Muitas pessoas aceitam a situação de massacres de populações indefesas em Gaza e noutras paragens, porque foram condicionadas durante muito tempo a verem certos povos como "inimigos". Porém, as pessoas de qualquer povo estão sobretudo preocupadas com os seus afazeres quotidianos e , salvo tenham sido também sujeitas a campanhas de ódio pelos seus governos, não nutrem antagonismo por outro povo. Na verdade, os inimigos são as elites governantes e as detentoras das maiores riquezas de qualquer país. São elas que instigam os sentimentos de ódio através da média que controlam.

quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

O SÉCULO DE OURO, LITERALMENTE

 A de-dolarização* vai continuar ao longo do ano de 2024. Ela atinge agora um marco histórico. As reservas de ouro detidas pelos bancos centrais relativamente a Obrigações do Tesouro dos EUA, alcançaram a marca dos 50% pela primeira vez.

Gráfico nº1: Valor das reservas oficiais (Bancos Centrais) em ouro relativamente às Obrigações do Tesouro denominadas em dólares


Sendo a China a segunda maior detentora de dívida americana, sob forma de Obrigações do Tesouro dos EUA, a mudança na composição de suas reservas em ouro e em ativos denominados em dólares é muito significativa. Note-se que os valores oficiais em toneladas de ouro, contabilizadas no Banco Central Chinês (o PBC), são considerados por muitos observadores muito abaixo da realidade, pois existem grandes quantidades de ouro nas mãos do Estado, que não estão incluídas na contabilidade do referido banco central. 

Gráfico nº2:  China - o valor dos ativos em ouro em relação aos ativos de Obrigações do Tesouro dos EUA


A acumulação de ouro pelos BRICS, comparada com os ativos em ouro dos EUA e da União Europeia, vai aumentando, sem nenhum sinal de abrandamento. Alguns pensam que esta acumulação de ouro indica que será lançada no futuro próximo uma moeda comum, sustentada pelo ouro. Mas, outros observadores pensam que os BRICS, em vez de adotarem uma moeda comum, diretamente ancorada ao ouro, vão continuar as trocas em divisas nacionais respetivas, servindo o ouro como parâmetro de ajustamento nas trocas bilaterais. De qualquer maneira, o ouro nos BRICS  já desempenha um papel relevante no sistema monetário em construção.

Gráfico nº3: Ativos em ouro nos bancos centrais dos BRICS, em proporção com os ativos em ouro dos bancos centrais dos EUA e da União Europeia.

De uma forma ou de outra, o ouro está a ser reintroduzido no sistema monetário mundial. Os BRICS não são os únicos: o Banco de Compensações Internacionais estabeleceu, há vários anos, que o ouro iria ser considerado  como «Tier 1», em todo o sistema bancário (bancos centrais e comerciais). Isto significa que os Estados, as empresas e as pessoas podem usar o ouro como colateral, da mesma forma como usavam as obrigações soberanas.

(Gráficos copiados do site seguinte  

https://kingworldnews.com/eric-pomboy-what-is-happening-in-the-gold-market-is-stunning/   )

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* NB: A de-dolarização é sobretudo uma recusa em deter ou em comprar dívida do tesouro dos EUA («treasuries»). Quando um banco central vende «Treasuries», não importa por que motivo, está a adquirir dólares em troca dessas treasuries. Assim, a procura de dólares no mercado mundial das divisas aumenta pontualmente. Mas, como os EUA estão falidos, o que acontece direta ou indiretamente, é a emissão de mais dólares, para cobrir essa operação de resgate de treasuries. Ao fazê-lo, o banco central americano (a FED) está diluindo o valor do dólar. Por outro lado, ser possuidor de dólares, equivale a  ser sujeito a sanções e chantagens pelo governo dos EUA. Estas, apenas se podem efetivar através da manipulação do dólar e das contas denominadas em dólares, possuídas por entidades estrangeiras. Quem não esteja disposto a isso, mesmo sendo aliado dos EUA, vai evitar converter os seus excedentes em Treasuries e vai preferir algo que não possa ser instrumentalizado contra o próprio detentor: é o caso de barras de ouro. 

