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segunda-feira, 24 de junho de 2024

Fantasia Cromática (Bach): duas abordagens na interpretação (Segundas-f. musicais nº6)


Chloe é excelente no seu fraseado, adaptado ao piano. O seu andamento é relativamente moderado, face a outras gravações que tenho ouvido.
Com efeito, esta peça é meditativa; ainda hoje nos faz vibrar de emoção. Porém, o virtuosismo, para alguns transformou-se em sinônimo de corrida de velocidade.
Para mim, o clavicórdio continua sendo um excelente instrumento de tecla. Não só para interpretar Bach e outros autores barrocos, mas também para uma dinâmica diferente da do cravo. Isto, porque o cravo tem um tempo de vibração e de ressonância dos harmónicos mais curto que  no clavicórdio.

Quanto aos conceitos de rápido e lento, um musicólogo meu conhecido gostava de referir o facto de que a experiência sensível da velocidade nas pessoas do século XVIII (portanto, antes do caminho de ferro, do automóvel e do avião...) tinha como limite um cavalo a grande galope. Este andamento do equídeo não podia ser sustentado por muito tempo, aliás: ele ficaria rapidamente exausto. Pode-se argumentar que os dedos correndo no teclado do cravo (ou outro instrumento), tinham outro tipo de limitações: Mãos hábeis podem tocar rapidíssimo sem «esborrachar» as notas. No entanto, a vida não era pautada pela velocidade, nem pela performance extravagante. Antes pelo contrário: As pessoas apreciavam muito mais o virtuosismo que consegue traduzir sentimentos, "conversando" através dos instrumentos. Este era o verdadeiro desafio do artista-intérprete do Século XVIII. Bach era um excelente intérprete, vários testemunhos diretos atestam-no. 
Escolher instrumentos antigos ou suas cópias, mesmo aqueles que hoje raramente são executados, não é um preciosismo, nem um passadismo: Trata-se de apreciar a música o mais próximo de como o autor quis que ela soasse.


 https://www.youtube.com/watch?v=vvJ_jX9axmI

domingo, 2 de abril de 2023

J.S. BACH: ALLEMANDE EXTRAÍDA DE BWV 828, Chiara Massini ao cravo.

 

Chiara Massini, de novo nestas páginas interpretando uma belíssima Allemande, da Partita BWV 828. Esta Allemande pertence a uma sequência de peças que tanto se podem designar pelo termo Partita, como por Suite.

As seis partitas fazem parte de um volume com claros intuitos pedagógicos, como o próprio Bach sublinha no prefácio. Porém, são muito mais que obras meramente pedagógicas: Constituem obras-primas dignas de serem interpretadas em concerto, ou em disco. Foram reunidas também, para intuito de ensino, as recolhas ou livrinhos para Ana Madalena Bach e para Wilhelm Friedmann. Têm função pedagógica muitas outras peças, como os dois volumes d'O Cravo Bem Temperado, as Invenções e Sinfonias e sem esquecer as peças copiadas pelos seus filhos e alunos.

Tudo indica que Bach tinha uma constante preocupação em dar o melhor de si próprio como docente e mestre. Assim, das obras  de Bach para cravo, clavicórdio ou órgão que chegaram até nós, boa parte tem explícita intenção pedagógica. Destas peças, pode compor-se um repertório  completo  para os instrumentos de tecla, com variados estilos, e com diferentes graus de dificuldade técnica. 

O seu filho, Carl Philip Emmanuel, escreveu um tratado de interpretação, em que especifica quais as ornamentações de que dispõe o intérprete e como as aplicar "com bom gosto". Graças este tratado, podemos usufruir de interpretações de qualidade e fiéis ao espírito da época de Bach.

Não tenho dúvida nenhuma de que Chiara Massini domina plenamente a linguagem musical de Bach. Ela mostra também personalidade própria. As suas interpretações são vibrantes, não são estereotipadas e soam com muita clareza, qualidade fundamental para a música, com forte componente polifónica, do Mestre de Leipzig.

sexta-feira, 11 de novembro de 2022

Fantasia Cromática e Fuga BWV 903 de J. S. BACH

 ( ANDRÁS SCHIFF ao vivo)


Pode acompanhar a audição da peça lendo a partitura no vídeo seguinte: 



Esta obra para o cravo só se tornou conhecida muitos anos após a morte do seu autor, em 1802; a partitura completa (incluindo a fuga), ainda mais tarde. O manuscrito* que serviu para a primeira edição por Forkel, é do discípulo  de Bach, J. F. Agricola
A transcrição para piano foi efetuada por vários compositores, incluindo Liszt e Brahms, ao longo do século XIX. A transcrição aqui interpretada por András Schiff, é a de Busoni 

Podem ler-se muitas análises desta peça, em vários sites. O que escrevo abaixo é antes a minha apreciação estética, subjetiva.

