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quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

A CRISE DAS RELIGIÕES E O SEU SIGNIFICADO

 Este século,  ainda tão jovem, já está bem cheio de acontecimentos - mas não de quaisquer!

 - Acontecimentos suficientemente graves e irreversíveis para mudarem para sempre a(s) civilização/ões, que estamos acostumados a associar a determinadas zonas geográficas e a determinadas tradições: A História, a Arte, a Literatura e a Religião, são - entre outras - identificadoras de determinado complexo cultural ou civilização. 

Embora saibamos que todas as civilizações são mortais, tal como os humanos, não sabemos que género de morte espera cada uma delas. Será uma morte por colapso catastrófico? Será um definhar progressivo, até ser englobada por outra, ascendente? Serão outras modalidades, demasiadas para enumerar aqui?

As religiões não podem ser estranhas à construção civilizacional pois, em qualquer civilização, mesmo nas que se proclamam oficialmente «ateias», acaba por haver fenómenos de tipo religioso. 

Inversamente, em civilizações que se identificam, a si próprias, como cristãs, nota-se a dissolução progressiva dos laços da população com o elemento cristão. 

Isto traduz-se - por exemplo - numa paganização do Natal, a época do ano em que tradicionalmente os cristãos de todas as confissões saudavam a vinda do Salvador. O mesmo, em relação à paganização da Páscoa, transformada em ocasião para dar ovos e coelhos de chocolate às crianças.

Esta paganização não se faz, no mundo cristão, sob forma de um qualquer ressuscitar das religiões pagãs que antecederam o aparecimento do Cristianismo nesses territórios. Faz-se com o abandono de tradições e, sobretudo, de assistência ao(s) culto(s).  Muitos são aqueles que dizem professar o cristianismo e, no entanto, não observam quase nenhuma tradição, não vão à missa (ou culto) dominical, apenas frequentam igrejas, quando se trata de um casamento, batizado ou enterro. 

O estádio último desta descristianização, verifiquei-o há poucos anos, na belíssima capital da República Checa. As igrejas do centro de Praga (magníficos monumentos barrocos, na sua maioria) estavam transformadas em locais de concertos (de música clássica em geral, mas não de música clássica sacra) e isto não era temporário. Tinham sido permanentemente transformadas em «salas de concerto históricas», pela muito pragmática razão de que o número de pessoas, na vizinhança, dispostas a frequentar essas igrejas era tão diminuto, que elas deixaram de ter sustentabilidade económica e, sobretudo, de centros vivos de cristianismo. 

O principal «culpado» aqui, não é o Estado, diretamente - pelo menos - mas o processo de «gentrificação» dos centros históricos, que também afeta - de modo insidioso, mas brutal - Lisboa e muitas outras capitais da Europa. 

Assim, o turismo, fonte preciosa de divisas e estimulador de atividade económica está a contribuir para matar os centros culturais. Isto passa-se em países como França, Espanha, Itália, Grécia e outros, muito turísticos. Todos sofrem de uma gentrificação dos locais mais emblemáticos. Estes centros mais investidos pelo turismo, são locais com maior significado monumental e histórico, os centros civilizacionais desses países. 

A «verdadeira religião é o dinheiro», mas esta frase banal, não deixa de soar como grave sentença de morte, de civilizações que se construíram em torno de determinada espiritualidade. 

Pode-se argumentar que a espiritualidade se mantém em indivíduos que não são religiosos. É verdade: No entanto, ao nível de um todo civilizacional, de uma sociedade inteira, isso nunca aconteceu. Basta ver-se o renovo do  cristianismo ortodoxo, que já antes da queda da URSS, tinha um aumento sensível de adesão. É portanto, uma regra empírica, constatar-se que onde esmorece a tradição religiosa, com cultos e clero, também a religião «popular» recua.  Verifica-se o inverso, quando há um renovo da(s) Igreja(s), este acompanha, em paralelo, a evolução da sociedade.

Tudo o que sei sobre as civilizações do passado, é que uma civilização em ascenso vai propulsionar, senão criar mesmo, um determinado movimento religioso. Por outro lado, a espiritualidade não desaparece quando, por motivos políticos e ideológicos (como no Estalinismo ou na Revolução Cultural Maoista), se combatem ativamente a difusão ou, mesmo, a existência de religiões. 

Há uma necessidade profunda, que pode ultrapassar a explícita adesão a determinado credo religioso. Penso que a humanidade não pode viver com uma visão estreita, «materialista» da vida, da Natureza e do próprio ser humano.  O materialismo de hoje, acantona-se numa forma estreita de propaganda antirreligiosa. Não me parece que haja uma oposição entre a espiritualidade de hoje e a aceitação e mesmo a procura ativa de saber científico. Acho mesmo que esta contradição é um subproduto de ideologias do século XIX (sobretudo, do cientismo e do ateísmo «militante»). 

