domingo, 18 de agosto de 2019

A CRISE VIRÁ DO LADO DA DÍVIDA SOBERANA, DOS TÍTULOS DA DÍVIDA PÚBLICA


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Sabe-se que o grave problema que afecta o sistema económico e financeiro ocidental é a enormidade da dívida. Dívida dos Estados, dívida das empresas e dívida das famílias... tudo somado, a quantidade de dívida é muito maior do que a existente nas vésperas do colapso de Lehman Brothers!

O processo de um Estado se ver livre da dívida pública é somente um, na prática. Embora, em teoria, um governo pudesse decretar insolvência, reconhecendo estar falido e portanto não pagar aos seus credores, isso é demasiado penoso e politicamente suicida. Portanto, os governos irão fazer aquilo que sempre fizeram, ou seja, inflacionam a sua moeda nacional (no caso do Euro, será antes a moeda comum de uma série de Estados da União Europeia).

Um dos casos mais graves de acentuado crescimento da dívida pública, sem fim à vista e com tendência para se agravar, é o dos EUA. Obama conseguiu o «glorioso feito» de duplicar, durante os seus dois mandatos, a dívida pública acumulada antes dele, desde o início da existência dos EUA.
Nada menos fiável do que os EUA. Se decidirem que algum país está com exigências excessivas, podem simplesmente obliterá-lo do mapa... veja-se o caso da Líbia! 
Mesmo os aliados não estão a salvo de serem «esfolados»: como clausula secreta dos acordos que instituíam o sistema do petro-dólar (em 1973), os sauditas foram obrigados a fornecer muitos biliões em treasuries, que provinham do petróleo, para os seus protectores de Washington disporem dessas somas colossais. Não estão nominalmente na posse do Tesouro, mas é como se estivessem: as tais treasuries servem como «fundo de estabilização» do Tesouro. Quando os mercados variam bruscamente ou quando algo vai num sentido desfavorável aos interesses de Washington, esse fundo gigantesco intervém, discretamente. Os especialistas dos mercados conhecem bem as intervenções do referido fundo.    
É basicamente o medo, a impressionante máquina militar, que impõe «respeito» pelo dólar US, com o qual os EUA compram tudo o que precisam, dando em troca... esses papéis verdes impressos! 

A China foi acumulando, em resultado do seu comércio com os EUA e outras partes do mundo, a gigantesca soma de 1,3 triliões de dólares, que estão sob forma de obrigações do Tesouro dos EUA («treasuries»).
Há quem diga que esta constitui uma arma poderosa da China, que poderá despejar no mercado fazendo baixar subitamente o valor dos referidos treasuries. Mas, isso é falso. Não só não é possível eles desfazerem-se de tal soma bruscamente, como teria um efeito oposto ao desejado. Ainda por cima, poderia desencadear uma guerra, por os EUA se sentirem acossados naquilo que é fundamental para eles, a sustentabilidade da sua dívida...

Os russos, há algum tempo, desfizeram-se de quase todas as suas treasuries. Mas eles tinham muito menos, do que a China tem. O que eles fizeram foi genial: Eles deram os treasuries como aval a vários bancos europeus, para garantia de empréstimos aos mesmos bancos. Depois, fizeram default sobre as dívidas a esses bancos e estes tomaram posse das treasuries, dadas como aval. Assim, não colocaram no mercado essas treasuries e obrigaram a outra parte a aceitá-los. Não me parece que se possa repetir isso.

Os Chineses fizeram a Belt and Road: é - além de outras coisas - um processo lento de se desfazerem de treasuries. Com esses dólares, eles financiam grandes obras, portos, aeroportos, caminhos de ferro, etc. nos países mais diversos, com os quais têm acordos. Ficam aliviados do excedente em dólares e tornam-se credores de vários países, sendo possível que recebam em pagamento géneros (matérias-primas), ou notas de crédito denominadas em Yuan.

Segundo uns analistas, os americanos têm de comprar a si próprios (a FED compra ao Tesouro, o qual emite dívida) cerca de 70% da dívida emitida e têm de fazer malabarismos, usando derivados (credit default swaps), para criar a ilusão de procura de treasuries e assim sustentar seu preço. 
Também conseguem procura porque têm uma taxa ligeiramente acima de zero, enquanto muitas das obrigações europeias (como os bunds alemães) estão com juros negativos, ou seja, o emprestador tem - ao fim de x anos - a soma investida, MENOS uma determinada soma y, correspondente ao juro negativo. 

