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domingo, 6 de novembro de 2022

O GRANDE JOGO: COMO SERÁ O NOVO SISTEMA MONETÁRIO MUNDIAL?

 

                https://mybaseguide.com/installation/fort-knox/community/inside-fort-knox/

Durante mais de seis mil anos, o ouro foi um metal monetário, junto com a prata. O que significa isso? Que as civilizações deram sempre um valor a tais metais preciosos e incluíram estes metais nas suas unidades monetárias, sobretudo nas mais valiosas. Assim, o mundo viveu debaixo de um «padrão-ouro» durante muitos séculos. Mais recentemente, houve a introdução do papel-moeda, com as características de um certificado convertível em ouro. Há um século, a unidade Dólar era confiável, pois se podia ir a um banco e trocar os dólares por uma quantidade fixa de ouro. Nessa altura, era verdade que os dólares eram «tão bons como o ouro».  

Porém, com a excessiva impressão de notas bancárias (certificados dando direito a determinada quantia em ouro, nominalmente), as principais potências «abastardaram» as suas divisas, imprimindo muito mais do que aquilo que possuíam sob forma de ouro, no banco central. O desfeche veio com a repudiação unilateral do Acordo de Bretton Woods, por Nixon em 1971, com o pretexto de que o dólar (a moeda de reserva mundial) estava a ser «atacado por especuladores» e «provisoriamente, tinha de ser desindexado do ouro». Até essa data, os outros países podiam trocar os seus dólares, que possuíssem em reserva nos seus bancos centrais nacionais, por ouro - na proporção de 35 dólares US/ onça de ouro.

O poder de compra de 1 dólar desde a criação da FED até hoje retirado do vídeo seguinte: https://www.youtube.com/watch?v=95-twYwB4c8

A desdolarização teria sido instantânea não fosse o acordo com os Sauditas, em 1973 (Acordo entre os EUA e Reino da Arábia Saudita) segundo o qual os preços do petróleo seriam exclusivamente em dólares (aparecimento do chamado «petrodólar»). Os sauditas e os outros Estados membros da OPEC, encheram-se então de dólares, aos quais deram sobretudo o destino de Obrigações do Tesouro dos EUA (Treasuries), os quais são uma forma segura e que dá um pequeno rendimento, de guardar os dólares.  Instaurava-se assim um ciclo, em que os compradores de petróleo forneciam dólares às monarquias do Golfo, estas compravam Treasuries, que são uma forma de financiar a economia americana. As obrigações são títulos de dívida, neste caso dívida do Tesouro dos EUA, portanto dívida «soberana». As "treasuries" vieram a encher também os cofres de outros países, nomeadamente, Japão e China.

Agora, chega-se ao ocaso do dólar como moeda de reserva mundial. A Rússia, há uns anos começou a despejar as suas "treasuries" e a reforçar outras divisas e ouro, nas reservas do seu banco central. A China, não subiu quase nada o seu stock de "treasuries", apesar de continuar a ter um enorme excedente nas trocas comerciais com os EUA. Os dólares obtidos foram canalizados sobretudo par financiar projetos de países terceiros, nomeadamente os que aderiram ao projeto das Novas Rotas da Seda. O próprio Reino da Arábia Saudita, sentiu o vento mudar e agora já aceita outras moedas que não o dólar para pagar o seu petróleo. Sobretudo não aceita que os americanos os pressionem para aumentar a produção de petróleo, sendo contrário ao seu interesse direto baixar os preços. Os americanos queriam forçar a diminuição do preço do crude no mercado mundial, «punindo» assim a Rússia: Mais um fracasso diplomático, estratégico e económico, para os EUA.

Os povos estão sujeitos à ditadura do dólar, quer queiram quer não, pois ele reina ainda com  cerca de 60% das reservas de moeda dos bancos centrais do mundo e um pouco mais do que isso, ao nível das trocas financeiras e comerciais internacionais.  Porém, um forte dólar, não significa «boa saúde» do sistema. Antes pelo contrário, significa que todos os parceiros da «zona dólar», mesmo os mais próximos aliados, são castigados por uma inflação que importam, têm de comprar mercadorias com um dólar alto. Mas os EUA exportam seus dólares: São os emissores de dólares em quantidades nunca vistas (mais dólares em poucos anos, do que em toda a história dos dos EUA). O dólar em papel ou, mais frequentemente, seu substituto eletrónico, é o quase exclusivo «produto de exportação» dos EUA.