HABANERA por Emmanuel Chabrier (piano: Jorge Federico Osorio)

Fragonard: La leçon de musique


Habanera*, excerto do The French Album, por  Jorge Federico Osorio


O álbum vale pela seleção criteriosa das peças de compositores franceses do virar do século XIX, para o século XX (Gabriel Fauré, Claude Debussy, Emmanuel Chabrier, Maurice Ravel) com uma incursão no século XVIII (obras de Rameau); e vale também pela interpretação límpida, sem concessões, pondo em relevo a poesia encerrada nestas partituras.

Um prazer raro, a não perder:


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*Esta habanera, em versão de orquestra:


terça-feira, 16 de janeiro de 2024

HUMANIDADE E O PARADOXO DA SUA EVOLUÇÃO

Acredito que a espécie humana se deixou enredar numa espiral de ganância de poder e de sensação de omnipotência pela tecnologia. Os humanos, na origem, eram somente uma entre numerosas espécies animais. Havia contemporâneas de Homo sapiens outras espécies de homens, até há menos de 50 mil anos atrás. A evolução tecnológica foi tão rápida na escala de tempo da Evolução geral, que perturbou gravemente o desenvolvimento harmonioso da espécie Homo sapiens. Pode-se compreender, olhando à nossa volta, como todo o aparato dos confortos da civilização, enterram, anulam, substituem, as nossas capacidades naturais, isto é, as que nos foram legadas por milhões de anos de evolução biológica. O efeito desta desconexão é todo o drama da civilização humana atual, da civilização tecnológica, em particular. Tal como com a evolução biológica, esta evolução tecnológica é essencialmente não reversível.

Mas, há uma grande diferença na escala de tempo; a inovação biológica tem de se instalar a partir de uma ou várias mutações, compatíveis -obrigatoriamente - com as funções vitais dos indivíduos que são seus portadores, mas também que se possam integrar no ambiente e através da descendência. Portanto, a evolução biológica, tipicamente, demora muitas centenas de anos, ou várias gerações humanas, para se firmar e consolidar. A evolução tecnológica é incomparavelmente mais rápida, com consequências importantes, não apenas nas vidas humanas individuais e ao nível das sociedades, mas mesmo na natureza, em geral. Nos últimos cem anos, têm ocorrido revoluções tecnológicas consideráveis (em vários campos da atividade humana) mais ou menos todos os 20 anos. A evolução das mentalidades, das instituições sociais, já para não falar da adaptação da biologia humana, não podem acompanhar esta progressão. Ela, ainda por cima, não é uniforme, nem previsível, mas é caótica no sentido matemático do termo (não se lhe pode atribuir uma lei). As pessoas estão completamente expostas aos efeitos «secundários», aos «danos colaterais», da tecnologia contemporânea. A arqueologia estuda a evolução das técnicas como, por exemplo, o talhe da pedra; há evolução, mas apenas em longos intervalos de tempo. Aliás, é por isso que tem sido possível efetuar a datação dum sítio arqueológico, somente pela análise da tecnologia de talhe utilizada. Vemos, no entanto, ao longo das poucas dezenas de milhares de anos seguintes, que houve um acelerar exponencial da inovação tecnológica: no paleolítico, a mesma técnica era aplicada durante intervalos de tempo da ordem de milhares de anos, sem modificação notável ou detetável. Hoje em dia, a modificação durante as nossas vidas, é tal que a geração anterior, a dos nossos pais, parece ter vivido num tempo longínquo: perfeitamente imaginável, profusamente documentado, mas muito diferente do quotidiano presente.

Este desequilíbrio, ou seja, a impossibilidade das sociedades integrarem e assimilarem no seu interior as inovações tecnológicas, faz com que elas apenas reajam, o que é confundido com «adaptação», mas que - de facto - não é. E as pessoas, individualmente, acabam também por ficar disfuncionais, como não podia deixar de ser. Este disfuncionamento é em relação a características que são absolutamente essenciais para a sobrevivência do humano, enquanto tal: a sociabilidade, a empatia, o altruísmo, a responsabilização coletiva, a dádiva, a partilha, a preferência do «ser» sobre o «ter». Existe muito empobrecimento mental e afetivo na sociedade tecnologizada. As pessoas não estão nada adaptadas, daí a enorme explosão de violência irracional, não motivada, em sociedades de abundância material. É nessas sociedades que ocorrem frequentes surtos de violência, com pessoas tornadas loucas, capazes de matar quaisquer outros; noutros casos (bem mais frequentes), a situação de desespero, de vazio, de depressão precipita as pessoas a pôr fim às suas vidas, a suicidarem-se. Estes fenómenos extremos de disfunção social, são noticiados, mas eles recobrem um outro domínio do não-reportado, de profunda disfunção, na vida pessoal e social. O consumo das «drogas», sejam elas prescritas sob forma de medicamento, ou procuradas no mercado negro das drogas ilícitas, tem como causa a insatisfação, a frustração das pessoas, relegadas ao dilema absurdo de consumidores resignados, ou à revolta sem objeto, que não será transformada em revolução, enquanto transformação coletiva e social.