A dívida excessiva a nível mundial não poderá ser aliviada por uma espécie de «jubileu», pois haverá países que ficam a perder imenso com isso por comparação com outros que até incluem os mais ricos, pois estes têm tido um comportamento irresponsável de acumulação de dívida, sem contrapartida em criação de riqueza. Quando uma pessoa ou uma empresa ou um Estado se endividam pode ser uma coisa boa e sensata ou o contrário: se for para investir em algo que por sua vez irá gerar rendimento, irá produzir algo (bens ou serviços), irá traduzir-se por um acréscimo de rendimento (ao nível dos Estados, maior receita de imposto), então é provável que tal investimento seja sensato e produtivo. Mas um empréstimo gasto em despesa não reprodutível, que não vai gerar capital que o pague no médio/longo prazo, é somente um peso suplementar que incide sobre as economias, sobretudo das gerações futuras. 

Num contexto de sobre-endividamento, a inflação é desejada por bancos centrais e por governos, porque vai «comer» parte da dívida acumulada, ou seja, é como um «default» suave, a uma taxa de uns pouco por cento ao ano, que o público não compreende e atribui à ganância dos comerciantes ou às reivindicações excessivas dos assalariados, etc... mas, não aos verdadeiros culpados.

Perante um aumento descontrolado da dívida, a tentação é desvalorização correspondente do dinheiro, o que tem sido feito, de forma sistemática, sem que as pessoas percebam o que se está a passar: se a inflação registada nas estatísticas ao longo de um ano, for de 2%, por hipótese mas - na verdade -  sendo esta de 4 ou 5 %, como se tem verificado, é muito difícil alguém contrariar o discurso oficial. Seria preciso um instrumento independente, de recolha e tratamento estatístico, algo como um Instituto de Estatística alternativo, ou algo parecido, com credibilidade igual ou superior aos institutos do Estado. 

Portanto, a aceleração da impressão monetária, ou seja,  «Quantitive Easing» e as taxas de juro próximas de zero ou negativas  anunciadas pelos bancos centrais ocidentais, irão apenas contribuir para manter durante algum tempo (quanto?) as bolhas das bolsas de acções, das obrigações, do imobiliário... em que se tem vivido. 
Mas, chegará o momento em que as pessoas compreenderão que estão a ser aldrabadas, que números crescentes não representam aumento de valor, não correspondem a nada de sólido. 

A perda de confiança numa divisa, nas divisas «em papel», é um processo muito rápido: compreende-se que os bancos centrais dos países do Oriente se previnam disso, comprando todo o ouro que podem nos mercados. Alguns financeiros, gerindo fundos bilionários, também compreendem o que se está a passar e também estão a aconselhar os seus clientes a fazer o mesmo.

A subida dos metais preciosos, em especial do ouro (e isto é notável) faz-se, apesar da existência confirmada de conluio entre bancos centrais ocidentais e grandes bancos, emissores de contratos de futuros (um tipo de derivado) sobre o ouro e a prata. Eles despejam no mercado, em momentos especiais, quantidades abismais de contratos. É assim que o preço do ouro e da prata têm sido reprimidos, ao ponto de, em paridade do poder de compra, a prata nunca ter estado tão barata! Se estes contratos correspondessem - de facto - a ouro físico, seria necessária várias vezes a produção anual minerada. Evidentemente, trata-se duma fraude, mas fraude consentida pelas entidades ditas supervisoras dos mercados e pelos bancos centrais.
O sistema de emissão de dinheiro ilimitado e controlado pelas entidades globais, é inviável: dentro de um prazo (não determinável exactamente, pois dependerá da duração e profundidade da crise vindoura), terá de haver uma profunda reforma do sistema monetário.  
Mas, entretanto, é bem provável que haja guerras, revoluções, fomes, transferências de riqueza, fenómenos que se verificaram no passado, em associação com as crises económicas mais graves.

MICHEL ONFRAY E O COMPLEXO FREUDIANO

Após muitos anos de grande culto pelo pai da psicanálise, Sigmund Freud, é pela primeira vez biografado como deveria ter sido sempre: sem complacências, com rigor e objectividade. Esta tarefa coube ao filósofo Michel Onfray, bem conhecido do público francófono - pela sua obra, mas também pela universidade popular de Caen, que ele ergueu e tem animado, desde os primeiros anos do século. 



