domingo, 4 de setembro de 2022

MITOLOGIAS (XI) HISTÓRIA NATURAL DO UNICÓRNIO

Há uma certa dificuldade em compreender como é que se construiu este mito do unicórnio. Este animal magnífico foi, desde a Grécia Antiga e em narrativas posteriores, descrito como possuindo muitas virtudes e qualidades benéficas. Isto contradiz a tendência claramente dominante do «bestiário mitológico». Dos dragões aos lobisomens, quase todos possuem propriedades inquietantes, aterradoras.
O unicórnio é um animal muito belo, geralmente parecido a um nobre cavalo, de cor branca, simbolizando a pureza. É dócil perante donzelas, para junto das quais se dirige respondendo, solícito, ao seu apelo. Personificação do bem, da nobreza, da coragem, é um dos animais mais representados na heráldica. Algumas vezes, está presente no interior do próprio escudo heráldico; noutras, fora dele, segurando estandartes, como em muitos brasões. 
 
                                 
As propriedades do único corno do animal também eram maravilhosas: as taças dos reis e doutros personagens poderosos eram - às vezes - em chifre do unicórnio, considerado um antidoto eficaz contra venenos e infeções. Na «lógica por analogia», um fragmento do animal que simboliza a pureza, seria ele próprio, remédio ou preventivo eficaz contra substâncias impuras.

                    

Mas, se o unicórnio é animal lendário, a sua marca distintiva, o "chifre" (na realidade, um dente), não é um objeto imaginário: Seu detentor, o narval, é uma espécie de baleia do Oceano Ártico. Nos machos, um dos dentes cresce desta maneira. Após a morte dos mamíferos marinhos, é natural que algumas presas (dentes muito modificados) se destaquem do esqueleto e vão dar às costas geladas que rodeiam o Oceano Ártico desde o extremo Norte da Rússia e Norte da Escandinávia, à Gronelândia e Leste do Canadá.

                       

Para quem os recolhesse, tal poderia significar - senão o enriquecimento - pelo menos, um rendimento considerável. Depois, uma longa cadeia de intermediários encarregava-se de fazer chegar os espécimes raríssimos - com o seu preço decuplicado, pelo menos - a palácios reais e mansões de ricos comerciantes.
Os dentes de narval são representados em pinturas e frescos por artistas medievais, do renascimento e posteriores enquanto chifres de unicórnio. Algumas vezes, são montados em pedestais, como raridades preciosas.

O século XIX, apesar do seu cientismo e sua racionalidade, não esqueceu completamente o gentil unicórnio:
                              
O professor Charles Lutwidge Dodgson, mais conhecido pelo seu pseudónimo Lewis Carroll, escreveu, em «Alice no País das Maravilhas», um diálogo entre um Unicórnio e Alice (1).
Carroll, professor de lógica matemática, inventa um diálogo pleno de humor. Estabelece a equivalência perfeita entre a «realidade de Alice» (personagem ficcional) e a «realidade do Unicórnio» (outro personagem ficcional). Esta equivalência é afirmada através de um truque, ou falácia: «se tu me reconheces como real, então eu também te reconheço» ou seja, mútuo reconhecimento como «critério de verdade», entre personagens ficcionais.
Neste diálogo, CC. L. Dodgson/ Lewis Carroll desfaz humoristicamente aquele género de falácia.


No século XXI, deu-se um novo sentido ao termo unicórnio, mas no vocabulário dos «traders».
Na gíria da finança, uma empresa «unicórnio» é aquela que rapidamente atinge um valor considerável em bolsa, com elevados lucros, sobretudo para os que primeiro nela apostaram. Infelizmente, o mais frequente, é que empresas «unicórnio» sejam uma autêntica fraude. Verificou-se a entrada em bolsa de empresas destituídas de receitas (2), antecedendo tanto a crise das «dot.com» do ano 2000, como o grande crash de 2008. 


Hoje, classificar uma dada empresa como «unicórnio», pode ter conotação irónica, designando empresas lançadas com muita publicidade, mas sem substância, que atraem os investidores ávidos de lucros fáceis. As cotações destas empresas, inicialmente sobem muito depressa e logo também depressa descem, podendo mesmo ser varridas, num instante.
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1) DIÁLOGO : ALICE E O UNICÓRNIO (de «Alice no País das Maravilhas»):

 ‘What—is—this?’ he said at last.

