domingo, 25 de agosto de 2019

SAM COOKE- «BRING IT ON HOME TO ME» AO VIVO NO HARLEM SQUARE CLUB (1963)

Nesta versão, extraída do álbum Live at Harlem Square Club (1963) vibra aquela atmosfera de festa, o «acto de consagração da música Soul» ... Foi Sam Cooke o criador desta canção, retomada pelos mais célebres cantores e grupos, sobretudo nos anos sessenta (Otis Redding, The Animals, etc, etc...).



0:00 Introduction 0:46 ( Don't Fight It ) Feel It 3:45 Chain Gang 6:57 Cupid 9:43 It's All Right/For Sentimental Reasons 14:55 Twistin' The Night Away 19:14 Somebody Have Mercy 24:00 Bring It On Home to Me 29:38 Nothin' Can Change This Love 33:23 Having A Party

Ele também sabe recriar as canções dos outros, com um estilo, uma qualidade  ... oiçam!



sábado, 24 de agosto de 2019

CHINA RETALIA FACE ÀS TARIFAS DOS EUA - MAS AFIRMA QUE ÚNICO CAMINHO É COOPERAÇÃO


Trump anunciou a imposição de tarifas de 10% sobre uma série de bens chineses. 
A notícia do canal acima - a posição oficial de Pequim -apareceu pouco tempo depois do anúncio de Trump, o que mostra que não hesitam em responder, embora continuem a afirmar que para um futuro melhor, o único caminho é o do diálogo.
Esta situação está a piorar a economia dos países ocidentais e dos EUA, numa escala maior que o prejuízo causado à China. Com efeito, todos os índices económicos estão em descida: as bolsas de valores, a produção industrial, o consumo privado, o crédito... todos estão a apontar para uma crise muito próxima, incluindo a inversão das taxas de juro (os juros dos treasuries a 2 anos acima dos a 10 anos).
Há consenso de que haverá uma grande crise no ocidente e que será exacerbada pela guerra comercial com a China.

sexta-feira, 23 de agosto de 2019

PAUL CRAIG ROBERTS ANALISA SITUAÇÃO DA ECONOMIA DOS EUA

                              


No artigo acima («o que o globalismo fez foi transferir a economia dos EUA para a China»), de uma clareza e precisão notáveis, Paul Craig Roberts destrói o mito de uma economia americana em crescimento e em condições de enfrentar a guerra comercial com a China (eu já tinha feito uma análise semelhante há alguns meses atrás; ver aqui )

Este autor, economista e ex-membro da equipa de Reagan, não é «esquerdista»: arruma-se no campo «conservador». Porém, faz análises implacáveis e justas da economia globalista, dos dogmas neo-liberais, da estupidez da governação, tanto pelos seus políticos como pela classe empresarial. Por isso, eu considero as suas análises muito mais significativas, pela sua lucidez e pelo bom-senso fundamental. 
Camões inventou a figura de «Velho do Restelo» e os gregos, muito antes disso, a de Cassandra: 
O Velho do Restelo é a personificação das vozes que se erguiam contra a expansão ultramarina, desguarnecendo o país, a causa profunda da decadência que iria custar a independência ao reino de Portugal. 
Cassandra era dotada pelos deuses do dom da profecia, mas esse dom era acompanhado pela maldição de ninguém acreditar naquilo que ela dizia. 
Paul Craig Roberts possui características de ambas as personagens lendárias; digo isto, sem desprezo ou ironia.

A conclusão lógica da sua demonstração rigorosa: é impossível imaginar outro resultado para a economia e o poderio dos EUA, que não seja o acelerar da sua queda. No final, os EUA cairão num estado semelhante ao dos países do chamado «Terceiro Mundo», nos anos 60 do século passado. 
Eu diria também que ao procurar desestabilizar e semear o caos por todo o lado, também está a contribuir para um cada vez maior isolamento: os EUA são o maior «Estado-pária» («Rogue state»), do qual todos os outros, amigos e inimigos, têm de se precaver.