Esta situação não pode durar por muito mais tempo. Os povos, inclusive o americano, estão a sofrer com uma inflação em crescendo, mas  não podem fazer grande coisa ao nível individual, pouco mais do que «apertar o cinto». Mas, os Estados têm zero incentivo para conservar dólares em reserva, caso tenham a possibilidade de diversificar noutras reservas. Acontece que têm essa possibilidade, é o ouro: em 2022 (e ainda não acabou o ano) os bancos centrais globalmente aumentaram suas reservas em ouro em cerca de 700 toneladas (números oficiais). Muito ouro não contabilizado nessas 700 toneladas fica na posse de particulares. Muito do ouro adquirido por Estados não é declarado, mas mantido em segredo para anunciar quando politicamente conveniente (caso da China, mas não é o único).

É inevitável que se vá para um novo sistema monetário. A aposta dos Bancos Centrais Ocidentais e obviamente, dos governos e dos grandes interesses corporativos no Ocidente é de que haja uma digitalização a 100% do dinheiro em circulação. Esta seria a forma deles terem o controlo sobre tudo, literalmente: não só sobre quanto os cidadãos recebem, como quanto e onde o gastam e  mesmo com possibilidade de sua retenção, caso os cidadãos não sejam dóceis! Este tipo de deriva totalitária, tem o próprio BIS por detrás, como tenho vindo a chamar a atenção dos meus leitores. 

Mas, um grupo de países decidiu recentemente fazer uma nova unidade monetária de reserva,  juntando as suas divisas em cabaz, adossado ao ouro e a matérias-primas (a mais óbvia sendo o petróleo): Ele é protagonizado pelos BRICS e por países que se têm vindo a aliar a este bloco, que já conta com a maioria do população mundial. A sua força será tal que o projeto anglo-americano/Ocidental de nova moeda de reserva mundial, exclusivamente digital, com respetivas moedas nacionais também digitalizadas a 100%, terá seus dias contados, talvez não possa vingar de todo, porque essa nova unidade monetária de reserva projetada pelos ocidentais, além de ser digital, não estará apoiada em nada de concreto, será uma divisa «fiat», como as existentes agora. 

É este o verdadeiro grande jogo. Tristemente, é por isso que morrem pessoas, em todo o mundo, umas na guerra, outras de fome e doenças. Isto parece-me absurdo, na medida em que tudo isso é, somente, para determinar quem deterá o controlo, o poder, a hegemonia do novo sistema monetário mundial: Será somente o grupo submetido ao império americano (unipolaridade), ou umas grandes potências (além da americana), que se estabelecerão, em parceria e em concorrência umas com as outras. Este último, seria o mundo multipolar desejado pela China, pela Rússia e por seus aliados.

PS1: Uma possibilidade, compatível com ambos os cenários acima referidos, é a revalorização dos ativos em ouro dos vários bancos centrais. Assim seriam "liquidadas" todas as dívidas dos bancos centrais a todas as entidades, incluindo os Estados, portanto aos contribuintes desses Estados. Não esqueçamos que a dívida de uns é o ativo de outros. A digitalização a 100% seria paralela a uma revalorização do ouro, o que daria a impressão (falsa!) de que "está tudo na mesma". Mas, na verdade, não estará porque a relação do dinheiro Fiat ao ouro (o dinheiro verdadeiro) corresponderia a uma grande perda de valor desse mesmo dinheiro Fiat, quer seja digital ou não!

PS2: O petróleo, a matéria prima mais importante em termos mundiais, está a aproximar o maior consumidor mundial (a China) e a Arábia Saudita (com a Rússia e países da OPEP). O interesse de Riade em fazer parte dos BRICS é inegável. Esta viragem não parece ter sido antecipada pelos EUA. 

PS3: Portugal está relativamente bem situado com 382 toneladas de ouro no seu banco central. Mas teria de resgatar uma parte (quanto?), que está «reservada» devido a operações de «leasing». Veja a tabela seguinte:



segunda-feira, 18 de outubro de 2021

[Michael Hudson] SUPER IMPERIALISMO


Saiu uma nova edição (a 3ª), atualizada, de «Super Imperialism» de Michael Hudson, economista e professor universitário, consultor do governo chinês em assuntos económicos. 
Os entrevistadores (do site Gray Zone) têm feito um trabalho notável, de furar o muro de silêncio sobre muitos assuntos e opiniões que o Império - com a media prostituta à ordens - não gosta de ver tratados. 
Partilhe-se ou não as opiniões deste autor, o que ele diz e escreve é, muitas vezes, relevante
Considero Michael Hudson alguém com algo de novo e original a dizer. Espero poder, em breve, ler a 3ª edição da obra «Super Imperialism». 