‘This is a child!’ Haigha replied eagerly, coming in front of Alice to introduce her, and spreading out both his hands towards her in an Anglo-Saxon attitude. ‘We only found it to-day. It's as large as life, and twice as natural!’

‘I always thought they were fabulous monsters!’ said the Unicorn. ‘Is it alive?’

‘It can talk,’ said Haigha, solemnly.

The Unicorn looked dreamily at Alice, and said ‘Talk, child.’

Alice could not help her lips curling up into a smile as she began: ‘Do you know, I always thought Unicorns were fabulous monsters, too! I never saw one alive before!’

‘Well, now that we have seen each other,’ said the Unicorn, ‘if you'll believe in me, I'll believe in you. Is that a bargain?’

‘Yes, if you like,’ said Alice.


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(2) Ou não produziam realmente qualquer produto ou serviço, ou - caso produzissem - eram cronicamente deficitárias. Apesar disso, puderam ser inscritas nas bolsas de ações!


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ARTIGOS ANTERIORES DA SÉRIE MITOLOGIAS:



sábado, 3 de setembro de 2022

J.S. BACH: PRELÚDIO & FUGA E EM LÁ MENOR BWV 543



O Prelúdio e fuga em Lá menor é um exemplo de stylus fantasticus, designação utilizada pelo teórico e crítico musical Matheson. Este estilo é característico das peças de órgão, não diretamente litúrgicas, da Escola do Norte da Europa, principalmente de Dieterich Buxtehude. Este mestre teve a maior influência no jovem Bach, nos seus anos de formação.
Conhecem-se alguns pormenores da visita que J. S. Bach efetuou a Buxtehude. É um episódio bem conhecido da sua biografia. O jovem organista de Muelhausen, para visitar Buxtehude, efetuou uma viagem a pé (centenas de quilómetros!), desde a Alemanha Central, até à cidade portuária do Báltico, Luebeck. Tal era o desejo de aprender com o Mestre da Escola do Norte!
Deparou-se-lhe em Luebeck a possibilidade ficar com o posto de organista da Marienkirche, ocupado por Buxtehude. Porém, nesses tempos, havia que respeitar as tradições. Era costume o candidato ao posto casar com a filha do organista-titular em funções. Esta regra rígida e autoritária, fazia da filha do organista-titular uma espécie de «moeda de troca» para um jovem poder alcançar o posto prestigioso. Se a regra funcionou para outros, tal não aconteceu com Bach: Talvez achasse demasiado feia e antipática a filha do Mestre Buxtehude, ou por qualquer outro motivo.

Bach regressou a Muelhausen sem noiva e sem o lugar de organista da Marienkirche. Ele demorou-se, porém, muito mais do que o tempo que lhe tinha sido autorizado. Apesar disso, Bach não foi despedido e manteve-se em Muelhausen como organista, até conseguir o mais prestigioso lugar de Mestre-de-Capela do Duque de Weimar.

Mas, afinal, a visita a Buxtehude permitiu que Bach assimilasse, deste e doutros mestres do Norte, o exuberante e luminoso estilo, que transparece nas Toccatas, Fantasias e Prelúdios.

O Grande Prelúdio e Fuga BWV 543 é uma magnífica peça no referido estilo!

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PRELÚDIO & FUGA E EM LÁ MENOR BWV 543

MARIE-CLAIRE ALAIN (órgão)

HELÈNE GRIMAUD (piano)




Este prelúdio e fuga BWV 543, é aqui executado por Marie-Claire Alain, da sua integral das obras de Bach para órgão (1980).



Helène Grimaud executa a transcrição para o piano por Franz Liszt, numa gravação memorável, de grande sensibilidade e perfeito domínio técnico, como é habitual na famosa interprete.


sexta-feira, 2 de setembro de 2022

ENTREVISTA com ARIANE BILHERAN + Simpósio em Lisboa


ENTREVISTA com ARIANE BILHERAN
 Ela define e analisa o totalitarismo digital.
 Nunca será demais prestar atenção ao que diz e escreve esta psicanalista. Ela faz parte do pequeno número de pessoas que têm mostrado, com rigorosa acuidade, as perversidades da nossa época.  