Não posso deixar de colocar a Fantasia e fuga cromática, no cume da arte de Bach e mesmo, entre as mais geniais peças para teclado de todos os tempos. 
Pertence a um tipo de composição em díptico: Fantasia e fuga; Tocata e fuga;  Prelúdio e fuga. 
- Na primeira parte do díptico, predominam escalas ascendentes e descendentes, arpejos, etc., figuras típicas que simulam uma improvisação.  Quanto à escala cromática, esta proporciona dissonâncias e dramatismo, que se resolvem em harmonia. 
Este tratamento extrovertido, exuberante, corresponde ao «Stylus Fantasticus», uma designação dada pelo crítico musical Matheson contemporâneo de Bach.
- A segunda parte do díptico contrasta pelo  rigor matemático da fuga. Com efeito, esta é como «peça de ourivesaria», de artesanato musical requintado e subtil. Nesta fuga, em particular, verifica-se uma tensão permanente entre as vozes, uma incerteza que apenas se resolve nas últimas barras de compasso da peça.  Esta fuga sai bastante fora do que se considera típico em Bach, como nas fugas do «Cravo Bem Temperado». 

A interpretação ao piano desta composição é um exercício de virtuosismo, não só pelas dificuldades técnicas inerentes ao texto musical, como pela importância de se conservar uma certa contenção, de não se cair na excessiva exposição de sentimentos. No barroco, não se nega a sensibilidade da alma,  mas o «bom gosto» é de que os sentimentos sejam contidos, codificados.  Não se procura exibir os sentimentos numa efusão descontrolada mas, em vez disso, a sua representação sublimada.
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*Não se conhece nenhum manuscrito autógrafo de Bach para esta peça, mas a atribuição da autoria ao Mestre de Leipzig é segura.

sábado, 6 de agosto de 2022

J. S. BACH: SONATA Nº2 (DÓ MENOR) EM TRIO, PARA ÓRGÃO


Esta sonata é - talvez - a peça para o órgão solo de autoria de Bach, que mais se aproxima da alegria de viver italiana. Foi a música italiana que Bach muito estudou e bem emulou nos seus anos de juventude, enquanto mestre de capela em Weimar e, depois, em Köthen. Neste posto, não podia exercitar música de órgão no «ordinário do culto (missa)», porque o Príncipe era de confissão calvinista, muito estrito quanto à música permitida nos serviços religiosos. Pelo contrário, os calvinistas não tinham objeções ou limitações de qualquer espécie quanto à música fora do culto. Por isso, Bach pôde dar largas à sua maestria e criatividade em música profana para orquestra, para pequenos conjuntos de solistas e também, em peças de órgão sem papel litúrgico. Datam dessa época, as 6 Sonatas em Trio, sucedendo às transcrições para órgão de variados concertos de Vivaldi e doutros músicos do Barroco Italiano, efetuadas na época imediatamente antecedente (anos de Weimar). A síntese dos estilos e tradições da época, a Escola do Norte da Europa, a Escola francesa, a Escola italiana e a Escola da Alemanha do Sul, sobressaem em várias produções para órgão de Bach. Porém, ele tem uma abordagem criativa e pessoal: Assimila os estilos, para os colocar ao serviço dum modo de compor muito próprio. O tratamento da melodia e do contraponto, nestas sonatas em trio para órgão, são exemplo disso. Há poucos compositores, como Bach, cuja assinatura indelével perpassa nas obras para os mais diversos instrumentos e estilos.

Katja Sager é uma organista com um vasto reportório: suas interpretações são notáveis pelo rigor técnico e estilístico. Põem em relevo as belezas de peças para órgão dos compositores desde o renascimento, até ao século XX e contemporâneos.