Como estou inserido neste mundo e não tenho a veleidade de me extrair dele para ter uma visão de conjunto, que pudesse fornecer um diagnóstico da patologia social e a consequente cura dos males sociais, resta-me apenas dirigir algumas palavras, que penso de bom-senso, nesta altura de acumulação de tensões, de violências, de protagonismos :

Este contexto, obriga a nos preocuparmos com aspetos básicos, não apenas a nossa sobrevivência material individual, como social.

- Estamos no tempo em que deve haver reforço das interações positivas dentro da família e na sociedade que rodeia os indivíduos (os grupos de amigos, de colegas do trabalho...).

- Não devemos ser ingénuos, não devemos deixar-nos manipular através dos nossos sentimentos instintivos, principalmente o medo e a insegurança a ele associada.

- Construir e preservar o que já está construído, no sentido literal e metafórico, deve ser uma nossa preocupação constante.

- Fazer um esforço real e honesto em direção ao Outro; ou seja, sermos capazes de nos pormos na pele do outro. Isto não quer dizer que - automaticamente - aprovemos as suas ações. Não somos diferentes do Outro, na essência: nem superiores, nem inferiores.

- Devemos ser tolerantes, no sentido de não nos colocarmos numa posição ideológica, seja sobre o que for: As questões concretas é que importam; elas passam-se no terreno do real, não nos vapores etéreos das ideologias. Avaliar as situações através do filtro da ideologia, é pior que usarmos um espelho deformante para ver o real; é como caminhar às apalpadelas, num nevoeiro espesso. Eu sei que todos temos, quer queiramos quer não, uma ideologia (implícita ou explícita), mas acho que neste domínio é preciso relativizar: O que nos parece a «verdade última», também no passado, as gerações anteriores tiveram ilusões semelhantes e os resultados foram geralmente deploráveis.




segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

MITOLOGIAS (XII) - PIGMALIÃO E A ESTÁTUA VIVA

 De todos os mitos e contos fantásticos de Ovídio, nas suas célebres «Metamorfoses», esta história é das mais conhecidas.

 Pigmalião apaixona-se pela estátua que ele próprio esculpira  e suplica a Vénus que lhe proporcione uma esposa tão bela como a estátua. Vénus, vendo o ardor sincero de Pigmalião, satisfaz o seu pedido; transforma a estátua em jovem mulher. Pigmalião, primeiro duvida do sortilégio, mas acaba por ceder à evidência: ele experimenta o toque da pele humana flexível e quente, já não se trata do marfim de que era feita a estátua. 

O pintor Girodet (1767 - 1824) é autor dum célebre quadro que representa o momento em que Pigmalião se apercebe de que a sua estátua, afinal, se tinha transformado numa bela jovem. 


Vale a pena nos determos um pouco nesta imagem, não que eu considere ser duma qualidade estética excecional, mas antes porque nos dá uma ideia de como o Século XIX interpretava o mito de Pigmalião. De facto, esta representação pretende ser fiel à narrativa de Ovídio. A figura da jovem Galatea (quer dizer que tem a pele leitosa) apresenta-se numa pose semelhante à da célebre estátua de Vénus de Medici.



A face de Galatea exprime pudor por estar exposta ao olhar do seu criador/admirador. Ela baixa os olhos e sua face está levemente corada, evidenciando o seu pudor. Note-se que o modelo helenístico da Vénus, dita de Medici, com a sua posição dos braços, protegendo os seios e o sexo, como se tivesse sido surpreendida desnudada, também evidencia uma reação de pudor.

No texto de Ovídio - ver texto latino com transcrição em francês - Pigmalião está desgostoso pela «desvergonha» das mulheres, que faziam comércio do sexo, como era costume nesse tempo, em particular na ilha de Chipre, a ilha de Afrodite,  cujos templos principais eram consagrados à Deusa do Amor. A narrativa atribui a esse desgosto a motivação de esculpir uma jovem virgem que tivesse a beleza e a pureza pela qual ele suspirava. 

