Os economistas «mainstream» costumam depreciar o papel do ouro e da prata, enquanto metais monetários. Porém, desde que Nixon, em 1971, rompeu com a indexação do dólar ao ouro (uma onça de ouro = 35 $ ), o mercado do ouro sofreu muitas transformações. Primeiro, houve uma subida espectacular, até a 1980. Depois, começou a era da supressão do preço do ouro pelos bancos centrais das maiores potências ocidentais, com a conivência dos «bullion banks», ou seja, dos bancos autorizados a fazer negócios com o ouro, no COMEX (nos EUA) e LBMA (em Londres), mercados esses que estão completamente dominados pelos contratos de «futuros».
Um contrato de futuros, é um contrato em que o vendedor promete vender, por certa quantia, num certo prazo (por exemplo, dois meses) e o comprador compromete-se a comprar por tal preço e em tal data, independentemente do preço do mercado, nessa altura.
Este instrumento foi utilizado primeiro pelos agricultores, para conseguirem garantir um rendimento das suas culturas, mesmo antes da colheita, dando estabilidade e rentabilidade às empresas agrícolas. Actualmente, utilizando futuros, os especuladores conseguem fazer operações lucrativas, em relação a quaisquer matérias-primas cotadas em bolsas, apostando numa determinada direcção do mercado.
Porém, os grandes bancos, têm a capacidade de falsear este mercado de futuros e fazem-no com plena conivência de entidades reguladoras dos mercados e dos governos. Eles são capazes de produzir tantos contratos de futuros quanto quiserem, quebrando assim o preço do metal precioso, com a súbita (em segundos) injecção de grande quantidade de contratos de futuros, fazendo baixar dramaticamente o «ouro-papel».
Há que distinguir o «ouro-papel», do ouro-metal propriamente dito, pois, embora o metal seja transaccionado normalmente numa relação directa com a cotação dos mercados de futuros (= ouro-papel), em condições de dificuldade de abastecimento do mercado em ouro físico, tem-se verificado uma descolagem entre um e outro preço. Assim, numa dada ocasião, o ouro físico pode estar a ser transaccionado 5%, ou mais, acima do seu preço nos contratos de futuros.
A quantidade de ouro físico presente efectivamente nos cofres da COMEX ou da LBMA, estima-se corresponder apenas a uma fracção diminuta (cerca de 1/200 ou menos), das transacções que ocorrem diariamente nos mercados respectivos de futuros.
É justamente este ponto onde tem maior fragilidade o esquema montado pelos grandes bancos, em conjunção com os bancos centrais e com os governos ocidentais. Com efeito, os contratos-futuros supõem - pelo menos para grandes investidores - que, caso os referidos contratos sejam conservados até à data de expiração, estes têm de ser satisfeitos - não redimidos em dólares, como tem sido geralmente o caso - mas com entrega de ouro físico.
Um grande agente comprador, intermediário de um banco central, como o chinês ou o russo, pois é assim que negoceiam no mercado do ouro, pode exigir ser-lhe entregue o ouro físico correspondente; se a plataforma (COMEX ou LBMA) não o fizer, ela entra em incumprimento e a sua imagem fica totalmente posta em causa.
Observando a evolução da guerra comercial entre a China e os EUA, vemos que está a tornar-se cada vez mais interessante para a China fazer com que o valor real do ouro surja em pleno.
A China tem beneficiado da supressão do preço do ouro, comprando sistematicamente grandes quantidades, em praças financeiras ocidentais.
Muitas vezes, as barras de ouro compradas em Londres, por exemplo, são refundidas e transformadas na Suiça, em barras com as características que o banco central da China utiliza para armazenar o seu ouro.
Porém, agora, será o momento para a China valorizar a sua moeda, em relação ao dólar e não de a depreciar ainda mais, ao contrário do que a imprensa financeira mainstream vaticina.
Vai haver uma aceleração da «desdolarização», quer em termos de reservas nos bancos centrais, quer em termos de comércio internacional. Neste contexto, a China tem toda a vantagem em mostrar que possui um yuan forte, um yuan que se apoia numa quantidade de reservas de ouro, que é, na verdade, muito maior (4 ou 5 vezes) que as reservas oficialmente contabilizadas pelo PBOC (People's Bank of China).
As potências todas, sejam quais forem, comerciam com a China. Elas vão - cada vez mais - ser favoráveis a deter em reserva o yuan, tanto mais que a moeda chinesa já faz parte do cabaz de moedas do FMI, o SDR.
Por outro lado, a política de sanções dos EUA contra uma série de países, incluindo as retaliações contra países terceiros que façam comércio com os países-alvo, vão exacerbar mecanismos de troca directa e de ajustamento dos balanços, usando divisas nacionais dos respectivos países.
Agora, vai entrar em pleno funcionamento a nota de crédito comercial em yuan, juntamente com a sua convertibilidade em ouro, no mercado de Xangai. Note-se que é aí transaccionada quotidianamente uma quantidade de ouro físico superior à das plataformas ocidentais do COMEX e da LBMA.
A previsão de que a supressão do preço do ouro deixará de ter vantagem para a China, não é de agora. Os analistas já previam há muito tempo que esse dia iria chegar. Conjuga-se tudo para que esse dia chegue em breve:
- Durante o último decénio houve acumulação de grande quantidade de ouro na China (também na Rússia e em vários países asiáticos).
- A agressividade do império americano em decadência, com as sanções, literalmente, afecta todos - amigos e inimigos.
- A guerra comercial cria obstáculos ao comércio com os EUA e, portanto, diminui a percentagem do comércio mundial feito em dólares.
A China deve estar a preparar-se para uma nova etapa da internacionalização do yuan. Esta etapa será, sem dúvida, o despegar da sua indexação ao dólar.
Prevê-se que esse despegar valorize, em termos relativos, o yuan em relação ao dólar, da ordem de 20%. Como corolário, o yuan irá sofrer também uma revalorização em relação às outras divisas.
Tal revalorização já não é um problema tão grande para o comércio externo, pois os países fornecedores da China receberão um yuan mais forte e têm a possibilidade de conversão do mesmo em ouro.
Penso que isso vai fazer com que os países petrolíferos, mesmo que «pró-americanos», sejam tentados a fazer comércio usando a divisa chinesa. Isto será a sentença de morte do petro-dólar.
Não sei se em Washington vêm as coisas deste modo. Mas, se não o fazem, das duas, uma:
- Ou são loucos, pois estão dispostos a fazer uma guerra total com a China, a Rússia e os aliados destes.
- Ou estão na ilusão de que conseguem «torcer o braço» aos dirigentes chineses, fazendo-os capitular, ceder no comércio mundial. Isto é, afinal, outra forma de loucura, pois avalia o adversário de forma totalmente errónea, quer em relação à sua posição geo-estratégica, quer económica, quer ainda à índole e psicologia dos líderes da China.
Mas, quer Washington veja ou não, os dias da hegemonia americana nos mercados mundiais, estão contados. Sintomas dessa situação são os contratos entre a China e países petrolíferos, de onde o dólar está ausente, a saída do ouro dos cofres dos bancos centrais do Ocidente para os do Oriente e, por fim, a emergência duma divisa (o yuan) ainda não directamente convertível em ouro, mas apoiada no ouro.