 
 

sábado, 22 de janeiro de 2022

[Bach e o Número] PASSACAGLIA EM DÓ MENOR

                          



  João Sebastião Bach escreveu este monumento na sua juventude. Não se sabe exatamente quando, mas talvez depois de ter regressado de Lübeck, onde estudou as obras para órgão do muito admirado mestre Buxtehude.
Não se conhece manuscrito autógrafo da obra, mas são conhecidos vários manuscritos da época de Bach.

A Passacaglia possui um compasso de 3/4, típico desta dança. O tema do baixo obstinado possui oito compassos. Embora seja menos vulgar que os quatro compassos do costume, são conhecidos alguns exemplos em obras de contemporâneos. Também é pouco usual um solo de pedaleira no início da peça, não acompanhado. Tais solos de pedaleira também ocorrem, raramente, em toccatas de Buxtehude e doutros organistas da Alemanha do Norte.
A obra contém 20 variações: Se lhes juntarmos o tema, teremos o número 21, ou seja, 7 x 3 .
A Trindade (número 3) está omnipresente, enquanto símbolo numerológico, tal como em muitas outras peças de Bach. No simbolismo cristão, o número 7 também é muito importante: as «Sete últimas palavras de Cristo na Cruz».
A progressão da Passacaglia, com suas sucessivas variações, constrói uma tensão, que atinge um clímax na variação 12. Este clímax é sucedido por variações mais tranquilas, formando um curto intermezzo. Depois, as 5 variações restantes conduzem a peça ao final.
A grande interprete de Bach, Marie-Claire Alain, sugeriu que as 21 variações se podiam agrupar em 7 grupos de 3, cada um destes citando um determinado coral luterano. Isto seria um tratamento semelhante à organização adotada no Örgel-Büchlein, uma recolha de corais para órgão, composta no mesmo período que a Passacaglia:
Compassos 8–12, a voz soprano entoa as notas de abertura do coral "Nun komm' der Heiden Heiland"
Compassos 24–48, a cantilena entoa "Von Gott will ich nicht lassen"
Compassos 49–72, as escalas são uma referência ao "Vom Himmel kam der Engel Schar"
Compassos 72–96, evoca o motivo da «estrela» em "Herr Christ, der Ein'ge Gottes-Sohn"
Compassos 96–120, figura ornamentada semelhante à de "Christ lag in Todesbanden" acompanha o tema no soprano e move-se para o contralto e para o baixo.
Compassos144–168 Os intervalos ascendentes no baixo lembram o coral da Páscoa "Erstanden ist der heil'ge Christ".

Segundo Marie-Claire Alain, as 21 partes do baixo na Passacaglia têm sua correspondência nos 12 momentos de exposição do tema na fuga: 12 é o "simétrico gráfico" de 21.

A fuga:  Na realidade, trata-se de uma fuga dupla, que sucede - sem pausa - à Passacaglia. A 1ª metade do baixo obstinado desta, é usado como motivo n.1 da fuga, enquanto a forma transformada da 2ª metade do mesmo baixo, é usada para motivo n.2. Esta fuga dupla designa-se tecnicamente como «fuga de permutação». 
Do ponto de vista tonal, a fuga também exibe originalidade: Progride para tons maiores (Mi b maior, Si b maior) e aí permanece, durante boa parte da fuga.

NOTA: A interpretação que eu escolhi pareceu -me impecável e permite seguir a composição pela partitura. Creio que a sua leitura, acompanhando a audição,  ajuda a captar a estrutura da peça.










sexta-feira, 12 de novembro de 2021

[Trevor Pinnock] J.S. BACH, PARTITA Nº6, BWV 830

As imagens que acompanham a música são obras da época barroca. Mas, além disso, não têm relação com a música aqui reproduzida. Uma das obras é bastante célebre: representa o deus Apolo e os ferreiros na forja de Vulcano, de Velasquez.

