Lá vêm outra vez, estes sons de beleza pungente, que trespassam a minha alma!
Dentro do sonho acordado, que me proporciona a audição atenta desta serenata, sou transportado para outro espaço-tempo paralelo, outro universo em que o real se abre, como travessia do espelho.
O leitor não pode saber por que razão estes sons têm um efeito tão estranho na pessoa que escreve.
Nem seria fácil conhecer a verdadeira razão, nem a personagem está acessível para desvelar todas as aventuras que viveu em sua vida.
«Em suas vidas», seria melhor dizer, porque as vidas que já foram, retomam seus direitos e revivem no instante em que estes acordes, sacros e endiabrados da música de Tchaikovsky, atravessam os ares.
Tudo está expresso ao pormenor em cada movimento.
Quando fecho os olhos, vejo o passado não sonhado, mas recordado ou revisitado, de eras em que a vida tinha uma vibração mais intensa.
A chave da história fantástica, alegre e triste, reside na própria música.
Se fosse traduzir cada episódio em palavras, cairia na banalização e dessacralização que isso implica.
Esta serenata tem a ver com alguém que existiu realmente.
O compositor não inventou a história que deu pretexto a esta peça, mas teve o bom gosto de apresentá-la enquanto música absoluta, não programática.
No entanto, aqueles poucos que a ouviram, aquando da sua estreia, sabiam!
A linguagem musical raramente exprime, de forma mais límpida, os sentimentos e as paixões humanas: por isso mesmo, ela é tão poderosa.