PS1: Uma entrevista com Michael Hudson, sobre o seu livro com o podcast e a transcrição AQUI

 

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

A DESDOLARIZAÇÃO JÁ TEM EFEITOS TANGÍVEIS

                


Que relação poderá existir entre:
- a recente crise de liquidez no mercado «ovenight» ou REPO* que obrigou a intervenção da FED, acorrendo com centenas de biliões, para garantir que este mercado se mantinha líquido,
- a intensa venda de treasuries (obrigações do tesouro americano) por parte de competidores mundiais dos EUA, como Rússia e China, 
- a aceitação de moedas outras que não o dólar em pagamento do petróleo, por vários países, incluindo certos emiratos do Golfo
-  a existência de uma indústria do petróleo e gás de xisto nos EUA, cuja produção actual ultrapassa a da Arábia Saudita, mas que tem um défice estrutural, pois a obtenção de cada litro desse petróleo faz-se com prejuízo em dólares, apenas colmatado com o constante bombear de dinheiro por Wall Street

Bem, tudo o que está descrito acima tem-se verificado, significando que o petro-dólar está nas suas últimas. Significa também que não tardará o dia em que os produtores de matérias-primas e de produtos industriais torcerão o nariz a pagamentos em dólares e dirão «não aceitamos pagamento com dólares US».
Para que funcione o sistema do petro-dólar, o qual é o fundamento do domínio financeiro dos EUA sobre o mundo, é necessário que haja uma constante demanda de dólares nos mercados. É assim que o dólar mantém a sua cotação, é assim que existem compradores para as obrigações do tesouro denominadas em dólares, etc. 
O sistema do petro-dólar tem funcionado, visto que há uma demanda constante no comércio internacional, nomeadamente por causa da exclusividade de cotação em dólares do petróleo (acordo de 1973 entre Nixon/Kissinger e Arábia Saudita, depois alargado a toda a OPEP).
Mas, ultimamente,  vimos a Rússia desfazer-se das suas reservas, sob forma de «treasuries» (obrigações do tesouro USA), vimos alguns produtores importantes de petróleo como o Irão, a Venezuela e a Rússia a aceitarem outras divisas - que não o dólar - em pagamento do seu «crude». 
Vemos também que a desconfiança de muitos investidores, incluindo gestores de fundos bilionários, em relação ao sistema do dólar tem aumentado e se exprime na compra (publicitada) de ouro e metais preciosos, com o objectivo de salvaguardar valor do capital, em face da crise sistémica vindoura, anunciada por muitos.
Por outro lado, a grande banca, sobretudo nos EUA, está realmente em grandes dificuldades, pois não consegue já ocultar que a sua rentabilidade mergulhou, que está cada vez mais exposta a investimentos tóxicos, nos quais se incluem os derivados, assim como outros investimentos não rentáveis. 
Entre estes, encontra-se a indústria do «fracking». Desde o primeiro dia desta indústria, o seu funcionamento e viabilidade dependia, não tanto da cotação do barril de petróleo ao nível internacional, como da capacidade dos bancos e entidades financeiras, atraírem dinheiro para a financiar. 
Assim, os pequenos investidores e os investidores institucionais (como seguradoras, fundos de pensões, etc...) foram atraídos a investirem numa indústria que nunca foi rentável, que acumulou sempre perdas. No final, os pequenos vão ficar «depenados», salvando-se os grandes magnates...  
Se a FED e o Tesouro (através do seu fundo financeiro de intervenção) precisam de intervir, baixando as taxas de juro, «imprimindo» dólares, comprando «treasuries», isto vai, obviamente, no sentido de aumentar a quantidade de dólares em circulação. Estes dólares não causam inflação, porque são «enterrados» em dois grandes «poços de dinheiro»: 
- as indústrias bélicas e as guerras, directamente ou por intermediários, pelo mundo fora.
- a indústria do fracking nos EUA, que dá a ilusão de uma grande autonomia energética, mas é sustentada de forma artificial pelo constante colectar de «capital fresco», junto dos investidores que procuram uma maior rendibilidade, a todo o custo**.

Por um lado, o dólar não pode estar em excesso nos mercados mundiais, senão ele vai perder cotação, face a outras moedas e face ao ouro.  
Mas, por outro lado, não podem os bancos (nomeadamente os grandes, que estão no centro do mercado REPO ou «overnight») ficar com falta de liquidez. 
A subida dos juros do «overnight» (nalguns casos, atingiu os 10%, quando o valor «normal» era em torno dos 2%) assinala ao mundo que é difícil obter financiamento, que há falta de liquidez (como aconteceu no desencadear da crise de 2007/2008). 
Daí a injecção de centenas de biliões nesse mercado, por parte da FED. Agora, a FED quer servir-se do pretexto de assegurar a liquidez no mercado REPO, para fazer novo QE (Quantative easing) envergonhado.

