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terça-feira, 4 de julho de 2023

O FIM DO EXORBITANTE PRIVILÉGIO



04/07/2023

O regime presidido por Joe Biden não tem muito que ver com a imagem idealizada dos EUA, que hoje comemora mais um «4 de Julho», dia da Independência da antiga colónia, em relação à coroa britânica. 

Não há dúvida que estamos num virar de página da História, para os EUA e para o chamado mundo Ocidental.

Os escândalos amontoam-se, a corrupção generaliza-se, as leis são ditadas ao sabor dos grandes conglomerados de interesses agrupados em lobbies.  

Ao nível internacional há uma fuga dos mais fiéis aliados, virando-se para países  como a Rússia, a China e outros que dispõem de potencial militar e capacidade económica para dissuadir  qualquer presidente dos EUA (ou antes, os que mexem os cordelinhos em seu nome), de outra guerra, direta ou por procuração.

Os instrumentos habituais de relacionamento dos países uns com os outros, são: o comércio, a diplomacia e as relações multilaterais. Os horizontes destes três campos vão-se estreitando, de ano para ano, em relação aos EUA e seu governo. 

Estes, e muitos outros aspetos, indicam que se está no final de um ciclo. Ele surge com toda a clareza com o fim do dólar enquanto moeda de reserva universal e principal moeda das transações internacionais, comerciais e financeiras.

Porém, estes fatores não se podem analisar isoladamente. Tem igualmente de se evocar  em todo o «Ocidente» e em particular, nos EUA,  a retração do domínio da liberdade de expressão, do direito de se ter opinião própria, mesmo que esta negue a do governo, mesmo que esteja em contradição com a opinião da maioria. 

Com efeito, os ataques à liberdade de expressão e difusão do pensamento acabam por ter um efeito duplo: São, por um lado, a demonstração óbvia da falsidade de que são uma democracia, perdendo o seu regime apoio interno e - sobretudo - ao nível internacional. Por outro lado, fazem com que muitos indivíduos em altos cargos, públicos ou privados, tenham uma visão distorcida da realidade. Isto está na origem da multiplicação de decisões equivocadas ou francamente estúpidas, em diversos assuntos de importância fundamental para o regime..  

O fim do privilégio exorbitante, expressão primeiro usada pelo ex-presidente francês Giscard D'Estaing para caracterizar o estatuto de moeda de reserva do dólar dos EUA, parece não inquietar a classe política corrupta e pouco preocupada em disfarçar a sua corrupção. Ela parece só estar preocupada em exercer o poder para encher os bolsos, com dinheiro público, ou com doações (luvas) privadas ou de empresas. Quanto ao dinheiro público, ele é distribuído de acordo com os grandes interesses e sem qualquer controlo, beneficiando as grandes corporações da indústria farmacêutica ao armamento e às «novas tecnologias».

Mas não podem realmente impedir o facto de um novo sistema monetário internacional estar a ser construído, entre vários parceiros, com a garantia de que nenhum destes se aproveitará de uma posição de destaque ou dominância nas trocas comerciais ou com os seus trunfos estratégicos, para impor às outras nações um «diktat». 

Foi exatamente o que os EUA decidiram fazer com o dólar, a partir do momento em que julgaram que detinham a primazia, de que só eles tinham os meios e a «legitimidade» para impor ao resto do mundo a «rules made order» (ou seja; a ordem deles, feita com as regras ditadas por eles). 

É um caso típico de húbris, que lhes está a sair caro, pois os seus competidores e mesmo seus aliados compreenderam o perigo da instrumentalização do dólar: A brutal guerra económica contra a Rússia, em Fevereiro / Março de 2022, já estava a ser preparada de longa data. Se a Rússia não tivesse tomado, por sua vez e com grande antecedência, medidas para minimizar os ataques desenfreados das sanções, punitivas para toda a sua economia, estas teriam feito muito mais estragos à economia e ao povo da Rússia. Muitos acordaram e perceberam que os EUA eram capazes de fazer o mesmo com qualquer país que - em dado momento - não se conformasse com o seu domínio hegemónico. Foi assim que, os que governam os EUA, eles próprios enterraram o dólar. Conseguiram fazer com que o dólar deixasse de ser a divisa que todos gostavam de ter, para ser aquela da qual todos se querem ver livres, o mais depressa possível.

Está-se perante um notável exemplo de autoderrota duma grande potência. Isto é um caso de húbris, por terem avaliado erradamente o seu poderio, por acreditarem na sua própria propaganda. Isto diz-nos muito igualmente, sobre as «elites» do poder nos EUA.   

domingo, 15 de maio de 2022

MITOLOGIAS (III) QUIMERAS

Chamam-se quimeras, as figuras de animais fantásticos, parte de uma espécie e outra parte, de outra. O termo também se aplica quando uma das partes em causa é humana, sendo a outra animal. Será o caso, por exemplo, das quimeras célebres, as esfinges e as sereias.

