quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

A CASTA, ou a colonização do Estado pelas corporações

 Vou tomar um pouco de recuo. Vou tentar abarcar neste escrito de reflexão sobre política, uma visão panorâmica da Evolução do Estado, do Estado moderno em particular, da imbricação entre o Estado e os interesses corporativos, no capitalismo. Não irei ser exaustivo. Excluirei desta discussão os «capitalismos de Estado», que passaram por «socialismos», não que não sejam interessantes, mas pelo facto de serem merecedores doutra reflexão, centrada neles.

Eu irei refletir sobre o chamado «capitalismo de conivência», designação que eu acho a mais apropriada para traduzir do inglês «crony capitalism», ou do francês «capitalisme de copinage».

Adotarei um ponto de vista marxista, no sentido de dar como provado que o Estado é sempre uma configuração do poder, moldada de acordo com os interesses e a visão geral da classe dominante. Isto, sempre se verifica, em última análise, por mais que os discursos ideológicos - por vezes, só retórica vazia - tentem nos persuadir de que o Estado tem como vocação salvaguardar o interesse geral, por cima dos interesses particulares.

Aquilo que chamam neoliberalismo e se pode caracterizar justamente como nova etapa do relacionamento do capital (o «business») com o poder estatal, não caiu do céu. Houve homens e mulheres que fizeram muito para que ele triunfasse, teve organizações que o promoveram, estrategas que o pilotaram e -sobretudo- capitalistas oligárquicos, beneficiários da viragem, ocorrida desde o fim dos anos 70 do século passado, até hoje. 

Na verdade, estamos a desembocar numa nova era. Mas, não é uma era em rutura com o que foi, no passado. Porém, é preciso não cair na ingenuidade teórica de a julgar pelos mesmos padrões que os do passado. Isto, porque, justamente, os padrões do passado serviram para a sociedade desse passado: Eram adequadas as visões de um Locke, de um Montesquieu, de um Marx, ou ainda de muitos outros brilhantes teóricos, para as suas épocas respetivas. Nessas épocas, eles tentaram descrever, analisar e, por vezes, reformar ou revolucionar, a sociedade que estava diante de seus olhos.

A sociedade medieva e o seu prolongamento até ao final do século XVIII foi caracterizada como sociedade feudal, organizada em torno dos «estados» ou «ordens». Eram a nobreza, o clero e o povo, cada uma com o seu lugar na sociedade, sendo tal ordem imutável, pois derivava da vontade Divina. Este complexo mental, que justificou os Estados monárquicos e o feudalismo, como «modo de produção», teve o seu «veneno mortal» no capitalismo nascente. Não irei aqui refazer a História, que está feita por inúmeros historiadores,  isso seria presunção da minha parte. Mas a sociedade transformou-se, com o advento do capitalismo. Este, a partir do momento em que se tornou na força dominante, foi moldando, não apenas a esfera económica e produtiva, mas também o poder de Estado. O nascimento do Estado moderno não se fez de uma vez e sem sobressaltos, antes pelo contrário.

Porém, o sistema binário «Estado-capital» foi-se modificando ao longo do tempo, sendo visível uma cada vez maior concentração do capital nas mãos da finança. Também, os próprios bancos tomaram o controlo, de facto, sobre a indústria. A partir de certo ponto, sobretudo após a IIª Guerra Mundial, os grandes empórios da finança avançaram para tomar o controlo dos Estados.  Conseguiram dominar as próprias instituições de regulação públicas, construídas após a referida guerra. Com efeito, as instâncias estatais, regionais e mundiais foram colonizadas por «apparatchik» formados na ortodoxia neoliberal. Estes, tomaram por dentro estas mesmas instituições. Este processo ocorreu a vários níveis e em simultâneo. 

Sei que sou totalmente incompetente para escrever esta História, ou seja, a história de como o capital financeiro e das empresas tecnológicas (como as da «Silicon Valley») se foram apropriando do controlo das instituições estatais. Note-se que estas instituições de direito público (nacional ou internacional) eram, ao mesmo tempo, reguladoras dos mercados e tinham capacidade de sancionar os negócios da banca e das grandes empresas multinacionais. Este processo de infiltração e controlo, tanto ao nível de instâncias nacionais (Estados-Nação), como regionais (ex.: União Europeia), ou globais (OMC, FMI, BIS, etc.), teve o resultado prático de pôr os grandes grupos corporativos acima de qualquer lei, de qualquer regulação. São, simultaneamente, os «réus» e os «juízes» em causa própria. No máximo, terão algumas multas cosméticas, sem efeito na rentabilidade dos seus negócios ou somente repreensões moralizantes. De qualquer maneira, se soubermos dos escândalos, quer nacionais, quer internacionais vemos, pelo modo como não se fez justiça, que este mundo é regido, não pela lei (dos Estados ou Internacional), mas - de facto - pela força, pela chamada «lei do mais forte».