Onfray, ele próprio, durante muitos anos foi sujeito ao mito de Freud e ensinou-o aos seus alunos de filosofia. As circunstâncias que fizeram com que ele fosse investigar melhor Freud, tem a ver com um livro «amaldiçoado», pois escrito por autores de «extrema-direita», mas que Onfray se sentiu na obrigação de ler para poder criticar. Qual foi o seu espanto ao verificar que o livro, classificado como «propaganda anti-semita» de autores de extrema-direita, não tinha este cunho, mas antes ia buscar o seu conteúdo à própria obra e a relatos biográficos, que geralmente têm sido ocultados ou mal interpretados. Em geral, os biógrafos também são discípulos directos ou indirectos do «mestre», e as suas biografias não são neutras, são antes construções que tendem a hiper-valorizar as «descobertas» de Freud na psicologia.


Não irei aqui fazer a exposição do conteúdo do excelente livro que Michel Onfray redigiu, na sequência da sua surpreendente (para ele próprio também) descoberta, dum Freud desconhecido e, no entanto, patente pela simples leitura da sua obra completa e correspondência publicada, coisa que poucos fizeram: sobretudo, ninguém com capacidade de distanciamento crítico e independência de espírito, como Michel Onfray.
A sua obra sobre Freud destrói o mito. Vale a pena ser lida por qualquer pessoa, não apenas por profissionais da psicologia e ciências humanas. 
As teorias de Freud são tudo menos científicas. São teorias ad hoc construídas pelo médico vienense para «justificar» suas próprias obsessões e «generalizar» a todo o género humano, os seus problemas! Eis a constatação explosiva e, no entanto, rigorosa, que efectuou o autor do livro «Anti-Freud», nas suas exaustivas leituras e nas reflexões subsequentes que faz. Nos aspectos essenciais, baseia-se em dados, os mais objectivos, nas obras de Freud, na sua correspondência, em particular, com o médico amigo e confidente, Fliess e outras fontes de informação absolutamente seguras. 
O Freud das hagiografias dos seus seguidores não tem muito que ver com o Freud da realidade, é esta a espantosa conclusão que se tira desta biografia. No essencial das questões, nada de especulativo pude encontrar, na escrita de Onfray. Quando ele faz conjecturas, ele afirma-o de modo claro, para que o leitor não possa confundir com o que está efectivamente escrito nas fontes consultadas. 
As conclusões que se possam tirar da leitura desta biografia são muito significativas: a construção de um mito «científico» e a dificuldade das pessoas «educadas» descolarem desse mito, pois elas têm sido nutridas com ele, «desde a infância». 
Depois, há a questão da honestidade e da coragem intelectual. As pessoas que estudaram Freud, que o biografaram, antes de Onfray, com certeza deram com algumas incoerências gritantes, com contradições patentes, com aspectos menos luzidios da biografia do homem. Porém, pelo que me apercebi, na sua imensa maioria, descartaram ou menorizaram tudo o que pudesse amesquinhar a personagem e a «cientificidade» das suas supostas descobertas.    
A cultura do século XX tem muito a ver com o freudismo, com todos os clichés derivados da psicanálise... é um verdadeiro complexo freudiano, que seria necessário descrever sob o ângulo da antropologia cultural. 
Seria um trabalho gigantesco e salutar, o de se compreender como se ergueu e se elevou este mito aos «cumes da objectividade científica». 
Muitas pessoas foram efectivamente capturadas pela propaganda do próprio Freud, segundo a qual, suas «descobertas» seriam de significado e dimensão análogos à revolução do heliocentrismo de Copérnico, no séc. XVI, e à teoria da evolução das espécies e da ascendência do homem, de Darwin (século XIX). 

