Vale a pena ler o excelente artigo de Philip Giraldi, a propósito do cartoon de António - célebre cartoonista português - publicado há alguns dias no New York Times, motivo de uma grande polémica.
Pela minha parte, é claro que as pessoas que consideram que uma caricatura como esta tem conotações anti-semitas, o fazem simplesmente porque lhes convém e preferem ser «cegas» à mensagem política óbvia que este cartoon veicula: que Trump tem sido guiado e manobrado pelo lóbi pró-Israel, pelo genro, Jared Kushner e pelo próprio Natanyahu.
O cartoon de António veicula uma mensagem política, quer se goste ou não dela; não tem conotação de anti-semitismo, pois isso seria desprezar o judeu, enquanto tal, enquanto judeu.
Só para comparar, vejam-se imagens caricaturais publicadas na época do caso «Dreyfus»
... ou ainda da propaganda Nazi, elas sim anti-semíticas, pois representam «o judeu típico», com certos atributos físicos e atribuindo-lhe um papel moralmente repelente, baixo, dum agiota, ou grande banqueiro, ou traidor, etc...
A fúria que se abateu sobre o jornal NYT (que, para cúmulo, é propriedade de judeus e tem imensos jornalistas judeus no seu quadro!) mostra a enorme força do lóbi pró-Israel e pró-sionista.
O sionismo é uma ideologia supremacista, racista, belicista e expansionista... e possuímos amplas evidências para provar cada uma das afirmações atrás produzidas.
A reacção irada dos sionistas mostra que o cartoon de António «fez mouche»!!!
Jean Bricmont afirma a necessidade de uma discussão civilizada sobre a hipótese de saída da União Europeia, recordando que há alguns anos atrás, o simples facto de se por a questão da continuidade dentro do euro (não propriamente da união europeia) era motivo para se ser tratado de «fascista»!
Ainda hoje, é-se frequentemente apelidado de nomes deste género, se se tem o arrojo de discutir o projecto da União Europeia. Ora o referido projecto encontra-se em crise, uma crise que não é de conjuntura, mas sim muito mais profunda.
Jean Brictmont demonstra brilhantemente que a «esquerda alternativa», que aponta como saída para esta crise, um aprofundamento da democracia no seio das instituições europeias, está completamente auto-iludida.
Eu estou de acordo com Bricmont na medida em que considero que o processo da construção desta «União», se fez, não só de cima para baixo, mas tendo como traves-mestras, como ossatura, a ideologia liberal ou neo-liberal, os mercados sacro-santos, a sujeição dos Estados e dos povos ao diktat dos mercados.
Portanto, a União Europeia é irreformável, tendo ela própria trancado «a sete chaves» a hipótese de uma reforma por dentro da sua estrutura: Ela assegurou isso na forma como redigiu certas cláusulas dos tratados (nomeadamente, no Tratado de Lisboa).
Estes são, afinal, em termos práticos, equivalentes a um texto constitucional. Embora estejam previstos mecanismos para saída ou para modificação dos tratados, intencionalmente isso foi tornado tão complexo e difícil de obter (com exigências de unanimidade dos Estados, ou restrições análogas), que fazem com que, na prática, as nações que «voluntariamente» se comprometeram com esses textos, ficam atadas de pés e mãos e apenas poderão sair da estrutura burocrática da UE, em ruptura, em conflito aberto, na prática...
É curioso verificar que um número tão elevado de pessoas, à esquerda, nunca equacionou a realidade deste projecto da UE, como sendo um projecto de natureza imperial, portanto onde o «centro», o país (ou países) mais poderoso(s) dita(m) a lei aos mais fracos, não havendo possibilidade de inverter - dentro da estrutura existente - tal correlação de forças.
Veja-se o caso da Grécia e de como «torceram o braço» ao governo de Tsipras, até este acabar por ceder, para evitar um descalabro ainda maior da economia e sofrimento do povo.
Vejam-se os desenvolvimentos em curso do Brexit que, sem dúvida, foi tornado o mais desagradável possível, para o povo britânico, «culpado» de não querer pertencer à maravilha das maravilhas, que é o Império com sede em Bruxelas!