É verdade que as religiões, na sua vertente exterior, perante a sociedade concreta, não foram capazes, muitas vezes, de fazer atualizações que se impunham. Imagine-se alguém do clero, formado/a na perspetiva de que, aceitar a ideia de Evolução biológica e do Homem, era uma heresia intransponível e um passo para a mais total negação de Deus, ou seja, para o ateísmo. Este doutrinamento atravessou várias gerações. Portanto, não se pode ter a ilusão de que as formas de pensar morrem quando desaparecem os criadores ou primeiros cultores de determinada corrente.

Para ilustrar isso, basta-me evocar a estranha - para mim - forma de abordar a sociedade e todos os fenómenos através de um prisma marxista. O marxismo é um exemplo importante e típico de uma religião sem Deus. Mas tudo nele aponta para o fenómeno religioso, como forma de ver o Mundo e o Universo, como se fossem apenas inteligíveis através da «ciência marxista» (que, afinal, é apenas «cientismo»).

Seria muito estranho que, caso a «ciência do marxismo» fosse verdadeira, o mundo científico atual estivesse totalmente divorciado da filosofia / ideologia do marxismo: Note-se que não é uma teoria esotérica, muitos terão tido contacto com ela; muitos cientistas terão mesmo estado convencidos, durante uma etapa de suas vidas, de que se tratava de uma forma de pensar adequada à ciência. Mas, nada disto é verdadeiro, para a imensa maioria dos cientistas de hoje. 

Ao fazerem ciência, não invocam « S. Marx ou S. Engels, ou S. Lenine», da mesma forma que não invocam os Santos cristãos, nem os Deuses pagãos. Têm, como pessoas cultas, conhecimento de correntes filosóficas e de religiões. Mas, na sua imensa maioria, nem escrevem sobre a relação da ciência que praticam, com a espiritualidade.  

Noutras partes do globo, eventualmente, os fenómenos serão divergentes. Eu tenho de me limitar ao que conheço melhor. Não acredito que as diversas civilizações se tenham fundido numa só, ou que esta fusão esteja em curso. Tenho observado mesmo que diversas civilizações afirmam cada vez mais as suas idiossincrasias, para fazer face ao globalismo, largamente promovido por ocidentais. 

Embora não seja uma ideologia cristã, o globalismo da nossa época, enquanto veículo de dominação ideológica, é propagado por pessoas, algumas das quais se afirmam como «cristãs» (não é senão uma capa, para elas, a meu ver).

Estou convicto de que as ideias profundas que os homens podem produzir hoje, estão radicadas na essência da humanidade, daí que não seja difícil encontrar ensinamentos de sabedoria, de espiritualidade e sensibilidade estética, em civilizações passadas, hoje consideradas «mortas». Porém, sua existência foi um passo, uma etapa, para o que a humanidade é, hoje. 

Os aspetos espirituais, têm a sua evolução própria, de certa forma, análoga com a evolução biológica. Os traços da evolução biológica não pararam nos alvores da espécie humana, pois a evolução continua aos vários níveis (genético, anatómico, fisiológico, comportamental) nos humanos do século XXI. 

A cultura e a religião, a pertença a um dado universo mental, a uma forma de compreender o Todo Universal, nada disso pode congelar, tudo se vai transformando. As formas de religião também evoluem; cabe aos contemporâneos atuar no sentido de não «deitar fora o bebé, com a água do banho», isto é, não se deixarem iludir com formas transitórias do fenómeno religioso, como se estas fossem a essência e razão de ser das religiões. 

Sou tão incapaz de descrever as formas que as religiões irão adotar no futuro, como de antever como as sociedades serão organizadas. A minha aposta, porém, é que continuarão a existir valores e que podemos procurá-los em civilizações passadas. Não posso saber quais serão selecionados, da profusão de filosofias, de formas e conteúdos, de mitos, de relatos, etc.. Mas possuo a certeza íntima de que as civilizações futuras irão guardar alguns valores, adaptando-os à sua época. 

                       Foto de ruínas do Convento do Carmo, Lisboa

quarta-feira, 2 de novembro de 2022

HOMO NALEDI: DESCOBERTA QUE REVOLUCIONA NOSSO SABER SOBRE EVOLUÇÃO HUMANA

 Quem disse que a Evolução Humana é algo SÓ para especialistas? Que sua investigação é um trabalho rotineiro de análise de ossos fossilizados e pedras talhadas? 

Não é pequena ironia haver uma revolução da maior importância e esta ser IGNORADA - LARGAMENTE - NA MEDIA.  Porém, não restam dúvidas de que, desde os finais do século passado até ao presente, deu-se uma profunda transformação nas Ciências do Homem e na Biologia Evolutiva. Esta transformação tem implicações* em muitos domínios, do Estudo do Comportamento, à Genética, à Bioquímica e à Ecologia...Uma autêntica revolução, da qual não se fala!!!

Porém, eu acho que, não apenas é um domínio do conhecimento muito dinâmico, como tem repercussões em todos os outros domínios: Antes de mais pela modificação profunda que temos da compreensão da nossa própria espécie, da maneira como esta veio a surgir e evoluir. É a Revolução Antropognósica, assim como a Revolução Coperniciana foi em relação à Astronomia e Cosmologia!

