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Durante mais de seis mil anos, o ouro foi um metal monetário, junto com a prata. O que significa isso? Que as civilizações deram sempre um valor a tais metais preciosos e incluíram estes metais nas suas unidades monetárias, sobretudo nas mais valiosas. Assim, o mundo viveu debaixo de um «padrão-ouro» durante muitos séculos. Mais recentemente, houve a introdução do papel-moeda, com as características de um certificado convertível em ouro. Há um século, a unidade Dólar era confiável, pois se podia ir a um banco e trocar os dólares por uma quantidade fixa de ouro. Nessa altura, era verdade que os dólares eram «tão bons como o ouro».
Porém, com a excessiva impressão de notas bancárias (certificados dando direito a determinada quantia em ouro, nominalmente), as principais potências «abastardaram» as suas divisas, imprimindo muito mais do que aquilo que possuíam sob forma de ouro, no banco central. O desfeche veio com a repudiação unilateral do Acordo de Bretton Woods, por Nixon em 1971, com o pretexto de que o dólar (a moeda de reserva mundial) estava a ser «atacado por especuladores» e «provisoriamente, tinha de ser desindexado do ouro». Até essa data, os outros países podiam trocar os seus dólares, que possuíssem em reserva nos seus bancos centrais nacionais, por ouro - na proporção de 35 dólares US/ onça de ouro.
O poder de compra de 1 dólar desde a criação da FED até hoje retirado do vídeo seguinte: https://www.youtube.com/watch?v=95-twYwB4c8A desdolarização teria sido instantânea não fosse o acordo com os Sauditas, em 1973 (Acordo entre os EUA e Reino da Arábia Saudita) segundo o qual os preços do petróleo seriam exclusivamente em dólares (aparecimento do chamado «petrodólar»). Os sauditas e os outros Estados membros da OPEC, encheram-se então de dólares, aos quais deram sobretudo o destino de Obrigações do Tesouro dos EUA (Treasuries), os quais são uma forma segura e que dá um pequeno rendimento, de guardar os dólares. Instaurava-se assim um ciclo, em que os compradores de petróleo forneciam dólares às monarquias do Golfo, estas compravam Treasuries, que são uma forma de financiar a economia americana. As obrigações são títulos de dívida, neste caso dívida do Tesouro dos EUA, portanto dívida «soberana». As "treasuries" vieram a encher também os cofres de outros países, nomeadamente, Japão e China.
Agora, chega-se ao ocaso do dólar como moeda de reserva mundial. A Rússia, há uns anos começou a despejar as suas "treasuries" e a reforçar outras divisas e ouro, nas reservas do seu banco central. A China, não subiu quase nada o seu stock de "treasuries", apesar de continuar a ter um enorme excedente nas trocas comerciais com os EUA. Os dólares obtidos foram canalizados sobretudo par financiar projetos de países terceiros, nomeadamente os que aderiram ao projeto das Novas Rotas da Seda. O próprio Reino da Arábia Saudita, sentiu o vento mudar e agora já aceita outras moedas que não o dólar para pagar o seu petróleo. Sobretudo não aceita que os americanos os pressionem para aumentar a produção de petróleo, sendo contrário ao seu interesse direto baixar os preços. Os americanos queriam forçar a diminuição do preço do crude no mercado mundial, «punindo» assim a Rússia: Mais um fracasso diplomático, estratégico e económico, para os EUA.
Os povos estão sujeitos à ditadura do dólar, quer queiram quer não, pois ele reina ainda com cerca de 60% das reservas de moeda dos bancos centrais do mundo e um pouco mais do que isso, ao nível das trocas financeiras e comerciais internacionais. Porém, um forte dólar, não significa «boa saúde» do sistema. Antes pelo contrário, significa que todos os parceiros da «zona dólar», mesmo os mais próximos aliados, são castigados por uma inflação que importam, têm de comprar mercadorias com um dólar alto. Mas os EUA exportam seus dólares: São os emissores de dólares em quantidades nunca vistas (mais dólares em poucos anos, do que em toda a história dos dos EUA). O dólar em papel ou, mais frequentemente, seu substituto eletrónico, é o quase exclusivo «produto de exportação» dos EUA.