É realmente impressionante acompanhar, como tenho feito, as crónicas deste eminente economista e político, há vários anos: a justeza das suas análises é muito superior à de quaisquer neo-liberais revestidos de mantos de «esquerda» que se pavoneiam no mundo mediático.

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

O QUE ESTÁ EM JOGO NA CRISE DE HONG-KONG?

                                 
                              Hong Kong’s days as global financial hub may be numbered – Jim Rogers

Ela pode ter sido fortemente impulsionada pela comunidade de negócios, aliada com os serviços de «inteligência» dos EUA e britânicos. Mas, o facto permanece que os problemas de Hong-Kong são os mesmos que os da China continental, mas sob outra perspectiva. 


Vou tentar explicitar o meu ponto de vista da forma mais simples possível.

A estrutura do poder na China é a dum capitalismo de Estado (designada «socialismo com características chinesas»). 
Neste capitalismo de Estado, contam sobretudo as ligações orgânicas ao poder político e à hierarquia militar. Os que estão próximos do poder, beneficiam de uma situação de enorme privilégio que lhes permitiu amassar - durante menos de vinte anos - fortunas. A China é um paraíso para bilionários... 
A China reveste-se portanto das roupagens do «socialismo», para levar a cabo um desenvolvimento que efectivamente arranca milhões da pobreza, mas também projecta a desigualdade e a estratificação de classes para níveis do século XIX. 
Os marxistas auto-iludem-se ao ver a China como a grande esperança de um socialismo brotar - como que por encanto - do mais vigoroso desenvolvimento capitalista deste século.  

Quando Hong-Kong entra em revolta dá-se uma coligação frágil de interesses entre defensores de uma visão radical da democracia (essencialmente estudantes) e  uma burguesia, que vive numa bolha artificial de negócios, centro internacional da Ásia como há poucos, com toda a espécie de negócios, o capitalismo sem máscara, glorificado pelos mais fundamentalistas religiosos dos mercados. 
Do outro lado, a burocracia do partido comunista está interessada em Hong-Kong enquanto porta de entrada de capitais frescos para alimentar a economia de exportação - embora esta esteja em desaceleração - na China continental. Este facto é suficiente para esperar que a situação se acalme, em vez de usar a violência da repressão, conquanto não a descarte totalmente, como se pode verificar com o amassar de forças militares na cidade próxima de Hong-Kong, em  Shenzhen.

Com certeza que Hong-Kong, na sua natureza capitalista não disfarçada, contradiz a doutrina socialista com características chinesas oficial. Porém, o facto de ter regressado à soberania chinesa foi um êxito do regime pós-Mao. 
Com efeito, o regime chinês mascara-se de socialista, mas a sua essência é a de  um capitalismo de Estado, de características orientais, evocando o «Modo de Produção Asiático» que Marx inventou para arrumar aquilo que não se conformava nem com o modelo feudal, nem com o capitalista. 
É igualmente importante, sobretudo pela coesão das massas com a elite dirigente, o nacionalismo nesse dito «socialismo com características chinesas». 
A aceitação passiva pelo povo do PCCh, tem a ver com a cultura nacionalista arreigada, nomeadamente, com a atribuição aos imperialistas de todos os males que sofreu o povo chinês no «século de humilhação»(entre 1840 e 1949). 
Mas também tem a ver, por outro lado, com a rápida ascensão do nível de vida de milhões de pessoas, devido ao «milagre» económico das últimas décadas. As pessoas renunciam à esfera política, porque ocupando-se apenas dos assuntos do quotidiano, das suas vidas pessoais, conseguem alcançar uma relativa felicidade, avaliada em termos da construção de uma carreira, de uma família etc. 
Apenas os estudantes, com o seu modo de vida incerto, enquanto grupo social em transição, sem segurança, sem fortes amarras ao mundo da produção, têm atracção pela militância política; em geral ela traduz-se pela defesa de mais democracia, mais liberdade, maior justiça social. As suas posturas tornam-se facilmente extremas e as formas, radicais. 
Isto verificou-se também, ironicamente, nos movimentos radicais na origem do Partido Comunista da China e de outros partidos comunistas da Ásia, na década de 1920.