O papel do Estado, nestas circunstâncias, é cada vez mais reduzido. A função principal que lhe é reservada, é a de reprimir o povo, mas dando a ilusão de que está ao seu serviço. Vimos isso com a repressão do movimento dos «Gilets Jaunes» em França, ou dos protestos contra a obrigatoriedade da vacinação anti-COVID e das políticas de «lockdown». A mesma coisa se observou, em relação muitos outros movimentos populares, nos últimos 20 anos, em particular. 

A exceção (o facto de não haver repressão pelas forças da «ordem»), são as manifestações identitárias (sobre a igualdade de género, o combate à homofobia, antirracismo, etc.). Mas, esta luta identitária e parcial é sempre liderada por pessoas imbuídas duma ideologia favorável à classe reinante. Esses líderes põem as suas lutas parciais em oposição a outras,  nomeadamente às lutas de classe de caráter económico. Porém, a luta contra a exploração económica nunca deixou de ter razão de existir, como é evidente. 

As  lutas de classe, as lutas pela paz, pela independência dos povos e nações e, ainda, a luta anti-imperialista, caracterizaram os movimentos sociais nos anos 60 e 70 do século passado. Nos anos mais recentes, elas foram controladas e depois anuladas pelos Estados, enquanto mandatários do grande capital, com a colaboração dos partidos que se revezavam no poder.

 A perversidade desta mudança e a falta de formação política dos cidadãos, fez com que muitos continuassem a «ter fé» nos dirigentes de partidos que recolhiam os votos do proletariado e da pequena burguesia.  Não viram  logo que estes partidos, nominalmente socialistas ou de esquerda, desencadeavam ou viabilizavam os piores recuos. E isso, continuamente, desde há 40 anos: A contrarreforma do código do trabalho, a contrarreforma do sistema de pensões e muitas outras, todas elas ditadas pelo capital globalista.


                             

Segundo Laurent Mauduit, ex-jornalista do «Le Monde» entrevistado por Aude Lancelin, aquando do lançamento do seu livro «CASTE», é possível retraçar precisamente e dar nomes, em relação ao processo de penetração da banca e das grandes corporações na ENA, a escola de administração do Estado francês. Esta, inicialmente, destinava-se a formar - de acordo com os interesses do Estado e não das corporações privadas - os quadros superiores da república. O processo teve várias etapas, mas o essencial é que o incesto crónico entre altos cargos públicos e executivos de empresas, levou a uma consanguinidade total. Isto permitiu exercer a «governança neoliberal», qualquer que fosse o governo de turno. A partir de certa altura, os diplomados por esta Escola foram ocupar lugares de topo na gestão das grandes empresas cotadas em bolsa e na banca privada, depois de terem ocupado cargos públicos, e vice-versa
Este livro, centrado na política francesa, permanece muito atual. Descreve fenómenos que também se observam noutros Estados ocidentais.

A casta política é a mesma que a casta dos negócios e dos empórios financeiros. Ela serve-se de peões para a sua política contra os povos:

- Os jornalistas da «média corporativa», tendo como proprietários os grandes capitalistas. A concentração da «mass media» é tal que, na prática, existe uma exclusão de tudo o que seja real ou virtualmente contrário à narrativa da oligarquia. São gentes dos media que têm conduzido, com enorme arrogância, campanhas de terrorismo psicológico, desencadeando uma psicose de medo na população, a pretexto do COVID.

- As «forças da ordem» são chamadas, com cada vez maior frequência, a desempenhar um papel repressivo. Foram treinadas/condicionadas, para exercer uma repressão brutal de qualquer dissidência, mesmo a mais pacífica. À medida que a situação social e económica dos desapossados piora, os governos vão recorrendo, com maior frequência às «forças antimotim». 

- As ONGs (Organizações Não Governamentais) que se têm posto ao serviço do globalismo. Usam «causas» como o «Aquecimento Global», a «Economia Verde», o «Feminismo». mas estas lutas foram tornadas inócuas. Foi desativado seu potencial revolucionário. Os que estão à frente dessas ONGs utilizam as suas posições de maior destaque para fazer carreira política. Muitos desses líderes acabam por ocupar cargos no governo, terem assentos de deputados, ou noutros postos do aparelho político. 

