domingo, 9 de julho de 2023

RENUNCIEI A LER O REAL [OBRAS DE MANUEL BANET]

                       Foto: Diante da tela «Isto não é um cachimbo» de R. Magritte
 

Renunciei a ler o real com as lentes deformantes dos media

Mas leio todos os dias o meu jornal feito de pássaros e de formigas

Nos jardins e nas ruas do meu bairro


Renunciei a compreender os humanos como entes racionais

Mais racional é a onda no mar, ou o trovão no céu


Renunciei a encontrar as razões dos políticos

Como, de qualquer maneira, são sempre discursos

Para enganar o eleitor, nada se pode extrair deles


Mas, um animal não finge, nem esconde

Só exprime o que sente; como a criança pequena


Afinal não renunciei a ler o real, devo autocorrigir

Porque o real é isso mesmo que leio; as produções

Dos humanos são apenas poluição de que nunca se fala  

Muito perniciosa: a poluição mental


Ela a todos enjaula, tritura e embrutece

Só se mantêm livres os poetas, uns tipos estranhos

Mas, afinal sábios, prudentes, humanistas


[Eu a ninguém aconselho: quem quiser que escolha

Não despreze este escrito, pois pode ter mais sumo

Do que parece, à primeira vista.]



sábado, 8 de julho de 2023

SCOTT RITTER DÁ ENTREVISTA ESCLARECEDORA

NB: Desde os primeiros tempos deste blog que tenho publicado sobre a Ucrânia e o renovo da guerra-fria no continente europeu. Convido os leitores a pesquisar neste blog, usando palavras-chave relevantes como «Ucrânia», «Rússia», «OTAN» etc.


Scott Ritter: Cobardia dos líderes do Ocidente, em especial dos EUA, ao  sacrificarem o povo da Ucrânia na guerra contra a Rússia, não arriscando intervir abertamente com suas tropas. 
Scott Ritter fala sobre a forma como a Operação Militar Especial ocorreu e o papel dos países da OTAN na rutura do acordo já negociado com o governo Zelensky nas conversações (Turquia, em Março 2022).
Scott Ritter dá vários esclarecimentos  sobre...
- O papel do agrupamento Wagner na resistência das repúblicas do Donbass e depois na Operação Militar Especial. 
- O jogo de Prigozhin a partir do momento em que já não podia ter, oficialmente, o agrupamento Wagner nas repúblicas de Donetsk e Lugansk, que integraram a Federação da Rússia, pois a lei russa proíbe que sejam usadas tropas mercenárias no seu solo. Estava previsto estes mercenário serem recrutados como voluntários pelo exército russo e inseridos em unidades regulares.
- Descreve o esquema corrupto de gestão e de recrutamento dos mercenários de Wagner por Prigozhin.
Scott Ritter relembra que ele tinha previsto que este Verão de 23 seria de revolução na Europa
- Explica as razões pelas quais as sanções europeias e americanas contra a Rússia foram um fiasco.
                                                 
                                                                       ....



 Veja também uma avaliação da situação por B. de «Moon of Alabama»

sexta-feira, 7 de julho de 2023

O IMPÉRIO DAS LUZES - RENÉ MAGRITTE

 







Existem 17 versões desta paisagem, « O Império das Luzes», do pintor surrealista René Magritte. Nutro uma grande admiração por este pintor, pela sua originalidade que sobressai até mesmo em relação ao vanguardismo noutros surrealistas seus contemporâneos.


As suas telas questionam, colocam o espectador perante um jogo inteiramente mental, por vezes, desencadeando um estranhamento, quase à maneira de Fernando Pessoa*: O estranhamento do quotidiano, da paisagem quotidiana, dos gestos, das palavras.
Esta obra, que eu tive muito tempo pendurada sob forma de «poster» no meu quarto, apela ao nosso sentido visual, como é evidente, mas para além disso, dá-nos uma sensação vaga de inquietude, de insólito pois - num primeiro momento de análise - encontraremos apenas elementos «banais». A casa é banal, como o são as luzes e o reflexo destas sobre o lago, a claridade de um céu com nuvens dispersas, um céu de fim-de-tarde de Verão... Tudo isto é banal.

