sexta-feira, 23 de agosto de 2024
HISTÓRIA GENÉTICA DAS POPULAÇÕES EUROPEIAS (Prof. Dr. Johannes Krause)
quinta-feira, 18 de julho de 2024
DERROTA AUTO-INFLINGIDA DA HUMANIDADE
Em termos de biologia evolutiva, que deve abranger tudo o que se pode designar como ser vivo, dos alvores desde há 4 biliões de anos, até agora, a espécie humana não pode ser exceção. Na verdade, em termos de evolução, as forças «cegas» que impulsionam ou extinguem as espécies não têm «moral», não se pautam por considerações filosóficas e, ainda menos se sujeitam a estar conformes com teorias em voga.
Porém, a evolução não estancou, não se fixou num tipo definitivo de ser humano, contrariamente ao mito arreigado e muito difundido, segundo o qual, não apenas a História social e política da Humanidade teria chegado ao fim, ou seja, haveria perpetuação da civilização mais ou menos semelhante à que se pode observar nos países de capitalismo avançado, social-democratas e liberais, como a própria natureza biológica teria chegado a um equilíbrio meta-estável, no qual a humanidade iria, de ora em diante, substituir a força física e a capacidade em arcar com dificuldades de toda a espécie, por uma humanidade mais «inteligente», no seu conjunto, com grande capacidade inventiva nos domínios da técnica. A evolução das sociedades e dos indivíduos iria dar-se, doravante, no plano da inovação tecnológica, não no plano anátomo-fisiológico.
Nada mais falso do que esta visão. Porém, ela é propalada pela media corporativa e mesmo por correntes ditas «alternativas». É que as pessoas que escrevem, jornalistas e «opinion-makers», são, na sua maioria, bastante ignorantes em biologia e ainda mais, em biologia evolutiva.
Para mostrar que não houve nunca uma «paragem» da evolução «física» da humanidade, podemos referir algumas mudanças que ocorreram em tempos pré-históricos, mas recentes, como a perda da intolerância à lactose, nos povos do Norte, permitindo assim que ocupassem terras setentrionais cujos recursos alimentares (sobretudo os que são fonte de vitaminas) eram muito escassos - ou ausentes - durante o longo inverno. Nestes casos, a pastorícia, fornecendo leite e derivados do mesmo, permitia a esses povos sobreviver durante o inverno.
Outra adaptação notável, é a que se verificou, separadamente, nas populações andinas e nas do planalto do Tibete. Em ambas as populações, ocorre a tolerância a um teor mais baixo de oxigénio atmosférico, causado pela rarefação do ar e da sua mais baixa densidade, nas zonas de grande altitude. Este teor mais baixo não os afeta: A sua adaptação permite-lhes ter atividades normais, porque o sangue pode absorver melhor e conservar mais eficientemente o oxigénio.
Não se pode falar duma «raça» negra, muito simplesmente porque a quantidade de melanina presente na pele pode variar em muito pouco tempo, consoante a exposição aos raios solares (portadores de radiação UV, potencialmente nociva). Assim, as pessoas de tez branca, ditas «caucasianas» são descendentes de Homo sapiens, vindos de África há cerca de 60 mil anos, com pele escura. A perda de pigmentação pelas populações nas zonas europeias, ainda com clima glaciar (muito semelhante ao da Tundra siberiana de hoje), foi permitir que esses povos obtivessem vitamina D, a partir de pró-vitamina D. Esta transformação necessita de luz UV. Como a melanina interfere com a absorção dos raios UV, a quantidade em excesso desse pigmento, de vantajosa para proteger de um excesso de raios UV, tornou-se um obstáculo à obtenção de vitamina D em quantidades satisfatórias.
Existiram, em tempos históricos e continuam nalguns pontos, zonas infestadas pela malária, quer na bacia Mediterrânica, quer em várias zonas de África subsaariana. Esta doença* está correlacionada com o vetor de sua propagação por uma espécie de mosquitos, mas cujo agente infeccioso é um protozoário (ser unicelular com algumas características que o aproximam dos animais).