Mas, além disso, esta busca das origens da humanidade mostra o absurdo de todos os racismos, sua estupidez e ausência total de cientificidade. Se as escolas do mundo inteiro ensinassem, às crianças e adolescentes, a saga da Evolução Humana, haveria muito menos bases para racismos e, pelo contrário, maior respeito e aceitação da diversidade anatómica, cultural, comportamental e das sociedades. 

O conferencista - John Hawks - é um excelente professor e divulgador. Ele continua ativo no terreno e no laboratório. Participou na aventura da descoberta e extração de Homo naledi na gruta de «Rising Star», na África do Sul. A conferência vale a pena, porque ele tem o talento de comunicar de modo a cativar, tanto uma audiência de estudantes em antropologia, que já sabem alguns dos factos apresentados, como um público geral, que apenas tem uma vaga ideia sobre o assunto, mas que pode - graças a ele - ficar com a curiosidade aguçada. 

Bom visionamento!

 




*) Sempre estive convicto que a estupidez e ignorância são uma componente maior do Mal. Embora, haja pessoas inteligentes e cultas, que são maldosas, estas são poucas. O que há mais é pessoas que se deixam arrastar por pessoas sem escrúpulos, manipuladores de toda a espécie.
Ora numa época em que a civilização está a mergulhar no caos, a involuir a olhos vistos, onde a destruição (de pessoas e bens) predomina e, através da crise energética induzida, nos atira a todos para a incerteza dos amanhãs... que importância têm estudos de paleoantropologia? Pois eu penso que é fundamental aprofundá-los e também divulgá-los da melhor maneira possível: O conhecimento da nossa própria espécie ajuda-nos a ter um comportamento mais responsável em relação à guerra, à preservação do ambiente, da cultura, da própria humanidade. Porque temos de reconhecer como esta evolução é algo muito frágil, precioso e improvável, portanto temos de fazer tudo para manter a nossa espécie e o ambiente, que é o planeta todo. 


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Outros escritos e factos sobre Evolução:

https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2021/06/evolucao-humana-arborescente.html

https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2022/09/dialogos-sobre-o-fenomeno-humano.html

https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2018/09/somos-todos-hibridos-falsidade-do.html

https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2018/11/nos-os-pequenos-deuses-n4.html

https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2021/10/o-adn-lixo-que-afinal-nao-era.html

https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2020/01/h-erectus-durou-mais-que-todas-as.html

quinta-feira, 6 de outubro de 2022

DIÁLOGO SOBRE O FENÓMENO HUMANO II

Um Paleoantropólogo e uma Geneticista dialogam sobre o que significa o humano. Falam das abordagens que têm ajudado a perceber melhor os fenómenos relacionados com a evolução e com o comportamento desta espécie de símios, que é a nossa .


P - Conforme prometido, aqui estamos para a continuação do diálogo anterior, tão rico e frutuoso, que encetámos na semana passada. Mas, se me permites, gostaria de abordar, enquanto questão prévia à da sexualidade humana, a questão do instinto, da forma como as espécies de símios antropoides conseguem enfrentar de forma flexível e adaptada os desafios no seu ambiente.

G- Sim, como geneticista, uma das coisas que me deixou sempre bastante frustrada, foi a ligeireza com que o mundo científico, sobretudo antes de ser conhecida a totalidade do genoma humano (no virar do milénio), atribuía «genes» para isto e para aquilo, com a maior desenvoltura, especialmente genes que tivessem que ver com o comportamento, com a inteligência, com a comunicação. Este tipo de «genética hipotética» era corrente em estudos genéticos incidindo sobre nossa espécie, sobretudo, mas também nas outras.

P- A projeção da nossa mentalidade no meta-modelo de como funciona o organismo, o cérebro, o genoma, etc. tem sido uma das maiores fontes de erro na interpretação dos seres vivos e, em especial, o comportamento humano. A atribuição da etiqueta «instinto» a sequências de gestos automáticas (ou tidas como tais), impediu o esclarecimento, até hoje, dos processos que determinam a instalação e reforço dessas tais sequências automáticas ou estereotipadas. Com efeito, demasiadas vezes, etólogos e psicólogos usaram a categoria do «instintivo» para qualquer comportamento que não tivesse sido «ensinado e aprendido». O relegar uma parte importante dos comportamentos animais para a categoria do instinto, era um modo de obviar o seu estudo sério, pois era postulada a transmissão hereditária desses comportamentos, através de «genes do comportamento». Estes postulados gratuitos e muito improváveis de «genes», aliás, não favoreceram o avanço da biologia do comportamento.

G- É verdade! Uma das descobertas mais inesperadas e «escandalosas» em genética, que decorreu da sequenciação completa do genoma humano, foi a constatação de que - no máximo! - existiriam cerca de 26 mil genes, na totalidade do genoma humano. Ora, isso era muitas ordens de grandeza menor do que as previsões dos cientistas, sobre o número total de «genes» que possuiria o genoma humano. Caso houvesse dezenas de milhões de genes, como muitos acreditavam na comunidade científica, não seria inconcebível que um certo número deles tivesse a função de codificar determinados traços de comportamento. O «instinto» seria meramente a expressão genética desses tais genes de comportamento. Isso era entendido dentro do determinismo biológico e bioquímico, apregoado pela quase totalidade dos cientistas em meados do século XX.