Em termos gerais, a situação encontra-se num impasse. Mas ela terá uma resolução, seja ela qual for, mais ou menos repressiva. Tal, porém, dificilmente será no sentido de satisfazer os anseios da população autóctone pela conservação da sua democracia e auto-governo, sentimentos generalizados dos que se manifestam pacificamente em Hong-Kong. 

A razão deste meu pessimismo, é que as forças que têm conduzido a contestação não estão interessadas na conciliação com o poder comunista, não querem a negociação: querem prolongar o braço-de-ferro, porque a sua táctica, inspirada e encorajada pelas agências da ex-potência colonial (Grã-Bretanha) e dos EUA, é a de expor o poder de Pequim, como sendo de natureza totalitária. 

As potências ocidentais esperam assim desautorizar a ascensão da China à liderança do Terceiro Mundo, como no tempo do Movimento dos Não-Alinhados dos anos 60 do século passado. Mas agora, esta liderança já não seria sob a bandeira internacionalista (incluindo nela o nacionalismo revolucionário dos movimentos de libertação), mas teria as roupagens dum mundo multipolar, através das «Novas Rotas da Seda».

No ponto de vista geo-estratégico, esta agitação em Hong-Kong é um episódio da guerra híbrida levada a cabo pelos poderes ocidentais e os EUA contra a China. Não existe solidariedade verdadeira com a população de Hong-Kong da parte destes governos, nem da media ocidental; não estão realmente interessados na liberdade dos cidadãos de Hong-Kong. 
Eles tentarão tudo para desencadear uma situação de repressão, com Pequim no papel de «mau da fita».

O jogo das potências ocidentais é triplo: trata-se de 
(1) afundar a sedução das Novas Rotas da Seda junto de governos dos países do «Terceiro Mundo», 
(2) desestabilizar por dentro o regime chinês e
(3) «justificar» perante a sua opinião pública ocidental a agressividade, o cerco militar que têm levado a cabo, iniciado com o «Pivot to China» de Obama e continuado por Trump. 

Se houver um banho de sangue em Hong-Kong, tanto melhor! É assim que eles raciocinam...

PS: uma outra perspectiva sobre HK, no vídeo abaixo. 
https://www.youtube.com/watch?v=a38bOtUEXcc
   

domingo, 18 de agosto de 2019

A CRISE VIRÁ DO LADO DA DÍVIDA SOBERANA, DOS TÍTULOS DA DÍVIDA PÚBLICA


                        Resultado de imagem para treasure bond coupon

Sabe-se que o grave problema que afecta o sistema económico e financeiro ocidental é a enormidade da dívida. Dívida dos Estados, dívida das empresas e dívida das famílias... tudo somado, a quantidade de dívida é muito maior do que a existente nas vésperas do colapso de Lehman Brothers!

O processo de um Estado se ver livre da dívida pública é somente um, na prática. Embora, em teoria, um governo pudesse decretar insolvência, reconhecendo estar falido e portanto não pagar aos seus credores, isso é demasiado penoso e politicamente suicida. Portanto, os governos irão fazer aquilo que sempre fizeram, ou seja, inflacionam a sua moeda nacional (no caso do Euro, será antes a moeda comum de uma série de Estados da União Europeia).