Podemos compreender que o mito está para a realidade, como um manto de rico tecido está recobrindo uma realidade muito menos luzidia. Com efeito, a existência de escravas sexuais era um facto, sendo esse comércio realizado pelos próprios templos dedicados a Vénus. Não era considerado um negócio ilícito. Na sociedade intensamente patriarcal do mundo Greco-romano, a mulher era considerada inferior pela sua própria natureza. A mulher era um objeto do qual o homem usufruía, de várias maneiras. A sexualidade era muito pouco inibida, no que toca aos homens.  Havia também uma prática comum de sexo com efebos, adolescentes do sexo masculino, alguns com inclinações para tal, mas a grande maioria vendendo o corpo. As prostitutas «sagradas» praticavam sexo a troco de remuneração, a qual revertia - em parte - para os cofres dos templos dedicados à Deusa do Amor. 

O Pigmalião da lenda é um «rei» escultor, algo bastante inverosímil. Mas, o apaixonar-se pela beleza de uma estátua ocorre, por vezes. Trata-se de uma forma especial de fixação obsessiva e de desvio sexual. O pedido de Pigmalião à Deusa do Amor, seria veiculado através da sacerdotisa do templo, a qual terá visto como possível e oportuno «ceder», a troco de dádiva generosa, uma jovem virgem, instruída para satisfazer a obsessão doentia de Pigmalião. No texto de Ovídio há referência ao casamento entre Galatea e Pigmalião e ao nascimento da filha do casal, Paphos, o nome adotado por uma cidade de Chipre.


A peça de Bernard Shaw , escrita nos alvores do século XX, no seguimento doutras obras que tentavam atualizar o mito de Pigmalião, é bastante interessante na medida em que transpõe a história para um ambiente contemporâneo ( princípio do séc. XX) e tenta fazer com que tudo seja mais ou menos verosímil. Não há «estátua de marfim que se transforma em linda donzela», mas uma jovem da classe baixa, que vende flores na rua. Pigmalião é um professor de linguística, que faz a aposta de transformar a jovem mulher, falando exclusivamente o dialeto das classes populares,  o «cockney»,  numa dama com o discurso e as maneiras de uma aristocrata, que ninguém imaginaria tivesse uma origem tão humilde. Se  hoje,  a peça de teatro não é frequentemente representada, o filme de George Cuckor «My Fair Lady», continua  ser conhecido de muitos. 


Este filme retoma o essencial do enredo da peça de Bernard Shaw. Curiosamente, na peça de Shaw a moderna «Galatea» acaba por se rebelar, não aceitando ser instrumentalizada pelo seu tutor.
Talvez isto seja um «piscar de olho» à primeira vaga de emancipação da mulher, a sua afirmação como ser autónomo, que não aceita estar sujeita à vontade caprichosa do marido e sabendo que tem o seu valor próprio e a sua dignidade.

 Não esqueçamos que Bernard Shaw foi membro destacado da Fabian Society, que preconizava a mudança para o socialismo através de reformas e contribuiu para a formação do Partido Trabalhista no Reino Unido.

Poderia parecer que nos afastamos muito do mito de Pigmalião. Mas, afinal Bernard Shaw, este génio contemporâneo, veio colocar a história no seu devido pé: A natureza do homem, ou a sua doutrinação sobre o papel masculino nas relações com o feminino, tem levado aquele a querer impor um certo padrão de comportamento e inclusive em relação ao sexo e ao casamento, como se a mulher, enquanto noiva, esposa, ou amante, não tivesse vontade própria, não fosse mais do que uma estátua de virgem, que é preciso ativar com o toque erótico, que «dê vida» a essa boneca. Assim, seria a «boneca de carne e osso», o ideal duma forma entranhada de machismo, tanto mais difundida, que se situa ao nível do inconsciente ou do subconsciente. 

