quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

ESTRANHOS CASOS DE SOLIDÃO «SOCIAL»

              
Tenho vindo a refletir sobre alguns comportamentos e atitudes de pessoas, minhas conhecidas ou não, que revelam antes de mais uma grande incapacidade para estarem sós. 
Algumas pessoas procuram desesperadamente um parceiro/a, convencendo-se que a vida assim é um fardo difícil de suportar, mas possuem pouca tolerância, por outro lado, para se compatibilizarem e aceitarem pessoas reais, com outros modos de ser, com outras visões do mundo e da vida em sociedade.
Outras, têm uma vida «social» aparentemente muito ampla e diversificada, mas com uma superficialidade que espelha a superficialidade nelas próprias.
Outras ainda, pensam que são muito capazes de «compreender os outros»; porém, isso apenas acontece nas suas cabeças, não no mundo real.

Muitas pessoas têm «medo» de estar sós: sentem-se angustiadas, sentem-se inseguras. 
A disfunção social traduz-se,  por ser a principal causadora, ao nível dos indivíduos, dos comportamentos auto-destruidores, começando pela fragilização da auto-imagem e podendo ir até a comportamentos de risco, roçando a criminalidade ou marginalidade.
As famílias estão desestruturadas, a cada geração é maior o número de crianças que crescem sem um dos progenitores (o pai, na imensa maioria dos casos) e, no entorno destas crianças, muitas vezes, não existe sequer uma rede verdadeira de afetos. 
A família nuclear, reduzida ao mínimo, está produzindo pessoas adultas disfuncionais em termos sociais, em particular na esfera afetiva, incapazes de relacionamentos felizes com os outros. 
As crianças estão mais isoladas dos adultos e, por isso, incapazes de compreender os adultos das gerações anteriores, o que faz com que a sociedade se estruture em «gerações», estruturação aparentemente cómoda para alguns, mas que é totalmente anti-natural, pois sempre houve uma sociedade composta por várias gerações, formando uma rede em torno dos indivíduos. 
Dizem alguns estudiosos do comportamento humano que a nossa capacidade de relacionamento algo profundo e significativo com outros humanos tem um número limite bastante baixo, o de uma pequena aldeia com umas poucas centenas de adultos. É verdade que as oportunidades reais de contactos significativos com outras pessoas, ao longo da vida, devem ter sido desta ordem de grandeza, durante dezenas de milhares de anos. 
Podia-se esperar uma multiplicação deste tipo de interacções como resultado da industrialização. Mas a industrialização não trouxe senão uma redução desse número (refiro-me a interacções sociais significativas, com algum conhecimento aprofundado, não trivial, do outro). 
A industrialização acentuou o isolamento das pessoas, com o ambiente urbano em que se viram incluídas. Neste ambiente foram nascendo cada vez mais humanos: sabe-se que o número total de humanos vivendo nas grandes aglomerações mundiais, já é agora maior que os vivendo em pequenas vilas ou aldeias, que ainda têm um modo de vida rural. 
O indivíduo continuou a ter a «sua aldeia», de certo modo, na rede de relacionamento social urbana, durante algum tempo, mas isso está a perder-se com a individualização extrema que se observa em múltiplos aspectos da vida social contemporânea. 
Os empregos eram antes uma natural oportunidade de diversificar os relacionamentos humanos, a vários níveis. Hoje em dia, pelo contrário, a própria organização do trabalho favorece a separação, a individualização, uma falsa autonomia, pois está sempre dependente da vontade soberana do «dador de trabalho», da empresa. O patrão, ele próprio, tornou-se algo impessoal, sem rosto, em cada vez maior número de casos.
A sociedade humana não tem (nem teve, nunca) uma estruturação rígida, como a dos outros animais sociais. 
Isso é que permitiu à humanidade inventar outros modos de organizar a sua própria vida social, ao longo dos tempos. Porém, agora, chegou-se a uma espécie de beco sem saída.

