sábado, 1 de janeiro de 2022

GUERRA COM A RÚSSIA: PERCEÇÃO DO PERIGO

Fig.1: Mapa da Ucrânia e das suas regiões, com as componentes étnicas e nacionais respetivas

Vejam o mapa acima, que quantifica as regiões da Ucrânia em termos étnicos e linguísticos. Será que isto pode ser um motivo válido para o desencadear da Guerra Mundial nº3? 
- Os problemas interétnicos decorrem de ou agudizaram-se após o golpe de Maidan, pró- UE e pró-Atlantista, tendo resultado na secessão pacífica, por referendo, da Crimeia, assim como na criação de repúblicas russófonas no Don, mantendo-se, desde então (2014) um conflito permanente com o poder de Kiev.
Estas situações são dramáticas, trágicas em si mesmas para as populações envolvidas. Não me parece que justifiquem que a NATO ou quaisquer outras instâncias tenham que «meter a pata» na Ucrânia. Tão pouco uma invasão russa traria qualquer melhoria objetiva da situação. Do ponto de vista dos interesses estratégicos da Rússia, uma tal hipótese é claramente vista, quer pelos círculos próximos de Putin, quer ela generalidade dos observadores, como um   enorme disparate. 
Resolver o problema, implica uma desescalada. Mas para se desescalar, tem de haver garantias reais e não vagas, de que a NATO não vai englobar a Ucrânia, que não vai incluir este país falido, governado por fanáticos anti-russos entre os seus membros. Compreende-se a preocupação do governo russo: Os adeptos de Stepan Bandera, com influência em sectores do governo e nas forças armadas,  têm uma ideologia ultra-nacionalista e alimentam a histeria anti-russa.  
A inclusão deste país na NATO iria desencadear ataques e provocações permanentes contra a Rússia e contra as repúblicas separatistas russófonas do Don, até ao ponto em que a Rússia seria encurralada (e também pressionada pela opinião pública russa) a reagir. Aí, a clausula de defesa dum membro da NATO justificaria a intervenção da Aliança como um todo. Um contra-ataque seria desencadeado e teríamos a terceira guerra mundial, em breve transformada em holocausto nuclear. Este cenário está bem presente, como forma  de chantagem, face à Rússia; é «brincar com o fogo», pois pressupõe uma escalada, um subir de tensão insuportável. 
Num contexto assim, qualquer manobra mal pensada, de um ou doutro lado, poderá ser o rastilho para a conflagração total. Esta, não ficará muito tempo ao nível de armas convencionais. Isto porque, logo que uma potência estiver «na mó de baixo» militarmente, sentirá o apelo irresistível para usar a arma nuclear. A partir daí, haverá uma troca de ataques nucleares, cujo desfecho é pior do que «1000 Hiroxima e Nagasaki». 
Quando vejo a media propalar, de forma acrítica e criminosa, a tese falsa de que a Rússia ameaçaria invadir a Ucrânia, fico preocupado, não apenas pela «lavagem ao cérebro» que estão a efetuar aos cidadãos, mas porque esta fase de pesadas manobras de propaganda costuma anteceder o desencadear duma guerra «a quente». 
Não, a Rússia não tem interesse nenhum em invadir a Ucrânia. Ficaria a braços com um problema muito pior do que foi o Afeganistão da era soviética e as altas esferas russas, tanto militares como civis, sabem perfeitamente que esta intervenção foi o erro que precipitou a queda da URSS: repetir isso, seria suicidário.

Mas, admitamos (por hipótese) que os russos «são uns mauzões», que não se pode confiar neles, etc. Então pergunto, qual é a relação de forças militares, ao nível mundial, entre as forças russas e as dos EUA, a NATO e todos as outras potências com eles alinhadas?

Só para se ter uma ideia de qual império tem sido mais agressivo, juntei abaixo um mapa das intervenções de cariz militar ou de sabotagem pela CIA, levadas a cabo pelos EUA, desde a IIª Guerra mundial. 

Fig.2: Mapa de intervenções militares dos EUA e de golpes da CIA desde a IIª Guerra Mundial

Afinal, quem são os «bullies»? Não estaremos a ver o «bully» a acusar a parte mais fraca exatamente daquilo que ele costuma fazer? Fazendo acusações infundadas como forma de chantagem e para forçar o apoio dos vassalos à sua causa?

Num cenário de guerra que se inicie na Europa, veja no mapa abaixo a quantidade de bases, dotadas de capacidade nuclear, que a NATO mantém e que são pontos de estacionamento e de trânsito de armas nucleares.

         Fig. 3: Bases da NATO com capacidade nuclear, em torno das fronteiras russas

Para mim, não há dúvida que existe perigo de guerra nuclear. Se ela vier a acontecer será, com toda a probabilidade, em resultado de uma escalada: Haverá continuadas fricções entre superpotências militares, primeiro acendendo guerras «por procuração», seguidas ou acompanhadas por provocações, do tipo de ataques de falsa-bandeira. Isso fornecerá o pretexto para desencadear uma guerra total. 
Os poderes militares em confronto cedo irão ter a tentação do recurso às armas nucleares, quer como forma de «neutralizar» o adversário, quer porque se encontram em situação difícil e o recurso às armas nucleares pode parecer-lhes a «única saída» para evitar um total desastre. 
Conclusão: a desnuclearização deveria ser a questão prioritária nº1 das potências, grandes, médias e pequenas, pois uma Terra devastada, contaminada, incapaz de sustentar a vida humana e as outras formas de vida, não pode ser desfecho desejável para nenhuma das partes. Ou seja, não haverá vencedor. 
Tornar a guerra nuclear mais próxima, mais verosímil, é um crime contra a humanidade, em si mesmo. É isso que as pessoas comuns devem compreender e têm de mostrar aos poderosos (de quaisquer nações) que não aceitam viver debaixo do medo do holocausto nuclear.

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PS1: No dia do início (10-01- 2021) das conversações entre Rússia e EUA, em Genebra, a perspetiva de um avanço significativo parece não convencer a maioria dos observadores. 
No entanto, os EUA estão numa posição em que não podem ditar as condições de um desanuviamento, à Rússia. Por outro lado, os seus vassalos da NATO, devem estar a pressionar os EUA a serem flexíveis. Perante uma maior deterioração das relações entre Rússia e UE, os perdedores seriam estes últimos. Enfim, na minha perspetiva, os EUA e a NATO têm toda a vantagem em trabalhar para uma solução. O Ocidente está em situação de obter um acordo sem «perder a face»... Desde que exista um mínimo de sentido de responsabilidade, de parte a parte; desde que predomine a abordagem diplomática sobre a militar. 

PS2: um deputado ucraniano, de um partido da coligação governamental diz que possui informações de que EUA e Rússia estão de acordo em que a Ucrânia não deva ser aceite na NATO. Do lado russo insiste-se nas garantias:

PS3: Um artigo de Mike Whitney extremamente bem documentado e demonstrando o absurdo da política americana em relação à Rússia, agora e desde o fim da Guerra Fria:

13 comentários:

Manuel Baptista disse...

Sobre questões geoestratégicas, consultar também:

https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2021/12/as-ultimas-guerras-do-imperio.html

https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2021/12/os-tambores-da-guerra-soam-mais-alto.html

Manuel Baptista disse...

https://www.zerohedge.com/geopolitical/david-stockman-prospect-world-war-iii
David Stockman mostra a cretinice do pensamento estratégico prevalecente nas «elites» de Washington

Manuel Baptista disse...

Veja quem são os apoiantes do governo de Kiev, no vídeo seguinte:
https://www.rt.com/russia/545001-nationalists-march-torches-kiev/

Manuel Baptista disse...

Na guerra económica levada a cabo contra as potências eurasiáticas, os EUA têm usado o sistema SWIFT e a ameaça de exclusão deste como meio de chantagem. Os visados simplesmente responderam criando o seu próprio sistema, que entrará a funcionar em pleno, no decorrer de 2022.
Uma vez que os maiores bancos russos e chineses adotarem o novo sistema de transferências interbancárias (independente do SQIFT), estará aberto o caminho para outros bancos, em toda a Eurásia, se juntarem ao novo sistema.
http://www.informationclearinghouse.info/56955.htm

Manuel Baptista disse...

https://francais.rt.com/international/94300-russie-france-etats-unis-chine-royaume-uni-limiter-armes-nucleaires
«Rússia, França, EUA, China e Reino Unido comprometem-se a limitar as armas nucleares»

Esperemos que a declaração emitida hoje pelas cinco mais importantes potências nucleares se traduza em modificações concretas nos seus comportamentos.

Manuel Baptista disse...

Ver artigo de Brian CLOUGHLEY:

https://www.strategic-culture.org/news/2021/12/28/missiles-on-the-doorstep-and-impending-nuclear-winter/

Manuel Baptista disse...

REPETE-SE O CENÁRIO DAS «REVOLUÇÕES COLORIDAS», agora com o CAZAQUISTÃO (KAZAKHSTAN).
Primeiro foi a Ucrânia, em 2013, depois, Bielorrússia mas falhou. Agora é o Cazaquistão.
Não existe país onde não haja motivos de descontentamento legítimos contra o governo. Mas uma revolta coordenada e simultânea em vários pontos do país, não pode uma insurreição espontânea.

https://www.strategic-culture.org/news/2022/01/06/steppe-on-fire-kazakhstan-color-revolution/

Manuel Baptista disse...

A «mãozinha» da CIA parece estar a operar também no Cazaquistão: https://www.moonofalabama.org/2022/01/the-us-directed-rebellion-in-kazakhstan-may-well-strengthen-russia.html#more

Manuel Baptista disse...

A tentativa de golpe no Casquistão é calcada sobre o modelo do golpe de Maidan, na Ucrânia de 2013:
https://www.strategic-culture.org/news/2022/01/07/kazakh-chaos-on-cue-ahead-of-crunch-russia-us-security-negotiations/

Manuel Baptista disse...

http://thesaker.is/who-lost-kazakhstan-and-to-whom/

Análise melhor informada que eu conheça, no «Vineyard of the Saker»

Manuel Baptista disse...

Graças à diplomacia da Rússia e da França, um pouco de bom-senso começa a infiltrar-se na questão ucraniana. Ainda bem!
https://www.zerohedge.com/geopolitical/russia-ukraine-agree-uphold-donbas-ceasefire-normandy-format-talks

Manuel Baptista disse...

Veja e oiça a informação sobre um telefonema (27/01/2022) entre Blinken e Wang Yi, respetivamente os chefes das diplomacias dos EUA e da RP China.
https://www.youtube.com/watch?v=8TZC2jYLyCI

Manuel Baptista disse...

https://www.paulcraigroberts.org/2022/02/02/the-world-needs-a-russian-chinese-pax-romana/
Uma síntese magistral sobre a crise Rússia/ EUA/NATO/Ucrânia