De facto, a mulher deveria educar-se e educar o homem, para que essa forma de encarar as relações entre os sexos deixe de existir. Os homens assim fazem sofrer as mulheres com o seu desprezo pelo objeto do seu desejo erótico e por vezes mesmo, com violência. Pelo contrário, o homem companheiro, que partilha os prazeres e as dificuldades da vida, é aquilo que as mulheres naturalmente procuram. Elas têm a capacidade de transformar os «Pigmaliões» contemporânos, de lhes dar maturidade, de os despirem de preconceitos incutidos pelo meio. Note-se que se trata de uma tarefa longa, às vezes penosa e ingrata, ao nível individual das mulheres; mas esta tarefa devia ser endossada pela sociedade no seu todo, através da educação emancipadora dos jovens, o que não quer dizer - de modo nenhum - «licenciosidade» ou «relaxamento moral», antes o contrário. 

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SÉRIE MITOLOGIAS:

 MITOLOGIAS (XI): HISTÓRIA NATURAL DO UNICÓRNIO


sábado, 13 de janeiro de 2024

HAVERÁ ESPAÇO PARA O AMOR???

 O ódio desencadeia o ódio. Verifica-se uma espiral de violência e de irracionalidade que estamos todos testemunhando, neste momento exato. A História sempre foi acompanhada por um rasto sanguinolento, mas agora está absolutamente diante dos olhos de todos. Quem se conforta com pseudo justificações como "do outro lado, fazem igual ou pior", não pode ter a nossa indulgência porque os pecados de uns não podem absolver os dos outros. Agora, como outrora, os violentos querem fazer com que a humanidade de certos povos seja desprezada pelos outros, através de toda a espécie de narrativas de ódio, como um bombardeaeemento psicológico que oculta os bombardeamentos cobardes de bombas, despejadas a todo o momento sobre civis indefesos. 

A civilização judaico - cristã morreu, não tem hipótese de dar nada de relevante para a humanidade presente e futura. Os seus representantes e apologistas máximos,  não apenas trucidam aqueles que deviam proteger, como recobrem os seus crimes duma capa de mentiras e reforçam os preconceitos racistas. 

É difícil descer-se mais baixo. Durante muitos anos, os políticos dirigentes dos países ocidentais revestiram-se de discursos sobre os direitos humanos e os princípios morais elevados. A sua prática, muitas vezes,  contradizia os seus dizeres. Mas, agora, a contradição tornou-se tão óbvia, que muitas pessoas, mesmo as que partilham os valores fundamentais do «Ocidente», estão escandalizadas. Não existe qualquer desculpa, deixaram completamente cair a máscara. De nada serve tentarem afivelar de novo a máscara de civilizados . Os crimes de massa, que perpetraram ou apoiaram oficialmente, não são suscetíveis de perdão. 

Agora mesmo lançam mais uma guerra de agressão (contra o Iémen e simultaneamente contra o Irão), fazendo a vontade ao governo sionista. Este, tem controlo efetivo sobre a política americana e esta - por sua vez - comanda os governos e forças armadas dos países da OTAN. Vários países europeus estão assim - voluntariamente ou não - feitos coniventes dos crimes de Estado de Israel e com a participação e cobertura americana. 

Não tenho ilusões sobre a cobardia e corrupção das classes no poder da Europa: escolhem seguir os cavernícolas neocons dos EUA,  em vez de defenderem os interesses básicos, existenciais, dos seus próprios povos. 

Não resta nada da civilização ocidental, que se baseava sobre os valores do humanismo. Estes foram destruídos, com tudo o que se tem passado, nomeadamente, desde a infame guerra contra a Jugoslávia (um enorme crime de guerra da OTAN) seguido por guerras neocoloniais no Afeganistão, no Iraque, na Líbia e na Síria. A invasão da Rússia à Ucrânia foi um erro daquela, mas Americanos e outros países da OTAN (Alemanha, França, Reino Unido...) têm   responsabilidades, por inviabilizar conversações diplomáticas em Dezembro de 2021. Pior ainda, obrigaram o regime de Kiev a renegar acordos que  estavam prestes a serem assinados em Abril de 2022, causa próxima deste infeliz país ser sacrificado no «altar» de vergar a Rússia. O plano para os neocons obterem finalmente o «grande prémio»: a derrota e o desmembrar da Rússia. 

E o cúmulo foi a aprovação entusiástica do ataque criminoso pelos israelitas do povo indefeso de Gaza. Com isto, ficou definitivamente enterrada a orgulhosa «civilização ocidental». Pode continuar a ter vitórias, mas serão vitórias de Pirro, ou seja, das que trazem ainda pior que uma derrota. Com efeito, todo o resto do mundo, e é a maioria, olha com horror as práticas bárbaras dos governos e exércitos «ocidentais» e percebe perfeitamente que eles não têm qualquer consideração por nações que se coloquem num caminho de independência, de desenvolvimento autónomo. 