No entanto, os humanos que existiram e existem nestas zonas, conseguem tolerar melhor a doença, através de uma mutação da hemoglobina, cujo gene - no estado heterozigoto, ou seja, alelo normal/alelo mutante - não confere sintomas, mas em estado homozigótico - os dois alelos do gene têm a mutação - é gravemente debilitante. Na ausência de tratamento, é causa de morte precoce de bebés, ou crianças, que tenham herdado de ambos os progenitores o mesmo gene. Portanto, em princípio, o gene mutante deveria ser muito pouco frequente, pois causaria enorme desvantagem na população. No entanto, nas populações que vivem em zonas infestadas por malária, a taxa de sobrevivência é maior, se os progenitores forem heterozigóticos, ou seja, se tiverem um gene normal e um mutante. Quando os genes estão em condição homozigótica - as cópias dos dois progenitores são ambas mutantes - a doença genética é letal. Dá-se assim uma situação de equilíbrio dinâmico entre formas mutantes e não-mutantes dos genes da hemoglobina.
Podemos dar muitos outros exemplos, que mostram que a espécie humana tem evoluído no sentido biológico: No sentido biológico, uma evolução é uma transformação que se fixa numa população e que é transmitida de geração em geração, com tendência para se manter, ou aumentar de frequência, se os fatores ambientais, que favorecem essas mutações, permanecerem.
O «relaxamento» das condições de seleção ambiental seria o «reverso» da situação acima descrita, da resistência à malária.
Tem-se observado um aumento da taxa de diabéticos, seja por transmissão de genes que favorecem o aparecimento desta doença, seja pela nutrição inadequada, em geral desde a infância, acabando por causar esta grave doença. Ela é favorecida por múltiplos fatores ambientais e comportamentais, nomeadamente, pelos hábitos sedentários e pela ingestão de comida hiper calórica, causadora de obesidade. Os diabéticos hereditários (felizmente) são tratados e podem viver uma vida relativamente normal. Infelizmente, muitos deles reproduzem-se. Algumas formas de diabetes hereditária não se manifestam cedo na vida dos indivíduos. Seus portadores não sabem que são diabéticos e reproduzem-se; outros sabem, mas confiam que a medicina possa «eliminar» os males na descendência. De qualquer maneira, a taxa de diabetes tem subido de frequência, quer a forma hereditária, quer a forma de diabetes adquirida. A diabetes tem mudado de frequência, rapidamente, quer devido à disseminação de genes favorecendo o aparecimento da doença, quer de hábitos alimentares que não existiam no paleolítico, ou seja, durante mais de 250 mil anos da existência da espécie Homo sapiens.
No paleolítico, quando as pessoas não tinham excedentes de comida, em que a ingestão dum excesso era muito rara, as pessoas precisavam de armazenar reservas de energia, para longas caminhadas, para caçadas esgotantes e para os períodos de escassez alimentar. A capacidade de armazenar energia sob forma de tecido adiposo, era um fator importante de sobrevivência. Houve um nítido relaxamento das condições seletivas em que a humanidade viveu, na maior parte da sua história evolutiva. O que era positivo há 50 mil anos atrás, não é hoje, com certeza: Os humanos têm abundância de alimentos, em particular, nas sociedades ditas «desenvolvidas». Essa abundância não significa qualidade: a chamada «junk-food» (comida-lixo) invadiu tais sociedades e afeta - em especial - os jovens, atraídos pelo baixo preço e pela facilidade em adquirir tais alimentos. Os jovens já não aprendem os rudimentos da arte culinária em casa, pois seus pais e mães já não sabem, ou não têm tempo, para cozinhar.