Veja-se ainda os casos dos referendos que os povos dinamarquês e irlandês foram obrigados a repetir, quando os resultados de uma primeira consulta negavam o caminho que a aristocracia maastrichiana tinha decidido.
Ou ainda, os dirigentes da UE e os próprios dirigentes nacionais respectivos, terem ignorado os «não» dos referendos francês e holandês, à constituição europeia para, pouco depois, esta mesma ser de novo servida como «prato requentado», agora rebaptizado de «Tratado de Lisboa»... Porquê um tratado? Porque assim não carecia de ratificação popular, sob forma de referendos nacionais.
Enfim, tal como Bricmont, eu continuo a ser profundamente céptico sobre a viabilidade de um processo democrático supra-nacional.
Tenho verificado, observando a História, que os processos que conduzem os povos a maior liberdade, maior autonomia, ao aprofundamento dos seus direitos, se passam todos a nível nacional.
Mesmo que certas evoluções ou revoluções sejam inspiradoras para outros povos, que não tenham sido protagonistas iniciais das mesmas, nunca se opera uma transplantação bem sucedida de tais transformações, a não ser que já exista uma forma ou outra de processo, fervilhando no seio desse(s) outro(s) povo(s).
Sobretudo, não existe maneira de um povo minoritário ou um conjunto minoritário de povos (em termos de população, logo em número de deputados no parlamento europeu) ver a sua posição respeitada, se a vontade maioritária for antagónica dos primeiros, mesmo em matérias vitais.
Assim, o único resultado possível de um aprofundar da democracia representativa no seio da UE, seria o aumento das querelas e dissensões entre povos, causador do rebentamento (talvez sangrento) da UE, visto que as contradições entre os interesses dos diversos povos iriam acumular-se, como muito bem o demonstra Jean Bricmont.
Nota:
Segundo a notícia abaixo, o Governo está a hipertrofiar os custos,
somente para conseguir manter uma fachada. Como dizia anteriormente , a charada
da recuperação do tempo de serviço dos professores significa que, em Portugal,
não há nenhum respeito pela lei e pelos compromissos do Estado em relação aos
cidadãos.
Manuel
Banet
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UTAO
diz que recuperação integral das carreiras especiais custaria menos do que
diz o Governo
08
maio, 2019 - 14:50 • Agência Lusa
Executivo
refere uma fatura de 800 milhões de euros para repor todo o tempo
de serviço congelado aos professores, considerando o valor inviável.
A
Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) calcula que a recuperação integral
do tempo de serviço de todas as carreiras especiais, incluindo dos professores,
custaria 398 milhões de euros líquidos, pressionando as metas de Bruxelas,
mas sem impedir o seu cumprimento.
“A
avaliação de impactos efetuada pela UTAO no Anexo 2 deste relatório
à extensão para todas as carreiras especiais do princípio de
recuperação
integral
do tempo de serviço prestado para efeitos de progressões remuneratórias prevê
uma deterioração de 398 milhões de euros no saldo orçamental e no saldo
estrutural em ano de cruzeiro, face ao cenário do Programa de
Estabilidade/2019–23”, indicam os técnicos do Parlamento no relatório enviado
esta quarta-feira aos deputados da Comissão de Orçamento e Finanças, a que a
Lusa teve acesso.
A
UTAO teve em conta os dados divulgados pelo Ministério das Finanças em 3 de maio,
relativos à despesa bruta, descontando a receita adicional de IRS, os descontos
para a Segurança Social, Caixa Geral de Aposentações e ADSE, decorrentes da
subida dos salários, para aferir o impacto líquido da medida.
A
3 de maio, o Ministério das Finanças indicou, em comunicado, que “a decisão da
Assembleia da República de contabilização retroativa do tempo de serviço dos
professores de nove anos, quatro meses e dois dias tem um impacto na despesa
permanente de 800 milhões de euros por ano em ano cruzeiro (considerando o
impacto em todas as carreiras similares)”.
De
acordo com os cálculos da UTAO, os 804 milhões de euros de despesa com o
acréscimo no valor das remunerações brutas a pagar aos trabalhadores de todas
as carreiras envolvidas, em ano de cruzeiro, correspondem a 567 milhões de
euros em termos líquidos.