A total dominação do Ocidente pela «casta» irá trazer como consequência o fim da democracia liberal.  Como têm vindo a anunciar Klaus Schwab e outros, planeiam substituir a democracia liberal por uma ditadura, onde a técnica transgénica, nano-computorizada e a «AI» (Inteligência Artificial), serão aplicadas ao controlo total da sociedade. É o programa da oligarquia mundializada. Parece-se com romances ou filmes de ficção científica. Porém, desta vez, é a realidade.  

Infelizmente, não poderemos contar com os partidos de esquerda parlamentar para levar a cabo um combate eficaz contra a dita casta. Tal esquerda, antes portadora de esperança, passou a ser porta de entrada para a «casta». Evidentemente, não falo de toda a militância de esquerda, mas da «elite» nessa esquerda. Em vários países, tanto da Europa como da América do Norte, já não existe esquerda com representação parlamentar e coerente com os ideais que, antes, professava. É penoso ver que o termo «esquerda», só permanece válido como designação dos deputados que se sentam do lado esquerdo nos hemiciclos. A corrução e desnaturação dos sistemas parlamentares serve a oligarquia que, assim, poderá continuar a desenvolver o seu programa, deixando o povo na ilusão de que vive «em democracia».

Mas, as pessoas vão acabar por abrir os olhos, não há hipótese de que se mantenha por muito tempo o estado hipnótico,  perante realidades duras e em contradição com as ilusões induzidas. Com o rebentar da crise, vai haver revoltas, causadas pelo desespero. Serão reprimidas. Mas, o agudizar da crise vai impulsionar mais e maiores revoltas. A casta no poder não irá, voluntariamente, largar nem um pedacinho dos seus privilégios e luxos. A sua loucura  e arrogância são tais, que estão seguros de implantar uma  «nova era industrial»: a do «transumanismo». 

Só espero que, neste confronto, que eu vejo como inevitável, a «casta» seja varrida. 

PS1: Num artigo citado no Herland report, Paul Craig Roberts alerta-nos para o facto de termos escapado por pouco a uma tirania global: Se a «casta» não for arredada do poder, temo que acabem instaurando a tirania plena: Isto porque, no caso de permanecerem regimes com um certo grau de liberdade, os seus crimes poderão ser investigados, julgados e condenados. Como sabemos, eles são enormes e monstruosos. Para apagar o rasto deles, irão tentar impor a tirania, ou o totalitarismo.


AQUILO QUE NÃO TEM PREÇO [entrevista a Annie Le Brun]


 "Aquilo que Não Tem Preço" de Annie Le Brun, um livro de crítica da arte contemporânea e do capitalismo mundializado, que vem desfazer a ilusão gerada pela sociedade do consumo. 
A mercantilização da arte é parte integrante da mercantilização da própria sensibilidade humana.

terça-feira, 25 de janeiro de 2022

INVERNO [OBRAS DE MANUEL BANET]

                            «Paisagem vista através de janela»(Fyodor Smirnov)


Assomam pássaros esbaforidos aos beirais das janelas

Ventos frescos varrem as nuvens e trazem perfumes agrestes

Tudo a renascer à minha volta no tempo certo da Primavera


Mas aqui o Inverno permanece, não me veio visitar, comigo mora. 

Envolto em neve resplandecente abraça-me e seus frios lábios

Segredam amorosamente a cada instante da terna estação

- As memórias são teu vital sustento… o passado vive! 



segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

BLACKMAIL

 Segundo o pensamento das elites de Washington, para que o império EUA mantenha a sua hegemonia, precisa de inviabilizar a subida de qualquer poderio rival que possa colocar em risco essa hegemonia. É esse o caso da Rússia e da China, segundo os imperialistas americanos. Simples e direto, este raciocínio é falso e especioso. É basicamente erróneo, porque nunca nenhum poder, por maior que fosse, foi detentor duma hegemonia em todo o planeta. Querer isso, é um sonho megalomaníaco, que apenas o Império Britânico, onde «o Sol nunca se punha», tentou (e falhou), durante um período relativamente curto, menos de um século. Os poderes europeus, na sua expansão imperialista e colonial, entraram numa rivalidade mais acesa no século XIX, ao ponto de desembocarem na Iª Guerra Mundial, em 1914.

O sonho imperial de hegemonia planetária está decisivamente posto em causa pela subida em potência da China e da Rússia, aliadas e em sintonia, para enfrentar os ataques raivosos dos governos de Washington e das «repúblicas das bananas», em que se transformaram os países europeus, mesmo os mais ricos e com passado «glorioso». 