A comida industrializada é produzida para agradar ao paladar de milhões de consumidores, não para que seja preservada a saúde dos mesmos, por mais que a publicidade diga o contrário. O principal motivo para a adição de conservantes, em toda a espécie de comida, é garantir um «tempo de prateleira» mais longo no supermercado: O prazo de validade de um item poderá ser dilatado, se for adicionado um conservante, ou vários, autorizado pelo organismo de controlo do governo. Muito pouco cuidado têm as pessoas em relação ao que estão a ingerir: Em geral, vão escolher o mais barato, aquilo que, segundo seu critério (equivocado), preenche os requisitos de maior qualidade, por mais baixo preço. É assim que doenças crónicas (diabetes, obesidade, e outras) se propagam, mas também o cancro: A subida de todo o género de cancros é devida ao modo de vida completamente artificial. Este facto está amplamente demonstrado: Os fatores de risco de adquirir cancro e a prevalência dos diversos tipos de cancros são periodicamente avaliados nas nossas sociedades. Não se trata de doença em que as autoridades e o público tenham informação escassa, incerta, contraditória; antes pelo contrário. Porém, os lóbis da alimentação industrial são muito mais fortes que a vontade dos governantes e legisladores, em fazer algo de positivo pela saúde da população. Também, no mesmo sentido, se exercem as pressões da indústria de saúde, das clínicas privadas, aos grupos farmacêuticos; possuem um poder de influência considerável. Por mais que digam, não é feita prevenção, ou educação do público, na proporção que seria desejável. Todo o seu esforço vai no sentido de manter a população na dependência do sistema de saúde exclusivamente curativo, pois é isso que lhes dá lucro.
Veja-se o exemplo duma empresa farmacêutica dinamarquesa, que colocou no mercado um «medicamento-maravilha» para reduzir a obesidade, mas que afinal, tem imensos problemas associados. Está bem estabelecido que a obesidade se trata sobretudo com a educação, a mudança de hábitos, o acompanhamento dos doentes, a adequada informação e o ensinar das boas práticas de culinária. Nada disto tem efeito notável nos lucros das farmacêuticas, por isso será descartado pelas mesmas indústrias. Porém, essa empresa farmacêutica realizou chorudos lucros nas bolsas. Igualmente responsáveis são os governos corruptos que, não apenas autorizam essas substâncias (algumas perigosas) para emagrecer como vão pagar o seu consumo. O que equivale, na prática, a darem um subsídio às empresas farmacêuticas, através de sistemas públicos.
As pessoas de países pobres, que vivem no limiar da pobreza, olham para a abundância de certas sociedades e sentem-se fascinadas, encaram essas sociedades como «modelo», tanto mais que tendem a ignorar, ou a descartar, os problemas que tais sociedades da abundância apresentam.
O efeito do capitalismo da abundância sobre as populações do Sul global, faz com que sejam importadas atitudes de consumo das ditas sociedades da abundância. Ou, existindo geralmente uma classe média com um certo poder de compra nessas sociedades do Sul global, os padrões de consumo por ela adotados - copiando o padrão das sociedades ditas desenvolvidas - vão ser desejados pelos mais pobres. Estes, com fraca educação, confundem luxo, com o verdadeiro bem-estar.
A quantidade de desperdício é afinal um traço constante das sociedades contemporâneas, sejam elas «capitalistas» ou «socialistas». O seu padrão de produção e de consumo, totalmente insustentável, torna-se cada vez mais chocante. Isto porque, a pobreza e miséria alastram a olhos vistos, não apenas nos países ditos «periféricos». Também os países «do centro», as sociedades da opulência, transformam-se em sociedades duais, onde muitos não têm o suficiente para viver com um mínimo de dignidade, os pobres. E em percentagens crescentes, os que são completamente excluídos. Tal qual o que se verifica em países do Sul global.
Nas grandes cidades do Brasil, por exemplo, existem condomínios de luxo, com favelas (bairros de lata) na proximidade imediata. Muitas das mulheres que fazem a limpeza e outros trabalhos domésticos nos condomínios de luxo, vivem nas favelas mais próximas.
Não existe uma preocupação genuína em preservar a biosfera, pois os políticos ecologistas, tal como outros políticos, deixaram-se comprar, fazendo de conta que não percebem como têm sido usados para criar o ambiente necessário à tão propalada «transição energética».