Este
valor é atingido em 2023, tornando-se permanente a partir desse ano. Ou seja,
será o custo que as Finanças terão de suportar com o descongelamento de
carreiras com recuperação integral do tempo de serviço.
Os
peritos da UTAO calcularam o impacto orçamental e as implicações para o
cumprimento das metas da Comissão Europeia. “Em percentagem do PIB potencial, o
saldo estrutural passa de 0,3% para 0,1%, ficando as finanças públicas mais
expostas a falhar a regra do Objetivo de Médio Prazo (OMP)”, lê-se no
relatório.
Os
técnicos do Parlamento indicam que “a aprovação da medida 2 [recuperação
integral do tempo de serviço para todas as carreiras especiais] com revogação
da Medida 1 [recuperação parcial] deteriora o saldo estrutural face ao cenário
contemplado no PE/2019–23, mas não impedirá o cumprimento das regras
orçamentais relativas ao Objetivo de Médio Prazo”.
A
UTAO conclui que, apesar de Portugal ficar “mais vulnerável a surpresas
descendentes, sobretudo nos anos 2020 e 2023”, “não se espera que da adoção da
medida 2, com as características acima descritas, Portugal passe a incumprir as
regras orçamentais relativas ao OMP”.
O
diploma com as alterações ao decreto do Governo sobre a contagem integral do
tempo de serviço dos professores terá ainda de ser aprovado em plenário antes
de seguir para promulgação pelo Presidente da República, podendo
essa votação acontecer já esta sexta-feira.
O
primeiro-ministro, António Costa, ameaçou apresentar a demissão do Governo caso
a Assembleia da República aprove as alterações decididas na especialidade.
[Notícia
corrigida às 15h30. Alguns valores na versão original estavam errados. Pelo
erro as nossas desculpas]
A recente escalada entre as forças armadas de Israel e as forças do Hamas e da Jihad Islâmica são mais um episódio da longa tragédia que assola a região.
Porém, as forças israelitas são sempre apresentadas como sendo as vítimas, como sendo sempre «obrigadas» a actuar em resposta a um ataque de fanáticos palestinianos, enviando mísseis artesanais.
Nada mais falso. Os ataques com mísseis dos militantes cercados, encurralados em Gaza, são antes uma RESPOSTA aos actos concretos dos militares israelitas alvejando civis, causando mortes e feridos, na ocasião de manifestações junto da fronteira de Gaza.
Porém, a media e os comentaristas em geral, estão sempre a omitir o facto fundamental de Gaza ser – por vontade israelita – um enorme gueto, o maior gueto que jamais existiu em toda a história do médio oriente, apenas comparável com o gueto de Varsóvia, povoado por judeus encurralados pelos nazis que ocupavam a Polónia. Tanto na dimensão, como nos sofrimentos causados, a comparação é adequada pois o longo martírio/genocídio da população de Gaza e dos territórios da Cisjordânia, é deveras chocante.
A política de apartheid contra a população palestiniana, perseguida pelo Estado de Israel, sempre acenando com a memória do Holocausto, tão facilmente aceite pelos outros Estados, é totalmente ocultada aos olhos do público ocidental.
Porém, até mesmo em Israel, erguem-se vozes, como a de Gideon Levy, que escreve no bem conhecido quotidiano Haaretz, um artigo intitulado «A Insurreição do Gueto de Gaza». Aquilo que ele escreve, poucos fora de Israel vão considerar, mas é isso que mais assusta. Este autor não pode ser proclamado «anti-semita», sendo ele um professor israelita e judeu.
« Uma sociedade que se toma a si própria como exemplar, que se construiu sobre a indiferença do mundo ao seu sofrimento, mostra uma monstruosa falta de compaixão pelo sofrimento que está causando»
Eu não nego que os palestinianos possam cometer ou ter cometido actos terroristas ou que as suas reivindicações básicas, inteiramente justas, não possam sofrer por atitudes desesperadas. Mas a vítima é claramente o povo palestiniano, o qual deveria contar com a solidariedade activa e sincera de todos os que defendem a liberdade, a autodeterminação e igualdade entre os povos. Antes, quis ilustrar aqui um dos muitos casos em que Israel é sistematicamente apresentado como «vítima de agressão», sendo tais «agressões» – afinal – respostas às actuações criminosas, como o alvejar de civis, manifestando-se pacificamente, com snipers do exército, usando munições letais.