Em termos económicos e no longo prazo, os dois gigantes do Continente Euroasiático e seus aliados, estão preparados para enfrentar as mais drásticas sanções que os EUA e o «Ocidente» se lembrem de lançar. De facto, as sanções atualmente em vigor, lançadas com pretextos falaciosos, apenas tiveram efeitos nefastos para as economias europeias. Estas, ficaram com menos mercados para aí colocarem os seus produtos, ficaram também com menos matérias-primas para suas indústrias e carentes de componentes de alta tecnologia, como os «microchips», fabricados quase exclusivamente na China e fornecendo a indústria automóvel e de eletrodomésticos. O embargo de produtos agrícolas à Rússia teve como resultado o desenvolvimento rápido da agricultura russa, fazendo dela um setor exportador, além de ter atingido a autossuficiência no setor alimentar. Pelo contrário, as proibições de exportação para a Rússia, liquidaram muitas pequenas e médias empresas agrícolas europeias. Tiveram especial dureza nos países da orla do Mediterrâneo (exportadores de fruta e legumes frescos).

A fabricada «ameaça de invasão» da Ucrânia pelo exército russo, já tratada por mim detalhadamente noutro artigo  deste blog, tem como única razão de ser, que os americanos temem - acima de tudo - a independência energética dos alemães. 

Com efeito, a Alemanha possui um nível científico e tecnológico muito elevado,  e conservou sua infraestrutura industrial, ao contrário doutros países europeus que a exportaram largamente para o Extremo-Oriente, em particular. Por estes motivos, a Alemanha será, provavelmente, o poder dominante no século XXI, na Europa. Ora, para o imperialismo dos EUA, isso não será nada favorável: Na Alemanha está estacionado (desde o fim da IIª Guerra Mundial) um exército de ocupação americano, essencial para o dispositivo hegemónico no coração da Europa. Mas, nenhuma potência de primeira grandeza ficará satisfeita de ter um corpo estranho permanentemente estacionado no seu território, com as consequências políticas, económicas e de autonomia que isso implica.

A questão do «Nord Stream 2» é - portanto - o fator que está por detrás de toda a histeria fabricada em torno do «perigo» russo, da sua preparação da invasão da Ucrânia, que nunca foi, nem será efetiva, como já demonstrei anteriormente.

O jogo dos EUA é, antes de mais, um jogo de pressão destinado aos «aliados/vassalos» europeus, em particular, sobre os alemães. Do ponto de vista económico, a Rússia está pouco interessada em vender o seu gás natural à Europa. Ela tem um mercado sempre aberto e voraz em recursos energéticos, na China. Ela não terá problemas em colocar aí o seu gás natural, caso os europeus não o comprem. Pelo contrário, estes têm tudo a perder: um abastecimento regular e garantido, com preços estáveis, resultantes de contratos a longo termo. 

Sem isso, será impossível a Europa cumprir a severa transição energética, que a si própria impôs. Não vou aqui discutir se foram sábias, ou não, as decisões políticas e económicas dos governos europeus. Apenas constato que a transição para uma energia menos poluente (eliminação do carvão como fonte de alimentação de centrais elétricas, entre outros objetivos), fica posta em causa, se a Europa não puder contar com o gás russo, no período de transição. 

A referida transição tornou-se mais difícil, pela decisão de desativar as centrais nucleares, um pouco por todo o lado, na Europa, mas em particular, na Alemanha. Foi uma decisão precipitada, motivada, não pela necessidade, mas pelas agendas eleitorais na Alemanha e em vários outros países. 

Todos nós já sabemos que as energias eólica e solar não são operacionais, se não existir outra fonte de energia de produção constante, alimentando a rede elétrica. Por definição, nem as eólicas nem os painéis voltaicos, podem jamais ser fontes constantes. Também não existe qualquer processo pouco dispendioso de armazenar grande quantidade de energia duma fonte intermitente (como são as energias solar e eólica). Portanto, só a energia nuclear ou o gás natural poderiam fornecer a base de estabilidade para as redes de energia elétrica, aquando dos picos de consumo (ou quando é noite, ou quando não há vento).

A «solução» americana, de fornecer à Europa (no caso desta renunciar ao Nord Stream 2) gás de fracking, através da sua liquefação e envio em grandes navios-tanques, é uma «pseudo-solução». Envolve compressão, confinamento em tanques capazes de sustentar uma grande pressão, deslocação em navios-tanques, os quais têm de ter determinadas características. Todas as infraestruturas portuárias e todas as outras componentes do processo terão de ser construídas especificamente para este fim. O resultado é que a montagem do dispositivo  e a operação do mesmo, irão encarecer o produto. O envio de gás por gasoduto, é incomparavelmente mais barato e mais seguro. 