Sem dúvida, é possível desenvolver tecnologias sustentáveis, como eólicas ou painéis solares, para atender às necessidades dos destituídos, para melhorar seu padrão de vida. Mas, isso implicaria que os grandes da distribuição elétrica, deixavam de ter largas faixas da população como clientes. Está fora de questão implementar estas soluções (viáveis tecnicamente), de armazenar localmente energia potencial, para alimentar os lares nas horas de menor ou de ausência de captação de energia solar. Isso é feito em muitas aldeias - especialmente em África - que podem estar a distância proibitiva (em termos de custos) da rede elétrica geral. Claro que este modelo se pode aplicar, com modificações, nos ambientes urbanos de quaisquer sociedades. Assim, estas possuiriam capacidade de gerar e armazenar energia, com baixo custo. Mas, isso tiraria os benefícios das grandes empresas de distribuição de energia; e dificultaria o controlo do Estado sobre seus súbditos.
É a dependência que gera a miséria, porque os poderosos têm toda a vantagem em ter vasto número de pessoas sob sua dependência. Muito poucos ou nenhuns dos dependentes de subsídios, da assistência dos Estados, se irão rebelar enquanto continuarem a subsistir graças às esmolas estatais. Muitos, sem meios de subsistência, anseiam estar nas condições de dependência. Eles não sonham em montar uma empresa, que lhes permitisse ser fonte de rendimento próprio. Porém, o potencial para isso existe em muitos casos. A sua efetivação poderia traduzir-se em redes de cooperativas , dando um grau elevado de autonomia aos indivíduos e às comunidades.
A espécie humana tornou-se depredadora. Os meios que mobiliza para a sua civilização sofisticada, a sua cada vez maior ambição de potência, de rapidez, de luxo, fazem com que a Natureza esteja constantemente a ser destruída, irreversivelmente, numa escala crescente.
As ideologias como o ambientalismo, dando prioridade às energias renováveis e a utopias tecnocráticas, que se abrigam por debaixo do slogan (idiota) de «zero carbono», são realmente écrans que separam tais «ecologistas», do comum dos cidadãos e da realidade.
Há ocultação do que está realmente acontecendo. As zonas que têm um teor de lítio acima de certo nível estão a ser açambarcadas, compradas por grandes grupos, para satisfazer a procura desta matéria-prima para baterias. Estas, irão alimentar sobretudo os carros da classe alta, que poderá assim continuar a esbanjar sem má-consciência. Os Estados, a sua típica resposta, é de inteira subserviência aos interesses dos industriais. No passado também era basicamente o mesmo. A única diferença é que agora já não se trata do petróleo, mas do lítio. Vem a dar no mesmo, ou pior. Uma paisagem devastada pelas minas de lítio a céu aberto, será mais parecida com uma paisagem lunar, do que terrestre. O cúmulo desta estupidez, é que se calcula que o lítio «explorável» em toda a superfície da Terra, não chega - nem de longe - para a conversão a cem por cento, do parque automóvel mundial. Então, porque fazer esses colossais investimentos, esse esventrar da Terra (incluindo a destruição de parques naturais e de paisagens protegidas)? - A resposta é evidente; é pelo lucro. O Lucro é que manda. Ele é que decide se é, ou não, investimento a fazer-se. Nunca prevaleceu, no passado e no presente, o critério de beneficiar a humanidade, ou de permitir que as indústrias locais floresçam. Basta este exemplo, de depredação dos mais valiosos pedaços de natureza, em nome da «energia verde» (verde: Só tem o verde das notas de dólar!), para se compreender a estupidez e ganância do pensamento a curto prazo, não apenas de decisores políticos e industriais, mas também de engenheiros e funcionários de instituições estatais e outras.
Um Megaloceros giganteus (espécie extinta), imediatamente à direita de um homem; ao centro um alce e mais à direita, um veado vermelho.
O conceito de hipertelia aplica-se ao desenvolvimento tecnológico e económico das sociedades: A hipertelia é a propriedade de certas tendências evolutivas se exercerem para além do seu nível máximo de eficácia, traduzindo-se assim num «handicap».
É conhecido e muito citado, o exemplo duma espécie de veado (extinta) que tinha hastes tão desenvolvidas, que isso tinha consequências negativas para se deslocar, em ambientes de floresta.
