terça-feira, 6 de agosto de 2024

QUANDO MORRE UM ANCIÃO OU ANCIÃ, É COMO SE ARDESSE UMA BIBLIOTECA

  Todos ouvimos falar da biblioteca de Alexandria e do seu incêndio, que teria sido provocado (acidentalmente) pelos soldados de Júlio César  em guerra com o Rei Ptolomeu do Egipto. Este incêndio teria transformado em fumo e cinza uma boa parte do saber da antiguidade, encerrado nos seus livros. Não sei se isto é rigorosamente assim; mas o que sei é que - mesmo na antiguidade - havia cópias de tratados de História ou Geometria, de livros de poesia, de peças teatrais, etc. Não eram muitas, essas cópias, eram raras, pois tinham de ser feitas à mão, em pergaminho ou em papiro...

Já no caso da sabedoria e conhecimentos acumulados pelos anciãos, não é muito fácil manter a continuidade. Nas sociedades que não conheciam a escrita, os saberes eram baseados no ato de decorar. Podem assim os poemas épicos ter sido reproduzidos de geração em geração, caso da Ilíada e Odisseia, mas também as lendas de muitos povos, desde as sagas nórdicas, aos ciclos de narrativas em povos subsaarianos. 

Mas, este processo é bastante difícil de se manter e a degeneração do conteúdo ocorre ao fim de um certo número de gerações. Se a transmissão oral ocorreu, em muitas gerações e em diferentes partes do mundo, é porque os povos - ainda sem escrita, ou com incipiente alfabetização - tinham a consciência da importância das narrativas da origem da família, do clã, da tribo, da nação e da humanidade. Estas narrativas, por mais mitificadas que fossem, eram tomadas como base para as pessoas se identificarem com uma dada etnia, uma dada nação. 

O simbólico reinava, no discurso, como no quotidiano, pois os homens nessa época viam em tudo um símbolo, viam entidades divinas nas mais variadas manifestações da Natureza. 

Ora, a cultura predominante, hoje em dia, apenas valoriza o que é novo, o que é jovem. Certamente que as jovens gerações são «o futuro». Mas,  nota-se cada vez mais a ignorância e falta de bases morais sólidas, em boa parte da gente jovem. A impreparação dos jovens tem a ver com duas coisas: A excessiva autoindulgência em tudo o que toca aos saberes, não diretamente ou imediatamente «rentáveis»; a capacidade de fazerem sacrifícios, somente na perspetiva de obtenção de lugar bem remunerado, pela procura dum diploma de prestígio  (mestrados ou doutoramentos). De facto, estão a preparar-se para serem "servos" ou "escravos" um pouco melhor pagos.  Não estão a preparar-se - na enorme maioria - para serem autónomos, serem capazes de se estabelecerem por conta própria, exercendo o seus talentos em benefício da comunidade, e não de um empresário ganancioso. 

As pessoas de mais idade adquiriram - através da sua experiência de vida e porque tiveram ocasião de aperfeiçoar os seus saberes, académicos ou outros - uma visão mais ampla dos problemas, um maior recuo em relação ao momento e também estão muito menos envolvidas em quezílias políticas, em lutas para alcançar o poder. Não têm, em geral, um comportamento de concorrência em relação a pessoas jovens; muitos, apenas gostariam de os ter como amigos ou aliados.  

A falsa civilização impulsionada pelo neoliberalismo (que não é novo, nem é um liberalismo, diga-se) produziu uma sociedade egoísta, individualista, onde as pessoas estão centradas apenas em aspetos materiais. Também produz pessoas ignorantes de muito daquilo que moldou a sociedade. A História, as Artes, a  Filosofia  são geralmente consideradas matérias secundárias, apenas decorativas, servindo para pôr alguns «pozinhos» de cultura, no edifício da ignorância orgulhosa dos doutorados.

Neste contexto, paradoxalmente, embora as nossas sociedades sejam «letradas», cresce a ignorância. O analfabetismo que se observa é um «analfabetismo funcional», quase nunca se observam pessoas jovens analfabetas, «sensu stricto».

Esta ignorância serve os poderosos; pois ignorar a História é ficar condenado a repeti-la; ignorar a Filosofia é não distinguir os sofismas e não ser capaz de discorrer de modo lógico, racional sobre um assunto; quanto à Artes, a sua ignorância significa que os seus sentidos e intelecto estão ao nível do animal; não podem ter prazeres elevados, pois não conhecendo as subtilezas dessas Artes, a sua capacidade de apreciação estética é diminuta.  

Os senhores deste mundo gostam disso; têm sob seu controlo massas de pessoas não muito instruídas; só o suficiente para fazerem as tarefas que a empresa lhes ordenou. Não têm qualquer visão ampla; isso foi desencorajado na educação e no entorno social. 