São dois, os motivos que levam os americanos a tentar impor aos europeus a renúncia ao «NS2» e ao gás russo: 

-Querem «desencravar» a indústria do fracking que está em crise: O preço do gás não cobre as despesas de exploração dessas empresas. Estas empresas que exploram o gás de xisto, fizeram empréstimos, sobre empréstimos que foram «segurados» pelos bancos. Estes, por sua vez, venderam esta dívida a clientes, tal como tinham feito com as hipotecas «subprime». A única maneira das empresas de fracking pagarem os empréstimos, é tornarem-se rentáveis, coisa que até agora não provaram sê-lo. Por razões ideológicas, não creio que o governo dos EUA vá subsidiar diretamente o setor do fracking.  Portanto, os vassalos europeus, quer gostem ou não, serão forçados a tornar viável este setor energético dos EUA, que é um enorme buraco, um péssimo investimento. 

- Querem partir a Europa em duas metades assimétricas; a metade que lhes é submissa, totalmente separada da Rússia europeia que é uma fatia muito grande da Europa. Lembremos que esta se estende do Atlântico aos Urais! A necessidade de terem a Rússia como inimiga é, sobretudo, a de terem na mão os seus aliados (súbditos) da Europa ocidental. Poucas pessoas sabem que a Rússia de hoje, apesar de ser um gigante, em termos de área, tem um PIB da mesma ordem de grandeza que uma Itália! Por isso, a estratégia americana é simples; trata-se de manter a tensão nas fronteiras europeias da Rússia, para que se eternize a NATO. Se esta se mantiver, a Europa continuará firmemente sob o controlo da «Nação indispensável» (Barack Obama dixit).

Não é nada difícil compreender - neste imbróglio relativo à «invasão» da Ucrânia - o seu papel de propaganda, de manobra de diversão: Trata-se de dissipar o efeito, nos aliados europeus da NATO, da posição russa de exigir uma negociação séria, para obter garantias sólidas quanto à sua segurança própria e dos seus vizinhos. Os europeus (de todas as nações) só teriam a ganhar com tal abertura de negociações diplomáticas, com vista à obtenção, para a Europa no seu todo, de garantias de estabilidade, tanto em termos militares, como políticos e económicos. Isso não poderá jamais agradar aos imperialistas americanos! 

Em primeiro lugar, ficaria claro que não é assunto deles, não têm legitimidade para se sentarem à mesa das negociações: não tem a ver com as fronteiras americanas, nem diz respeito às relações com os vizinhos dos EUA. Em segundo lugar, poderia desembocar na desativação da NATO, substituída por uma estrutura não-militar, mas diplomática. Essa estrutura iria debruçar-se sobre conflitos pendentes e sobre os futuros. Teria a função de encontrar vias para uma resolução pacífica, diplomática, dos mesmos. Talvez bastasse darem mais operacionalidade à OSCE.

Um «capo» da Máfia nunca vai aceitar que os seus «protegidos» se organizem fora da sua «proteção» (ou racket). Quanto tempo demorará a Europa a libertar-se deste «padrinho»? 

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PS1: Veja o vídeo de entrevista de «Grayzone» AQUI

PS2: Artigo de Mike Whitney extremamente bem documentado e demonstrando o absurdo da política americana em relação à Rússia, agora e desde o fim da Guerra Fria: https://www.unz.com/mwhitney/moscow-to-washington-remove-the-nukes-on-our-doorstep-and-stop-the-eastward-push/

PS3: Hoje 02/02/2022, síntese magistral sobre a crise Rússia/ EUA/NATO/Ucrânia https://www.paulcraigroberts.org/2022/02/02/the-world-needs-a-russian-chinese-pax-romana/ 

PS4: Artigo «How NATO Empire-Building set stage crisis over Ukraine» está escrito na perspetiva do constitucionalismo e dos valores tradicionais da América. É uma crítica contundente da geopolítica e política externa levadas a cabo pelos EUA desde o colapso da URSS. https://www.zerohedge.com/geopolitical/how-nato-empire-building-set-stage-crisis-over-ukraine

PS5: Este artigo descreve o jogo geopolítico americano, ao longo dos anos, em relação ao gás natural russo, importado pela Europa desde os anos 60.  https://www.zerohedge.com/geopolitical/pipeline-politics-hits-multipolar-realities-nord-stream-2-ukraine-crisis

PS6: Maria Zakharova põe a claro a situação de vassalos dos países europeus da NATO, em particular da Alemanha, face aos EUA. O que também eu tinha escrito há um mês. Qualquer pessoa não-mentecapta sabe que é assim. https://www.rt.com/russia/548712-germany-occupied-us-nordstream-zakharova/

PS7: Mike Whitney  «In a world where Germany and Russia are friends and trading partners, there is no need for US military bases, no need for expensive US-made weapons and missile systems, and no need for NATO.» https://www.unz.com/mwhitney/the-crisis-in-ukraine-is-not-about-ukraine-its-about-germany/ 

PS8: Conforme o artigo de Pepe Escobar, a guerra da energia segue o seu caminho, conforme eu previra há mês e meio!