Um dos casos mais graves de acentuado crescimento da dívida pública, sem fim à vista e com tendência para se agravar, é o dos EUA. Obama conseguiu o «glorioso feito» de duplicar, durante os seus dois mandatos, a dívida pública acumulada antes dele, desde o início da existência dos EUA.
Nada menos fiável do que os EUA. Se decidirem que algum país está com exigências excessivas, podem simplesmente obliterá-lo do mapa... veja-se o caso da Líbia! 
Mesmo os aliados não estão a salvo de serem «esfolados»: como clausula secreta dos acordos que instituíam o sistema do petro-dólar (em 1973), os sauditas foram obrigados a fornecer muitos biliões em treasuries, que provinham do petróleo, para os seus protectores de Washington disporem dessas somas colossais. Não estão nominalmente na posse do Tesouro, mas é como se estivessem: as tais treasuries servem como «fundo de estabilização» do Tesouro. Quando os mercados variam bruscamente ou quando algo vai num sentido desfavorável aos interesses de Washington, esse fundo gigantesco intervém, discretamente. Os especialistas dos mercados conhecem bem as intervenções do referido fundo.    
É basicamente o medo, a impressionante máquina militar, que impõe «respeito» pelo dólar US, com o qual os EUA compram tudo o que precisam, dando em troca... esses papéis verdes impressos! 

A China foi acumulando, em resultado do seu comércio com os EUA e outras partes do mundo, a gigantesca soma de 1,3 triliões de dólares, que estão sob forma de obrigações do Tesouro dos EUA («treasuries»).
Há quem diga que esta constitui uma arma poderosa da China, que poderá despejar no mercado fazendo baixar subitamente o valor dos referidos treasuries. Mas, isso é falso. Não só não é possível eles desfazerem-se de tal soma bruscamente, como teria um efeito oposto ao desejado. Ainda por cima, poderia desencadear uma guerra, por os EUA se sentirem acossados naquilo que é fundamental para eles, a sustentabilidade da sua dívida...

Os russos, há algum tempo, desfizeram-se de quase todas as suas treasuries. Mas eles tinham muito menos, do que a China tem. O que eles fizeram foi genial: Eles deram os treasuries como aval a vários bancos europeus, para garantia de empréstimos aos mesmos bancos. Depois, fizeram default sobre as dívidas a esses bancos e estes tomaram posse das treasuries, dadas como aval. Assim, não colocaram no mercado essas treasuries e obrigaram a outra parte a aceitá-los. Não me parece que se possa repetir isso.

Os Chineses fizeram a Belt and Road: é - além de outras coisas - um processo lento de se desfazerem de treasuries. Com esses dólares, eles financiam grandes obras, portos, aeroportos, caminhos de ferro, etc. nos países mais diversos, com os quais têm acordos. Ficam aliviados do excedente em dólares e tornam-se credores de vários países, sendo possível que recebam em pagamento géneros (matérias-primas), ou notas de crédito denominadas em Yuan.

Segundo uns analistas, os americanos têm de comprar a si próprios (a FED compra ao Tesouro, o qual emite dívida) cerca de 70% da dívida emitida e têm de fazer malabarismos, usando derivados (credit default swaps), para criar a ilusão de procura de treasuries e assim sustentar seu preço. 
Também conseguem procura porque têm uma taxa ligeiramente acima de zero, enquanto muitas das obrigações europeias (como os bunds alemães) estão com juros negativos, ou seja, o emprestador tem - ao fim de x anos - a soma investida, MENOS uma determinada soma y, correspondente ao juro negativo. 

A dívida excessiva a nível mundial não poderá ser aliviada por uma espécie de «jubileu», pois haverá países que ficam a perder imenso com isso por comparação com outros que até incluem os mais ricos, pois estes têm tido um comportamento irresponsável de acumulação de dívida, sem contrapartida em criação de riqueza. Quando uma pessoa ou uma empresa ou um Estado se endividam pode ser uma coisa boa e sensata ou o contrário: se for para investir em algo que por sua vez irá gerar rendimento, irá produzir algo (bens ou serviços), irá traduzir-se por um acréscimo de rendimento (ao nível dos Estados, maior receita de imposto), então é provável que tal investimento seja sensato e produtivo. Mas um empréstimo gasto em despesa não reprodutível, que não vai gerar capital que o pague no médio/longo prazo, é somente um peso suplementar que incide sobre as economias, sobretudo das gerações futuras. 