A Partita nº6 BWV 830 de J. S. Bach, pertence à coletânea de 6 partitas, que integrava o Clavierübung ou «Exercícios para o Teclado». Cada uma delas tem particularidades estilísticas próprias: Quer nas danças estilizadas que compõem a sucessão (=suite ou partita), quer na respetiva peça introdutória, de natureza diferente em cada uma das seis partitas. Por exemplo, na nº6 é uma Toccata mas, na nº4 é uma Ouverture à la Française. 
O Clavierübung tinha explícitas funções pedagógicas. Não devemos esquecer que Bach foi professor-mestre direto, não apenas de seus filhos, como de vários outros músicos, que contribuíram para a preservação da música do Mestre. 
Eu gosto especialmente desta sexta Partita (outro nome para «Suite»). Encontro nesta tantas maravilhas melódicas, harmónicas e contrapontísticas, que seria fastidioso aqui fazer o seu inventário. Muito melhor é apreciar esta música! Boa audição. 

sexta-feira, 4 de junho de 2021

[J.S. Bach] PEDAL-EXERCITIUM



                           Pedal-Exercitium BWV 598

Gravado em Setembro de 2016 na Igreja de S. Bavo em Haarlem por Matthias Havinga

 Como pode um simples exercício para a pedaleira do órgão ser uma pequena obra-prima? 
- Só Bach poderia conceber algo tão sublime e com tão poucos meios. 

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

O Temperamento em J. S. BACH: «DAS WOHLTEMPERIERTE CLAVIER»




«O Teclado Bem Temperado, ou Prelúdios e Fugas em todos os tons e meios-tons, tanto no que respeita à terça maior como à terça menor. Destinado a ser usado por jovens músicos ávidos de aprender e para o deleite dos que já são executantes hábeis. 
Composto por João Sebastião Bach mestre de capela do príncipe de Anhalt- Cöthen. Ano de 1722» (1)


O costume de se designar a obra-prima de J.S. Bach por «o cravo bem temperado» carece de rigor e também é redutor do sentido, pois a obra era destinada a instrumentos de tecla, não especificando o cravo - ou outro instrumento - como obrigatório ou preferido, para a sua execução. 
Com efeito, na época de Bach, o clavicórdio era um instrumento de tecla e corda muito popular, sobretudo nos lares menos abastados; era muito menos caro do que um cravo. Bach, com certeza, compôs e ensaiou inúmeras peças ao clavicórdio. 
Na introdução que Bach redigiu, a preocupação pedagógica é explícita. Bach ensinou muitos jovens, não apenas os seus filhos, mas muitos outros, incluindo príncipes, nas cortes onde trabalhou.


Pode-se abordar esta obra monumental de muitas maneiras. Uma importante questão tem a ver com o temperamento, ou seja, a subtil mudança das notas musicais em relação ao que seria a estrita relação física da frequência de vibração das cordas. 
A invenção do «temperamento igual» foi aplicada ao forte-piano, o novo instrumento de tecla popularizado, sobretudo, nos finais do século XVIII e no século XIX. Mas, na época em que Bach compôs, não se utilizava sequer o temperamento igual. Este, consiste em desviar um pouco a afinação de todas as notas, para que nenhum acorde soe agreste. 
Porém, o temperamento, na época de Bach, consistia em aplicar ajustes de afinação, para que os acordes soassem melhor numa dada peça, com uma dada tonalidade, havendo portanto que mudar a afinação ao longo do ciclo dos 24 prelúdios e fugas. 
A manutenção da mesma afinação, ao longo de várias horas de execução, é apanágio do piano, sobretudo quando este passou a ser construído com moldura de ferro e cordas metálicas, no século XIX e nos séculos seguintes. 
Por contraste, durante um recital de cravo ou de outros instrumentos de corda, é perfeitamente comum o executante gastar algum tempo, entre peças, para afinar o instrumento. 
Era e é possível fazer variar a afinação do instrumento ao longo do recital, de forma a adequar a sonoridade do instrumento às características de cada peça. Um executante com sensibilidade e ciência do seu instrumento, sabe ajustar a afinação deste, em função da tonalidade da peça. 
Note-se que - nesta época - cada tonalidade tinha um carácter próprio. A escolha do compositor em relação à tonalidade não era indiferente. Uma dada tonalidade seria a mais adequada para veicular certas ideias e sentimentos ... 
Estamos, afinal, perante um problema de interpretação musical e não meramente técnico, para executar a música da época, no «teclado bem temperado»!