É provável que esta espécie tenha atingido a extinção, porque aquilo que conferiu, em certa etapa, uma vantagem evolutiva, se tornou num inconveniente demasiado grande. Com efeito, os veados desenvolvem as hastes para os combates entre machos, para decidir sobre os acoplamentos. O macho mais bem sucedido nestes combates, também é suscetível de ter a maior descendência. É um mecanismo muito direto de seleção, que favorece os portadores das hastes cada vez mais fortes e largas. Mas chega-se a uma situação limite, em que essas mesmas hastes são um inconveniente maior, para o macho poder deslocar-se em ambientes densamente arborizados. Muitos falecem, presos aos ramos das árvores onde suas hastes se prenderam de maneira irreversível.
Metaforicamente, a espécie humana, com sua sofisticação tecnológica, atingiu o ponto de hipertelia, ou seja, a tecnologia, permitindo-lhe satisfazer a vontade de sempre mais e melhor, leva a depredar o ambiente, de tal modo que a espécie se encontra em sério risco de desaparecer, em consequência direta da sua própria atividade.
_______________
*) A malária é uma doença parasitária do sangue, provocada por um protozoário do género Plasmodium. Este parasita é transmitido através da picada de um mosquito (do género Anopheles). A malária é endémica em vários países tropicais, sendo potencialmente fatal se não tratada atempadamente.
sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024
O ANO DO DRAGÃO
O dragão é o animal mítico que vai presidir ao novo ano lunar, que começa no sábado 10 de Fevereiro. Os povos orientais estão muito ligados a esta contabilidade lunar. Com efeito, é nesta ocasião que se dão os encontros da família alargada, quando há um período de tréguas (vários dias de feriado) do duro trabalho, em que se comem deliciosas iguarias e se bebe também. Mas, sobretudo, nestas reuniões familiares ocorrem as íntimas celebrações em memória dos defuntos*. A família reúne-se para ofertar aos antepassados as libações de comida e bebida, em primeiríssimo lugar. Depois, é a vez dos familiares vivos também fazerem o seu ágape (termo grego que tanto designa banquete, como amor altruísta). Tudo isto é colocado sob o signo do ano lunar.
Ora este ano que vem, é o ano do Dragão. O animal mítico que estaria na origem do povo chinês. E de muitos outros povos orientais, que -simbolicamente - se colocam debaixo do auspicioso Dragão.
Assume-se que o dragão sabe proteger o seu povo; que ele é feroz nessa defesa; que tem um sentido muito profundo do dever; tem obrigação de guardar os tesouros do seu povo, o qual é descendente do dragão.
O famoso e recém-descoberto Homo longi (Homem de Longi) é o «homem-dragão», pois o rio Longi, perto do qual foi encontrado, é o rio Dragão: Que esta espécie extinta tenha contribuído para o mosaico que formou a espécie humana atual, não tenho praticamente nenhuma dúvida. Que seja a mesma espécie que o famoso homem denisovano (primeiro «encontrado» sob forma de ADN arcaico extraído de osso do dedo mindinho, presente na gruta Denisova do Altai- Sibéria), seria lógico. No entanto, não temos provas definitivas. Porém, temos abundantes provas de que os primeiros colonizadores humanos (Homo sapiens) das Américas, foram povos vindos da Sibéria. Os que se designam hoje como «americanos» são, quase todos, invasores mais ou menos recentes no continente americano.
No meu modo de ver, ser-se forte é um elemento necessário na sabedoria dos povos e do governo dos Estados, caso contrário, não estarão ao abrigo de visitas inoportunas, nem de serem obrigados a fazer a guerra para defender o seu território. O lema de «mais vale prevenir do que remediar», aplica-se!
Também as pessoas do ocidente deveriam pensar agora com a cabeça fria, e não com a cabeça escaldada pela propaganda que recebem da media (esse veneno contemporâneo!).
O ano lunar é para todos, afinal! É a mesma Lua que gira em torno da Terra, assim como o mesmo Sol que a ilumina: Um bom ano lunar do Dragão, para todos, estejam onde estiverem!