A solidão não será propriamente «a doença do século»; no entanto, é um sintoma da verdadeira doença do século - o individualismo.



quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

VAGA DE FRIO ÁRTICO

JANEIRO 2018
                                              
                        

Por muito que desagrade aos adeptos da nova religião do «Aquecimento Global», nas diversas estações climatológicas do planeta tem-se verificado a severidade de uma vaga de frio, vindo do Ártico, com repercussões sérias ao nível da saúde e da economia, especialmente no Norte da América e da Europa.
Para além da circunstância pontual deste Inverno, pode-se conjeturar que pode estar a ocorrer uma viragem no ciclo de aquecimento/arrefecimento periódico do planeta, ele próprio tributário de ciclos solares (quantidade e intensidade da insolação é variável devido às manchas solares, fenómeno periódico). Assim, após os últimos 35 anos de aquecimento, em que os valores de temperatura médios globais foram aumentando, iniciou-se - segundo vários cientistas climáticos - uma nova era de descida das temperaturas. Ninguém sabe  qual o ponto extremo deste ciclo. 
Ninguém sabe se a Terra estará ou não  a iniciar uma nova etapa que eventualmente desemboque, não num aquecimento global, mas antes no arrefecimento global.  
O certo é que tenho ouvido e lido nos últimos tempos as maiores barbaridades sobre o clima, por auto-encartados «cientistas» que nos querem convencer a todo o custo de uma «realidade» a qual se manifesta apenas em «modelos», ainda por cima feitos tendo em conta fatias diminutas da História Climática do Planeta. Com efeito, a rede de estações metereológicas cobre, de forma minimamente satisfatória, as várias zonas do Globo e tem efetuado registos regulares e fiáveis há demasiado pouco tempo (desde há menos de 200 anos).  Efetuar uma modelização com base em uma amostra de tempo tão curta, face a fenómenos da escala de muitos milhares de anos, parece pouco razoável. 
Existem ciclos de aquecimento e de arrefecimento climático, totalmente comprovados! 
Para além dos dados das estações meteorológicas, tem-se as sondagens em gelos da Antártida e em Oceano profundo, os  quais têm a possibilidade de revelar o clima numa escala muito mais dilatada. Estas sondagens são como uma cápsula de tempo, revelando o clima de há muitos milhares de anos. Os cientistas climáticos aprenderam a tirar partido da composição dos sedimentos, ou das composições de isótopos dos vários elementos (oxigénio, azoto, carbono, etc...)  do ar encapsulado nas camadas compactas de gelo. 
O quadro geral do clima é da maior variabilidade, de múltiplos ciclos e oscilações: no longo prazo, tem-se as eras glaciares e interglaciares (estamos numa era interglaciar, que se iniciou no paleolítico recente!); no médio prazo, verificam-se oscilações significativas (por exemplo, a mini idade do gelo em finais 
do séc. XVII). 
                                   












Há uma plétora de fenómenos pontuais que podem provocar aquecimento num ciclo de arrefecimento ou vice versa (como a explosão de um vulcão da Indonésia, no início do século XIX, que induziu o «ano sem Verão»). 
Por cima disto tudo, existe efetivamente uma ação humana, notável, mas que é estranhamente passada sob silêncio. 
A agricultura, iniciada há cerca duma dezena de milhares de anos, com extensivas queimadas, desflorestações, a exploração não racional dos aquíferos, as obras de rega, etc... teve efeitos climáticos, por vezes catastróficos: basta pensar-se que, no início da época histórica, quando foram criadas as narrativas da Odisseia e da Ilíada (há 10 a 8 mil anos antes da actualidade), a periferia do Mediterrâneo ainda era uma vasta região - a Norte e a Sul - com florestas, bosques e terras verdejantes, com variadas espécies de animais selvagens. 
A transformação destas vastas zonas em «celeiros» (devido ao cultivo do trigo e de outros cereais) para o benefício das diversas civilizações que prosperaram aí, desde a Egípcia até ao Império Romano, degradou muitas partes do mesmo ecossistema mediterrâneo, em zonas de produtividade biológica fraca, quase desertos. 
Não é caso único: pode-se observar transformações depredadoras também no Novo Mundo pré-colombiano, nos Aztecas, nos Maias...
A insistência de que o CO2 antropogénico (produzido por humanos) é «o factor» causador do agravamento do efeito de estufa* (*o qual é, afinal, uma coisa benéfica, pois senão a temperatura média do planeta seria cerca de -18º centígrados e haveria o permanente congelamento de todas as zonas que não fossem equatoriais ou tropicais!), é uma sobre-simplificação,  um mito «científico», para consumo das massas.

