua aldeia», de certo modo, na rede de relacionamento social urbana, durante algum tempo, mas isso está a perder-se com a individualização extrema que se observa em múltiplos aspectos da vida social contemporânea.
Os empregos eram antes uma natural oportunidade de diversificar os relacionamentos humanos, a vários níveis. Hoje em dia, pelo contrário, a própria organização do trabalho favorece a separação, a individualização, uma falsa autonomia, pois está sempre dependente da vontade soberana do «dador de trabalho», da empresa. O patrão, ele próprio, tornou-se algo impessoal, sem rosto, em cada vez maior número de casos.
A sociedade humana não tem (nem teve, nunca) uma estruturação rígida, como a dos outros animais sociais.
Isso é que permitiu à humanidade inventar outros modos de organizar a sua própria vida social, ao longo dos tempos. Porém, agora, chegou-se a uma espécie de beco sem saída.
A solidão não será propriamente «a doença do século»; no entanto, é um sintoma da verdadeira doença do século - o individualismo.
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