                                     (Pode ativar legendas em francês ou inglês)


A. Bilheran participa, em Lisboa, nos dias 10 e 11 de Setembro, num Simpósio: 

         Corrupção e fraude na crise da COVID desde 2020 

                          Outra visão desde a Francofonia 

As decisões políticas impostas a toda a população, desde o primeiro trimestre de 2020, não têm precedentes na História, tanto pela sua violência como pelo seu motivo e magnitude. Com este colóquio, queremos apresentar vários trabalhos de investigação francófona sobre as modalidades de corrupção, que não se referem apenas á corrupção médica, já tratada outros lugares. Iremos abordar a corrupção sistémica, política, mediática, científica (epidemiológica, matemática, informática, estatística...), jurídica, filosófica e psicológica com uma análise crítica dos últimos anos. O quadro completo refletirá o papel da corrupção na deriva totalitária, a fraude que permite organizar a manipulação de massas e obter o consentimento. Portanto é essencial ver com claridade e o objetivo desta conferência será proporcionar ferramentas para um discernimento mais agudo. 

Ver detalhes no site de «Aliança Pela Saúde Portugal»: 

quinta-feira, 1 de setembro de 2022

O DINHEIRO DOS OUTROS ? ... DE QUAIS OUTROS?

 «O problema com o socialismo, dizia Margaret Thatcher, é que no final esgota-se o dinheiro dos outros»



Eu não quero fazer aqui a refutação desta célebre frase, nem argumentar de alguma maneira se isto é «socialismo», se é a essência do socialismo. Obviamente, trata-se duma frase-choque, propagandística, que, no seu cinismo, tem sido utilizada «n» vezes pelos neoliberais para, supostamente, desfazerem todos os argumentos favoráveis ao socialismo.  

Ora, o problema com esta frase é que, afinal, ela se ajusta muito bem para descrever o capitalismo parasitário, descabelado, mafioso, que tem predado os países ditos de democracia liberal, principalmente os países da Europa ocidental (Países da UE, Reino Unido) e América do Norte (EUA, Canadá).

Com efeito, nos cerca de 40 anos de contrarreformas «neoliberais», os sectores empresariais conseguiram situações de monopólio ou de oligopólio, como beneficiários de ondas sucessivas de privatizações. Esta entrega, pelos governos aos privados, abrangeu vários domínios tradicionalmente reservados à propriedade pública, administrada segundo o critério do interesse público e não seguindo a lógica empresarial, ou seja, a do lucro: Saúde pública, transportes públicos, escolas, pensões, até mesmo, prisões ... Tudo isso tem sido privatizado «a marchas forçadas» e sempre seguindo o «script» neoliberal. 

Os resultados, como todos nós podemos constatar, em termos de qualidade, eficiência e universalidade destes serviços, piorou a olhos vistos, em vários sectores, senão em todos. Isto não é para surpreender alguém que tenha uma visão clara do funcionamento típico da empresa privada: Com efeito, esta funciona, em primeiro lugar, para obter rendimento para os seus acionistas.  Se um hospital privatizado tem deficiências crónicas no pessoal auxiliar, enfermeiros e médicos, isso deve-se a uma política deliberada de baixos salários, de sobrecarga laboral, etc. Não admira que tal aconteça, num contexto em que a oferta pública não exista ou, se existe,  é demasiado exígua, também ela sofrendo de vicissitudes várias. 

Neste exemplo, tal como se verifica noutras empresas sujeitas a privatizações, a entidade privada, uma vez conseguida a situação de monopólio e perante reguladores estatais que não o são, irá fazer com que a rentabilidade do investimento seja maximizada, como em qualquer outro negócio.

Pois bem, as privatizações de empresas estatais ou de segmentos da administração pública, correspondem a privatizar algo que foi um investimento de longa duração, da sociedade no seu todo, que contribuiu, pelos seus impostos e pelo trabalho dedicado de gerações de seus próprios funcionários,  à construção, desenvolvimento e manutenção destas instituições de interesse público. Portanto, o povo foi esbulhado, pela mão criminosa de governos corruptos, ao serviço da oligarquia, para servir esses interesses privados e sabendo muito bem que estava a ceder valiosas organizações e empresas públicas, «por um prato de lentilhas». Pior ainda, sabendo que, ao retirar do Estado a posse destas empresas públicas, estava a fazer com que ele perdesse controlo efetivo sobre serviços indispensáveis,  fundamentais na vida coletiva, como saúde, escola, vias de comunicação, etc, etc.

O neoliberalismo foi uma contra-reforma à era de social-democracia, em que a economia e os Estados se encaminhavam em direção a economias «mistas», com um forte sector público e um sector privado também forte, mas regulado. 