[OBRAS DE MANUEL BANET] IRRADIAÇÃO CÓSMICA

 

                                                  Universo paralelo? Ver AQUI


Sem princípio nem fim,

Sem fim nem princípio

Em frente de mim o infinito

Em mim a escura pedra

Da cabeça aos pés

A vida que teima

E vive em si e por si

Não importam as elucubrações

A energia que banha o meu ser

É a mesma que banha todos os seres

Desde os primórdios do Universo

Somos.


(Murtal, Parede 24-01-2022)


domingo, 23 de janeiro de 2022

[REFLEXÃO] A «LIBERDADE» DE SER ESCRAVO

                 Leviathan: o poder é composto de muitos súbditos que formam a sua anatomia
 

Quando eu oiço, leio e vejo muitas das coisas que ocorrem no presente, fico estarrecido. Questiono-me, algumas vezes, por que razão as pessoas não acordam: Várias explicações psicológicas podem ser avançadas. Uma, que me parece aplicar-se com especial acuidade à época que vivemos, é a da «dissonância cognitiva». 

- O que é a dissonância cognitiva? 

Melhor que ninguém vos dirão os psicólogos, mas pelo que compreendo deste assunto, a dissonância cognitiva surge em situações de extrema tensão (stress), uma tensão que não se pode resolver, ou seja, o sujeito não pode nem escolher a «fuga», nem o «combate». Uso estes termos entre aspas, porque estas designam situações tanto em sentido literal, como metafórico. As pessoas vêm-se numa situação penosa, frustrante, incapazes de fugir ou de combater o mal que as atormenta. A dissonância surge da contradição entre a realidade que cerca o indivíduo e as crenças que lhes foram plantadas na mente, pela propaganda, educação, religião, etc. A fictícia resposta consiste em não querer ver a realidade, negar as evidências, em «preferir» acreditar nos contos de fadas, a ter que reconhecer que tudo em que se tinha «acreditado», era apenas uma mentira, era falso. Isto caracteriza o estado de denegação (= denial em inglês).

Na sociedade distópica atual, as realidades que todos podem constatar são negadas, enquanto nos obrigam a «acreditar» (ou a fingir que acreditamos) nas narrativas mais retorcidas e  absurdas. Por exemplo, vemos a transformação dos Estados ditos democráticos em ditaduras policiais; a criação duma classe de sub-humanos; a instauração de um apartheid «sanitário». Todas estas monstruosidades destinam-se a criar um estado de sideração e medo nas pessoas «normais»,* que «cumprem seus deveres e obedecem às leis». O problema, é que essas tais «leis» são celeradas (também ilegítimas e inconstitucionais). Quem as planeou e decretou, são  criminosos psicopatas; e quem as implementa, fica conivente desses crimes. 

    Mulher mostra o seu «passe vacinal»

O fosso entre o real e a narrativa imposta, por todos os meios, é cada vez mais gritante. A falsa lógica sanitária, mas - de facto - lógica de coerção arbitrária, acaba por moldar as nossas vidas. O que me faz pensar que a sociedade descrita por Orwell, no seu romance «1984», está aqui e agora. 

Um dos truques da media inteiramente ao serviço do poder, é colocar como algo no futuro, aquilo que já existe. Por exemplo: A vigilância generalizada, ou o controlo através de implantes debaixo da pele, etc. O truque de os colocar no futuro é subtil, pois nos convence que estes dispositivos não estão ainda a ser usados e que - a serem - apenas verão o dia em ditaduras autoritárias (nunca em democracias!). Mas estas medidas já foram postas em prática em vários países ditos democráticos. E muitas mais medidas estão na calha e serão implementadas no momento oportuno pelos poderes, quer no plano político, quer económico, quer noutro. Na verdade, as máscaras estão a cair, literal e metaforicamente. As oligarquias, os multimilionários que controlam as nossas vidas, sabem esconder-se por detrás da «ribalta» do teatro do poder, porém as máscaras nunca são perfeitas. 

Por exemplo, em Portugal, as grandes fortunas determinam quem vai ou não ser propulsionado para o poder, quem vai ter um papel importante dentro dos partidos, quem vai ter um lugar no parlamento, no governo ou noutra estrutura do Estado. A partir do momento em que determinado político é «apadrinhado», ele ou ela será «docemente» pressionado/a para adotar uma abordagem «realista», ou seja, que não ponha em causa os possidentes, os verdadeiros detentores do poder. 