Os idosos são vilificados, não se pensa neles senão como um «estorvo», uma «despesa». Para uma boa parte dos jovens,  o que os velhos têm para dizer não lhes interessa, mesmo os velhos da sua família. 

O segundo paradoxo, é que em geral os velhos são desprezados, já não se lhes reconhece a sabedoria que lhes era atribuída tradicionalmente. Não que os velhos fossem/sejam sempre pessoas de grande sabedoria ou lucidez. Porém, acontece que - em lugares de topo nas empresas ou nos Estados - encontram-se velhos, muitos têm mais de 60 anos de idade, mas estes são reverenciados, pelo poder que alcançaram. 

De facto, o «agismo», o avaliar as pessoas pela sua idade e não pelo que valem - quer sejam jovens, de meia idade, ou idosos - vai ter que acabar devido à enorme contração, em muitos países, dos nascimentos A pirâmide etária resultante é completamente  anormal: As camadas etárias jovens são demasiado estreitas e as mais velhas, dilatadas. 

Não se pode facilmente mudar um padrão cultural de consumismo desenfreado, de egoísmo, de hedonismo, que leva muitos casais a não querer ter filhos. Também é impossível (ou seria monstruoso) eutanasiar os idosos. Sendo assim, é preciso a sociedade valorizar - na sua justa medida - os velhos. Sendo eles os mais frágeis, precisam de maior proteção social. Mas, por outro lado, podem contribuir - com sua experiência e sabedoria - para a resolução de muitos problemas. 

A sociedade e os indivíduos devem aprender ou reaprender a estimar as gerações mais antigas.  

segunda-feira, 5 de agosto de 2024

FRANÇAIS/ENGLISH & FRANGLAIS (Segundas-f. musicais, nº11)


Este nº11 da série de vídeos musicais é bastante «leve», pois estamos em férias. Sugiro que aproveitem a sesta para se deliciarem com as 5 composições cantadas por grandes interpretes.

 Houve uma moda, nos anos 50 e 60, de fazer versões em inglês de canções  inicialmente compostas em francês, ou noutros idiomas (italiano, espanhol...). Depois, muitos cantores e grupos não anglófonos, começaram a cantar diretamente em inglês. Perante o sucesso comercial obtido, reforçaram esta anglofonia. 

Hoje em dia, quando os oiço, confesso que os acho - quase sempre - ridículos, patéticos. Porém, o talento faz com que uma «salada anglo-francesa» se torne palatável e até mesmo agradável, como é o caso das canções aqui apresentadas.

A mistura de duas línguas tão diferentes no modo de as pronunciar, apesar de tão próximas dos pontos de vista da Geografia e da História, resulta algo insólita.  Penso que seja tal contraste que desencadeia o efeito cómico, nestas obras superiormente interpretadas  pelos respetivos artistas: Patachou, Charles Aznavour, The Beatles, Louis Armstrong e Léo Ferré. 











                                    
                                           https://www.youtube.com/watch?v=WoBLi5eE-wY



                                            https://www.youtube.com/watch?v=PsTYi68NPyg
                                                                
                                        






sábado, 3 de agosto de 2024

PRIMEIRO FILME SOBRE A OBRA-PRIMA DE GEORGE ORWELL «1984»

Realizada em 1956, é primeira adaptação cinematográfica do romance homónimo «1984» de George Orwell (1903 - 1950). Segundo a Wikipedia, «assim como a adaptação cinematográfica anterior de A Revolução dos Bichos, o filme '1984', rodado em 1956, foi secretamente financiado pela CIA.[6] »

Orwell não tinha ilusões sobre o socialismo praticado na URSS mas, ao contrário do que muitos pensaram na altura, as suas obras de ficção mais conhecidas não se destinavam a chamar a atenção, exclusivamente, sobre um regime totalitário (a União Soviética no tempo de Estaline), mas sobre todos os regimes totalitários: Estes romances devem ser encarados enquanto obras de ficção política-sociológica, que são. 
No contexto presente, em que novos comportamentos totalitários emergem nas antigas chamadas «democracias liberais», o aviso do autor não se tornou caduco. Porque o totalitarismo presente ultrapassa em sofisticação os mecanismos de vigilância, controlo e repressão, que vemos no filme baseado no romance de Orwell. 
O perigo das distopias atuais é que  vão buscar lições aos seus modelos (Nazismo, Fascismo Mussoliniano, Franquismo, Estalinismo, Maoismo...), mas - além disso - conseguem induzir uma ilusão ou hipnose, como se houvesse ainda democracia.
  