A desindustrialização, levada a cabo - em simultâneo - em quase todos os países ocidentais, permitiu a transferência de indústrias para os países do chamado Terceiro Mundo.  Essa política, permitida e encorajada pelos neoliberais aos comandos dos vários governos, teve múltiplas consequências desastrosas: 

- Aumentou o desemprego. Isto foi vantajoso somente para a classe capitalista (no curto prazo), pois exerceu pressão para baixo nos salários.

- Diminuiu a autonomia dos países, que se tornaram importadores líquidos de bens manufaturados e não exportadores, como tinham sido durante décadas e séculos!

- Potenciou a financeirização da economia, o que se traduziu pelo hiperdesenvolvimento do setor não-produtivo, mas especulativo, da finança. Por sua vez, face ao liberalismo dogmático reinante, os países tiveram de aceitar a «livre circulação de capitais», o que se traduziu numa sangria de capitais para paraísos fiscais, sobretudo, onde tinham maiores taxas de juro e menores (ou zero) impostos. 

- Retirou aos Estados a sua base de impostos. A redução do número de empresas sediadas nestes países e capazes de gerar lucro, implica a perda de impostos para o Estado. A redução do número de trabalhadores também causa perda de impostos (impostos do trabalho). 

- Finalmente, o desaparecimento da exportação de mercadorias, não apenas empobrece os setores em causa, como deixa o Estado sem poder recolher os impostos, que normalmente recolheria, nas várias etapas do processo. Pelo contrário, tendo o Estado de se financiar com impostos sobre importações, vai onerar os trabalhadores desse Estado: Vai retirar-lhes rendimento disponível para o consumo, a poupança e o investimento.

Como se pode verificar, o que aconteceu com o triunfo do neoliberalismo, com as políticas concretas de privatização e de desregulamentação, assim como a aceitação (ou, mesmo, o convite!) da exportação da base industrial para os países do Terceiro Mundo, foi o equivalente a um enorme saque, uma transferência de riqueza dos pobres para os ricos e um empobrecimento geral duradouro destas sociedades. 

As classes laboriosas de todos os países ditos ocidentais, deveriam pedir contas aos capitalistas e governantes, que são os responsáveis pelo estado deplorável e o recuo muito acentuado das condições de vida que estão experimentando. 

A «justificação» do COVID, primeiro e da invasão da Ucrânia pela Rússia, depois, como responsáveis pelos males que assolam o planeta deve ser varrida como narrativa falsa, fabricada por aqueles que querem esconder sua responsabilidade na destruição económica dos seus próprios países ao longo de décadas e que se traduz no presente  colapso. 

Para mim e para quaisquer pessoas lúcidas, a frase célebre de Margaret Thatcher deveria ser reescrita assim: 

«O problema com o capitalismo neoliberal, é que no final, esgota-se o dinheiro dos outros»


quarta-feira, 31 de agosto de 2022

MITOLOGIAS (cap. X) : CASSANDRA, DA ILÍADA AOS NOSSOS DIAS

Quando falamos de Cassandra, estamos a falar de um mito, independentemente de ter existido, ou não, uma princesa em Troia com tal nome.

 A história contemporânea não reconhece a Ilíada como um escrito histórico, que sobreviveu miraculosamente, primeiro oralmente, depois por escrito, relatando a guerra das cidades-estado do Peloponeso contra Troia. Porém, a constante utilização do longo poema pelas artes, poesia e literatura nos séculos após os supostos acontecimentos,  tem criado a ilusão de que os episódios da obra atribuída a Homero seriam, senão historicamente exatos, pelo menos, verosímeis.

De facto, o que se sabe seguramente pela arqueologia, é que Troia existiu, mas que houve uma sucessão de cidades, umas sobre as outras. Além disso, não houve uma única guerra de Troia, mas sim várias. O relato de Homero (ou atribuído a Homero) poderia ter condensado, numa única narração, o longo período de guerras de  Troia contra exércitos coligados das cidades-Estados gregas.  

Podemos - portanto - considerar que Cassandra, tal como está descrita na Ilíada, releva do mito, mais do que da História mitificada. 

Eu vejo a história de Cassandra (*) como simbólica dos comportamentos das sociedades, em relação às pessoas com maior visão, mais sábias, corajosas, e sabendo que estão a ir contra a corrente mas - ainda assim - dizendo a verdade, custe o que custar,  face aos poderosos e ao povo. 

A obra de Luís de Camões contém uma «atualização» de Cassandra, na figura do «Velho do Restelo». Este desempenha, no poema épico «Os Lusíadas», a mesma função que Cassandra, na Ilíada: Profetizar perigos e desgraças que ocorrerão a Portugal e aos portugueses, em consequência do lançamento das ambiciosas e aventureiras viagens marítimas, a partir dos finais do século XV.  