Tanto umas como outras, têm uma parte do corpo, de origem humana (do sexo feminino) e outra parte de animal. Hoje irei apenas referir um caso das sereias, deixando pra outras alturas a reflexão sobre outras quimeras. Há tanto por onde escolher, que seria impossível fazer um artigo pequeno, como os desta série «Mitologias»; seria necessário fazer toda uma série deles. Com efeito, quase todos os relatos mitológicos envolvem, num ou noutro ponto, um animal que se pode chamar de «quimera»; em todo o caso, desempenham funções de relevo num número incalculável de mitos.




As Sereias

Mulher-Peixe seria a definição das sereias, porém, verifica-se que podiam tomar o aspeto de aves parecidas com mochos, a julgar por um vaso pintado de terracota, descrevendo a história de Ulisses, tentado pelas sereias.


O canto das sereias era a perdição dos marinheiros que, seduzidos, mergulhavam no mar revolto, para nunca mais voltarem.

Ulisses, porém, fez-se amarrar ao mastro do barco pela sua tripulação. Esta, por ordem do seu capitão, tinha tapado os ouvidos com tampões de cera, enquanto ele - Ulisses - tinha os ouvidos bem abertos, mas não podia libertar-se das amarras. Teve possibilidade de ouvir os sons maviosos que emitiam esses seres fantásticos, mas sem sucumbir ao mal de enlouquecer e de as seguir para o abismo.

A alucinação de Ulisses e de tantos marujos era efetivamente sonora: ninguém sobrevivia a esse sortilégio, pelo que ninguém podia exprimir ou explicar em que consistiam esses cânticos tão sedutores, que causavam a perdição de tripulações inteiras.

Estamos perante uma história que teve com certeza inúmeras versões orais, antes de Homero a registar na Odisseia, admitindo que Homero ele próprio não fosse um mito, admitindo ainda que tenha sido ele, não apenas a compor, como a dar a versão escrita, hoje conhecida, da Ilíada e da Odisseia.

Mas, esta história não tem a ver com quaisquer híbridos de mulheres e animais, ou até mesmo com os perigos que enfrentavam os marinheiros nos mares desconhecidos. Mesmo que a narrativa linear esteja exatamente descrevendo essa ocorrência. Estamos no reino da poesia, da metáfora, do conto moralizante, de tudo menos de uma descrição de qualquer fenómeno natural.

Eu não acredito que as histórias maravilhosas - ou mitos - que os homens contaram e transmitiram oralmente, desde tempos imemoriais, fossem vistas por eles como relatos de acontecimentos, de fenómenos naturais ocorridos, ou até como testemunhos fiéis das aventuras de heróis famosos.

Não; o mito não era algo da ordem do real. Não creio que o vissem como sendo algo extraordinário, mas ainda assim, na esfera dos possíveis. Antes, como a fantasia revelando uma verdade oculta, algo que era importante os homens tomarem consciência, ficando precavidos e capazes de reagir perante sua ocorrência.

No caso do cântico das sereias, é evidente que a metáfora é a do coro de elogios, de melodias maviosas, irresistíveis a muitos ouvidos, mesmo aos dos marinheiros empedernidos e dos heróis calejados da guerra de Troia.

Ou seja, o tema real é a tentação dos homens. De sucumbirem ao efeito sedutor das fanfarras, dos elogios, das glórias, que acompanham os vencedores. Seria o referido cântico uma metáfora da corte de bajuladores que acompanha os vencedores, que os leva à embriaguez da vitória ou «húbris», pela qual estão dispostos a cometer as maiores loucuras, como a de mergulhar num mar tempestuoso, para irem ao encontro das vozes canoras.

A "vox populi" (dos romanos), era essa voz que entoava os cânticos de sereias. Era essa a tentação que era preciso, a todo o custo, evitar. A voz coletiva que desencadeia a loucura para a qual são arrastados os heróis, de repente guindados ao cimo do poder.

Hoje em dia, não existe freio, nenhuma retenção por parte dos poderosos. Eles dominam através das «vozes de sereias» da comunicação social.
Notem que «media» significa mediador. Este mediador (coletivo) substitui-se ao que deveria ser a voz do povo.
A «vox populi» já não se exprime de modo nenhum; a substitui-la ouvem-se apenas os gritos, apelos «patrióticos» e outros slogans «encantatórios», que têm como destinatários, não os ouvidos dos poderosos - eles é que encomendam tais sinfonias - mas os nossos.
O vozeiro obsessivo, permanente da media, destina-se a que o povo permaneça iludido, ou pior, que se encaminhe para o precipício, inconsciente de que quem o embala com cânticos de sereias, são os donos da sua escravidão.
Já não é sem tempo, que as pessoas acordem do seu encantamento ou hipnose: Pois elas são como os marinheiros, mas sem os tampões de cera e sem um Ulisses para sabiamente as guiar.