E o que acontece quando o «cão morde o dono»? Se alguém se rebelar contra a mão (encoberta) que o guindou aos altos cumes do Estado, esse indivíduo será sabotado, excluído e denunciado pelos próprios colegas de partido. Toda a casta política, toda a media corporativa, sabem isso. Eles são os lacaios ao serviço dos verdadeiros donos. Os donos, são os que detêm as fortunas, as empresas, os bancos, etc... em Portugal, ou noutras paragens. 

Aliás, uma das caraterísticas curiosas do pós-25 de Abril de 74, é que todos sabem que os políticos e os empresários possuem contas offshore, muitas vezes, em nome de terceiros. Era fácil de comprovar isto, se fossem feitas auditorias (sérias) às contas dos políticos (sediadas em Portugal ou em offshores) e se fossem também investigadas as contas para as quais são transferidas, ou de onde recebem, somas importantes. Sem isso, vai continuar a haver uma total corrupção no Estado e na sociedade. Mas, embora todos saibam, todos «assobiam e olham para o lado». 

Os media e os políticos criam os chamados «factos políticos», ou seja, incidentes artificiais, de importância secundária, para gerar falso debate e polarizar a discussão. Assim, está garantido que não se levantarão questões incómodas. Estas questões estão excluídas de qualquer debate, ou entrevista com dirigentes partidários. 

A saber, por exemplo: Que políticos têm contas em off-shores? Quais os conflitos de interesse, ou seja, terem que legislar ou terem um papel de decisores em casos onde estejam envolvidos interesses próprios, ou de familiares. Apesar de uma lei que determina as incompatibilidades, ela não parece incomodar muito os políticos... e também os médicos, advogados, juízes, altas patentes militares, etc.  

Tudo é mantido numa redoma, permitindo que a corrupção se desenvolva em absoluta impunidade. No contexto desta democracia corrompida (ou seja, da não-democracia), ninguém tem coragem de denunciar alguém, pois sabe que ele próprio também «tem telhas de vidro». 

As pessoas, de certo modo fora dos circuitos do poder, que se atrevem a denunciar esta podridão, mesmo que apresentem sólidas evidências, são sujeitas ao «black-out» informativo. Mas, se alguém tiver grande audiência, é logo silenciado, de várias formas. Além da recusa da media em difundir as suas ideias, em jornais, livros ou sob outras formas, fica sujeito à brutal difamação, um crime sem castigo em Portugal. A forma como atua o poder judicial no concreto, acaba por favorecer somente quem tem muito poder e dinheiro. Nesta «democracia», os ricos e poderosos beneficiam de uma justiça muito branda, cega e lenta. Mas, os pobres ou os não protegidos pelos poderosos, são tratados à partida como culpados, são humilhados de todas as maneiras.

Remeto para os escândalos de «Joe Berardo», do «BES»,  de «Isabel dos Santos» e tantos outros, que rebentaram e se arrastam, sem conclusão, ao longo dos anos ou acabam por prescrever. Qualquer um desses processos, se for analisado a fundo, põe em causa as castas políticas e o próprio regime. 

A essência do parlamentarismo é a completa desapropriação do poder que pertence ao povo (em teoria, segundo a constituição). Aquilo que se faz, não tem que ver com aquilo que se diz, que se proclama,  este é o padrão de comportamento em todo o espectro político-partidário. A política transformou-se num teatro, que consiste em dizer coisas bonitas, enquanto se esmagam as pessoas. Neste teatro, são atores principais os que possuem maiores ambições, os que pensam que «merecem ser ministro», ou outra situação de prestígio, convencidos de que «nasceram» para isso. Os políticos que são capazes literalmente de tudo pelo poder, são aqueles que conseguem chegar a postos cimeiros dentro dos partidos e do Estado. Têm um desprezo absoluto pelo povo que dizem servir. Têm sempre palavras falsas para encobrir a parasitagem do Estado, a sua real e única vocação.

Mas, o problema continua, não se resolve, porque os oprimidos, os desapossados, muitas vezes, não pensam noutra solução senão no voto: O voto em quem os quer enganar doutra forma, com outras palavras bonitas, com outros atores teatrais, treinados para o efeito. 

É portanto muito grande e muito vasto o universo de pessoas em negação da realidade (em denegação), constituindo um complexo individual e coletivo de dissonância cognitiva. É este o suporte do poder. As pessoas colocam-se numa postura de «bons alunos», de quererem mostrar que são «bons cidadãos». 

Mas, qual a postura que um povo livre e que viva em democracia, deveria adotar?

Deveria o povo considerar que os representantes políticos são - apenas e somente - mandatários, o que significa que têm de cumprir fielmente o contrato para o qual foram eleitos**. Em democracia, são os representantes políticos os «empregados», enquanto os «patrões» são os eleitores! E, tal como um empregado que cometer uma falta grave pode ser despedido com justa causa, o mesmo deveria acontecer aos políticos que não cumprissem os contratos.