Nesta luta desigual, a media do ocidente dá constante cobertura e «absolve» automaticamente os crimes de Golias, que é o Estado de Israel e, sistematicamente, atira lama e propaganda negativa para o lado do «David palestiniano»!
A maior parte das pessoas não compreende até que ponto todo este processo está ferido de profunda ilegalidade, que - neste caso concreto - é absoluto sinónimo de injustiça.
Os professores tinham uma carreira, em que podiam progredir de «escalão», mediante a frequência de acções de formação e dos anos de serviço. O processo era mais exigente do que o da generalidade das carreiras da função pública, onde as «diuturnidades», ou seja, os anos de serviço, eram o único critério para se mudar de escalão remuneratório. A carreira docente começou a ser atacada com as «reformas» (contra-reformas) de Lurdes Rodrigues, a ministra da educação do governo PS de José Sócrates, detestada pela generalidade dos docentes e por uma grande fatia da população. Neste governo Sócrates, foi feita uma autoritária reforma, que tinha o objectivo claro de dificultar o acesso dos docentes aos escalões superiores da carreira, limitando artificialmente o número de vagas e sujeitando-as a «provas» ou «concursos» que, na verdade, eram ilegais e inconstitucionais no seu desenho. Mas, nessa época, havia uma «maioria» circunstancial de apoio ao governo PS, por parte da direita (PSD+CDS), para comprimir o «bolo» salarial nos docentes. Com a entrada de Passos Coelho e da «troica», foram congeladas as progressões, mesmo as que já tinham sofrido forte restrição de progressão, sob o ministério anterior de Sócrates/Maria de Lurdes Rodrigues.
O tempo de serviço tem de ser contabilizado na progressão de carreira, não pode ser «congelado» para este fim e manter-se como tempo de serviço, para se atingir a idade da reforma. A manutenção desta situação é absurda e ilegal.
A brutalidade e ilegalidade flagrante deste processo foi razão importante para rejeição - quase unânime - do governo da «Troica», mesmo pelas pessoas ideologicamente situadas à direita. Os socialistas obtiveram um bom score eleitoral, em parte, porque as pessoas tinham a ilusão de que eles iriam repor a legalidade. Mas, na verdade, eles estavam ao serviço da recuperação 100% capitalista da economia, ou seja, de uma continuação da austeridade para os trabalhadores, até perder de vista, e duma abertura ainda maior para os negócios, para a especulação, para os capitalistas usarem mão-de-obra barata, que lhes é oferecida pelo governo.
Não se pense que as pessoas da função pública são uns «mandriões privilegiados», como a descreve insultuosamente a media ao serviço da classe capitalista (esta sim, parasitária, na sua imensa maioria, neste país...). Pense-se antes que são trabalhadores obrigados a «comer o pão que o diabo amassou», como os outros. Acontece que, devido à importância numérica relativa dos empregos na função pública, a melhoria dos salários desta, obriga - a breve trecho - rever as tabelas salariais nos sectores privados. Os trabalhadores das carreiras técnicas - em particular - podem assim receber um impulso salarial indirecto, devido à melhoria dos colegas de profissão no sector público. Porém, os que querem manter uma estrutura capitalista atrasada - baseada em baixos salários - precisam que o Governo lhes garanta que os trabalhadores da função pública não têm qualquer «privilégio» (como eles dizem!), ou seja, que venham a usufruir de nível salarial semelhante aos seus colegas doutros países europeus.
A presente crise resulta da involução do PS, de um partido dito de «charneira», pelo menos ao nível sociológico, para um partido totalmente refém dos sectores mais atrasados do capitalismo nacional: os que apostam nos salários de miséria, quando são empresários ou apenas parasitas e especuladores dedicados a sacar lucros no curto prazo, com a bolha imobiliária nas grandes cidades, etc...