George Orwell (de seu nome civil: Eric Blair) foi considerado o maior autor de ficção política do Século XX. A sua obra literária é muito vasta: Muitos dos seus romances, ensaios, artigos, são conhecidos apenas de um pequeno número. 
É de notar que vários poderes usam (ou usaram) o romance «1984», para fazer propaganda contra regimes antagónicos. Embora ele tivesse como modelos os vários regimes totalitários (de Hitler, de Franco, de Estaline...) da sua época, tentou descrever um mundo dominado por elites impiedosas, que dividiam o Mundo em confederações de Nações, umas contra as outras, perpetuando uma guerra de baixa ou alta intensidade. Assim era nutrida a desconfiança e ignorância do que se passava no «outro lado». A  fidelização dos cidadãos ao regime respetivo era mantida pelo medo, pela ignorância, pela manipulação dos sentimentos. 
O Mundo contemporâneo, que tenho observado nos últimos anos,  parece-me estar bem próximo da distopia de Orwell. 



 https://www.youtube.com/watch?v=c7jb1Lptjgw

terça-feira, 30 de julho de 2024

A FRAUDE DA «ENERGIA VERDE»

A POLÍTICA 'WOKE' É A POLÍTICA DO SIMULACRO.  É que os nossos políticos, para estarem na onda «verde», fazem perante os seus eleitorados imensas piruetas e promessas, que não poderão honrar: Eles sabem - de antemão - que não as podem honrar. 
Os dados são perfeitamente claros, sem sombra de dúvida:  Será impossível substituir por veículos (EV), a baterias de lítio, os veículos que funcionam no presente a gasolina, ou outro derivado do petróleo, pois não existe suficiente lítio «explorável», em todo o Globo Terrestre.  Além disso, outros minerais são requeridos e eles estão, pelo menos, numa escassez do mesmo nível que o lítio. Não existe capacidade em satisfazer esta tão propalada «transição verde».
Por outro lado, o petróleo continua a ser indispensável para uma enorme quantidade de aplicações. Lançar o anátema sobre o petróleo, tem como consequência o empobrecimento ainda maior dos que já são pobres, dos que não têm dinheiro para se reconverter aos veículos elétricos. Talvez seja isso mesmo que as oligarquias globalistas procuram: Um empobrecimento geral, para que eles continuem a ser os senhores incontestados.
Dizem que os EVs «não são poluentes», que não aumentam «o efeito de estufa», etc. Trata-se de mentiras descaradas. Os muito ricos, com certeza, têm ao seu serviço muitos técnicos e cientistas que lhes dizem (ao ouvido) aquilo que são, na verdade,  essas tais «soluções». Mas, a media prostituta difunde as mentiras e reforça-as constantemente.
Os políticos são hábeis e inteligentes à sua maneira; sabem vender «soluções» que nem eles, nem os melhores técnicos, conseguirão implementar. Simplesmente, não existem as quantidades suficientes das matérias-primas que a reconversão exigiria.  
Eles sabem muito bem vender o sonho e a esperança. O público, que engole estas mentiras acriticamente, tem parte da responsabilidade. Muitos querem acreditar naquilo que psicologicamente lhes traz mais conforto. 
Poucos são os que não se satisfazem com «soluções» simplistas e querem saber mais. 
Espero que os leitores pertençam a este último grupo. 
Se visionar a entrevista seguinte, verá que é do maior interesse para todas as pessoas que desejem compreender o futuro. 
- Como serão as transformações tecnológicas, económicas, políticas e civilizacionais? 
- Como influirão na vida das gerações presentes e das futuras? 


PS1: O vídeo seguinte apresenta um sumário das ideias de Simon Michaux relativas à «transição verde»:

segunda-feira, 29 de julho de 2024

DIES IRAE, MODOS GREGORIANOS E MODERNIDADE (Seg.-f. musicais nº11)

https://www.youtube.com/watch?v=ValuAhHxmG8

Inspirada no Livro do Apocalipse, a Sequência do Dies Irae* faz parte do ofício de Requiem, a missa celebrada perante o corpo do falecido antes deste ser sepultado.