P- A palavra «instinto» é como aquela célebre frase da comédia de Molière, quando um médico explica ao seu paciente que a papoila dormideira (de onde se extrai o ópio) devia as suas propriedades, à misteriosa «virtude dormitiva»! O «instinto» não é mais que uma pseudoexplicação desse tipo. A dificuldade em compreender os fenómenos do comportamento coloca-se tanto em estudos incidindo sobre o Homem, como noutros animais.

G- Nós temos tendência a absolutizar o humano como algo radicalmente diferente doutros animais. Porém, em termos moleculares (construção das diversas moléculas biológicas) e mesmo celulares (a arquitetura das células, as estruturas celulares), muitas vezes não se pode distinguir o que provém dum humano, do que provém de outro mamífero. Não há diversidade verdadeira senão ao nível «superior» de organização, como sejam tecidos e órgãos. Aí sim, é possível distinguir o humano, pela anatomia e pela histologia. Não é realmente possível distinguir uma proteína humana da  doutros mamíferos, pela sua estrutura geral e mesmo pela sua função. Apenas podemos distingui-la pela sequência de aminoácidos, ligeiramente diferente no Homem em relação aos outros animais. Muitas vezes, essa diferença é irrelevante do ponto de vista funcional. A prova disso é que um gene de proteína pode ser inserido num cromossoma de outro ser vivo, obtendo-se a sua expressão correta, quer essa inserção seja num animal de experiência, quer num humano (para substituir um gene deficiente, em terapia genética): Em ambos os casos, o gene inserido desempenha na perfeição, o papel daquele que foi substituir.

P- Volto à questão que ficou em suspenso, do comportamento humano e da sexualidade, a comunidade científica, com especial relevo para os psicanalistas, mas com forte influência também nas outras disciplinas, decidiu transformar a questão da sexualidade humana, de um tabu, num assunto obsessivo e omnipresente. Isto não significa que os mitos envolvendo a sexualidade em si mesma tenham sido desfeitos. Penso que existe uma enorme confusão no espírito de muitas pessoas, que torna ainda mais complexo falar-se neste assunto, desde que se tenha a preocupação de honestidade e não se caia em demagogias.

G- Esta questão exerce sempre um grande fascínio, provavelmente porque, subjetivamente, sentimos que a nossa própria biologia e a nossa psique estão envolvidas. Mas, nesta como noutras questões que envolvem a biologia humana, a condição para se abordar cientificamente um problema é não o fazer com envolvimento dos nossos egos. Será possível com a sexualidade»? Será possível fazê-lo como descrevemos o aparelho circulatório, ou as funções hepáticas?

P- Colocas um problema metodológico sério. Pois nós temos emoções e estas, sendo recalcadas, não sabemos «a priori» quais sejam. Mas, é impossível avançar neste domínio, senão com o distanciamento que conseguimos em relação à descrição e funcionamento dos outros órgãos do corpo humano. Creio que um problema de fundo que tem surgido em muitas discussões sobre a sexualidade, é a permanente redução desta, ao prazer sexual. Esta questão tem «canibalizado» as discussões, sobretudo nas revistas populares e em shows televisivos. Esta questão, legitimamente, é objeto da curiosidade e interesse do público. Porém, as emoções e muitos aspetos típicos das situações amorosas, ficam na sombra.

G- Se nós somos condicionáveis, em termos gerais, isso deve-se às estruturas profundas, que existem em nós - provavelmente no cérebro, em primeiro lugar - que desencadeiam esse condicionamento. Ora, a publicidade usa e abusa de imagens subliminares (ou explícitas) que enviam mensagens imbuídas de conotação sexual. Se o faz, é porque o mecanismo funciona. Nós temos uma grande fragilidade a este respeito: Algumas atitudes e comportamentos, tal como o imaginário, direta ou indiretamente, têm relação com sexualidade. Mas, como em muitos casos de condicionamento, o que funciona mais eficazmente é o que não atinge o nível explícito, ou seja, fica ao nível subliminar. As estruturas psíquicas, a sua instalação e fixação no humano, não só antecedem a sociedade industrial, a televisão , etc.: formam parte do «fundo genético», anterior à emergência da própria espécie H. sapiens, ou mesmo, de seus antepassados mais longínquos.