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(1) Ler notas acompanhando o disco vinil, por Louis van der Paal

domingo, 6 de setembro de 2020

BACH / VIVALDI - concertos para instrumentos de tecla

                 BACH / VIVALDI - concertos para órgão ou cravo

r/ArtHistory - A recently discovered painting believed to be a portrait of composer J.S. Bach as a young man                                      2

1- Retrato recém descoberto, do jovem Bach/ 2- retrato de Vivaldi, gravura da época.      

 Bach mostra aqui o seu génio, pese embora o seu papel de transcritor/ adaptador dos concertos de Vivaldi, outro génio de igual estatura e possuidor de uma gramática musical sui generis, o que permite identificar como «vivaldiana» uma peça, por qualquer apreciador do «pretre rosso».

A antologia seleccionada começa com concertos de Vivaldi, transcritos para cravo solo (Luciano Sgrizzi) . Bach demonstra um enorme bom gosto, não apenas na escolha das composições (a maioria para violino e orquestra) do Mestre Veneziano, como também sabendo aligeirar a textura e «condimentar» a melodia. De tal maneira que temos a sensação de ouvir peças escritas genuinamente para o cravo.

Seguem-se 12 concertos para órgão, transcritos de concertos de Vivaldi (Elena Barshai). Apesar do título do disco, uma das obras é transcrição dum concerto para violino do Duque Johann Ernst de Saxe-Weimar, músico talentoso e aluno de Bach: as transcrições de concertos de Vivaldi, datadas da época em que Bach trabalhou em Weimar, devem-se provavelmente a solicitação do jovem duque ou foram usadas para a educação musical de Johann Ernst.

Os concertos com órgão «obligato» (Roberto Lorefgian ao órgão e «L'Arte del'Arco» sob direcção de Federico Guglielmo), introduzem um Vivaldi pouco conhecido do grande público. Estes concertos incluem algumas obras de qualidade superior, ao nível das melhores de Vivaldi. No que toca ao estilo: na composição com órgão solista, observa-se a completa e total ausência de escrita contrapontística, o que lhe confere um carácter moderno para a época (primeira metade do século XVIII). Com efeito, é somente no período seguinte - no classicismo - que surgem concertos (nomeadamente, concertos para órgão de J. Haydn, de M. Haydn e de Albrechtberger) com órgão solista, onde este desenha linhas melódicas caprichosas e brilhantes.

Por contraste, os concertos para cravo/s solista/s de Bach, embora apresentem vários exemplos de «escrita galante», ao gosto do final da época barroca, são típicos de Bach, pelo seu apego em manter alguma escrita contrapontística, não obstante a escrita melódica ser dominante. Note-se que o célebre concerto para quatro violinos de Vivaldi, foi o modelo para o concerto a quatro cravos. No entanto, a mestria de Bach fez com que as diversas vozes atribuídas aos cravos, soassem naturalmente, ou seja, como se fossem destinadas a instrumento de tecla e não a instrumento de arco.

Embora Vivaldi seja sobretudo celebrado pelas obras para o violino, deixou uma profusão de partituras para orquestra, com todos os instrumentos solistas imagináveis e também o cravoL'Arte dell'Arco» com Nicola Reniero ao cravo e Federico Guglielmo na direcção).

Porém, as pessoas apreciadoras de música dessa época, não tinham ao seu dispor orquestras ou conjuntos de câmara para usufruir de música (só havia orquestras nas cortes dos duques, príncipes e reis, ou de papas e altos membros do clero). Por este motivo, as transcrições para cravo, ou outros instrumentos de tecla, eram comuns. O livro de Ann Dawson de transcrições para cravo (Enrico Baiano, ao cravo) de concertos de Vivaldi, mostra como era popular a música do Veneziano, mesmo depois de sua morte em Viena, em 1741 (na miséria!).

É extraordinário, o efeito da convergência de escrita musical dos dois génios, com temperamentos muito diversos, como foram João Sebastião Bach e António Vivaldi.

