Podemos analisar qual
o regime saído do 25 de Abril, o golpe militar e de Estado duma oficialidade
- «os capitães de Abril» - entalada entre uma guerra colonial eternizada e uma
pertença a um «Ocidente», também do ponto de vista geoestratégico, mas
sobretudo do ponto de vista da luta total anticomunista, sendo esse, aliás, o
pretexto para a continuação, durante mais de uma década, de uma guerra colonial
repartida entre três teatros de guerra separados por milhares de quilómetros
entre si e de outros milhares à metrópole colonial.
Além dessa abordagem
histórica de como surgiu e evoluiu o regime saído do «25 de Abril» de 74, deveríamos
ter presente o momento crítico da implosão
da URSS e do sistema do pacto de Varsóvia. A partir de determinada altura,
modificaram-se os dados estratégicos fundamentais, no início da década de 90 do
século XX em diante.
A compreensão profunda
da nossa história recente (portuguesa, europeia e mundial) deveria levar-nos a repensar
a nossa manutenção dentro da NATO.
Do meu ponto de vista, esta manutenção
dentro da NATO deveu-se ao complexo neocolonial
(conforme analisei no ensaio «Portugal, País Neocolonial» de 2009). Devido a
todas as ambiguidades do novo regime saído do 25 de Abril, os atores civis e
militares assumiram como política (ou submeteram-se politicamente) a permanência
na estrutura da NATO.
Ora, nem uma História da
guerra colonial, nem do regime pós 25 de Abril são objecto
de estudo sério e independente pelos jovens. Estes não têm consciência de que muitos problemas na
sociedade de hoje, a vários níveis, necessitam dessa tal leitura - verdadeiramente séria e independente - para se tornarem inteligíveis
e portanto serem abordados de forma adulta e responsável.
Se um país neocolonial, como o nosso, tem Forças Armadas isso não se traduz por elas estarem ao
serviço do povo e com função de defesa deste e do território nacional. Meramente
fazem o papel de forças mercenárias, ao serviço de um poder imperial (embora institucionalmente
sejam militares de carreira). Estão sob a chefia directa do superpoder
imperial que controla o «hemisfério Ocidental» desde o final da IIª Guerra
Mundial e que ficou como único superpoder mundial após o colapso do Pacto de Varsóvia.
O imaginário de uma
nacionalidade está ligado às forças militares porque no passado tiveram um
papel decisivo, ao unificar as várias classes em torno de um projecto político. Em Portugal,
isso aconteceu repetidas vezes desde a reconquista no início da formação do Reino; na luta pela independência
em relação a Castela com o Mestre de Avis, etc., etc.
Actualmente, no âmbito
do regime de democracia representativa, o papel da força militar, consignado na
Constituição da República e na Lei de Defesa Nacional, não é tido como problemático.
Haverá um consenso aparente das forças políticas no hemiciclo. Mas este
«consenso» é antes um pacto de regime e um pacto de silêncio.
Se alguém falaciosamente disser que esse silêncio é o reflexo dum consenso ao
nível da opinião pública nacional, respondemos: então é um consenso fabricado pelo silêncio da média corporativa, que se
dedica a talhar «a regra e esquadro» a opinião, reduzida às forças políticas com
assento no Parlamento. Porém, uma questão que é sistematicamente evitada, quer em programas eleitorais, quer no discurso político entre eleições é -
justamente- qual o papel das Forças Armadas.
Há dois debates por fazer,
pelo menos:
-Justifica-se a
existência de forças armadas?
-Admitindo que exista
opinião maioritária a favor da sua existência, que funções lhes competem e qual
o seu desempenho?
Infelizmente, como há um
silêncio transpartidário e mediático, nem uma nem outra das questões surgem no
debate público. Isto porque todos os partidos, por razões diversas, NÃO QUEREM
que esta questão seja levantada. Quando uma questão é sistematicamente evitada,
estamos perante um complexo (social), um não-dito, um tabu. Porém, este
não-dito tem consequências muito graves para o País.
Não se equaciona (faço
uma listagem não exaustiva):
- A mobilização de
soldados para teatros de guerra que não têm que ver com a defesa do
nosso território e das nossas gentes
- Mesmo que sejam
voluntários/as, quem assume a responsabilidade se morrerem ou
ficarem gravemente feridos por uma causa que é essencialmente estranha
aos interesses de Portugal e do povo português
- Os efectivos, os armamentos,
os meios logísticos, portugueses são colocados ao serviço da NATO, da UE, da ONU, como país
vassalo de um poder global e exterior ao nosso controlo e interesse
nacional.
- O esbanjar de meios económicos
e financeiros dum aparelho, inútil no melhor dos casos e prejudicial na maior
parte das vezes, não apenas por não cumprir a missão que, constitucionalmente,
deveria ser a sua, mas porque ao serviço de (super) potência estrangeira.
- As recentes
modificações estruturais e operacionais vão no sentido de atribuir às FA um
papel de policiamento interno, de militarização do espaço público, sob
pretexto de terrorismo que serve para «justificar» tudo…
- Tal como se
apresentam as Forças Armadas no presente, são uma casta privilegiada e que
sustenta os privilegiados; um trunfo da elite do poder que se
apoia em última instância na hierarquia militar para fazer reinar «a ordem» em
caso de insurreição.