Num contexto de sobre-endividamento, a inflação é desejada por bancos centrais e por governos, porque vai «comer» parte da dívida acumulada, ou seja, é como um «default» suave, a uma taxa de uns pouco por cento ao ano, que o público não compreende e atribui à ganância dos comerciantes ou às reivindicações excessivas dos assalariados, etc... mas, não aos verdadeiros culpados.

Perante um aumento descontrolado da dívida, a tentação é desvalorização correspondente do dinheiro, o que tem sido feito, de forma sistemática, sem que as pessoas percebam o que se está a passar: se a inflação registada nas estatísticas ao longo de um ano, for de 2%, por hipótese mas - na verdade -  sendo esta de 4 ou 5 %, como se tem verificado, é muito difícil alguém contrariar o discurso oficial. Seria preciso um instrumento independente, de recolha e tratamento estatístico, algo como um Instituto de Estatística alternativo, ou algo parecido, com credibilidade igual ou superior aos institutos do Estado. 

Portanto, a aceleração da impressão monetária, ou seja,  «Quantitive Easing» e as taxas de juro próximas de zero ou negativas  anunciadas pelos bancos centrais ocidentais, irão apenas contribuir para manter durante algum tempo (quanto?) as bolhas das bolsas de acções, das obrigações, do imobiliário... em que se tem vivido. 
Mas, chegará o momento em que as pessoas compreenderão que estão a ser aldrabadas, que números crescentes não representam aumento de valor, não correspondem a nada de sólido. 

A perda de confiança numa divisa, nas divisas «em papel», é um processo muito rápido: compreende-se que os bancos centrais dos países do Oriente se previnam disso, comprando todo o ouro que podem nos mercados. Alguns financeiros, gerindo fundos bilionários, também compreendem o que se está a passar e também estão a aconselhar os seus clientes a fazer o mesmo.

A subida dos metais preciosos, em especial do ouro (e isto é notável) faz-se, apesar da existência confirmada de conluio entre bancos centrais ocidentais e grandes bancos, emissores de contratos de futuros (um tipo de derivado) sobre o ouro e a prata. Eles despejam no mercado, em momentos especiais, quantidades abismais de contratos. É assim que o preço do ouro e da prata têm sido reprimidos, ao ponto de, em paridade do poder de compra, a prata nunca ter estado tão barata! Se estes contratos correspondessem - de facto - a ouro físico, seria necessária várias vezes a produção anual minerada. Evidentemente, trata-se duma fraude, mas fraude consentida pelas entidades ditas supervisoras dos mercados e pelos bancos centrais.
O sistema de emissão de dinheiro ilimitado e controlado pelas entidades globais, é inviável: dentro de um prazo (não determinável exactamente, pois dependerá da duração e profundidade da crise vindoura), terá de haver uma profunda reforma do sistema monetário.  
Mas, entretanto, é bem provável que haja guerras, revoluções, fomes, transferências de riqueza, fenómenos que se verificaram no passado, em associação com as crises económicas mais graves.

MICHEL ONFRAY E O COMPLEXO FREUDIANO

Após muitos anos de grande culto pelo pai da psicanálise, Sigmund Freud, é pela primeira vez biografado como deveria ter sido sempre: sem complacências, com rigor e objectividade. Esta tarefa coube ao filósofo Michel Onfray, bem conhecido do público francófono - pela sua obra, mas também pela universidade popular de Caen, que ele ergueu e tem animado, desde os primeiros anos do século. 