Uma das minhas peças preferidas do reportório de Bach, é - sem dúvida - o Concerto Italiano (Scott Ross): Bach escolheu esta peça para o IIº tomo do «Clavier Übung» com intuitos pedagógicos mas, também, consciente de dar à estampa uma obra plenamente digna do seu génio inventivo. Gosto de imaginar que também estava a prestar homenagem a Itália e à sua música sensual, que descobriu na juventude e, nomeadamente, a música de Vivaldi.

domingo, 10 de maio de 2020

J.S. BACH - CONCERTOS E OUVERTURE PARA FLAUTA E ORQUESTRA


Solista - Marcello Gatti

Ensemble Aurora / Enrico Gatti



- Concerto para Flauta em Si menor


- Concerto triplo em Ré maior


- Ouverture (Suite) em Si menor

domingo, 7 de julho de 2019

G. PH. TELEMANN: CONCERTO EM FÁ MAIOR DA «TAFEL MUSIK»



A alegria de viver de um Vivaldi, conjugada com a sabedoria de um Bach, transparecem neste concerto, extraído da célebre recolha de «Música para a Mesa». Este concerto é, para mim, dos  melhores de Telemann

Ele era amigo (e não um rival) de J. S. Bach. A sua amizade significava muito para ambos; havia mesmo uma relação familiar, pois Telemann foi o padrinho de Carl Philip Emmanuel Bach.

Sendo um compositor prolífico, as suas composições não poderão ser todas de nível altíssimo; porém, em vida, ele foi muito célebre e apreciado, mais que seu amigo e «cantor» (director) da Escola de São Tomás em Leipzig 

Por que razão Telemann não é colocado lado a lado de J.  S. Bach ou de G. F. Haendel, outros grandes compositores barrocos, pelo grande público? 
Não é devido ao desprezo dos musicólogos, nem dos intérpretes de música barroca: hoje em dia, muitos  reconhecem que os três compositores são igualmente importantes. 
Talvez a inércia ou o conformismo levem as pessoas a escolher - em disco ou em concerto - o que já é arque-conhecido, em detrimento de outras obras geniais, mas menos divulgadas. 
Perante isto, tanto músicos como editoras, reforçam a execução em concerto ou a gravação do que seja mais famoso neste reportório, para terem maiores receitas.

domingo, 14 de abril de 2019

J.S. BACH: PRELÚDIO EM DÓ MENOR PARA ALAÚDE



Na sua simples genialidade, nada pode ser mais tranquilizador para o meu espírito, do que ouvir, com toda a atenção e devoção, este prelúdio.
Com efeito, ele é extremamente simples, na sua concepção: acordes quebrados, que se sucedem até atingir o auge e depois se resolvem num acorde perfeito em dó maior.

Sim, para a Semana Santa também vêm a propósito as duas Paixões (segundo S. João e segundo S. Mateus), monumentos de grande envergadura, com coros, solistas e orquestra. 
Mas hoje, prefiro entregar-vos esta pequena jóia musical, este pequeno refúgio de beleza e espiritualidade.

Páscoa com Pax Universalis!

terça-feira, 25 de dezembro de 2018

CONCERTO PARA 2 VIOLINOS DE VIVALDI E TRANSCRIÇÃO PARA ÓRGÃO DE BACH

        Vivaldi:  Concerto op. 3 nº8 para 2 violinos

                              

J. S. Bach: Concerto para órgão, em Lá menor BWV 593,
baseado em Vivaldi

                    
Simon Preston, orgão

segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

CONCERTO DE VIVALDI E TRANSCRIÇÃO PARA ÓRGÃO POR BACH

Oiçam, em primeiro lugar, a interpretação da Akademie für Alte Musik Berlin, do Concerto de Vivaldi...
                       https://www.youtube.com/watch?v=nVGYXFGaLqk



Akademie für Alte Musik Berlin

Concerto para 2 Violinos,Violoncelo, Cordas e Baixo Contínuo em Ré menor Op. 3/11 RV 56

I. Allegro - [Adagio e spiccato] - Allegro - [Adagio] 0:0
I. Largo e spiccato 3:45
III. Allegro 6:10
Este belíssimo concerto de Vivaldi foi um dos que J.S. Bach transcreveu para o órgão solo.

- Ver abaixo, o referido concerto para órgão de Bach, BWV 596, por Köhler:

                              https://www.youtube.com/watch?v=juKolphjfds

                                   

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

BACH-VIVALDI: Concerto para 4 cravos

A fusão da música dos dois mestres do barroco exprime-se no máximo de expressividade e elegância neste concerto para 4 violinos e orquestra de cordas de Vivaldi, transcrito por Bach para quatro cravos e orquestra de cordas, transcrito para órgão solo, por Daniel Maurer. 