Por que razão querem dar como indiscutível e totalmente «comprovada» uma hipótese? Ainda por cima uma hipótese que tem muitas deficiências conceptuais, contraditória com uma miríade de  factos bem estabelecidos pela ciência climatológica contemporânea?

A razão é simplesmente política e económica: a «elite» globalista, que quer controlo sobre os recursos, as sociedades, enfim sobre tudo, ela lançou o mito, para avançar com a sua agenda sobre os povos e nações, controlando quanto poderiam emitir ou não como «gás de efeito de estufa». Estas nações comprometem-se a auto-limitar seu desenvolvimento industrial, a troco de ajudas (ou seja, de créditos), os quais «generosamente» serão despejados nessas economias ... desde que continuem abaixo do limiar internacionalmente definido como «aceitável». 
Entretanto, os países com excesso de emissões são obrigados a pagar o direito de emissão de CO2 para a atmosfera, mediante compra de taxas-carbono. 
Assim se cria um gigantesco mercado, com transações de «direitos» de poluir, negociados numa espécie de bolsa mundial do carbono. É nisto em que consiste e resume a «solução» segundo certos governos, apoiados pelos lóbis industriais pró-energias ditas «limpas», e por «ecologistas» políticos. 
Todos eles, desde o protocolo de Quioto, juram que esta é a única via de salvação do Planeta Terra. Quem não estiver de acordo com o «mantra» é perseguido, difamado, assassinado publicamente como vendido, reaccionário, agente do tenebroso lóbi das energias fósseis, etc.

Eu penso que a economia mundial e a ecologia bem entendidas não são incompatíveis e que há muitas (imensas!) razões para se fazer uma transição de energias muito poluentes (tais como as centrais a carvão, ou os automóveis movidos a gasolina, etc.) para soluções mais amigas do ambiente, embora não existam soluções «100% ecológicas», isso é mitologia também.
              
Penso que é uma derrota da ciência e da inteligência do século XXI que se confunda a urgência em preservar os equilíbrios naturais e a renovação dos Ecossistemas Terrestres, sua diversidade, com uma teoria manca, erigida em dogma, com as mãos sujas, propriamente!
Pois os defensores da sua intangibilidade querem transformar a questão climática, numa questão de negociação da «taxa carbono» cujos grandes bancos seriam inevitavelmente os grandes intermediários e  logo, beneficiários! 

     

Ambientalistas sinceros e coerentes não podem deixar-se enganar pelos poderes globalistas, cuja agenda é o domínio global - um único governo mundial. 
É trágico que pessoas sinceras estejam a ser usadas para tal finalidade!

sábado, 30 de dezembro de 2017

SE EU NÃO PUDER DANÇAR...

Emma Goldman disse, com um vertiginoso sentido de humor, que...«se eu não puder dançar... não quero ser parte da vossa revolução»!







As revoluções passam e a música fica; entreguemos corpo e alma, com gosto, à dança..
Até para o ano de 2018!


sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

ANO VELHO, ANO NOVO...

Vale esta postagem mais pela intenção do que pela inspiração. Depois de uma valente gripe, que me impossibilitou vários dias de fazer algo mais que sobreviver, sinto ainda com maior agudeza a ínfima pequenez do ser humano e da nossa vida, em particular.

Para cumprir com a tradição, irei fazer um balanço do ano transacto e previsões do vindouro. Estes exercícios normalmente esgotam-se numa série de banalidades declaradas  com imensa prosápia e muito pouco conteúdo real. Oxalá o leitor seja indulgente e não me inclua no número dos prosadores detestáveis que enxameiam os media por estas alturas do ano e nos fazem odiar o admirável mundo novo do mediático a todo transe...