Declaro aqui, sem hesitações, a minha gratidão por Michel Onfray ter-me aberto os olhos e permitido ver, para além de todos os mitos e fábulas com as quais convivemos ao longo de mais de um século. 
É que não se trata somente da personagem «tutelar» da ciência psicológica contemporânea, mas sobretudo da montagem das suas teorias e do seu suposto poder explicativo e terapêutico.  
Não lhe falta coragem e honestidade intelectual por nos dar a conhecer algo que outros ocultaram, sabendo que iria desencadear contra ele uma série de ataques. Estes ataques efectivamente têm surgido dos que se arrogam o papel de sacerdotes da religião da psicanálise. 
O livro é agradável de se ler e é uma fonte inesgotável de referências, tanto da obra de Freud, como de muitos dos seus seguidores e biógrafos, historiadores da psicanálise ...

sábado, 17 de agosto de 2019

A AUSÊNCIA DE EMPATIA E O DOMÍNIO DE UMA CASTA

Talvez seja pretensioso e enfático naquilo que escrevo. Porém, as frases - despidas de sua retórica - têm um significado preciso. Não tenho um talento de comunicador que me permita agarrar o leitor e fazê-lo aceitar de bom grado as minhas teses. Não tenho esse talento e tenho a obsessão pela verdade. Sei que isto é coisa fora de moda, mas - para cúmulo - eu também não dou «um traque» pelas modas!

Mas aquilo que é fundamental hoje compreendermos é que as pessoas estão agrupadas em organizações piramidais, hierárquicas, colaborando na sua manutenção e permanência. Crêem que não existe outra forma de organizar o trabalho e - em geral - todas as actividades humanas. Incluem isso nos seus sistemas de valores e de crenças, que lhes é incutido desde a mais tenra infância, sem questionarem. 
Porém, seria fundamental as pessoas «saírem da casca». Para compreenderem o que fazem com elas, o que fazem delas. Não creio que este saber, em si mesmo, modifique a sociedade; porém, sem esse primeiro passo de tomada de consciência, será fútil qualquer tentativa de mudar profundamente a sociedade. Quando falo em mudança, é de mudança real: não em mais sofisticadas, ou mais disfarçadas, formas de escravidão!

Aquilo que as pessoas não compreendem é que os que dirigem os destinos de milhões de pessoas foram seleccionados por uma espécie de «selecção darwiniana perversa». Isto é, uma selecção darwiniana que não faz prevalecer os mais fortes, os mais sábios, os mais inteligentes, mas antes os mais perversos, os sem quaisquer sentimentos de empatia pelos seus semelhantes, os capazes - portanto - de tomar decisões totalmente erradas moralmente, com o sorriso nos lábios, sabendo perfeitamente que conduzirão o justo ao cadafalso, as famílias à miséria mais abjecta, os soldados a uma morte inglória no campo de batalha, etc... 
Porque, para estes monstros psicológicos que são os «grandes homens» (e «grandes mulheres»), as dores e sofrimentos dos outros não lhes importam nada: tudo o que lhes interessa, é a sua própria glória; é o tão desejado domínio sobre os outros, sobre um povo, uma nação, um reino, um império... 

As pessoas vulgares podem ter muitos defeitos: podem ter cobiça, serem mesquinhas, avaras, egoístas, etc. mas, num grau ou noutro, possuem capacidade de empatia humana. 
Algo dentro delas sofre com a visão do sofrimento alheio, sobretudo, se for alguém que conhecem, que estimam, que amam... evidentemente. Mas também sentem empatia por alguém que não conhecem, com quem nunca falaram, que sofre e elas apercebem-se desse sofrimento. Compreendem que essa pessoa sofre, imaginam esse sofrimento nelas próprias. A compaixão é esse sentimento nobre, perante o sofrimento, qualquer tipo de sofrimento. Isso é, porventura, muito humano e mesmo, mais ainda, pois os animais manifestam-no de forma inequívoca. 
Note-se que a empatia e a capacidade de compaixão não anulam - noutras circunstâncias - a ferocidade, a crueldade, face a inimigos. Mas as pessoas destituídas de compaixão, de empatia, psicopatas ou sociopatas, têm prazer em ver sofrer, seja quem for, sobretudo se isso os ajuda a alcançar o que desejam. Onde as pessoas «normais» recuariam, onde se absteriam de determinada acção, os psicopatas avançam. Isso, muitas vezes, é confundido com coragem, determinação, ou sentido de liderança.  