P- Como noutros aspetos da biologia, aceito que os comportamentos se foram complexificando, foram sendo selecionados os indivíduos que tinham um conjunto de características hereditárias que favoreciam a maior flexibilidade ambiental. Explico-me: Há 7 milhões de anos, o ramo primitivo que foi dar os Chimpanzés modernos, o que foi dar os Bonobos modernos e o que foi dar o Homo sapiens moderno, separaram-se. A partir daí, há isolamento genético dessas três espécies de símios. A sua adaptação ao ambiente era fator decisivo para a sua sobrevivência: houve - constantemente - uma propagação diferencial dos genes mais adequados, pelas sucessivas gerações, em resultado da seleção natural. Mas, se virmos a distribuição ecológica atual dos Chimpanzés e dos seus antecessores, assim como a dos Bonobos, constatamos uma coisa: ela vai alargar-se ou estreitar-se consoante a progressão ou contração da floresta tropical-equatorial.
                                                                 Champanzé: Mãe e filho

                                           Bonobo: Mãe e filho

Já no caso das espécies da nossa linhagem, apesar de haver ramos colaterais, que acabaram como «becos sem saída», parece evidente que os mais bem sucedidos foram os que se conseguiram adaptar à Savana, a partir da sua adaptação prévia à Floresta tropical.
Parece-me errado, portanto, procurar a «síntese» entre o Chimpanzé e o Bonobo (atuais) como sendo a chave para as primeiras etapas da construção do humano. Sim, temos parentesco em comum; isso traduz-se por semelhanças tanto anatómicas como comportamentais, no sentido lato. Porém, a exploração eficiente do novo habitat, a Savana, implicou muitas adaptações correlativas e muitas diferenças em relação às espécies de símios que permaneceram no ambiente de Floresta. O andar ereto; a dieta mais especializada em gramíneas selvagens e em carcaças de animais (abandonadas pelos grandes carnívoros); as modificações metabólicas, conduzindo à utilização de energia disponível para o crescimento desproporcional do cérebro; o desenvolvimento de glândulas sudoríferas, a perda paralela de pelagem em grande parte do corpo, (possibilitando a caminhada debaixo de calor intenso, em longos percursos). Trata-se de muitas adaptações correlacionadas, cuja sequência cronológica ainda não está muito clara, sobretudo porque dizem respeito a partes moles, não fossilizáveis.
O andar ereto torna mais conspícuos os órgãos genitais (em ambos os sexos), assim como os seios das mulheres. O maior dimorfismo sexual em símios verifica-se nos gorilas, mas é bastante modesto na nossa espécie e em espécies que antecederam a nossa. Apesar das diferenças anatómicas, houve fósseis que foram considerados por engano (pelos traços anatómicos) como masculinos e se verificou serem femininos, e vice versa, quando se pôde extrair ADN e sequenciar os genes desses fósseis.

G- Aliás, em H. sapiens do Paleolítico, verificou-se que as mulheres tinham parte ativa em caçadas, por diversas evidências. Tal não deveria surpreender, em grupos pequenos, nómadas. Quando o número de adultos num grupo era baixo, não podia haver uma repartição exclusiva por sexos de muitas tarefas. Tal como a caça e colheita, muitas outras atividades devem ter sido partilhadas por ambos os sexos.
O que ocorreu foi uma projeção da imagem convencional do homem e da mulher, do fim do século XIX e princípios do século XX. Os arqueólogos que estudavam o «homem primitivo» admitiram, como dado imutável, o estatuto «inferior» da mulher. O preconceito impede de ver certas evidências, porque aquele que as vê, descarta automaticamente certas hipóteses. Pode até nem ser um processo consciente, nalguns casos.

sexta-feira, 9 de julho de 2021

[Maria Martinón-Torres] «Novos avanços sobre a evolução humana em Eurásia»


[Dia de Darwin, 18-03-2021]
«Novos avanços sobre a evolução humana em Eurásia»
Maria Martinón-Torres

Esta conferência, tão interessante em si mesma, pelos desenvolvimentos recentes de que nos dá conta, ainda o é mais, pela forma muito avançada como apresenta os recentes fósseis descobertos em várias localizações de Ásia, da China e da Indonésia, em particular. 

Vale a pena sublinhar que a conferencista não teve - com certeza - conhecimento da descoberta do Homem da Harbin (Homo longi) cujo anúncio, através de publicação de artigos em revista científica, foi apenas em Junho deste ano. Ora, ela dá uma tentativa de explicação para uma série de fósseis, que não apresentam características de neandertais, nem de humanos modernos, como sendo talvez da espécie H. denisovans, cujos restos fósseis até agora reconhecidos (osso da mão e dois dentes, na gruta de Denisova, uma parte de mandíbula inferior, numa gruta do Tibete) não são suficientes para a caracterizar anatomicamente, embora o seu ADN tenha sido sequenciado. 

Com certeza vamos ter, nos próximos meses ou anos, uma síntese de muitas descobertas dispersas, que se acumularam nos últimos dez anos em particular, que têm sido complicadas de «arrumar» dentro de um ou outro conceito de evolução humana. 
Inclusive, é possível que a descoberta recente em Israel, de um Homo não sapiens, nem neandertal típico, possa corresponder à tal hipótese do vai e vem, da expansão e contração em ondas de povoamento, a partir do Levante, hipótese que foi enunciada na conferência por Maria Martinón-Torres.

Espero que tenhais igual prazer ao que eu tive ao ver e ouvir esta conferência, de qualidade superior e muita clareza.
 