Esta «engenharia financeira» global, apenas pode funcionar por algum tempo. 
Assim que existam alternativas viáveis ao dólar, tais como as notas de crédito para pagamento de combustíveis em Yuan, é só uma questão de tempo até o mundo reconhecer que o sistema do dólar já não oferece nenhuma garantia, porque seu valor é mantido artificialmente. 
A força bruta, o poder militar, não podem estar em todo o lado, simultaneamente e em força. 
Não pode o Império do Dólar coagir tudo e todos a usarem a sua moeda, quase em exclusivo, nas relações comerciais e financeiras internacionais, como aconteceu no passado, durante largas décadas, nem manter uma hiper-valorização artificial dos «bonds» americanos, com rentabilidade bem acima das dos bonds de  muitos países, cujas obrigações soberanas oferecem um juro menor e, portanto, são menos atraentes para os investidores.
É só uma questão de tempo, até o império do dólar se desmoronar**. 
Pode ser uma experiência muito dolorosa para o mundo, pois os EUA têm tido a habilidade de «exportar» a sua crise para outros parceiros, nomeadamente, o Japão e a UE. 
Outros países, ditos em desenvolvimento, poderão ficar com as suas economias seriamente afectadas. Por exemplo, muitos países endividaram-se em dólares quando o juro dessa dívida era mais atraente e sobretudo  quando o dólar estava «barato» em relação a outras divisas. Depois, o dólar subiu e manteve-se alto, o que obrigou esses países a fazer um esforço maior no pagamento dos juros e do capital em dívida. 

Penso que os bancos centrais de muitas regiões do mundo, não apenas das «super-potências competidoras» China e Rússia, mas também de muitos outros países, incluindo aliados dos EUA, estão a tomar precauções face a uma enorme crise financeira, que está à vista. 
Não é por acaso que os bancos centrais de vários países  alinhados com os EUA e membros da NATO, como a Turquia ou a Polónia, estão a comprar grandes quantidades de ouro; é porque vêem «o que está escrito na parede»...
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Notas:

* O «REPO» é um mercado de empréstimo dos bancos entre si, de curta duração (por isso o termo overnight): um banco pode precisar de liquidez momentaneamente, sendo normalmente oferecido (a juro baixo) o empréstimo necessário, mediante colateral. Este normalmente, o colateral é sob forma de algo com cotação «triplo A» como obrigações do tesouro dos EUA ou equivalente...

**Ler W. Engdahl «The New American Oil Empire Built on Sand» em: 

*** Para maior esclarecimento, pode-se consultar o recente vídeo de entrevista de Greg Hunter a Rob Kirby: 
https://www.youtube.com/watch?v=xAF6_9_WS8g&t=1227s

quarta-feira, 10 de julho de 2019

SE O MUNDO FOSSE UM TABULEIRO DE XADREZ...

Se o mundo for visto como um enorme e multidimensional xadrez....

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Os EUA serão, obviamente, jogadores principais, detentores de um império, chamemos-lhe grupo «N» (NATO e associados).
No lado oposto, está um consórcio de nações poderosas, tanto geo-estrategicamente como economicamente, a Rússia, a China e também a Índia, que agora fez uma viragem decidida para o lado euro-asiático, afastando-se dos cantos de sereia anglo-americana (ver aqui a tradução de artigo de Pepe Escobar). 
Mas também o Irão, assim como um enorme conjunto de nações, mais de 60, que já participam em projectos das Novas Rotas da Seda (chamemos a esse grupo X, da Organização para a Cooperação de Xangai).

No campo N, encontram-se os parceiros dos EUA, mas essas parcerias são cada vez mais problemáticas.
- Por exemplo, Doha (Qatar) fez uma viragem decisiva há alguns anos, em direcção ao Irão (visto que têm interesse comum em explorar o gás natural que se encontra em jazida comum por debaixo das águas territoriais de ambos). O Qatar recebeu auxílio da Turquia, quando a Arábia Saudita fez um autêntico cerco, tentando curvar o emir de Qatar à disciplina do Conselho dos Estados do Golfo, entidade que agrupa os emirados e monarquias que bordejam o Mar Vermelho.