No que toca à geopolítica verifico que este ano passado foi muito importante na acentuação de grandes linhas de força, como já previra no final de 2016: o acentuar do eixo euro-asiático, a perda de influência do eixo atlântico. Igualmente, a minha previsão de que a presidência Trump não traria uma viragem real nas principais linhas de força do Império; de novo, cumpriu-se o papel do sistema em fechar as hipóteses do recém-chegado à Casa Branca em mudar o que quer que fosse de significativo em relação à vontade do Estado Profundo, o mesmo é dizer dos que mexem nos cordelinhos do poder, por detrás da ribalta. 
Mas, por outro lado, a fraqueza do Império sobressai ainda mais com a estrondosa derrota na Síria, onde andou a fazer uma dúplice figura de gato escondido com rabo de fora, ora combatendo o ISIS ora protegendo o mesmo de ataques do Exército Sírio coligado com forças russas. 
A perda de influência de tal maneira se fez sentir, que um aliado tradicional no médio oriente e membro da NATO, a Turquia, surge com uma política autónoma de potência regional, não se importando demasiado se as suas relações com Moscovo agradam ou não a Washington. Além disto, os seus vassalos no golfo Pérsico, estão cada vez mais inclinados a estabelecer uma ponte com as potências emergentes no cenário mundial, a Rússia e China.
No plano da economia, o ano não foi de grande euforia, apesar de terem passado nove anos sobre um dos maiores abalos dos sistema, a crise de 2007/2008:  não deixa de ser visível que num número considerável de países,  os índices não retomaram os níveis pré-grande crise. Nomeadamente, ao nível da Europa, não existe uma verdadeira recuperação mas sim uma estagnação, a qual é mascarada pela constante impressão monetária do BCE (ECB), o qual vai fornecendo dinheiro gratuito para os países do sul gastarem em excesso das suas capacidades produtivas. Quando as taxas de juro atingirem um valor mais ou menos de acordo com a média histórica, não haverá salvação possível para muitos sectores europeus que têm sobrevivido graças a um ambiente artificial de juros super baixos. Quanto mais tarde o retorno ao normal se der, pior será, pois as pessoas já reformadas ou que entretanto se reformem, terão de se contentar com pensões diminutas, muitas delas insuficientes para uma velhice condigna. O choque será tanto maior que as pessoas estão a ser constantemente embaladas pelos discursos  dos políticos e da media corporativa.

Em relação à política europeia, a deriva à extrema direita vai acentuar-se com a conivência encoberta de toda a classe política tradicional, digo bem toda, pois a única forma de  barrar as sereias de extrema-direita seria de empossar o povo e fazer exactamente com que este se sentisse ouvido e respeitado; o povo não se sente mais como «soberano». A Itália será o epicentro provável do próximo tremor de terra político no continente europeu. Mas a eurocracia terá de enfrentar numerosas batalhas que a enfraquecerão, sem que nenhuma, por si só, seja suficientemente grave para precipitar uma crise final do império de Bruxelas: vejam-se os casos da Catalunha e das sanções contra a Polónia, ambos revelam a natureza centralista e autoritária do projecto europeu. Esta natureza foi disfarçada enquanto as situações não atingiam o nível de ruptura, nas regiões ou nações.

A viragem tectónica na economia mundial vai engendrar fenómenos de grande tensão e revira-voltas sem precedentes, como aliás já começamos a verificar no ano que está a acabar. O potencial de negócios nos grandes projectos que é a «One Belt One Road Initiative» já transparece. 
Confirma-se a minha previsão de que o Brexit iria ser um abalo profundo na oligarquia europeia, havendo um retraimento da oligarquia britânica do cenário continental. A Grã-Bretanha ambiciona sobreviver como ponte (financeira) entre o império decadente dos EUA e o emergente da China. A Comissão Imperial de Bruxelas está a negociar em termos de limitação do desgaste de sua imagem, não tendo mais o atrevimento para posar como grande projecto de futuro...

Creio que o mundo não vai passar sem uma profunda crise sistémica, que se vem desenvolvendo há vários anos, como uma acumulação de nuvens de trovoada, que começou no horizonte e se aproxima inexoravelmente do presente da nossa civilização. Muita devastação tem sido produzida já agora, por guerras e por sanções (guerra económica), sem qualquer piedade pelos mais fracos: estamos em plena era da política malthusiana

A grande mudança tectónica vai implicar uma perda da hegemonia do dólar como moeda de reserva e como principal divisa nas trocas comerciais internacionais. A elite mundial já aceitou isso há muito tempo, por mais que se faça discreta em relação a este facto. Porém, a sequência do que se passa ao nível do FMI não deveria deixar dúvidas a ninguém; para Christine Lagarde, tanto se dá que os escritórios do FMI sejam em Pequim ou Washington (ela própria o tem afirmado). Para os globalistas, o poder e somente o poder importa; a geografia, a nação, a cultura, a ideologia são nada em face de poder decidir da marcha do mundo. 