 

domingo, 25 de outubro de 2020

A ESTRANHA PROPRIEDADE DE NÃO NOS COMPREENDERMOS

                     

Quando olho através da janela e vejo o céu, plantas, uma cerca... estou a ver algo real. Mas as palavras que escrevi, agora mesmo, não descrevem sequer o real. Não poderia esse real ser descrito por uma filmagem pois, o que uma filmagem mostra, é uma paisagem sob determinado ângulo (escolhido pelo indivíduo que está filmando) e as imagens captadas estão «congeladas» num dado momento do tempo. O filme não capta as transformações que ocorrem ao longo de meses, nem tão pouco pode captar o micro detalhe do que se passa no interior das estruturas, do solo, das plantas, etc... O problema que tenho  -  todos temos afinal - é que o real está para além do trivial. Temos aqui uma situação paradoxal. Não queremos especular, queremos nos limitar ao que «vemos», ao sensível. Mas, sabemos que existe - na realidade - muito, para além do que nos é oferecido conhecer através dos sentidos. Porém, logo que começamos a pensar em processos atómicos ou cósmicos, nas escalas do espaço e do tempo, começamos a especular, entramos no domínio da especulação.  

Há uma distância irredutível do homem à realidade do mundo, mas também à sua realidade interior, afinal a base do seu ser, da sua personalidade. Não nos é suportável a introspecção, senão por breves momentos, a introspecção permanente é caminho certo para a loucura, já é um sinal de loucura. A subjectividade existe, porém: estamos sempre a reelaborar o nosso passado, somos seres dotados de um cérebro extremamente sofisticado, completamente diferente, nos princípios lógicos e no modo operacional, dos computadores da nossa tecnologia. O cérebro é um órgão, é um componente do corpo, nós «raciocinamos» com o corpo todo, não apenas com o cérebro. O cérebro tem a  propriedade única de integração das diversas partes do organismo, permitindo a homeostasia, esse maravilhoso poder de manter um determinado estado interior.

Tal como a homeostasia de funções «orgânicas», como o intervalo de flutuação dos níveis de glucose no sangue, ou de hormonas, a homeostasia das funções emotivas e cognitivas é realizada através de operações no cérebro. Isso traduz-se pela activação ou inibição de certa categoria de circuitos neuronais, etc., mas também pela própria modificação estrutural, visto que estamos sempre a fabricar dentrites e mesmo neurónios, numa arquitectura extremamente complexa e bem organizada. 

A nossa fala espelha de um modo grosseiro a complexidade do mundo. É característico do mais simplista e equivocado pensamento, confundir a «etiqueta», o nome dado às coisas,  com as coisas. Mas, todos nós - insensivelmente - fazemos isso, e com grande frequência, porque o nosso cérebro gosta de atalhos, gosta de poupar energia; evita gastar energia num grande número de operações. 

Talvez o problema da nossa abordagem ao real, esteja relacionado com a hiper sofisticação dos nossos modos de viver e de pensar. Talvez sejamos construídos basicamente com uma estrutura igual ou equivalente à dos primeiros homens modernos, mas o nosso cérebro e o nosso ser de sapiens contemporâneos está confrontado, talvez desde o nascimento - certamente, desde os primeiros anos de vida - com os desafios da complexidade. Falo de complexidade social, relacional, sociológica, cultural... Nós conseguimos, graças à nossa «incompletude» (a propriedade da «neotenia»), nos adaptar ao mundo tal como ele é, evoluir e transformar múltiplos aspectos (físicos, emocionais e intelectuais) do nosso comportamento. Mas, o homem, durante perto de 300 mil anos (e só considerando o homem anatomicamente moderno), viveu num mundo completamente diferente, onde as interacções sociais significativas eram muito poucas, mas - talvez - mais intensas. As questões de sobrevivência eram sempre prementes (não havia um excedente acumulado pelo agrupamento humano). Certamente, os comportamentos e os cérebros destes nossos antecessores estavam totalmente mobilizados para atender às tarefas relacionadas com a sobrevivência.  

No entanto, a nossa capacidade de inovar estava presente, a transformação - progressiva ou brusca - das comunidades humanas, significou uma série de desafios inéditos, para os contemporâneos dessas transformações. A  vertente do conhecimento e exploração da realidade mais desenvolvida na nossa espécie, porque verdadeiramente importante, foi da realidade social. Os indivíduos percebem que pertencem a uma certa comunidade, que têm de lutar dentro dela para que lhes seja reconhecido um dado estatuto: a realidade social foi - desde muito cedo -  apreendida como vital, mais importante que o conhecimento do entorno natural. 

Por mais que certas teorias o neguem ou o menosprezem, o ser humano sempre foi um animal social. O tipo de relacionamento que os humanos estabelecem em sociedade evolui, mas a espécie humana, em si mesma, não é concebível sem uma estrutura social complexa. Graças à plasticidade cerebral, desde os alvores da humanidade (e mesmo das espécies que a precederam, há milhões de anos) e até hoje, podemos dedicar trabalho cerebral a resolver um problema matemático, apreciar uma obra literária, ou a construir um arranha-céus... mas, não perdemos a capacidade de nos relacionar entre indivíduos, de nos apaixonarmos, de termos conflitos pessoais, de sentirmos afecto, ternura, repúdio e aversão... O cérebro emotivo está na base do desenvolvimento do cérebro racional. Somente devido a uma espécie de soberba é que muitas pessoas, incluindo as mais inteligentes, colocam as funções racionais acima das funções de gestão das emoções. A situação, hoje, pode ser menos nítida; mas, ao longo dos últimos 500 anos, foi esta a posição dominante. 