Portanto, não faz sentido continuar-se em denegação. O primeiro passo para a nossa libertação é examinarmos como é que caímos nesta situação. Teremos de aceitar que coletivamente, enquanto sociedade, cometemos erros ou fomos induzidos em erro. O povo pode tornar-se livre outra vez, no entanto, se acreditar em si próprio.

Eu não saberia viver, senão livre. Mas, uma das condições fundamentais para se ser livre - realmente livre - é estar rodeado de gente livre. Não posso ser livre, se estiver rodeado por escravos.

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* A tática de "choque & pavor", antes aplicada a força inimiga em contexto de guerra, é  agora aplicada às  próprias populações.

** A dita «democracia representativa»: não é democrática, pois o povo é arredado (a todos os níveis) da participação na gestão dos assuntos do Estado, da feitura e aprovação das leis... e também não é «representativa», pois os eleitos não respondem realmente (durante os 4 anos de mandato) perante os eleitores, nem vão periodicamente ouvi-los, para depois veicularem no parlamento a vontade daqueles que os elegeram.




sábado, 22 de janeiro de 2022

[Bach e o Número] PASSACAGLIA EM DÓ MENOR

                          



  João Sebastião Bach escreveu este monumento na sua juventude. Não se sabe exatamente quando, mas talvez depois de ter regressado de Lübeck, onde estudou as obras para órgão do muito admirado mestre Buxtehude.
Não se conhece manuscrito autógrafo da obra, mas são conhecidos vários manuscritos da época de Bach.

A Passacaglia possui um compasso de 3/4, típico desta dança. O tema do baixo obstinado possui oito compassos. Embora seja menos vulgar que os quatro compassos do costume, são conhecidos alguns exemplos em obras de contemporâneos. Também é pouco usual um solo de pedaleira no início da peça, não acompanhado. Tais solos de pedaleira também ocorrem, raramente, em toccatas de Buxtehude e doutros organistas da Alemanha do Norte.
A obra contém 20 variações: Se lhes juntarmos o tema, teremos o número 21, ou seja, 7 x 3 .
A Trindade (número 3) está omnipresente, enquanto símbolo numerológico, tal como em muitas outras peças de Bach. No simbolismo cristão, o número 7 também é muito importante: as «Sete últimas palavras de Cristo na Cruz».
A progressão da Passacaglia, com suas sucessivas variações, constrói uma tensão, que atinge um clímax na variação 12. Este clímax é sucedido por variações mais tranquilas, formando um curto intermezzo. Depois, as 5 variações restantes conduzem a peça ao final.
A grande interprete de Bach, Marie-Claire Alain, sugeriu que as 21 variações se podiam agrupar em 7 grupos de 3, cada um destes citando um determinado coral luterano. Isto seria um tratamento semelhante à organização adotada no Örgel-Büchlein, uma recolha de corais para órgão, composta no mesmo período que a Passacaglia:
Compassos 8–12, a voz soprano entoa as notas de abertura do coral "Nun komm' der Heiden Heiland"
Compassos 24–48, a cantilena entoa "Von Gott will ich nicht lassen"
Compassos 49–72, as escalas são uma referência ao "Vom Himmel kam der Engel Schar"
Compassos 72–96, evoca o motivo da «estrela» em "Herr Christ, der Ein'ge Gottes-Sohn"
Compassos 96–120, figura ornamentada semelhante à de "Christ lag in Todesbanden" acompanha o tema no soprano e move-se para o contralto e para o baixo.
Compassos144–168 Os intervalos ascendentes no baixo lembram o coral da Páscoa "Erstanden ist der heil'ge Christ".

Segundo Marie-Claire Alain, as 21 partes do baixo na Passacaglia têm sua correspondência nos 12 momentos de exposição do tema na fuga: 12 é o "simétrico gráfico" de 21.

A fuga:  Na realidade, trata-se de uma fuga dupla, que sucede - sem pausa - à Passacaglia. A 1ª metade do baixo obstinado desta, é usado como motivo n.1 da fuga, enquanto a forma transformada da 2ª metade do mesmo baixo, é usada para motivo n.2. Esta fuga dupla designa-se tecnicamente como «fuga de permutação». 
Do ponto de vista tonal, a fuga também exibe originalidade: Progride para tons maiores (Mi b maior, Si b maior) e aí permanece, durante boa parte da fuga.

NOTA: A interpretação que eu escolhi pareceu -me impecável e permite seguir a composição pela partitura. Creio que a sua leitura, acompanhando a audição,  ajuda a captar a estrutura da peça.