Deixo aqui 3 excelentes versões: 
1º de Pascale Mélis ao órgão Cavaillé-Coll de São Clodoaldo de St Cloud (França), 
2º a execução ao vivo do concerto para 4 cravos BWV 1065 em Alberta,
3º, o concerto para 4 violinos (a partitura original) RV 580 de Vivaldi, pelo Giardino Armonico.

Espero que gozem esta música em todo o seu esplendor!









sábado, 18 de agosto de 2018

PARTITAS DE BACH NO CLAVICÓRDIO - WIM WINTERS


                          

O termo «partita» é intercambiável com o de «suite». Agrupa uma série de danças estilizadas, usando a mesma tonalidade e, por vezes, recorrendo a temas semelhantes nas diversas danças. 
Bach escreveu peças introdutórias às partitas, de estilo livre, que nomeou «Preambulum, Sinfonia, Fantasia, Ouverture e Toccata» o que, na minha opinião, são termos praticamente sinónimos, apenas com algumas particularidades de diversas escolas nacionais. 
As danças Allemande, Courante e Sarabande  estão presentes em todas as seis, sendo o Menuet e a Gigue, muito frequentes também. 
Todas estas danças estilizadas têm um número fixo de compassos. 
Possuem duas partes, sendo frequente a segunda iniciar-se na dominante do tom principal, para depois terminar na tónica. 
O compasso binário, ternário, quaternário ou composto, é também típico de cada dança estilizada. 
Além disso, as danças de andamento lento, como a Sarabande, costumam estar presentes no meio da sequência, enquanto as de andamento vivo, como a Gigue, estão no final da suite ou partita.

Estas partitas para tecla fazem parte de um caderno de Clavierübung, um dos raros exemplos de música publicada durante a vida de Bach  e sob supervisão do mestre. Os vários cadernos que constituem o «Clavierübung» ilustram os estilos de escrita para clavicórdio, cravo ou órgão e têm claros intuitos pedagógicos.

Conheço bem, porque estudei e executei ao clavicórdio, a partita Nº6. A meu ver, esta é, do conjunto de seis, a que soa melhor neste instrumento. 

🔺 0:06 PARTITA N°1 BWV 825 Praeambulum Allemande Courante Sarabande Menuet Gigue 🔻 19:09 PARTITA N°2 BWV 826 SInfonia Fugue Allemande Courante Sarabande Rondeau Cappricio 🔸 45:23 PARTITA N°3 BWV 827 Fantasia Allemande Courante Sarabande Burlesque/Scherzo Gigue 🔹 1:09:26 PARTITA N°4 BWV 828 Ouverture Allemande Courante Aria Sarabande Menuet Gigue 🔶 1:45:50 PARTITA N°5 BWV 829 Preambulum Allemande Courante Sarabande Tempo di Menuetto Passepied Gigue 🔷 2:10:15 PARTITA N°6 BWV 830 Toccata Allemande Courante Air Sarabande Gavotte Gigue

sexta-feira, 13 de maio de 2016

[NO PAÍS DOS SONHOS] Allemande da partita para flauta solo BWV 1013 de J.S. Bach


 (Adormeço e vou de novo para o país dos sonhos.)

Agora estou à porta de uma casa, no campo. Esta casa parece-me muito familiar, porém, ao mesmo tempo, não sei onde estou. 
É como se tivesse sido transportado de repente a um local onde já estive no passado, mas ao ignorar todo o caminho percorrido, tenho de tentar buscar na memória em que circunstâncias eu me encontrei em frente desta casa ou de outra semelhante a esta.
De repente, a porta principal abre-se e sai de lá um jovem apressado. Leva uma sacola a tiracolo; aparenta uns 20 e poucos anos… Ele não olha para o sítio onde me encontro. Está decidido, no passo largo, ligeiramente curvado, olhando fixamente o chão à sua frente. Que estará ele a pensar? Impossível saber! 
- Embora eu nunca venha a saber nada mais do jovem, agora já sei onde e como eu vi esta casa pela primeira vez: …. Curiosamente, este jovem desconhecido permitiu-me situar-me no tempo. Num tempo muito diferente deste, embora as casas e as indumentárias fossem pouco diferentes do que se vê agora.
Sim, foi há uns quarenta anos e aquele jovem…sim, era eu!