                            

Há loucura extravagante e loucura sóbria. A extravagante é fácil de detetar  e não vale a pena expor, ela expõe-se a si própria. A loucura dos globalistas é do tipo «sóbria», pois tem toda a aparência da razoabilidade, da moderação, porém esconde uma ambição absurda: a de controlar, de conduzir, de moldar a evolução do mundo. Porém eles sabem, melhor que ninguém, que este mundo humano e físico é propriamente caótico, ou seja tem a característica de um sistema sem uma lei, sem uma ordem, caótico no sentido mais profundo. 

Somos nós que projectamos os nossos desejos na realidade, não é a realidade que se conforma aos nossos desejos; desejamos, queremos ver o mundo de acordo com a nossa visão... é tudo.

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

O «ADMIRÁVEL MUNDO NOVO» DA AI

AI (Artificial Inteligence; Inteligência Artificial) é um assunto que constantemente assola o público, cativando-o pelo fascínio de uma futurologia baseada em romances de ficção científica. Mas os elementos mais evidentes dessa AI e das suas aplicações são bem visíveis e banais, no presente, com os algoritmos de busca e de captação das preferências individuais de milhões (ou milhares de milhões) de  pessoas que utilizam quotidianamente os motores de busca na Internet, as redes sociais, como nos diz, na conferência TED, a socióloga Zeynep Tufecki.
Mas serão estas ações inócuas? Que estrutura está sendo construída?
- Vejam o vídeo abaixo:


sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

O CHAMADO «TERCEIRO SECTOR» NA ECONOMIA DE PORTUGAL

Por más e oportunas razões, venho abordar a questão do «terceiro sector», ou seja, do sector que tem como vocação administrar, em nome da sociedade civil, a «solidariedade social». 

Além do caso «Raríssimas», outro caso importante pelas suas consequências, é o da entrada (forçada?) da Santa Casa da Misericórdia no capital do Montepio (um banco cujo principal proprietário é uma Associação Mutualista).

  

Aqui, não iremos esmiuçar  o conteúdo e a qualidade da prestação da Raríssimas, da Santa Casa, ou de quaisquer outras IPSS, embora o assunto não seja de forma nenhuma «tabu». 

Mas, o que me parece mais preocupante  - do ponto de vista cívico  - é a forma como o Estado tem administrado os dinheiros públicos, desviando sistematicamente o investimento público direto em domínios que, não apenas são da sua competência (Veja-se o que a Constituição diz sobre o assunto), como tem meios - em muitos casos- para obter bons resultados e por vezes até a custo muito inferior. 

Assim, comete-se um triplo crime:

- Descarregam-se competências próprias do Estado em entidades privadas ou «mistas», sem a supervisão e controlo que tal delegação de competências deveria implicar.
Quando ocorrem casos como o da «Raríssimas», vêm nos dizer que se trata de algo «pontual» e que as instituições de solidariedade social não funcionam assim em 99% dos casos.
 Mesmo que fosse nesta proporção, resta o facto em si mesmo de tais coisas terem ocorrido durante um longo período. Isto põe a nu, claramente, a carência de supervisão do próprio Estado em relação à utilização dos dinheiros do Orçamento que, generosamente, tem encaminhado para as IPSS.

- Não existe - muitas vezes- uma competente e eficaz gestão de recursos existentes no domínio público, o Estado é sabotado por dentro. Isto aproveita os detratores do serviço público, seja do sector da Saúde, seja da Educação, seja da Assistência social. Estes detratores têm interesses pecuniários ou políticos ou ambos, nesse denegrir de imagem. Nunca dizem a parte de benefício que decorre do mau funcionamento das instituições públicas, para as suas equivalentes privadas. 
A capacidade instalada do serviço público em diversas áreas é sub-aproveitada nuns casos, noutros é muito mal administrada, por pessoas que devem suas carreiras de gestores a favores políticos e não tanto à sua competência, etc.

- O público, ou fica a perder por pagar mais caro os serviços privatizados, que poderia ter com a mesma ou melhor qualidade no Estado, caso o «Estado social» funcionasse neste país, ou porque simplesmente fica cortado -essencialmente, por razões económicas - de acesso à assistência a que tem direito, apesar dos políticos encherem a boca constantemente com a retórica dos «direitos humanos». 