----------------
*Subsistem cerimónias em culturas ocidentais, nomeadamente em países latinos, sob forma de culto dos mortos, em 30-31 de Oubro e 1º de Novembro.
sexta-feira, 23 de junho de 2023
Descobertas gravuras atribuídas a Neandertais, com 57 mil anos
https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0286568
Acima, um dos painéis com traçados de dedos; em baixo, o desenho esquemático da mesma gravura da gruta de La Roche-Cotard
[Ler o artigo, clicando no link acima; o meu comentário parte do princípio que os leitores tomaram conhecimento do seu conteúdo primeiro]
Comentário
Os Neandertais têm estado por cá (em toda a Europa, desde a Península Ibérica ao limite oriental dos Urais e, para além destes, na Sibéria; no Médio Oriente, desde o Levante/Israel, até ao Iraque) nos últimos 200 mil anos, tendo saído de África muito antes do «Homem Moderno Antigo» (ou seja, a nossa espécie Homo sapiens). Eles conseguiram sobreviver a períodos de glaciação, a modificações acentuadas do habitat e tiveram tempo de se adaptar a climas de um frio extremo, como mostram a sua anatomia entroncada, muito musculosa, o seu nariz grande (para aquecer o ar inspirado), etc.
Segundo os padrões de beleza contemporâneos (e da antiguidade clássica) eles não seriam elegantes. Foram classificados como «sub-humanos» por arqueólogos e paleontólogos do século XIX, que estavam muito mais preocupados em encontrar «o elo perdido» entre o homem e o macaco, do que em avaliar objetivamente os restos fossilizados e as culturas que correspondiam aos Neandertais.
O facto de que os homens nessa zona da Europa, na época em causa ( -57 mil anos) só podiam ser Neandertais tem a ver com a extrema dificuldade dos H. sapiens conseguirem colonizar o continente Euro-asiático. Com efeito, sabe-se hoje, que o «Homem Moderno Antigo», embora surgido primeiro em África, por volta de 300 mil anos atrás, não ocupou definitivamente a Europa senão vários milénios após a referida data de 57 mil anos antes do presente. Porém, tinha havido 2 colonizações anteriores, do continente euroasiático pelo H. sapiens, que não deixaram continuidade. Eles tomaram o caminho do Mar Vermelho e não do Mediterrâneo.
Os vestígios europeus mais antigos de arte parietal, como na Gruta de Chauvet, atribuídas ao Homo sapiens, datam de 35 mil anos. No Norte da Espanha, na Gruta del Castillo, existem pinturas parietais datadas com mais de 40 mil anos; pensa-se que, nessa época, somente neandertais aí habitavam. Noutros pontos da Península Ibérica, são abundantes sítios arqueológicos, com artefactos e restos fossilizados de neandertais, que revelam a sua grande difusão nesta península. Mas, também são conhecidos exemplares de neandertais na Sibéria e noutros pontos distantes.
Este estudo - agora publicado - vem na sequência de trabalhos anteriores, que já tinham revelado muitos elementos de cultura neandertal. Pessoalmente estou convencido que estas descobertas [que se vêm juntar às de misteriosas pinturas parietais em vários pontos da Península Ibérica e com indícios de ornamentação corporal, como conchas com vestígios de ocre (para pintar o corpo) assim como restos fossilizados de penas (de aves de grande porte, como águias e abutres) ] obrigam a comunidade científica a alargar o conceito de arte paleolítica.
A arte - em geral - pode ser vista segundo dois prismas, essencialmente:
ou é vista como representação do real. Isto inclui o sobrenatural, pois ele é considerado real pelo artista que o representa.
ou é vista como signo, como sinal, como mensagem codificada; a pertença a um clã, a uma tribo, será identificável com os sinais exclusivos desse clã ou tribo.
Isso existe na nossa espécie o Homem Moderno, desde o princípio, visto que as grutas decoradas do paleolítico, estão cheias de sinais «abstratos» , mas que não são arbitrários, pois se repetem (alguns, apresentam-se em locais distantes, no tempo e no espaço).