A incapacidade do homem em se perceber a si próprio, apesar de ter usado sua inteligência para resolver tantos mistérios da natureza e desenvolvido tantas técnicas com base nestes saberes, é o que há de mais estranho. Mas, isto não se deve à escassez de obras de psicólogos, filósofos, etc... que se debruçaram sobre os diversos aspectos do problema, avançando com teorias, mais ou menos convencionais ou revolucionárias. A literatura sobre o assunto é enorme e fisicamente impossível de conhecer em pormenor. Somente podemos ter alguma ideia das teorias em voga; podemos intuir como as pessoas assimilam tais teorias; como são referidas na media, nas obras de divulgação e no ensino.

Nos últimos 150 anos, a negação da espiritualidade recebeu o beneplácito do mundo científico-académico, ao contrário das épocas anteriores. O materialismo tornou-se - de facto - a filosofia implícita nos meios científicos. A espiritualidade em si mesma, não implica maior ou mais aprofundado saber sobre a nossa subjectividade, sobre o eu emocional.  Mas, o materialismo bloqueou qualquer progresso neste domínio, insistindo em modelos completamente absurdos. Penso que se pode falar de «obstáculo epistemológico» a este propósito, sobretudo em relação ao reducionismo, associado ao materialismo. Esse modo de proceder consiste em reduzir/degradar ao nível de impulsos electro-químicos, de conexões neuronais e de influências hormonais, tudo o que esteja relacionado com o eu emocional / relacional e seu modo operativo. O modelo da «actividade racional», pelo contrário, foi o do computador, a analogia mais fraca que se possa imaginar, mas que continua, como mito nas sociedades urbanizadas (o nosso «computador interior», o cérebro). 

As neuroses, o fechamento sobre o ego, o narcisismo, o egoísmo, o hedonismo, todas estas patologias dos indivíduos são, em simultâneo, sociais. São características de uma sociedade alienada e alienante. Os indivíduos, hoje em dia, não encontram, nem as referências tradicionais (que  reforçavam as normas sociais, mas também davam segurança ao indivíduo), nem constroem novas referências, adaptadas à época. Por isso, experimenta-se um mal-estar de fim de época. Nestes tempos, tornam-se óbvios sintomas de decadência que surgiram precisamente noutros momentos, dos mais perturbados da História: O relativismo moral impera, confunde-se o dogmatismo com valores, predomina o raciocínio e acção segundo padrões identitários. Estranhamente, ou talvez não, reencontramos atitudes e ideologias muito semelhantes, noutros momentos de crise civilizacional. Nomeadamente, nos últimos tempos de Império Romano do Ocidente, na decadência dos dois super poderes ibéricos no Século XVII, na véspera da Revolução francesa de 1789, da Revolução Russa de 1917, na Europa, durante o imediato pós-guerra de 1918/1919, etc... 

Neste quadro, não admira que as pessoas estejam desorientadas e possam desenvolver comportamentos «anti-sociais», de uma ou outra forma. A desagregação na sociedade dá-se sempre a vários níveis, que se reforçam mutuamente. 

É como um edifício que entra em ruína. A decadência ocorre, em simultâneo, em várias estruturas: tanto na fachada, como nos alicerces; tanto na consistência do cimento, como na podridão das vigas.

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 Não preconizo «um remédio» social, nem individual. Mas gostaria de debater* estes assuntos com pessoas, quer tenham opiniões concordantes ou discordantes comigo. 

[ * Se o/a leitor/a tiver interesse em fazê-lo, pode inserir seus comentários. Pode colocá-los livremente neste blog. Apenas retirarei conteúdos manifestamente insultuosos e ofensivos.... ]


quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

H. ERECTUS durou mais que todas as outras espécies de Homo, nossa incluída

 Há cerca de 100.000 anos, a espécie Homo sapiens partilhou a Terra com - pelo menos - outras cinco espécies do género Homo.             

            

Os últimos Homo erectus terão vivido na ilha de Java, há apenas cerca de uma centena de milhar de anos. Esta datação foi efectuada em fósseis que já eram conhecidos, mas nos quais se conseguiu efectuar novas datações mais precisas, por métodos sofisticados.  A equipa da Universidade de Austin, Texas, que fez este estudo concluiu que os ossos fossilizados datam de 117.000 a 108.000 anos, segundo publicação na revista Nature.

Os H. erectus surgiram em África há cerca de 1.9 milhões de anos. Estes homininos, que fabricavam instrumentos de pedra,  saíram deste continente e colonizaram a Ásia, atravessando línguas de terra que ligavam Java ao continente asiático, há cerca de 1.6 milhões de anos. Mais tarde, os níveis dos mares subiram e a população de Java ficou isolada numa ilha. Entretanto, no continente africano e na Ásia continental, os H. erectus extinguiram-se, há cerca de 500. 000 anos.