Portanto, a questão primeira e fundamental é a seguinte: um sistema que premeia os psicopatas e sociopatas, onde estes têm todas das hipóteses de alcançar o topo da pirâmide social, é um sistema - ele próprio - que estará segregando normas perversas, sociopáticas. Os que estão no topo, naturalmente, estarão interessados em manter o seu poder sobre a sociedade. Temos então o «darwinismo perverso» de que falei acima.
A segunda questão e correlativa, é que as pessoas restantes guardaram suas capacidades de empatia, de compaixão, de amar... embora este amor possa ser limitado a poucos entes. 
Estas pessoas, a imensa maioria, são completamente diferentes dos psicopatas, do ponto de vista biológico profundo: têm circuitos cerebrais que permitem a manutenção da espécie enquanto tal, não somente na reprodução (o amor nas parelhas, nos parentes, etc.) como também são capazes de realizar actos que não sejam vantajosos somente para elas próprias. Existem formas de solidariedade genuínas, onde não há qualquer esperança de retribuição do gesto solidário. 
As pessoas solidárias, numa qualquer sociedade, são aquelas que permitem a coesão do tecido social. São elas que dão o bom exemplo e «obrigam» as pessoas menos solidárias a adoptarem uma moral exterior solidária. O efeito geral é benéfico para a sociedade. 
A moral predominante no neo-liberalismo, porém, consiste no exacto contrário: é destrutiva, pois institui um «não valor», o egoísmo ou egocentrismo, enquanto forma, não apenas legítima, mas única e «sensata» de comportamento. A inversão chega ao ponto de uma pessoa naturalmente levada as comportamentos solidários, ser tida por débil, fraca, até mesmo «estúpida».
Mas, pelo contrário, uma sociedade será tanto mais sólida e seus membros terão um maior grau de auto-confiança e de confiança nas instituições, quanto maior for o grau de solidariedade não coerciva que exista. Quanto maior o grau de empatia, quanto mais cultivada a compaixão e quanto mais as pessoas se insiram harmoniosamente no colectivo, mais a sociedade no seu todo beneficiará. 
Para haver mudança do comportamento social, é necessário que seja compreendido todo o mal que tem sido feito pela ideologia neo-liberal, o que eu chamo «darwinismo pervertido», que tem feito as vezes de ideologia silenciosa dominante. É preciso que se compreenda como foi instaurada e mantida uma determinada ordem hierárquica, onde os mais velhacos, os sem escrúpulos, os mais destituídos de sentimentos altruístas, são quem vence a competição social e obtém os lugares cimeiros, não apenas com as associadas benesses materiais mas, igualmente, com o poder. 
Obviamente, irão exercer esse poder sobre todos os outros, de forma a extrair o máximo deles, e de forma a que esse poder se perpetue. Esta perpetuação implica que eles tenham de segregar uma «moral ao contrário», em que ser amável, solidário, cooperativo, etc... é fraqueza; onde o contrário disto, é ser «forte», é ter «espírito de liderança»!

Hoje em dia, no vasto Mundo, constato isso:
As sociedades mais estáveis, mais felizes e as mais produtivas (embora a produtividade não seja o mais importante!), são aquelas onde os comportamentos sociais são moldados mais pela empatia, ajuda, solidariedade e sentido cooperativo... 
Os países possuídos pela «não civilização» do consumo, são aqueles onde a escala de valores tradicionais deu lugar ao consumismo/materialismo completo e total, mesmo que, na superfície, as populações continuem a aderir às suas religiões. 
Pelo contrário, os países que souberam integrar a modernidade, sem descurar seus próprios valores e a sabedoria ancestral, são mais felizes, mais pacíficos, mais auto-confiantes.


sexta-feira, 16 de agosto de 2019

PADRÃO OURO: RELÍQUIA DO PASSADO OU NECESSIDADE LÓGICA?

Que relação tem a introdução do lobo no Yellowstone National Park com o sistema monetário internacional e o ouro?
A resposta está no vídeo abaixo.


- No momento em que o preço do ouro está a subir e já ultrapassou os máximos históricos numa série de divisas (recordes de preços em Yen, Dólar australiano, Libra britânica, Euro, etc...),

- No momento em que várias grandes potências (russos e chineses...) compram todo o ouro que podem e, em simultâneo, se desfazem dos «treasuries» (obrigações do tesouro dos EUA) que têm em reserva nos seus bancos centrais, 

É tempo de tomar atenção ao que significou o ouro como estabilizador fundamental do sistema monetário e das boas razões para se considerar um regresso ao padrão ouro como uma boa coisa.