Além disso, o público, desinformado, vira-se contra os trabalhadores, quer de IPSS, quer das várias estruturas estatais de Serviço Público. O público não é esclarecido pela media ao serviço de interesses inconfessáveis, que deseja antes de mais fazer avançar um determinado escândalo, ou o tenta abafar, consoante os interesses que representa. 
A media também é direta e indiretamente suportada pelo Estado, nalguns casos; noutros, é propriedade de grandes grupos económicos, que têm exercido uma parte da sua atividade nos sectores privatizados da Saúde, Educação, nos segmentos de mercado mais rentáveis. Não admira, portanto, que a grande media seja conivente. 
Em geral, estes serviços privados de Saúde, Educação ou outros, com fortes protecções e «incentivos estatais» são destinados a uma clientela acima da média, em rendimentos. Portanto, a sua «rentabilidade» deve-se sobretudo à captação - como utentes ou clientes - não apenas dos «muito ricos», como duma grande fatia da classe média, muitas vezes ficando o sector estatal como supletivo, limitado (auto-confinado) à assistência dos «pobrezinhos», dos que não podem pagar os serviços privados ...

Segundo a quantificação fornecida num programa da SIC Notícias, Negócios da Semana, cujos dados foram transcritos por uma amiga minha,  o valor anual das subvenções estatais ao sector social privado (IPSS) e dos impostos de que são isentados é o seguinte:

-- SUBVENÇÕES PAGAS PELO ESTADO (4,3 MIL Milhões de euros ) 

---IMPOSTOS PERDOADOS PELO ESTADO (2, 5 Mil milhões de euros ) 

= DESPESA TOTAL DO ESTADO 6,8 Mil Milhões de euros 



Note-se que o Estado tem também despesas diretas no sector social. Estas subvenções só dizem respeito ao que privados (as tais Instituições Privadas de Solidariedade Social - IPSS), recebem.
Esta soma total de 6,8 Mil Milhões de Euros, é semelhante ao montante da verba anual orçamentada para a Educação, o que mostra  que, ao longo dos anos, o Estado tem «externalizado» a sua função de «solidariedade social». 

O termo de solidariedade está de tal maneira pervertido, que eu preferia que se falasse antes de fazer cumprir os direitos humanos mais elementares. 

A consequência pior de toda esta hipocrisia da «solidariedade» social vigente neste país, é de que se faz muito pouco, muitas vezes mal, em relação aos mais frágeis, o que explica, em parte, a enorme percentagem de pobreza endémica neste país. 

Costumo definir a situação da seguinte maneira:
«Em Portugal, o cidadão paga impostos ao nível duma Suécia (em proporção do rendimento per capita) ou doutros países europeus equivalentes, mas o que ele obtém do Estado, em retorno, em termos de qualidade do serviço público... é equivalente aos menos desenvolvidos países africanos.»

A solução não é mais Estado ou menos Estado, a discussão na media resume-se a este debate estéril. 
As pessoas que se limitam em pensar nestes moldes estão - talvez inconscientemente - a perpetuar o problema porque impedem que se faça um debate sério e não demagógico. Os termos desse debate são simples: - O que é necessário fazer para arrancar Portugal ao sub-desenvolvimento - tanto no sentido físico ou económico, como no comportamental e social.

Como tenho dito em muitas ocasiões, tem de se fazer o diagnóstico de que o Estado português e a sociedade, em geral, estão numa situação típica de país neocolonial

Somente um movimento que combate a situação neocolonial e apenas este, poderá ir ao fundo da questão. Neste sentido, deverá ser radical (por ir à raiz do problema). 
A imensa maioria, os 90% ou mesmo 95% das pessoas, estão objetivamente a ser espoliadas por um capitalismo parasitário e portanto ineficaz. 
A função de motor do desenvolvimento da classe capitalista portuguesa nunca existiu. Ela foi sempre uma classe do tipo «comprador» e ainda o é. Mas agora, as metrópoles coloniais situam-se no Norte da Europa. 
Em Portugal, país neocolonial, a classe política e a classe capitalista parasitária são a mesma coisa, como se constata pela «consanguinidade» e pela fluidez com que elementos de uma passam para a outra.