É pouco provável que H. erectus tenha sobrevivido por muito tempo em Java, para além dos 100.000 anos. Crê-se que, quando o homem moderno chegou, há pouco mais de 40.000 anos à ilha de Java, os seus primeiros habitantes já estivessem extintos há longo tempo. 
O H. erectus deixou porém uma impressionante herança. Muitos pensam que ele originou duas outras espécies, à medida que ocupava ilhas de arquipélagos da Ásia do Sudeste, como é o caso das espécies H. floresiensis, na ilha de Flores (Indonésia) e H. luzonensis, encontrado na ilha de Luzon, nas Filipinas. Até certo ponto, terá havido cruzamentos com Denisovanos, próximos parentes dos Neandertais. Por sua vez, os Denisovanos ter-se-ão cruzado com homens modernos, na Indonésia e na Nova Guiné, talvez há somente 30.000 anos. Por via indirecta, é possível que algum ADN de H. erectus tenha ido parar aos humanos do Sudoeste da Ásia actuais, pois estes possuem, além do ADN Neandertal e Denisovano, cerca de 1% de ADN que não provém destas duas espécies e do qual não se sabe a origem. Embora esta hipótese seja meramente especulativa de momento, o facto é que - há cerca de 100.000 anos atrás - co-existiram numerosas espécies do género Homo: Homo erectus, Homo sapiens, Homo neanderthalensis, Homo denisovans, Homo floresiensis, H. luzonensis. 
Os seus territórios podem ter estado muito separados nalguns casos mas noutros, houve coexistência, a qual terá sido pacífica, pois só neste caso se teriam proporcionado as condições de cruzamentos inter específicos, de que resultaram os segmentos de ADN transportados até hoje por largos sectores da humanidade...

As sucessivas descobertas e a revolução conceptual que elas desencadeiam, talvez sejam a mais importante mudança do nosso modo de ver a evolução da humanidade e, mesmo, da própria visão do ser humano. 
Em vez do modelo linear, temos um modelo arborescente, no qual apenas a nossa espécie terá sobrevivido, não sem se ter cruzado (por hibridizações interespecíficas) com outras. 
Transportamos um pouco dessa humanidade extinta no nosso ADN, o qual contribuiu para aquilo que somos hoje, enquanto espécie e enquanto indivíduos. 

Esta visão arborescente da nossa evolução deveria deixar-nos mais humildes. Devíamos deixar de nos ver como um «culminar» da evolução: o caso da nossa espécie ser única representante actual do género Homo, é um resultado fortuito, não tem nada de transcendente! 

quinta-feira, 12 de julho de 2018

EVOLUÇÃO HUMANA: «OUT OF AFRICA»... OU «OUT OF ASIA»?

                                    


As escavações no planalto central da China, em Shangchen, têm revelado instrumentos de pedra como o da foto acima, cujas datações indicam idades de mais de dois milhões de anos. 
Os 96 objectos até agora encontrados, junto com fragmentos de ossos de antílope, porco e veado, mostram que os homininos - membros do género homo que antecedem o aparecimento da nossa espécie - já ocupavam a China, mais de 250 mil anos antes do que anteriormente se pensava. 
Com efeito, os restos de homininos mais antigos, até agora encontrados na China e Indonésia, tinham cerca de um milhão e 500 mil a um milhão e 700 mil anos. 

                            Lantian Man hominin

Ao fazer-se recuar a presença de homininos na Ásia para uma data não inferior a 2 milhões e cem mil anos atrás, está-se perante uma data de saída de África muito recuada. 
Os primeiros homininos surgiram há 2 milhões e 800 mil anos na Etiópia. Os mais antigos restos de Homo erectus, até agora encontrados fora do continente africano, em Dmanisi na Geórgia, são mais recentes que dois milhões de anos. 
Isto implica que a presença de Homo erectus (ou seus antecessores) no continente asiático, se deve considerar muito precoce. De tal maneira, que se vê reforçada a hipótese de homininos terem evoluído na Ásia durante um período longo e depois, terem regressado ao continente africano. 
A favor desta tese, pode alegar-se o muito grande intervalo de tempo durante o qual a espécie Homo erectus esteve nas várias partes da Ásia. Isso trouxe diferenças morfológicas, «raças» identificáveis pela variação anatómica de fósseis, assim como adaptações ecológicas importantes. Dmanisi trouxe a revelação (através dum número de indivíduos sem precedentes, no que toca a restos fósseis desta época), da enorme variabilidade intra-grupo. 
Agora, vemos que os homininos na Ásia tinham já uma grande capacidade de adaptação a várias condições geográficas, como provam as  descobertas de Shangchen, a qual está situada mais ou menos no mesmo paralelo que Kabul. Isto significa que no Inverno a temperatura é muito baixa, o que implica uma capacidade de fabricar abrigos e roupas quentes. 
A paleoantropologia está permanentemente em mutação, ao ponto de aquilo que ontem era considerado fantasista, a recolonização de África por homininos que se tinham diferenciado ao longo de milénios na Ásia, tem hoje um alto grau de verosimilhança.