Este vídeo explica, para além de qualquer dúvida, a história da moeda, das divisas e porque razão as divisas «fiat» - sem a garantia de convertibilidade no ouro - se tornaram, primeiro, predominantes no início do século XX e, depois da falência de Bretton Woods em 1971, exclusivas no sistema monetário mundial. 

Os maiores inimigos do sistema padrão-ouro são os financeiros e os políticos e, com Grant Williams, podemos compreender perfeitamente porquê.

Compreende-se muito melhor, também, por que razão o actual sistema, com o dólar a servir de moeda de reserva, está condenado e terá, mais cedo ou mais tarde, de ser substituído: «o reset».  

CONCERTO PARA FLAUTA DE BISEL & FLAUTA TRAVERSA EM MI MENOR

   Interpretado pela Bremer Barockorchester


                                          https://www.youtube.com/watch?v=2D-y2kJU0lg

Telemann, quem mais poderia ser? 



Quem, senão ele, guardaria o poder de nos encantar e surpreender, a mais de 250 anos de distância temporal? 

quinta-feira, 15 de agosto de 2019

SOBRE A GUERRA HÍBRIDA


A guerra híbrida levada a cabo pelos EUA contra a China, com a assistência de seus mais próximos vassalos, Reino Unido, Canadá, Austrália... é um caso bem estabelecido em como uma potência em declínio, está a fazer tudo para travar e - se possível - inverter a ascensão de outra potência a primeiro lugar mundial. 

Embora a China seja uma antiquíssima civilização que já foi, em tempos, o mais poderoso império sobre a Terra, um século de opressão colonial e devastações terríveis antes e durante a IIª Guerra Mundial, deixaram uma pesada herança. 
O estado de pobreza e fraqueza levaram que a República Popular da China (proclamada em 1949) não fosse considerada o principal objectivo estratégico dos EUA e da NATO, durante a guerra fria, mas sim a União Soviética.
Quando se desmoronou a URSS e a Rússia foi transformada em repasto para os apetites das multinacionais (sobretudo do petróleo) durante o governo fraco e corrupto de Yeltsin, parecia efectivamente que - quer se gostasse, ou não - se iria assistir a «um século americano», conforme afirmado num célebre manifesto (PNAS) tornado público por um grupo de «neocons», pouco tempo antes da viragem do milénio. 

A Rússia de Putin encarregou-se de destruir as veleidades de omnipotência das forças mais agressivas do imperialismo americano. 
Mas, igualmente, jogaram dois outros factores:
-A forte resistência encontrada pelos americanos e seus aliados da NATO no Afeganistão e no Iraque, 
-A ascensão da China ao lugar de gigante económico, com a sua iniciativa das Novas Rotas da Seda. Este desenvolvimento é lógico e corresponde a uma filosofia - intrinsecamente liberal - de respeito pelos parceiros comerciais e de vantagens mútuas. 
É preciso não esquecer que isto vem na sequência da tarefa que lhe foi proporcionada e favorecida pelos próprios grandes capitalistas ocidentais: a de tornar-se a «fábrica do mundo». 
É, portanto, particularmente desesperante, numa observação das relações internacionais e políticas no Ocidente, verificar que os ditos dirigentes apenas orientaram a barca ao sabor da corrente maior de dinheiro. 
Assim foi com todos os presidentes dos EUA, desde Bill Clinton, especialmente com Barack Obama, que fez acreditar que haveria uma real viragem da política dos EUA devido à cor de sua pele, mas que foi o instigador da política de «pivot to Asia» /«viragem para a Ásia», o que em claro significa viragem para fazer o cerco à China, unificando contra ela uma coligação de forças (estados vassalos) e aumentando os dispositivos bélicos, desde as bases militares, às frotas que a cercam em permanência.
Assim, os EUA cliente primeiro dos produtos industriais fabricados na China (muitos dos quais sob licença de firmas americanas), começaram a objectar contra a suposta «injustiça» da grande disparidade na balança comercial EUA-China, tendo a administração Trump passado a sancionar alguns bens importados com tarifas, já em 2018. 
Esta política de pressão sobre a China foi subitamente agravada, em Dezembro desse ano, com o aprisionamento da vice-presidente executiva da Huawei - quando ela se encontrava em trânsito em Vancouver, Canadá - sob pretexto desta firma ter «violado as sanções» contra o Irão, sanções ilegais e unilaterais e que não podiam obrigar cidadãos e empresas estrangeiros, comerciando fora das fronteiras dos EUA.
Xi Jin Pin e altos dirigentes chineses levaram a cabo conversações, com vista a minorar e - se possível - eliminar as situações de conflito comercial. Enquanto a administração Trump foi para conversações com outro espírito: insistia em queixas relacionadas com patentes, mas sem de facto chegar a algo concreto, que permitisse uma base negocial. As conversações capotaram e as tarifas decretadas por Trump entraram em vigor. Como retaliação, a China deixou de importar produtos agrícolas dos EUA (sobretudo soja, produzida pelos agricultores do Midwest, sólida base de apoio eleitoral de Trump).
As forças da propaganda, comandadas pela CIA e outras agências, intensificaram a propaganda contra o alegado mau registo de direitos humanos da China, nomeadamente na região mais ocidental do Xinjiang onde existem populações de etnias minoritárias, muçulmanas. Entre eles, a CIA conseguiu infiltrar elementos radicais islâmicos, muitos tendo experiência de combate nas fileiras de grupos djihadistas na Síria. Pelo que, as medidas de contenção - de «contra-guerrilha» - de Pequim, podem ser consideradas demasiado duras, porém têm de ser contextualizadas, coisa que a imprensa ocidental não faz, em 99% dos casos.