Dies Irae do Requiem de Verdi (Coro e Orquestra Coreanos)
https://www.youtube.com/watch?v=ZjfN7m9Ow8o

Em várias épocas da História da Música foi usado o tema do Dies Irae. Foi o caso de Mozart, Liszt, Berlioz e incontáveis outros. Em suas composições, foi utilizado como tema em sonatas ou sinfonias, além da Sequência ser parte integrante do Requiem. Os compositores - ao comporem missas de Requiem - respeitaram, geralmente, a tradição católica.
Pode-se argumentar que toda a música ocidental se baseia no Canto Gregoriano, em última análise: Isto não é falso, em termos de desenvolvimento histórico. Mas, a polifonia medieval e renascentista, a música sacra e profana barroca, clássica, romântica, etc. nem sempre mostram a origem sacra da sua inspiração, que está efetivamente presente em muitas composições.
Por outro lado, os modos gregorianos (8 modos, inicialmente) foram deturpados a partir do Renascimento, sendo transformados em 12 modos, para assim forçadamente os fazer corresponder aos modos gregos antigos ou melhor, ao que se julgava serem os modos gregos, na antiguidade.
Após isto, os modos acabaram por ser reduzidos somente a dois, o modo Maior, e o modo menor. Costuma designar-se por 'modulação' a transposição de um tom para outro, mantendo as relações entre notas: não se pode considerar uma verdadeira modulação, pois se manterá o mesmo modo e o mesmo relacionamento entre as notas. Elas serão mais agudas, ou mais graves na escala, porém sem quaisquer diferenças nas relações entre elas. As mudanças de tom tornaram-se frequentes nas composições, desde o fim do Renascimento ao Romantismo: Elas são meras transposições, afinal. O paradigma tonal dominou toda a música, erudita ou popular, até aos finais do século XIX.
Foi por essa altura (segunda metade do séc. XIX) que a música litúrgica (gregoriana) experimentou um renovo. O Renascimento Gregoriano foi iniciado em França, na Abadia de Solesmes. Esta restauração do Canto Litúrgico, levou a que muitos músicos eruditos (entre outros, Ravel, Debussy, Stravinsky e compositores mais recentes), se inspirassem nos modos gregorianos e compusessem peças com estruturas modais, pentatónicas ou outras, em vez das tonais clássicas.
Paradoxalmente, o retorno ao passado, o conhecimento e o rigor interpretativo do canto litúrgico gregoriano, contribuiu para despoletar a revolução na música dos finais do século XIX, inícios do século XX.
Foi assim que a música erudita contemporânea se pôde emancipar da "ditadura tonal".
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* Sequência Dies Irae
(parte da Missa de Requiem) -------------------------------------- 1- Dies iræ! Dies illa Solvet sæclum in favilla: Teste David cum Sibylla! 2.- Quantus tremor est futurus, Quando iudex est venturus, Cuncta stricte discussurus! 3.- Tuba mirum spargens sonum Per sepulchra regionum, Coget omnes ante thronum. 4.- Mors stupebit, et natura, Cum resurget creatura, Iudicanti responsura. 5.- Liber scriptus proferetur, In quo totum continetur, Unde mundus iudicetur. 6.- Iudex ergo cum sedebit, Quidquid latet, apparebit: Nil inultum remanebit. 7.- O tu, Deus maiestatis, alme candor Trinitatis nos coniunge cum beatis. Amen.


 

domingo, 28 de julho de 2024

DIDIER RAOULT: «A EVOLUÇÃO ERRÁTICA»


 A evolução, nas suas grandes etapas, não pode corresponder às narrativas continuístas (darwiniana ou lamarckiana), ao que tem sido a maneira universal como a evolução é compreendida e ensinada. 
Didier Raoult vem trazer as novas perspectivas e ilustra com exemplos extremamente interessantes. 

Oiça, que vale a pena! 

Ps1: Embora aceite na totalidade os argumentos do Prof. Didier Raoult, devo assinalar o significado da mudança de um genoma muito compacto (bactérias) para um genoma construído como um "Lego", em que cada bloco representa uma função e já não o gene inteiro (os genes contendo "intrões" são os mais comuns nos Eucariotas): Isto confere enorme maleabilidade e permite construir as novidades que irão formar a base da evolução. Não se trata, em geral, da evolução dum único gene, mas de toda uma nova arquitetura, composta por vários patamares de regulação. 
A complexidade crescente existe, pois, nas mil e umas maneiras como estão relacionados entre si os diferentes genes. É isto que vai permitir a novidade estrutural e não apenas a simples variação pontual. Por isso, as sequências 'Alu' e outras citadas no vídeo, podem representar um processo de construção modular, dando espaçamento, permitindo rearranjos cromossómicos, etc. Experiências mostraram que muitos pedaços não codificantes do genoma tinham funções regulatórias. Quando deletados, causavam graves anomalias no desenvolvimento dos fetos dos animais de experiência. O facto de só um a dois por cento do genoma dos mamíferos codificar proteínas, enquanto existem enormes partes dos cromossomas "vazias", pode ser visto (ao nível do ADN cromossómico) como a construção, no espaço e no tempo, de arquiteturas e fisiologias de incrível complexidade nos Eucariotas.

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Relacionado: 

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Conferência do Prof. Raoult, 2ª parte (2/3):


CONFERÊNCIA DO PROF. RAOULT, 3ª PARTE (3/3):