Espero que muitos de vós saibam repudiar a deriva criminosa dos vossos governos. Só nessa medida, poderá haver um sentido de compaixão quando se abaterem sobre as nossas sociedades as profundas misérias em que nos meteram as élites corruptas que nos desgovernam. 


PS1: como os meus leitores habituais já sabem, eu tenho descrito a situação geopolítica como de guerra mundial, a qual se estende por todo o espectro, desde as guerras locais por procuração, às sanções económicas e ao reconfigurar dos sistemas monetários.  No texto acima, quis enfatizar a insanidade das políticas levadas a cabo pelos dirigentes ocidentais e os seus desastrosos resultados, no contexto da guerra mundial em curso.

sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

OPUS. VOL. III 2. SUSSURRANDO

 


Ao teu ouvido

Amor

Estas palavras

Ofereço

São ínfimo som 

Só tu ouves

Mais ninguém

Não partilho segredos

Dos nossos enredos

Sacode os medos

Ouve a melodia

Da canção nossa

A letra sabemos

De cor, la la la

di di ri di

Em exclusivo

Até ao fim

Só nós sabemos

Essa letra e guardamos

Seu significado

Tu e eu

Até que o Mundo acabe


(Murtal, 12 de Janeiro 2024)




terça-feira, 9 de janeiro de 2024

OPUS. VOL. III 1. PARA QUE CONSTE

 Hoje, tempo de recordação. Hoje, tempo de ouvir os sons que me consolam na solidão. Hoje, só permito que beleza enforme o meu olhar. Para que conste, não estou a escrever senão pelo prazer de um improviso. Pelo prazer de levantar voo no dorso dum ganso de um conto de infância.


Não assentei quais os pergaminhos que irei recopiar, e os que deixarei apodrecer, nesta memória volúvel do tempo presente. Assim como assim, posso deitar algumas migalhas aos pardais: irão fazer um grande festim. Assim, como assim, tenho estado a apanhar, para mim próprio, alguns frutos do chão. Eles foram-me generosamente deixados pela árvore da vida. Não desprezo o meu sustento.

Há certas músicas que têm o condão de me pôr a delirar, de mansinho, como em sonho. Tenho-as na memória gravadas: irrompem subitamente, não solicitadas, movidas pela sua própria vida. Quando tal me acontece, eu aceito-as, naturalmente. Oiço o que me oferecem: um baile, um concerto ou uma serenata. Só preciso escutá-las, em silêncio; de prestar atenção; desenrolam-se reverberando na abóbada craniana; não há mais ninguém que as oiça, senão eu.

[Ao pé de mim, serenamente dormindo uma soneca, a minha cadela Oni.]

Eu disse que hoje só permitia que a beleza penetrasse no meu interior. As coisas belas são harmoniosas por dentro, quer sejam inertes ou vivas. A Natureza é sempre bela.

O bonito não é o belo. Diferencio sobretudo com a força que vem de dentro: se for belo, sente-se essa força. Mas o «bonito» é apenas o superficial: um boneco de peluche, ou um cãozinho de colo mimado e com lacinhos.

Há um olhar não trivial, para além das aparências: Um olhar que não julga, que não tece sentenças. Um olhar de pintor; de observador da Natureza e dos homens. Procuro exercitar este olhar interior sobre o que vejo. Sei que ainda estou muito longe da perfeição!

A perfeição desta Suite para o alaúde de J.S. Bach exerce em mim uma espécie de hipnose, enquanto estou a escrever o que me vem à mente. O sentido do que escrevo não está relacionado com a música. Porém, a forma como trabalho é diferente com música suave e serena. Ajuda-me a fazer subir à superfície a energia interior.

Não é música que embriague os sentidos, música com um marcado ritmo, com instrumentos de percussão, etc. A música «virada para fora» pode ser de excelente qualidade, mas - pelo menos no meu caso - distrai-me, impede-me de me concentrar plenamente do que quero exprimir.

Existem tantas categorias de música, quantas se quiser: afinal, é uma questão de classificação. Como música para acompanhar o trabalho físico, música «virada para fora»; para acompanhar o trabalho intelectual, «música reflexiva», meditativa.

Murtal, Parede, a 9 de  Janeiro de 2024