Agora, a pretexto de uma lei de extradição que estava em discussão na Assembleia Legislativa de Hong-Kong, elementos radicalizados procuram desencadear a repressão do exército, sendo que Pequim não irá permitir que a violência e o caos sejam semeados impunemente no território de Hong-Kong. 
Este território sempre fez parte da China; esteve sob ocupação britânica desde as guerras do ópio e foi restaurada a soberania chinesa em 1997, através do processo de devolução, negociado com o Reino Unido. Este processo reconhece a soberania chinesa ao mesmo tempo que institui uma zona administrativa especial. A situação económica do território de Hong-Kong é especial, na medida em que as leis socialistas não se aplicam nele; ou seja, a propriedade dos meios de produção continua a ser privada até 2047. 
A revolta estudantil, apesar de ter inicialmente uma relativa legitimidade, está a tomar uma feição cada vez mais violenta e não se compreende quais as motivações políticas concretas, pois o território de Hong-Kong está firmemente na China. As bandeiras do Reino Unido ou dos EUA, agitadas por alguns manifestantes - mais do que exprimirem uma influência directa destes países na revolta - é apenas uma maneira de fazer valer uma adesão primária ao Ocidente, no desespero de causarem simpatia na opinião pública e nos poderes ocidentais. É escusado dizer que eles estão completamente equivocados a esse respeito.
O «Ocidente», que está sempre pronto a criticar a China, ou outros, na ONU e noutros aéropagos, tem feito muito mais e muito pior, em relação a manifestações semelhantes, nos seus próprios países. Mas, sobretudo, a China é demasiado importante para o comércio e as relações económicas mundiais para ser decretado um embargo comercial. Os EUA e seus aliados bem gostariam de o fazer, mas simplesmente não podem, devido à dependência estrutural do seu aparelho produtivo e de aprovisionamento em produtos de consumo, das importações chinesas. 
Um mundo em que os produtos chineses deixassem de fluir, simplesmente parava, num espaço de tempo relativamente curto. Imagino que bastariam semanas, não meses... pois tudo rapidamente começaria a falhar, ao não haver peças intermédias no fabrico, como micro-processadores, e outras. 

Talvez, a única coisa positiva que nos trouxe a globalização capitalista, seja a impossibilidade de uma guerra total, apenas possibilitando uma série de provocações bélicas, desestabilizações, subversões ... tudo o que cabe dentro do conceito de «guerra híbrida». 

MÚSICA DE ALAÚDE DO NORTE DE ÁFRICA


Não se oiça esta música como um «exotismo». 
A sua qualidade intrínseca é um facto que transcende as identidades culturais. É música improvisada, mas codificada num estilo tradicional. 
Ela também está na raiz da nossa identidade, na margem norte do Mediterrâneo e, em especial, na Península Ibérica. 
De qualquer maneira, é magnífica!