Onfray, ele próprio, durante muitos anos foi sujeito ao mito de Freud e ensinou-o aos seus alunos de filosofia. As circunstâncias que fizeram com que ele fosse investigar melhor Freud, tem a ver com um livro «amaldiçoado», pois escrito por autores de «extrema-direita», mas que Onfray se sentiu na obrigação de ler para poder criticar. Qual foi o seu espanto ao verificar que o livro, classificado como «propaganda anti-semita» de autores de extrema-direita, não tinha este cunho, mas antes ia buscar o seu conteúdo à própria obra e a relatos biográficos, que geralmente têm sido ocultados ou mal interpretados. Em geral, os biógrafos também são discípulos directos ou indirectos do «mestre», e as suas biografias não são neutras, são antes construções que tendem a hiper-valorizar as «descobertas» de Freud na psicologia.


Não irei aqui fazer a exposição do conteúdo do excelente livro que Michel Onfray redigiu, na sequência da sua surpreendente (para ele próprio também) descoberta, dum Freud desconhecido e, no entanto, patente pela simples leitura da sua obra completa e correspondência publicada, coisa que poucos fizeram: sobretudo, ninguém com capacidade de distanciamento crítico e independência de espírito, como Michel Onfray.
A sua obra sobre Freud destrói o mito. Vale a pena ser lida por qualquer pessoa, não apenas por profissionais da psicologia e ciências humanas. 
As teorias de Freud são tudo menos científicas. São teorias ad hoc construídas pelo médico vienense para «justificar» suas próprias obsessões e «generalizar» a todo o género humano, os seus problemas! Eis a constatação explosiva e, no entanto, rigorosa, que efectuou o autor do livro «Anti-Freud», nas suas exaustivas leituras e nas reflexões subsequentes que faz. Nos aspectos essenciais, baseia-se em dados, os mais objectivos, nas obras de Freud, na sua correspondência, em particular, com o médico amigo e confidente, Fliess e outras fontes de informação absolutamente seguras. 
O Freud das hagiografias dos seus seguidores não tem muito que ver com o Freud da realidade, é esta a espantosa conclusão que se tira desta biografia. No essencial das questões, nada de especulativo pude encontrar, na escrita de Onfray. Quando ele faz conjecturas, ele afirma-o de modo claro, para que o leitor não possa confundir com o que está efectivamente escrito nas fontes consultadas. 
As conclusões que se possam tirar da leitura desta biografia são muito significativas: a construção de um mito «científico» e a dificuldade das pessoas «educadas» descolarem desse mito, pois elas têm sido nutridas com ele, «desde a infância». 
Depois, há a questão da honestidade e da coragem intelectual. As pessoas que estudaram Freud, que o biografaram, antes de Onfray, com certeza deram com algumas incoerências gritantes, com contradições patentes, com aspectos menos luzidios da biografia do homem. Porém, pelo que me apercebi, na sua imensa maioria, descartaram ou menorizaram tudo o que pudesse amesquinhar a personagem e a «cientificidade» das suas supostas descobertas.    
A cultura do século XX tem muito a ver com o freudismo, com todos os clichés derivados da psicanálise... é um verdadeiro complexo freudiano, que seria necessário descrever sob o ângulo da antropologia cultural. 
Seria um trabalho gigantesco e salutar, o de se compreender como se ergueu e se elevou este mito aos «cumes da objectividade científica». 
Muitas pessoas foram efectivamente capturadas pela propaganda do próprio Freud, segundo a qual, suas «descobertas» seriam de significado e dimensão análogos à revolução do heliocentrismo de Copérnico, no séc. XVI, e à teoria da evolução das espécies e da ascendência do homem, de Darwin (século XIX). 