Menos banal, porém, é o lusco-fusco da cena, ao nível da casa e das árvores, confrontado com o céu azul. Esta justaposição causa uma sensação de insólito inexplicável, não obstante a nossa experiência de paisagens indicar-nos como sendo possível que a cena próxima do solo seja crepuscular, enquanto o céu ainda é iluminado por raios solares, podendo apresentar-se com cor azul clara. Sua luminosidade é acentuada pela presença de nuvens alvas, como farrapos de algodão.

A visualização da paisagem - ela própria - é subjetiva, independentemente do realismo e materialidade banal, «burguesa» do eventual modelo. Pensa-se que o artista utilizou como modelo uma casa realmente existente nos subúrbios de Bruxelas. Este facto, assim como o estatuto ímpar dentro da obra do artista, que não fez outra série de telas sobre um mesmo motivo, além desta, abrem as portas à nossa curiosidade.

Magritte é discursivo, mas ao nível do próprio trabalho de pintor. Ele não diz por que razão fez isto ou aquilo, nem o que estava a pensar quando decidiu representar determinada cena. Ele deixa que os seus quadros «falem» por eles próprios, que mostrem a evidência de uma meditação interior, de um olhar que interroga o real, sem qualquer laivo de «ingenuidade», mas sem concessões a psicologismos ou intelectualismos, como o fizeram outros (surrealistas ou não; contemporâneos ou não).

Em Magritte, o intelecto do observador é provocado a «ler» o quadro, a uma aventura de reflexão mental pura, em rutura com a espessa camada de convencionalismo reinante na sociedade e que interiorizámos sem crítica.


René Magritte é um bom antídoto à sociedade do instante, do convencional, da pulsão hedónica, à sociedade «de massas» que está no exterior e interior de nós próprios, que penetra nas circunvoluções cerebrais de todos nós, sem nos darmos conta.


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*Fernando Pessoa (1888-1935) poeta e filósofo modernista português que dedicou muitas páginas de prosa e muitos poemas à análise de estados de estranhamento perante o real.

quinta-feira, 6 de julho de 2023

A BANDA QUE CARACTERIZA O SOM DOS ANOS 60: THE ROLLING STONES

 





Podia alinhar umas cinquenta faixas dos Stones dos anos 60. Canções, pelas quais merecem ser lembrados como o grupo de rock mais selvagem e mais cool dos anos 60. Eles continuaram e nem sempre estiveram à altura da banda que tinham sido, no passado. De qualquer maneira, estas minhas 4 escolhas são apenas a expressão do meu gosto pessoal. 

Muitos de nós, adolescentes dessa época, nos fartámos de dançar ao som dos Stones. Sei que os da minha geração gostam de regressar ao ambiente sonoro desse tempo!

PRIGOZHIN E A SECUNDARIZAÇÃO DA EUROPA por Alastair Crooke

   Prigozhin gosta de se exibir de camuflado embora nunca tenha sido militar!


O artigo abaixo, de Alastair Crooke vale a pena ser lido na íntegra:

 https://strategic-culture.org/news/2023/07/03/prigozhin-and-the-diminishment-of-europe/

Traduzi algumas frases em português, abaixo, para dar aos leitores uma ideia do seu conteúdo. Porém, tem muito mais reflexões interessantes:

A Europa, em resumo, colocou-se a si própria como vassala – uma vassala voluntária e submissa. Quando a UE seguiu os EUA e adotou as sanções contra a Rússia, os líderes da UE anteciparam um rápido colapso financeiro da Rússia. Estavam enganados. Quando a UE - sem cuidar dos seus interesses próprios - negou a si mesma a compra de combustíveis russos, calcularam que a Rússia não conseguiria aguentar-se economicamente - na ausência do mercado da UE - e que iria capitular rapidamente. Estavam enganados. Quando a OTAN lançou a guerra sobre a Rússia (via Ucrânia), a UE esperava a rápida derrota das forças russas e das milícias do Don. Estavam enganados. Quando Prigozhin desencadeou a sua 'insurreição', os líderes da UE esperaram ansiosos que se seguisse uma imediata guerra civil. De novo, estavam enganados.

Agora, a UE encontra-se arramada a sanções, sem fim à vista, contra a Rússia (e com sanções contra a China a seguir); um subsídio eterno a Kiev; um eterno ciclo da militarismo da OTAN; e uma economia em vias de desindustrialização, elevados custos energéticos e dificuldades de abastecimento. 

terça-feira, 4 de julho de 2023

O FIM DO EXORBITANTE PRIVILÉGIO



04/07/2023

O regime presidido por Joe Biden não tem muito que ver com a imagem idealizada dos EUA, que hoje comemora mais um «4 de Julho», dia da Independência da antiga colónia, em relação à coroa britânica. 