Uma caraterística comum nas «Cassandras» que se nos deparam ao longo da História, é que seus vaticínios, embora pareçam sensatos quando são lidos após os acontecimentos, foram descartados como  fantasias, sintomas de loucura, palavras vãs, pelos indivíduos que, contemporaneamente, ouviram ou leram tais profecias. 

Figura: Aquando da queda de Troia, Cassandra, que se refugiara no templo de Atena, é  violada e depois feita escrava.

No mito, Cassandra é abençoada com um dom, que consiste na capacidade de ver o futuro e, em simultâneo, é amaldiçoada com a impossibilidade de que suas palavras sejam tomadas a sério por seus concidadãos, incluindo a sua própria família. 

Na nossa época, as «Cassandras» avisaram com detalhe e antecedência e, como na lenda, não foram ouvidas. No âmbito económico, mas com grande repercussão política, a chamada «crise das sub-prime» (2008), levou ao quase desmoronamento do castelo de cartas da economia financeirizada. Esta crise foi prevista - com antecedência - por mais do que um analista dos mercados, incluindo figuras célebres do mundo financeiro.  

Mais recentemente, autores de várias escolas de pensamento económico, têm feito avisos muito enfáticos sobre a iminência de um colapso muito superior, em magnitude, ao de 2008. Os avisos são dirigidos ao poder financeiro nos bancos centrais e ministros da economia e finanças dos governos. Estes preocupantes alarmes têm sido também publicados na media, ao alcance do mais amplo público. 

Estes avisos, como os das outras «Cassandras» da História, estão a ser completamente ignorados, por quase todos: Desde pequenos especuladores, a gestores de Wall Street e doutros centros financeiros, a políticos - tanto no poder, como na oposição. Para mim, esta situação não só ilustra a enorme miopia dos poderes, especialmente após o quase colapso de 2008, como parece ser uma enésima atualização da história de Cassandra da Ilíada.

As multidões costumam ignorar, escarnecer, ou mesmo, violentamente atentar contra pessoas que vêm contrariar preconceitos e medos obsessivos. A fúria das multidões é estimulada por ditadores e demagogos, que assim defletem a ira e a frustração popular para que, perante as consequências de suas decisões aventureiras e fatais, nunca lhes sejam atribuídas responsabilidades, mas ao «bode expiatório». 

As pessoas com lucidez e juízo, nestes tempos conturbados, devem ser discretas. Não se devem expor, pois seriam «arrastadas na lama», ou ostracizadas, no mínimo. Devem preservar-se, pois de nada serve tentar convencer uma multidão fanatizada ou hipnotizda

Estas tentativas vãs apenas irão exacerbar a vontade de vingança das massas enganadas, que julgam que «o mensageiro das desgraças» é o causador das mesmas. O mensageiro é castigado em vez do tirano, que afinal de contas, é o causador das más notícias trazidas pelo primeiro. 

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(*) Citação da «Cassandra» de Friedrich Schiller:

« Por que me encarregaste tu de proclamar as tuas profecias com um pensamento lúcido numa cidade cega? Por que é que me fazes ver aquilo que não poderei desviar do nosso povo? O destino que nos ameaça deve cumprir-se, a infelicidade que eu temo tem de realizar-se, a desgraça que eu antevejo tem de acontecer»...

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ARTIGOS ANTERIORES DA SÉRIE MITOLOGIAS:

terça-feira, 30 de agosto de 2022

J.S. BACH: FANTASIA E FUGA BWV 542

KATJA SAGER & ANASTASIA SEIFETDINOVA: DUAS INTERPRETAÇÕES DA FANTASIA E FUGA BWV 542


A Fantasia e Fuga em Sol Menor de Bach é a peça mais impressionante para o órgão, do Mestre barroco. Eu ouvi, ao longo dos anos, diversas versões da mesma. Porém, a luminosidade e o tempo adequado na interpretação de Katja Sager, dão-lhe uma força e beleza insuperáveis, que me fazem preferir a sua versão a todas as outras.

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Anastasia Seifetdinova, nesta gravação em recital, com seu perfeito domínio técnico e estilístico, permite-nos apreciar a força e delicadeza que emanam da transcrição pianística de F. Liszt da peça para órgão de Bach.





segunda-feira, 29 de agosto de 2022