Esta situação não pode durar por muito mais tempo. Os povos, inclusive o americano, estão a sofrer com uma inflação em crescendo, mas não podem fazer grande coisa ao nível individual, pouco mais do que «apertar o cinto». Mas, os Estados têm zero incentivo para conservar dólares em reserva, caso tenham a possibilidade de diversificar noutras reservas. Acontece que têm essa possibilidade, é o ouro: em 2022 (e ainda não acabou o ano) os bancos centrais globalmente aumentaram suas reservas em ouro em cerca de 700 toneladas (números oficiais). Muito ouro não contabilizado nessas 700 toneladas fica na posse de particulares. Muito do ouro adquirido por Estados não é declarado, mas mantido em segredo para anunciar quando politicamente conveniente (caso da China, mas não é o único).
É inevitável que se vá para um novo sistema monetário. A aposta dos Bancos Centrais Ocidentais e obviamente, dos governos e dos grandes interesses corporativos no Ocidente é de que haja uma digitalização a 100% do dinheiro em circulação. Esta seria a forma deles terem o controlo sobre tudo, literalmente: não só sobre quanto os cidadãos recebem, como quanto e onde o gastam e mesmo com possibilidade de sua retenção, caso os cidadãos não sejam dóceis! Este tipo de deriva totalitária, tem o próprio BIS por detrás, como tenho vindo a chamar a atenção dos meus leitores.
Mas, um grupo de países decidiu recentemente fazer uma nova unidade monetária de reserva, juntando as suas divisas em cabaz, adossado ao ouro e a matérias-primas (a mais óbvia sendo o petróleo): Ele é protagonizado pelos BRICS e por países que se têm vindo a aliar a este bloco, que já conta com a maioria do população mundial. A sua força será tal que o projeto anglo-americano/Ocidental de nova moeda de reserva mundial, exclusivamente digital, com respetivas moedas nacionais também digitalizadas a 100%, terá seus dias contados, talvez não possa vingar de todo, porque essa nova unidade monetária de reserva projetada pelos ocidentais, além de ser digital, não estará apoiada em nada de concreto, será uma divisa «fiat», como as existentes agora.
É este o verdadeiro grande jogo. Tristemente, é por isso que morrem pessoas, em todo o mundo, umas na guerra, outras de fome e doenças. Isto parece-me absurdo, na medida em que tudo isso é, somente, para determinar quem deterá o controlo, o poder, a hegemonia do novo sistema monetário mundial: Será somente o grupo submetido ao império americano (unipolaridade), ou umas grandes potências (além da americana), que se estabelecerão, em parceria e em concorrência umas com as outras. Este último, seria o mundo multipolar desejado pela China, pela Rússia e por seus aliados.
PS1: Uma possibilidade, compatível com ambos os cenários acima referidos, é a revalorização dos ativos em ouro dos vários bancos centrais. Assim seriam "liquidadas" todas as dívidas dos bancos centrais a todas as entidades, incluindo os Estados, portanto aos contribuintes desses Estados. Não esqueçamos que a dívida de uns é o ativo de outros. A digitalização a 100% seria paralela a uma revalorização do ouro, o que daria a impressão (falsa!) de que "está tudo na mesma". Mas, na verdade, não estará porque a relação do dinheiro Fiat ao ouro (o dinheiro verdadeiro) corresponderia a uma grande perda de valor desse mesmo dinheiro Fiat, quer seja digital ou não!
PS2: O petróleo, a matéria prima mais importante em termos mundiais, está a aproximar o maior consumidor mundial (a China) e a Arábia Saudita (com a Rússia e países da OPEP). O interesse de Riade em fazer parte dos BRICS é inegável. Esta viragem não parece ter sido antecipada pelos EUA.
PS3: Portugal está relativamente bem situado com 382 toneladas de ouro no seu banco central. Mas teria de resgatar uma parte (quanto?), que está «reservada» devido a operações de «leasing». Veja a tabela seguinte: