terça-feira, 26 de outubro de 2021
[LOUIS FOUCHÉ / MÉDICO FRANCÊS] OFENSIVA NEOLIBERAL PARA LIQUIDAR O HOSPITAL PÚBLICO
segunda-feira, 25 de outubro de 2021
O «ADN LIXO» QUE AFINAL NÃO ERA
O artigo acima, muito interessante, mostra que se pode inativar especificamente uma zona não codificante de um cromossoma de mamífero, com efeitos catastróficos na formação dos embriões e dos fetos, apesar de todos os genes terem permanecido intactos. Assim, a manipulação descrita no artigo mostra que existe um papel relevante desta região do ADN. Ainda não se sabe qual a sua função concreta e como a desempenha, neste estádio da pesquisa.
Algumas das histórias mais fascinantes das descobertas da genética molecular relacionam-se com o mal nomeado «ADN lixo». O ADN que não codifica para nenhum gene é a imensa maioria do ADN que compõe os cromossomas, no ser humano, nos animais e, mesmo, em todos os eucariotas, constituídos por células com um núcleo isolado do citoplasma por uma membrana.
Em geral, convenciona-se que, para haver um gene, isso implica que sua sequência seja uma ORF (= open reading frame): Isto significa que, dentro da sua sequência, não exista nenhum codão stop (daí chamar-se um «quadro de leitura aberto»). A presença de um tal codão stop iria finalizar precocemente a tradução do ARNm no ribossoma. Igualmente, uma tal sequência deveria ter um promotor funcional, ou seja, um local de ancoragem das ARN-transcriptases, as enzimas capazes de transcrever uma sequência de ADN, em sequência de ARN mensageiro. Sem isto, não poderá haver a expressão de um gene, no seu produto, a proteína respetiva. A ORF será, portanto, aceite como um «provável gene», mesmo que se ignore tudo sobre o seu produto e função.
Mas, fora e além de todas as «ORF», existem numerosos «pseudo- genes», isto é, sequências que já não são genes, ou porque foram interrompidas por um ou vários codões STOP, inviabilizando a formação completa da cadeia de aminoácidos, ou porque foram destruídas as sequências promotor, portanto a ARN-polimerase já não pode iniciar a sua transcrição. Tais pseudo -genes estão presentes no ADN de mamíferos (incluindo o homem) mas, também, em muitas outras espécies estudadas.
sexta-feira, 22 de outubro de 2021
O DECLÍNIO DO SISTEMA CAPITALISTA
Não deixa de ser sintomático que o país considerado como o maior defensor do capitalismo, da «economia de mercado», seja o que mais se afasta dos princípios tradicionais do liberalismo económico e onde se notam as disfunções mais óbvias, onde o mau funcionamento do sistema capitalista atinge extremos tais, que o próprio sistema é posto em risco.
Veja e oiça o Prof. Richard Wolff apresentar uma série de exemplos sobre os EUA:
PS: Richard Wolff diz algo muito interessante, no que respeita à decisão chinesa de fechar os seus portos, por ter verificado um aumento dos casos de COVID:
Ele compara o número de novos casos - 111 num dia, apenas, na China - com os casos do mesmo dia nos EUA, que foram 162 000. (Veja e ouça o que ele diz a partir do tempo seguinte de 22:11 até 25:11)
A minha conclusão é a seguinte: A China usou o aumento ínfimo das infeções como pretexto para fechar seus portos. Foi um aviso, face às campanhas raivosas no Ocidente: Se fizessem muito alarido, a China simplesmente fechava «a torneira», deixava de exportar inúmeros bens que produz e que o orgulhoso Ocidente precisa e já não produz: causaria uma enorme crise de escassez!
Foi o que se passou, na verdade. Apenas um «tiro de aviso»: foi a resposta às agressões verbais e às novas sanções que os governos ocidentais, sob o comando dos EUA, queriam impor.
Isto passou-se em Agosto. Logo em Setembro- Outubro começaram os problemas sérios de escassez, na Europa e nos EUA.
Claro que a China nunca irá dizer outra coisa senão que está a tomar a sério a prevenção da pandemia de COVID!!!
É uma civilização com vários milénios. São mestres em lidar com assuntos de comércio, diplomacia e estratégia. Quando é que os «nossos» governos, arrogantes e estúpidos, aprenderão?
PS2: A seguinte notícia, recolhida em Zero Hedge, é a confirmação de que eu estava certo ao escrever os parágrafos acima.
quarta-feira, 20 de outubro de 2021
A ARTE NAS ORIGENS
A mais antiga pintura rupestre conhecida
Introdução
Para nós fazermos um estudo sério sobre a origem da arte temos, primeiro, de definir o que é «arte», para que não se confunda com outras coisas que podem parecer, até parecer-se muito, com esta atividade designada por arte, mas não o são.
Primeiro que tudo, considero que a arte só se refere a atividade humana. Isto exclui os trabalhos de múltiplas outras espécies no estado natural, como as aves-tecelãs que tecem um ninho de complexidade e beleza magníficas, ou as aves-arquitetos que fazem túneis com toda a espécie de objetos vistosos, brilhantes, para atrair a fêmea, etc.
Fig.1: Ave-tecelã e seu ninho
Fig.2: Cápsulas e palhinhas de plástico, «recicladas» por ave-arquiteto
No domínio do comportamento animal, observam-se comportamentos complexos, tanto em mamíferos como em aves, relacionados com a corte antenupcial, a proteção das crias, a defesa do território, etc., que aparentam, aos olhos de observadores ingénuos, estar imbuídos de sentimentos e mesmo de raciocínios humanos. Mas, na realidade, não o são: são comportamentos que se relacionam com funções vitais (nutrição, território, reprodução) do indivíduo ou do bando (nos animais sociais); são comportamentos resultantes da seleção natural. É sabido que esta opera não só sobre os aspetos anatómicos, como os comportamentais, ao longo de milhões de anos.
O que distingue o comportamento humano, em geral, dos outros animais, é a sua natureza não inteiramente previsível. A arte - pela sua natureza, pelas formas e pelo modo como é construída - dificilmente se poderá enquadrar dentro dos padrões de «seleção darwiniana»: Nós fazemos coisas, que não se podem explicar recorrendo aos conceitos de seleção, de vantagem seletiva para o indivíduo e/ou para o grupo. Também, especificamente humana, é a facilidade com que projetamos a nossa mente no passado ou no futuro:
Fig.3: representação de uma caçada no período glaciar do paleolítico
Por exemplo - a narração duma caçada por um indivíduo, vai informar os outros, do mesmo grupo, que captam o essencial do que aquele pretende comunicar.
Fig.4: pedra talhada paleolítica e início de talhe de réplica atual
Além disso, existe uma característica partilhada por todas as sociedades, incluindo as de caçadores-recolectores atuais ou que existiram há tempo não muito recuado; tem sido feito o seu estudo, no terreno, por antropólogos. Todas as sociedades humanas, incluindo as ditas mais «primitivas», têm algum sistema de crenças, uma espiritualidade, uma visão do mundo, um relacionamento com outros mundos. Isto exprime-se de múltiplas maneiras: Em termos de vocabulário, de costumes, de rituais, de representações com referência ao simbólico.
Fig. 5: Totems num parque, em Vancouver (Canadá)
A humanidade «segrega» símbolos, não apenas verbais (os símbolos sonoros), como nas marcas, nos sinais, nos identificativos pessoais ou de grupo, que ficam registados no seu entorno, em objetos que utilizam, ou no seu próprio corpo.
Fig.6: Chefe com tatuagens, ilhas da Oceânia
Com efeito, tanto os povos de caçadores-recolectores, em várias zonas do globo onde ainda aí subsistem (na Papuásia- Nova Guiné, na Amazónia, na Austrália, em África), como os que deixaram de ser caçadores recolectores e sedentarizaram (como na Mongólia, ou na América do Norte), mas cujas sociedades foram estudadas ainda antes disso, todos apresentam ciclos de narrativas (orais), bastante complexas. Nelas, dão-se interpretações de fenómenos naturais, frequentemente relacionados com animais, ou relatos sobre as origens do Universo, dos humanos, ou da tribo. Estas histórias, que se transmitem oralmente, de geração em geração, fazem parte da sua identidade. Esta parte está perdida para sempre, no que respeita aos homens paleolíticos. Igualmente, a arte corporal nos paleolíticos, como pinturas corporais, escarificações e tatuagens, são impossíveis de detetar. Mas, nem tudo está perdido, em relação a tais vestígios de arte corporal. Foi descoberto, na África Austral um fragmento de pedra, com um desenho abstrato, feito com o pigmento ocre e com mais de 70 mil anos. Pensa-se que esse ocre servia também para pintar o próprio corpo.
Fig.7: Desenho abstrato, a ocre, com 73 mil anos, África do SulForam achados, em abrigos neandertais, garras e restos de penas de aves, usadas como adorno, em especial, as de águias e doutras aves de grande porte.
Fig.8: Ornamentos de garras de águias, por Neandertais
Datadas de 77 mil anos em relação ao presente, encontraram-se, na África do Sul, pequenas conchas. Noutras instâncias, encontraram-se conchas a centenas de quilómetros dos sítios na costa onde estas espécies existiam. Estas conchas possuem perfurações; seriam usadas em colares, ou noutros adornos.
Fig.9: conchas perfuradas com 77 mil anos, África do Sul
Assim, penso que, ao considerar-se a arte como propriedade exclusiva da espécie humana, tal não deve ser visto no sentido estrito da espécie Homo sapiens, mas deverá englobar espécies que a antecederam (3). Parece-me provável que se encontrem mais objetos, ainda mais antigos, em futuras escavações, visto que, recentemente, se fizeram muitos achados e foram reavaliados outros, nomeadamente, as datações de «objetos de arte móvel», com sinais abstratos. Alguns dos objetos estão associados a espécies anteriores ao homem moderno.
Fig.10: Sinais parietais recolhidos em todo o mundo (também em utensílios, etc.)
É uma característica notável que, desde a origem, a arte seja simbólica. Mesmo quando é pictórica, não pretende retratar algo que se vê, mas entrar em comunicação com o mundo dos espíritos, ou algo deste género. O mito de uma arte paleolítica «naturalista», finalmente está a ser posto de lado. Este mito foi construído, a partir duma visão ideológica inconsciente ou não-intencional, por arqueólogos e paleoantropólogos, dos séc. XIX e XX, valorando esteticamente as obras, consoante a «parecença», ou «realismo» da representação.
Ora, embora não possamos jamais saber com toda a certeza, muitas probabilidades existem de que as representações animais (e as poucas humanas que existem) estejam integradas nalguma forma de «religião», animista e/ou xamanista. Os que pintaram, desenharam ou gravaram, não estavam a «fazer arte», estavam a executar um ritual, a entrar em contacto com o mundo dos espíritos, algo da ordem do simbólico (5). Eram símbolos, da mesma forma que por exemplo - nós, se estamos imbuídos de cultura cristã - podemos «ler» as estátuas e as pinturas murais das igrejas e catedrais, que exibem cenas das vidas de Cristo, dos Apóstolos, dos Santos. Porém, os episódios a que se referem, são completamente incompreensíveis para alguém que ignore tudo do cristianismo e da Bíblia.
Por exemplo, o mito de que as gravuras de animais se destinavam a propiciar uma boa caçada, já não é sustentável. Com efeito, raras são as representações de animais que eles efetivamente caçavam. Um caso extremo (1), é o seguinte: em gravuras parietais duma gruta do final da era glaciar, na Europa Central, existem exemplares da fauna de então, os rinocerontes, os mamutes, os leões das cavernas, os cavalos, os auroques e outros. Primeiro, alguns nunca eram caçados (como os leões); segundo, outros, eram-no raramente. No entanto, no chão da mesma caverna, 95% dos ossos fossilizados pertenciam a uma espécie de alce, a qual nem sequer está representada em desenhos nas paredes. Não lhes interessava a representação da espécie mais frequentemente caçada. É prova de que as pinturas e gravuras parietais são simbólicas, ou seja, de que possuem significados associados a forças e energias. As representações revestiam formas animais, através das quais os xamãs entravam em contacto com as tais forças e energias dos universos paralelos.
A Europa, no período que vai de 150 mil a 50 mil anos, anterior à vinda do Homo sapiens, era uma vasta extensão muito escassamente povoada por neandertais, uma subespécie diferente da nossa. Aliás, Homo neanderthalensis tem sido descrito como Homo sapiens, sub-espécie neanderthalensis, por alguns paleoantropólogos. Em todo o vasto território da Europa, desde a Rússia até à Ibéria, encontraram-se vestígios de neandertais.
Note-se que as condições em que evolui a ciência paleoantropológica não são independentes das condições sociais, culturais e ideológicas em que as descobertas foram feitas e interpretadas. Temos uma ilustração disso, na visão do século XIX, do homem de Neandertal (11) próximo dos símios, bruto e estúpido. Esta visão, totalmente fantasista, tem persistido no imaginário popular, por mais obras de divulgação científica que sejam publicadas, negando a «bestialidade» dos neandertais. Pelo menos, o mundo científico vê esta espécie como muito semelhante à nossa, capaz de produção simbólica, abstrata: Uma espécie humana, no sentido lato. Com efeito, reconheceu-se, nos últimos decénios, a existência de arte parietal, de esculturas e de adornos (arte corporal) atribuídos aos neandertais, em sítios cuja datação é anterior à chegada dos sapiens a essas partes da Europa.
Compreender a arte paleolítica sem as nossas projeções
Uma compreensão sofisticada e uma leitura inequívoca das obras deixadas pelos sapiens e pelos neandertais, será impossível. Penso que tal nunca poderá acontecer, pelo menos de uma forma cabal, pois implicaria um grau de conhecimento aprofundado, impossível de se alcançar, das sociedades do paleolítico. Estamos a falar, na Europa, de um período desde há 60 mil anos, ou mais atrás, até cerca de 12 mil anos, em relação ao presente. Compreender as formas de expressão artística desse longo período, equivaleria a compreender o essencial sobre a organização social e religião ou cosmovisão, do homem paleolítico. Porque a arte, ou aquilo que nós designamos como tal, é uma forma de expressão, de linguagem, que - como todas as linguagens - tem as suas regras: Existem uma gramática e uma semântica, nas gravuras rupestres, associadas à cosmovisão do homem paleolítico (2). Para os que faziam parte dessa cultura, as gravuras eram inteligíveis, tal como para nós o são, os monumentos e a arte da nossa cultura.
Se me parece impossível fazer uma reconstituição, em pormenor, dessas sociedades do paleolítico, já não me parece tão inapropriado tentar compreender, em traços muito gerais, as condições de produção destas obras. Nós, hoje, ficamos espantados com a mestria, o olhar certeiro, a elegância das curvas de contorno, nos desenhos, gravuras, pinturas, baixos-relevos e esculturas. Porém, passada a fase de maravilhamento, devemos nos perguntar: Porque fizeram eles essas obras? Que papel desempenhavam tais obras? Como se inseriam nos dispositivos simbólicos desses grupos? Que tipo de religião ou de espiritualidade seria a sua?
O que impulsionou o homem do paleolítico a produzir «arte»?
Daqui por diante, irei fazer uma reflexão mais filosófica, o que não implica renunciar ao rigor científico, mas antes situar-me num plano diferente de discussão.
Esta segunda parte tem como eixo as interrogações seguintes: Afinal o que ensina a arte paleolítica sobre nós, homens contemporâneos? Será que aprendemos algo sobre nós próprios? Como podemos ter um olhar não eivado preconceitos, sobre essa época "primordial"? O que é ser humano? O que é a criação artística?
Alguém que se debruce sobre os vestígios dos muitos milhares de anos (milhões, até) anteriores aos períodos do que consideramos arte paleolítica (cerca de 60 000 a 12 000 anos, antes do presente), encontra indícios de que os humanos dessas épocas, adornavam o corpo. Temos como evidências, o ocre e outros pigmentos, as conchas perfuradas, as marcas intencionais em pedras ou ossos. Quanto maior distância no tempo, menores evidências haverá de tais vestígios, pela sua raridade e pelos efeitos do tempo nos mesmos.
Mas, pode-se colocar a hipótese de que as formas arcaicas da humanidade já tinham expressões de significado simbólico (4), que traduziam em forma pictórica ou «ideogramática», pois toda a evolução se faz em sociedade, em grupo e as formas de comunicação, de intercâmbio, entre elementos do grupo são fundamentais para sua subsistência. A coesão dentro do grupo é fortalecida por tradições comuns, narrativas míticas, cosmovisão (para não usar a palavra religião, cujo significado é demasiado estreito para este contexto). A linguagem era, certamente, capaz de exprimir um projeto, uma intenção, ou de descrever algo, presenciado apenas pelo locutor, mas não pelos ouvintes.
O simbólico, a representação, traduzem-se naquilo que reconhecemos, hoje, como «arte».
Creio na possibilidade de existência de pensamento simbólico, a partir do Homo habilis ou do Homo erectus. Não consigo imaginar que tenha existido (como existiu!) uma perpetuação de técnicas de fabrico dos instrumentos de pedra, das indústrias líticas, que implicam uma transmissão precisa de saber técnico, sem que houvesse também uma transmissão simbólica.
A perpetuação oral da cultura, do saber técnico e dos mitos, tem de ter existido no Paleolítico, embora seja impossível reconstituir a sua estrutura e conteúdo concretos. Esta transmissão - material e imaterial - é observada e estudada por antropólogos, nas sociedades de caçadores-recolectores contemporâneas. Embora seja arriscado fazer paralelos, qualquer sociedade onde sejam perpetuadas tradições técnicas, de geração em geração, também deverá ter mecanismos de perpetuação, pelo menos tão eficazes, para sua cultura imaterial, que são a língua, os ciclos de lendas, as crenças e arte. Note-se que a expressão artística dessas culturas se encontra, muitas vezes, em suportes perecíveis. Por exemplo, se os antropólogos não tivessem estudado as culturas da Amazônia, bem pouco subsistiria da sua cultura artística material, pois ela compõe-se de artefactos, quase todos confecionados com materiais frágeis e rapidamente perecíveis (cordas de fibras, madeiras, penas de aves, etc.).
Há cerca de 3 anos (em Dez. de 2018) foi divulgada a descoberta de um painel de pinturas rupestres, datadas com segurança do paleolítico, numa ilha que é hoje da Indonésia, em Sulawesi: esta arte é muito estilizada e contém a representação de uma fauna muito diversificada. No mesmo grupo de grutas, foi descoberta a mais antiga representação humana (6) até hoje conhecida (isto pode mudar com novas descobertas, claro).
Figura 11: cabra selvagem e figuras humanoídes (Sulawesi, mais de 40 mil anos)
O papel das representações humanas e animaisAs representações humanas são raras na arte parietal paleolítica. No período neolítico, pelo contrário, existem numerosos exemplos de figuras humanas.
Talvez tenha existido um tabu nos tempos mais recuados, em relação à representação humana. O certo, é que as poucas representações que se conhecem, com mais de 25 mil anos, frequentemente apresentam a figura humana fundida com a de certos animais:
Como o homem-leão, estatueta encontrada na Alemanha, dum homem com corpo humano e cabeça de leão; ou de homem com cabeça de ave e sexo em ereção, numa gravura rupestre em Lascaux; ou, doutras figuras paleolíticas mais recentemente descobertas, como as de Sulawesi, que também apresentam um caráter de homem-animal.
Estas raras representações, poderiam representar a transformação experimentada pelo xamã, que entra no corpo e no espírito dum animal, que pode ser o animal totémico do clã, ou outro, e que faz a viagem assim transformado, ao universo dos espíritos. Esta descrição de viagem, baseia-se em relatos de xamãs contemporâneos, de locais do planeta onde ainda é praticado o xamanismo. O que, muitas vezes, nos é descrito como sendo «cenas de caça» poderiam, mais provavelmente, ser cenas do encontro do xamã com os espíritos animais, nesse universo paralelo. Lembremo-nos de que as representações animais são símbolos de forças universais, tais como os princípios masculino e feminino (André Leroy-Gourhan).
Note-se que o xamanismo implica que o xamã ou mediador entre mundos (6), fique num estado de transe. Os resultados tangíveis desses transes podem estar gravados na rocha.
Fig. 13: Impressões de mãos desenhando figura animal (grota Chauvet)
Uma das figuras mais intrigantes da célebre gruta Chauvet é aqui acima reproduzida. Na foto (fig.13), vemos pontuações, feitas por impressão de mãos, desenhando uma figura animal. Esta figura zoomorfa, crê-se seja de um rinoceronte: os rinocerontes lanígeros, tal como os mamutes, faziam parte da fauna da Europa, nessa época. O que tem de particular esta representação, é ser feita por calques de mãos. Talvez tenha sido delineado, previamente, o contorno do animal e depois tenha desaparecido, ou talvez não. Note-se que - na mesma gruta, noutros locais - rinocerontes e outros animais, são desenhados, com grande requinte e pormenor, portanto, com domínio das técnicas. Provavelmente, o que vemos não é uma maneira fruste de representar um animal, mas o resultado duma cerimónia encantatória.
segunda-feira, 18 de outubro de 2021
[Michael Hudson] SUPER IMPERIALISMO
PS1: Uma entrevista com Michael Hudson, sobre o seu livro com o podcast e a transcrição AQUI