- Outro exemplo, a Turquia, embora se possa considerar este país o mais estratégico da NATO - com uma posição de extensa fronteira com a Rússia e uma localização de «pivot» na Ásia Central - está realmente em rota de colisão com os americanos e com a NATO, ao adquirir o sistema de mísseis S-400 russo. 
Mas esta aquisição é afinal a consagração da inversão de alianças, após a tentativa falhada de golpe de Gülen, eminência parda dos Irmãos Muçulmanos, inicialmente um dos promotores de Erdogan. O golpe contava com apoio encoberto da CIA e da NATO. Aliás, Gülen refugiou-se nos EUA e estes têm repetidamente recusado extraditá-lo, apesar de existirem provas inequívocas da conspiração e de ele ter prosseguido actividades contra o regime turco no exílio americano. 
Só a ajuda da Rússia, então uma potência «quase» inimiga, permitiu que as forças leais a Erdogan fizessem abortar o golpe em curso. Muitos mortos, feridos e presos resultaram da sangrenta aventura inspirada ou, pelo menos, aprovada por Langley (o quartel-general da CIA, nos EUA).

- Os países que experimentaram a brutal agressão e ocupação pelos EUA, o Afeganistão e o Iraque, não estão dispostos a servir como rampa de lançamento de um qualquer ataque contra o vizinho Irão. As grandes manifestações de agressividade dos EUA no mês passado, contra o Irão, acabaram com um «rabo entre as pernas», pois qualquer ataque teria de ser efectuado à distância, sem possibilidade de uma invasão, por terra ou por mar. Isto porque as relações dos EUA com muitos países árabes e da Ásia Central se têm deteriorado nos últimos tempos.

- Outra carta que tem sido jogada pelos EUA, além da ameaça militar, é a das sanções. 
Estas sanções, «urbi et orbi», estão a deslocar completamente o puzzle das alianças e acordos entre países, incluindo  os que estão no «coração» da Aliança Atlântica. 
Quer os europeus, que já não alinham com os EUA para sancionar o Irão e montaram um sistema de pagamentos alternativo, por forma a terem a possibilidade de continuar a comerciar com a república islâmica, sem terem de sofrer sanções, quer a Turquia, muito interessada no petróleo iraniano e que tem feito uma troca directa de petróleo por ouro, torneando assim as sanções impostas pelos EUA... quer ainda, os próprios britânicos que - no afã de garantirem uma posição vantajosa para a sua banca, na internacionalização da moeda chinesa (o  Yuan) - estão a participar em projectos dos BRICS. 
Este grupo (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), representa cerca um quarto das trocas comerciais mundiais. Nele existem muitas diferenças, como seria de esperar. Porém, a aliança Rússia-China está cada vez mais consolidada em múltiplos planos, desde o financeiro  ao militar. Porém, a Índia fez recentemente um passo decisivo em direcção a um compromisso maior com os dois colossos, Rússia e China.

Isto são apenas exemplos. De facto, as Novas Rotas da Seda são essencialmente imbatíveis, se se mantiverem dentro dos princípios saudáveis da não-intervenção nos assuntos internos dos Estados e das trocas com vantagens mútuas. Este projecto é imbatível porque não se trata de um projecto militar, ou imperialista, o que implicaria a conquista de territórios, a ocupação de nações. 
Trata-se de um projecto genuinamente comercial. É a versão contemporânea da ideia liberal do livre comércio, do comércio sem obstáculos políticos ou institucionais e que vai enriquecer todos os intervenientes (estratégia «win-win»). 

Evidentemente, o poderio militar americano não desapareceu, até pode reforçar-se em múltiplos aspectos. Também o anúncio do destronar do dólar como principal moeda de reserva bancária e das trocas comerciais, é prematuro. 

Mas, projectando a situação presente no futuro não muito distante, verificamos que os EUA estão com maior dificuldade em impor pela força (ou ameaça dela) a sua vontade, quer aos adversários, quer aos aliados (ou vassalos). A doutrina oficial dos EUA é de que tem de exercer a hegemonia, de que não pode tolerar que outra potência seja capaz de desafiar a sua vontade (doutrina Brzezinski).

Diria que, se não é ainda um «xeque mate» para o império globalista, é certamente um ponto em que fica claro para todos, que o melhor que pode esperar o «eixo Atlântico» (EUA e aliados da NATO, etc) será uma situação de empate, ou seja, um mundo multipolar onde é necessário contar com o eixo Euro-asiático (os BRICS, a OCX - Organização de Cooperação de Xangai). 

Para mais pormenores sobre o tema, recomendo as leituras seguintes: