Porque razão os bancos centrais asiáticos estão a comprar toneladas de ouro? - Não é ouro em si mesmo que lhes importa neste momento, mas é a forma mais expedita de se livrarem de US dollars!!
Mostrar mensagens com a etiqueta biografia. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta biografia. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

LE DERNIER REPAS - JACQUES BREL

 https://www.youtube.com/playlist?list=PLUv1WgIwP9IPk6USCWVJbq7e4t8JFCOss


À mon dernier repasJe veux voir mes frèresEt mes chiens et mes chatsEt le bord de la mer
À mon dernier repasJe veux voir mes voisinsEt puis quelques chinoisEn guise de cousins
Et je veux qu'on y boiveEn plus du vin de messeDe ce vin si joliQu'on buvait en Arbois
Je veux qu'on y dévoreAprès quelques soutanesUne poule faisaneVenue du Périgord
Puis je veux qu'on m'emmèneEn haut de ma collineVoir les arbres dormirEn refermant leurs bras
Et puis je veux encoreLancer des pierres au cielEn criant Dieu est mortUne dernière fois
À mon dernier repasJe veux voir mon âneMes poules et mes oiesMes vaches et mes femmes
À mon dernier repasJe veux voir ces drôlessesDont je fus maître et roiOu qui furent mes maîtresses
Quand j'aurai dans la panseDe quoi noyer la terreJe briserai mon verrePour faire le silence
Et chanterai à tue-têteÀ la mort qui s'avanceLes paillardes romancesQui font peur aux nonnettes
Puis je veux qu'on m'emmèneEn haut de ma collineVoir le soir qui chemineLentement vers la plaine
Et là debout encoreJ'insulterai les bourgeoisSans crainte et sans remordsUne dernière fois
Après mon dernier repasJe veux que l'on s'en ailleQu'on finisse ripailleAilleurs que sous mon toit
Après mon dernier repasJe veux que l'on m'installeAssis seul comme un roiAccueillant ses vestales
Dans ma pipe je brûleraiMes souvenirs d'enfanceMes rêves inachevésMes restes d'espérance
Et je ne garderaiPour habiller mon âmeQue l'idée d'un rosierEt qu'un prénom de femme
Puis je regarderaiLe haut de ma collineQui danse, qui se devineQui finit par sombrer
Et dans l'odeur des fleursQui bientôt s'éteindraJe sais que j'aurai peurUne dernière fois

Esta soberba canção abre a minha playlist, dedicada ao mais notável autor-compositor de origem franco-flamenga. Ele nos encantou enquanto adolescentes, encarnando todo o fulgor de revolta e de amor que nos incendiava também. 

Sabemos muito sobre a vida deste grande vulto da canção francófona, mas isso não explica nada, pois o fenómeno de criatividade, quer nas letras, quer nas melodias, continua a ser, para mim, um caso ímpar. Dificilmente, se encontra meia dúzia de interpretes/compositores, que tenham atingido a perfeição e qualidade de Jacques Brel.

Jacques Brel é também um formidável intérprete.  Tem imensa qualidade vocal, nas gravações ao vivo ou em estúdio: Elas são de grande perfeição, não apenas pela sua musicalidade, como pela sua perfeita dicção: consegue-se perceber todas as palavras, mesmo nas canções com um ritmo muito vivo.

Algumas canções do «grand Jacques» foram interpretadas por outros cantores/cantoras. Mas, para mim, nenhuma dessas interpretações (embora algumas tenham real qualidade) vale a versão original.  

Brel escreve sobre o amor, sobre os desencontros do amor, sobre os seus fracassos, sobre a condição humana, sobre os problemas sociais, sobre a guerra e a paz, sobre o militarismo, sobre a morte, etc. Dizer - porém - que é um «cantor/autor de intervenção» ou «engagé» é um bocado redutor, não se aplica ao personagem e à sua obra. Ele transcende as divisões esquerda/direita, ou ateísmo/religião. Por isso, pode ser amado ou odiado por muitos, em todos os quadrantes: as canções que eu escolhi na playlist dão, espero, uma amostra representativa das temáticas das canções de Brel.

Brel viveu apaixonadamente, nunca recusando os desafios que a vida lhe colocava. Pode dizer-se que é um exemplo de comportamento «heroico» ou voluntarista, mas não cai dentro da categoria típica das «stars», pois ele não gostava nada que os media da altura se imiscuíssem na sua vida privada. Tinha, além disso, um sentido profundo de solidariedade e de justiça social, que não era fictício, pois ele assumia estes valores que proclamava. Pode dizer-se que o seu substrato profundo fosse de um libertário social, que assumia o humanismo como herança da civilização em que estava inserido, mas rejeitava as hipocrisias dos burgueses, dos falsos devotos, etc.    

Gostaria que houvesse outros artistas como ele, que estivessem vivos e atuantes, que soubessem fazer a denúncia das iniquidades e das brutalidades dos poderosos, com a mesma verve, pois a força da expressão artística tem a capacidade de abrir os corações. Uma das coisas que mais falta faz, neste século, parece-me ser a coragem de se ser coerente com os  ideais proclamados.



domingo, 18 de agosto de 2019

MICHEL ONFRAY E O COMPLEXO FREUDIANO

Após muitos anos de grande culto pelo pai da psicanálise, Sigmund Freud, é pela primeira vez biografado como deveria ter sido sempre: sem complacências, com rigor e objectividade. Esta tarefa coube ao filósofo Michel Onfray, bem conhecido do público francófono - pela sua obra, mas também pela universidade popular de Caen, que ele ergueu e tem animado, desde os primeiros anos do século. 



Onfray, ele próprio, durante muitos anos foi sujeito ao mito de Freud e ensinou-o aos seus alunos de filosofia. As circunstâncias que fizeram com que ele fosse investigar melhor Freud, tem a ver com um livro «amaldiçoado», pois escrito por autores de «extrema-direita», mas que Onfray se sentiu na obrigação de ler para poder criticar. Qual foi o seu espanto ao verificar que o livro, classificado como «propaganda anti-semita» de autores de extrema-direita, não tinha este cunho, mas antes ia buscar o seu conteúdo à própria obra e a relatos biográficos, que geralmente têm sido ocultados ou mal interpretados. Em geral, os biógrafos também são discípulos directos ou indirectos do «mestre», e as suas biografias não são neutras, são antes construções que tendem a hiper-valorizar as «descobertas» de Freud na psicologia.


Não irei aqui fazer a exposição do conteúdo do excelente livro que Michel Onfray redigiu, na sequência da sua surpreendente (para ele próprio também) descoberta, dum Freud desconhecido e, no entanto, patente pela simples leitura da sua obra completa e correspondência publicada, coisa que poucos fizeram: sobretudo, ninguém com capacidade de distanciamento crítico e independência de espírito, como Michel Onfray.
A sua obra sobre Freud destrói o mito. Vale a pena ser lida por qualquer pessoa, não apenas por profissionais da psicologia e ciências humanas. 
As teorias de Freud são tudo menos científicas. São teorias ad hoc construídas pelo médico vienense para «justificar» suas próprias obsessões e «generalizar» a todo o género humano, os seus problemas! Eis a constatação explosiva e, no entanto, rigorosa, que efectuou o autor do livro «Anti-Freud», nas suas exaustivas leituras e nas reflexões subsequentes que faz. Nos aspectos essenciais, baseia-se em dados, os mais objectivos, nas obras de Freud, na sua correspondência, em particular, com o médico amigo e confidente, Fliess e outras fontes de informação absolutamente seguras. 
O Freud das hagiografias dos seus seguidores não tem muito que ver com o Freud da realidade, é esta a espantosa conclusão que se tira desta biografia. No essencial das questões, nada de especulativo pude encontrar, na escrita de Onfray. Quando ele faz conjecturas, ele afirma-o de modo claro, para que o leitor não possa confundir com o que está efectivamente escrito nas fontes consultadas. 
As conclusões que se possam tirar da leitura desta biografia são muito significativas: a construção de um mito «científico» e a dificuldade das pessoas «educadas» descolarem desse mito, pois elas têm sido nutridas com ele, «desde a infância». 
Depois, há a questão da honestidade e da coragem intelectual. As pessoas que estudaram Freud, que o biografaram, antes de Onfray, com certeza deram com algumas incoerências gritantes, com contradições patentes, com aspectos menos luzidios da biografia do homem. Porém, pelo que me apercebi, na sua imensa maioria, descartaram ou menorizaram tudo o que pudesse amesquinhar a personagem e a «cientificidade» das suas supostas descobertas.    
A cultura do século XX tem muito a ver com o freudismo, com todos os clichés derivados da psicanálise... é um verdadeiro complexo freudiano, que seria necessário descrever sob o ângulo da antropologia cultural. 
Seria um trabalho gigantesco e salutar, o de se compreender como se ergueu e se elevou este mito aos «cumes da objectividade científica». 
Muitas pessoas foram efectivamente capturadas pela propaganda do próprio Freud, segundo a qual, suas «descobertas» seriam de significado e dimensão análogos à revolução do heliocentrismo de Copérnico, no séc. XVI, e à teoria da evolução das espécies e da ascendência do homem, de Darwin (século XIX). 

Declaro aqui, sem hesitações, a minha gratidão por Michel Onfray ter-me aberto os olhos e permitido ver, para além de todos os mitos e fábulas com as quais convivemos ao longo de mais de um século. 
É que não se trata somente da personagem «tutelar» da ciência psicológica contemporânea, mas sobretudo da montagem das suas teorias e do seu suposto poder explicativo e terapêutico.  
Não lhe falta coragem e honestidade intelectual por nos dar a conhecer algo que outros ocultaram, sabendo que iria desencadear contra ele uma série de ataques. Estes ataques efectivamente têm surgido dos que se arrogam o papel de sacerdotes da religião da psicanálise. 
O livro é agradável de se ler e é uma fonte inesgotável de referências, tanto da obra de Freud, como de muitos dos seus seguidores e biógrafos, historiadores da psicanálise ...