As estruturas produtivas deste país continuam reféns deste domínio duma classe capitalista, parasitária do Estado, que está no entanto sempre a clamar contra o mesmo... uma «rábula» que já não convence ninguém! - Mas, isto é possível, porque a classe política maioritária deixou-se capturar completamente pelos seus interesses, ou é composta ela própria por aquele sector da classe capitalista. Ela está, de facto, ao serviço directo deles, como dos grandes monopólios internacionais e da banca e sector financeiro (muito largamente, dominados por capital estrangeiro, de várias proveniências).
Seria interessante fazer-se um estudo aprofundado sobre os últimos decénios do que eu designei como o «complexo neo-colonial português»: como se passou dos governos Sócrates, com um certo patamar no desmembramento do tecido produtivo e da capacidade de desenvolvimento do país, à imposição de políticas de austeridade da troica no governo Passos Coelho, para se chegar, por fim, a uma falsa «redenção» através da famosa «saída da crise». Esta saída deveu-se ao crescimento do turismo, grandemente favorecido (sobretudo a partir de 2011) pela instabilidade e guerra em quase todos os países mediterrâneos, destinos com os quais Portugal competia pelo turismo, em tempos normais.
O que é facto, é que a reposição das condições de carreira dos docentes são apenas um mínimo, não são privilégio, nem são uma excepção. Aquilo que mais enoja é ver os lacaios disseminados por uma série de órgãos de comunicação social, que vão colocando sectores do povo uns contra os outros. Eles, realmente, estão ao serviço da parasitagem, que beneficia das condições de super-exploração. Mas, enquanto as coisas forem assim, haverá cada vez menos profissionais de qualidade em Portugal, não apenas na docência, como em todas as outras profissões com formações de longa duração. É que os jovens, compreensivelmente, preferem ir para outras paragens, onde as suas capacidades e entusiasmo são melhor remunerados. A «drenagem dos cérebros», causa um empobrecimento geral, sorrateiro, silencioso, mas irreversível e brutal ... As instituições, públicas ou privadas, ficam privadas dos melhores deste país. A mediocridade perpetua-se; com ela, o atraso estrutural do país.
Rêveries – Passions (Reveries – Passions) – C minor/C major
Un bal (A Ball) – A major
Scène aux champs (Scene in the Fields) – F major
Marche au supplice (March to the Scaffold) – G minor
Songe d'une nuit du sabbat (Dream of a Night of the Sabbath) – C major
Escrita em 1830, mostra a enorme distância estética percorrida nos primeiros decénios do século 19, desde o classicismo - que ainda triunfava nas últimas sinfonias de Haydn - até à libertação dos moldes clássicos, que representam tanto as sinfonias de Beethoven, como esta, de Berlioz.
Berlioz era realmente o que nós figuramos hoje em dia como o «romântico típico», apaixonado, excessivo, idealista, sensível. Mas, afinal de contas, o que mais surpreende é a imensa popularidade que esta obra teve ao longo dos séculos, mostrando que a música figurativa ou programática consegue chegar muito mais facilmente às profundezas emotivas, subjectivas, dos indivíduos. Excertos desta sinfonia têm sido usados inúmeras vezes, para os mais diversos fins... desde o cinema até à publicidade.
Pessoalmente, tenho uma relação muito subjectiva com esta peça, que ouvi sempre com imenso prazer. Consigo descolar do aspecto descritivo, com tanto maior facilidade, quanto a primeira vez que a ouvi, era uma criança e não tinha a mínima ideia de que esta sinfonia «contava uma história». Apenas achava que era «fantástica», porque, de facto, as ondas sonoras imensamente variadas suscitavam, na minha imaginação, imensas sensações associadas, mantendo sempre a minha tenra alma desperta pela sucessão de temas, cada qual mais empolgante que o outro. Na sua sucessão de movimentos - cada qual entrelaçando variados temas, revestidos de timbres contrastados da orquestra - esta peça musical, na sua procura permanente de surpresa e de «pathos», é ainda hoje, para mim, um verdadeiro «banquete sonoro».
É interessante conhecer a génese da obra e dos factos na vida passional do compositor, intrinsecamente ligados à Symphonie fantastique. Embora esteja convencido que isto não acrescenta nada à fruição da obra, em si mesma, este saber revela a componente humana do compositor.