Não há dúvida que estamos num virar de página da História, para os EUA e para o chamado mundo Ocidental.

Os escândalos amontoam-se, a corrupção generaliza-se, as leis são ditadas ao sabor dos grandes conglomerados de interesses agrupados em lobbies.  

Ao nível internacional há uma fuga dos mais fiéis aliados, virando-se para países  como a Rússia, a China e outros que dispõem de potencial militar e capacidade económica para dissuadir  qualquer presidente dos EUA (ou antes, os que mexem os cordelinhos em seu nome), de outra guerra, direta ou por procuração.

Os instrumentos habituais de relacionamento dos países uns com os outros, são: o comércio, a diplomacia e as relações multilaterais. Os horizontes destes três campos vão-se estreitando, de ano para ano, em relação aos EUA e seu governo. 

Estes, e muitos outros aspetos, indicam que se está no final de um ciclo. Ele surge com toda a clareza com o fim do dólar enquanto moeda de reserva universal e principal moeda das transações internacionais, comerciais e financeiras.

Porém, estes fatores não se podem analisar isoladamente. Tem igualmente de se evocar  em todo o «Ocidente» e em particular, nos EUA,  a retração do domínio da liberdade de expressão, do direito de se ter opinião própria, mesmo que esta negue a do governo, mesmo que esteja em contradição com a opinião da maioria. 

Com efeito, os ataques à liberdade de expressão e difusão do pensamento acabam por ter um efeito duplo: São, por um lado, a demonstração óbvia da falsidade de que são uma democracia, perdendo o seu regime apoio interno e - sobretudo - ao nível internacional. Por outro lado, fazem com que muitos indivíduos em altos cargos, públicos ou privados, tenham uma visão distorcida da realidade. Isto está na origem da multiplicação de decisões equivocadas ou francamente estúpidas, em diversos assuntos de importância fundamental para o regime..  

O fim do privilégio exorbitante, expressão primeiro usada pelo ex-presidente francês Giscard D'Estaing para caracterizar o estatuto de moeda de reserva do dólar dos EUA, parece não inquietar a classe política corrupta e pouco preocupada em disfarçar a sua corrupção. Ela parece só estar preocupada em exercer o poder para encher os bolsos, com dinheiro público, ou com doações (luvas) privadas ou de empresas. Quanto ao dinheiro público, ele é distribuído de acordo com os grandes interesses e sem qualquer controlo, beneficiando as grandes corporações da indústria farmacêutica ao armamento e às «novas tecnologias».

Mas não podem realmente impedir o facto de um novo sistema monetário internacional estar a ser construído, entre vários parceiros, com a garantia de que nenhum destes se aproveitará de uma posição de destaque ou dominância nas trocas comerciais ou com os seus trunfos estratégicos, para impor às outras nações um «diktat». 

Foi exatamente o que os EUA decidiram fazer com o dólar, a partir do momento em que julgaram que detinham a primazia, de que só eles tinham os meios e a «legitimidade» para impor ao resto do mundo a «rules made order» (ou seja; a ordem deles, feita com as regras ditadas por eles). 

É um caso típico de húbris, que lhes está a sair caro, pois os seus competidores e mesmo seus aliados compreenderam o perigo da instrumentalização do dólar: A brutal guerra económica contra a Rússia, em Fevereiro / Março de 2022, já estava a ser preparada de longa data. Se a Rússia não tivesse tomado, por sua vez e com grande antecedência, medidas para minimizar os ataques desenfreados das sanções, punitivas para toda a sua economia, estas teriam feito muito mais estragos à economia e ao povo da Rússia. Muitos acordaram e perceberam que os EUA eram capazes de fazer o mesmo com qualquer país que - em dado momento - não se conformasse com o seu domínio hegemónico. Foi assim que, os que governam os EUA, eles próprios enterraram o dólar. Conseguiram fazer com que o dólar deixasse de ser a divisa que todos gostavam de ter, para ser aquela da qual todos se querem ver livres, o mais depressa possível.

Está-se perante um notável exemplo de autoderrota duma grande potência. Isto é um caso de húbris, por terem avaliado erradamente o seu poderio, por acreditarem na sua própria propaganda. Isto diz-nos muito igualmente, sobre as «elites» do poder nos EUA.