Declaro aqui, sem hesitações, a minha gratidão por Michel Onfray ter-me aberto os olhos e permitido ver, para além de todos os mitos e fábulas com as quais convivemos ao longo de mais de um século. 
É que não se trata somente da personagem «tutelar» da ciência psicológica contemporânea, mas sobretudo da montagem das suas teorias e do seu suposto poder explicativo e terapêutico.  
Não lhe falta coragem e honestidade intelectual por nos dar a conhecer algo que outros ocultaram, sabendo que iria desencadear contra ele uma série de ataques. Estes ataques efectivamente têm surgido dos que se arrogam o papel de sacerdotes da religião da psicanálise. 
O livro é agradável de se ler e é uma fonte inesgotável de referências, tanto da obra de Freud, como de muitos dos seus seguidores e biógrafos, historiadores da psicanálise ...

sábado, 17 de agosto de 2019

A AUSÊNCIA DE EMPATIA E O DOMÍNIO DE UMA CASTA

Talvez seja pretensioso e enfático naquilo que escrevo. Porém, as frases - despidas de sua retórica - têm um significado preciso. Não tenho um talento de comunicador que me permita agarrar o leitor e fazê-lo aceitar de bom grado as minhas teses. Não tenho esse talento e tenho a obsessão pela verdade. Sei que isto é coisa fora de moda, mas - para cúmulo - eu também não dou «um traque» pelas modas!

Mas aquilo que é fundamental hoje compreendermos é que as pessoas estão agrupadas em organizações piramidais, hierárquicas, colaborando na sua manutenção e permanência. Crêem que não existe outra forma de organizar o trabalho e - em geral - todas as actividades humanas. Incluem isso nos seus sistemas de valores e de crenças, que lhes é incutido desde a mais tenra infância, sem questionarem. 
Porém, seria fundamental as pessoas «saírem da casca». Para compreenderem o que fazem com elas, o que fazem delas. Não creio que este saber, em si mesmo, modifique a sociedade; porém, sem esse primeiro passo de tomada de consciência, será fútil qualquer tentativa de mudar profundamente a sociedade. Quando falo em mudança, é de mudança real: não em mais sofisticadas, ou mais disfarçadas, formas de escravidão!

Aquilo que as pessoas não compreendem é que os que dirigem os destinos de milhões de pessoas foram seleccionados por uma espécie de «selecção darwiniana perversa». Isto é, uma selecção darwiniana que não faz prevalecer os mais fortes, os mais sábios, os mais inteligentes, mas antes os mais perversos, os sem quaisquer sentimentos de empatia pelos seus semelhantes, os capazes - portanto - de tomar decisões totalmente erradas moralmente, com o sorriso nos lábios, sabendo perfeitamente que conduzirão o justo ao cadafalso, as famílias à miséria mais abjecta, os soldados a uma morte inglória no campo de batalha, etc... 
Porque, para estes monstros psicológicos que são os «grandes homens» (e «grandes mulheres»), as dores e sofrimentos dos outros não lhes importam nada: tudo o que lhes interessa, é a sua própria glória; é o tão desejado domínio sobre os outros, sobre um povo, uma nação, um reino, um império... 

As pessoas vulgares podem ter muitos defeitos: podem ter cobiça, serem mesquinhas, avaras, egoístas, etc. mas, num grau ou noutro, possuem capacidade de empatia humana. 
Algo dentro delas sofre com a visão do sofrimento alheio, sobretudo, se for alguém que conhecem, que estimam, que amam... evidentemente. Mas também sentem empatia por alguém que não conhecem, com quem nunca falaram, que sofre e elas apercebem-se desse sofrimento. Compreendem que essa pessoa sofre, imaginam esse sofrimento nelas próprias. A compaixão é esse sentimento nobre, perante o sofrimento, qualquer tipo de sofrimento. Isso é, porventura, muito humano e mesmo, mais ainda, pois os animais manifestam-no de forma inequívoca. 
Note-se que a empatia e a capacidade de compaixão não anulam - noutras circunstâncias - a ferocidade, a crueldade, face a inimigos. Mas as pessoas destituídas de compaixão, de empatia, psicopatas ou sociopatas, têm prazer em ver sofrer, seja quem for, sobretudo se isso os ajuda a alcançar o que desejam. Onde as pessoas «normais» recuariam, onde se absteriam de determinada acção, os psicopatas avançam. Isso, muitas vezes, é confundido com coragem, determinação, ou sentido de liderança.  

Portanto, a questão primeira e fundamental é a seguinte: um sistema que premeia os psicopatas e sociopatas, onde estes têm todas das hipóteses de alcançar o topo da pirâmide social, é um sistema - ele próprio - que estará segregando normas perversas, sociopáticas. Os que estão no topo, naturalmente, estarão interessados em manter o seu poder sobre a sociedade. Temos então o «darwinismo perverso» de que falei acima.
A segunda questão e correlativa, é que as pessoas restantes guardaram suas capacidades de empatia, de compaixão, de amar... embora este amor possa ser limitado a poucos entes. 
Estas pessoas, a imensa maioria, são completamente diferentes dos psicopatas, do ponto de vista biológico profundo: têm circuitos cerebrais que permitem a manutenção da espécie enquanto tal, não somente na reprodução (o amor nas parelhas, nos parentes, etc.) como também são capazes de realizar actos que não sejam vantajosos somente para elas próprias. Existem formas de solidariedade genuínas, onde não há qualquer esperança de retribuição do gesto solidário. 
As pessoas solidárias, numa qualquer sociedade, são aquelas que permitem a coesão do tecido social. São elas que dão o bom exemplo e «obrigam» as pessoas menos solidárias a adoptarem uma moral exterior solidária. O efeito geral é benéfico para a sociedade. 
A moral predominante no neo-liberalismo, porém, consiste no exacto contrário: é destrutiva, pois institui um «não valor», o egoísmo ou egocentrismo, enquanto forma, não apenas legítima, mas única e «sensata» de comportamento. A inversão chega ao ponto de uma pessoa naturalmente levada as comportamentos solidários, ser tida por débil, fraca, até mesmo «estúpida».
Mas, pelo contrário, uma sociedade será tanto mais sólida e seus membros terão um maior grau de auto-confiança e de confiança nas instituições, quanto maior for o grau de solidariedade não coerciva que exista. Quanto maior o grau de empatia, quanto mais cultivada a compaixão e quanto mais as pessoas se insiram harmoniosamente no colectivo, mais a sociedade no seu todo beneficiará. 
Para haver mudança do comportamento social, é necessário que seja compreendido todo o mal que tem sido feito pela ideologia neo-liberal, o que eu chamo «darwinismo pervertido», que tem feito as vezes de ideologia silenciosa dominante. É preciso que se compreenda como foi instaurada e mantida uma determinada ordem hierárquica, onde os mais velhacos, os sem escrúpulos, os mais destituídos de sentimentos altruístas, são quem vence a competição social e obtém os lugares cimeiros, não apenas com as associadas benesses materiais mas, igualmente, com o poder. 
Obviamente, irão exercer esse poder sobre todos os outros, de forma a extrair o máximo deles, e de forma a que esse poder se perpetue. Esta perpetuação implica que eles tenham de segregar uma «moral ao contrário», em que ser amável, solidário, cooperativo, etc... é fraqueza; onde o contrário disto, é ser «forte», é ter «espírito de liderança»!

Hoje em dia, no vasto Mundo, constato isso:
As sociedades mais estáveis, mais felizes e as mais produtivas (embora a produtividade não seja o mais importante!), são aquelas onde os comportamentos sociais são moldados mais pela empatia, ajuda, solidariedade e sentido cooperativo... 
Os países possuídos pela «não civilização» do consumo, são aqueles onde a escala de valores tradicionais deu lugar ao consumismo/materialismo completo e total, mesmo que, na superfície, as populações continuem a aderir às suas religiões. 
Pelo contrário, os países que souberam integrar a modernidade, sem descurar seus próprios valores e a sabedoria ancestral, são mais felizes, mais pacíficos, mais auto-confiantes.