Na espécie nossa estreita parente, Homo neanderthalensis, suas condições de vida foram muito mais rudes, durante boa parte da sua existência no continente europeu. Não é difícil compreender que estavam forçados pela natureza do clima (de tipo peri-ártico; de tundra) a deambularem de sítio para sítio, ficando em cavernas ou abrigos temporários, sem continuidade, quanto muito visitando, ano após ano, determinados locais. Lembro também que os locais mais ricos em imagens e gravuras no paleolítico superior (ex. Na gruta Chauvet), estão nos locais mais recônditos das grutas. Por vezes, são quase inacessíveis: seria uma prova tremenda se aventurar no seu interior, segurando apenas lamparinas com gordura, para se iluminarem.
A representação não é - de qualquer modo - um critério para se avaliar o grau de desenvolvimento duma cultura. Basta lembrar que existem tabus (proibições religiosas) em sociedades como as islâmicas, em representar figuras de humanos ou de animais. Evidentemente, estas sociedades não estão num «estádio menos avançado» de desenvolvimento, por comparação com aquelas onde a representação do humano não é tabu.
Analogamente, a «superioridade» do Homo sapiens sobre o neanderthalensis é apenas um efeito de nos projetarmos a nós próprios no cume, a realização máxima da Evolução. Como biólogo, estou consciente de que houve um conjunto muito diferente de circunstâncias, nomeadamente para as duas espécies: Um clima peri-ártico do habitat dos neandertais e um clima tropical ou de savana africana, nos sapiens que migraram para a Europa.
O que se pode esperar em populações longamente separadas, submetidas a diferentes pressões ambientais, senão que divirjam como consequência da sua adaptação e tenham portanto traços anatómicos próprios e também comportamentos, incluindo tradições culturais? Homo neanderthalensis e H. sapiens viveram em quase total separação entre -300 mil anos (a data aproximada de aparecimento do homem moderno, em África) e cerca de -45 mil anos (aproximadamente, o encontro das duas populações no Levante). São 255 mil anos de separação, no mínimo, ou seja, cem vezes o intervalo temporal desde a antiguidade*, aos nossos dias.
Espero que as pessoas se interessem pela Paleoantropologia, ela dá uma perspetiva de como viemos de longe e de como sabemos pouco, demasiado pouco, sobre nós próprios!!
-------------
* Contando a partir da idade de ouro da civilização grega antiga, cerca 2550 anos antes da atualidade.
domingo, 4 de dezembro de 2022
INVERNO 2022/23: PREVISÕES DE MUITO FRIO = ARREFECIMENTO GLOBAL?
É possível que a fase interglaciar em que vivemos desde há 20 mil anos, tenha chegado ao fim e esteja no início uma nova era glaciar. Segundo os climatologistas, uma era glaciar estabelece-se de forma muito mais brusca do que as etapas de aquecimento, que assinalam o fim das glaciações.
A humanidade atual não está preparada para enfrentar uma era semelhante à que se iniciou há 29 mil anos, na Europa. Nesta época, os ancestrais da nossa espécie, H. sapiens, partilharam o habitat com populações de Homo neanderthalensis. Estes, também eram originários de África; mas tinham colonizado a Eurásia centenas de milhares de anos antes. Os neandertais tinham adquirido adaptações anatómicas e fisiológicas ao frio extremo. Os homens «modernos» (H. sapiens) tiveram que desenvolver adaptações comportamentais para sobreviverem em ambientes semelhantes aos do Norte do Canadá ou da Sibéria dos nossos dias.
Solutrense Épigravetensequinta-feira, 6 de outubro de 2022
DIÁLOGO SOBRE O FENÓMENO HUMANO II
quinta-feira, 2 de dezembro de 2021
quarta-feira, 20 de outubro de 2021
A ARTE NAS ORIGENS
A mais antiga pintura rupestre conhecida
Introdução
Para nós fazermos um estudo sério sobre a origem da arte temos, primeiro, de definir o que é «arte», para que não se confunda com outras coisas que podem parecer, até parecer-se muito, com esta atividade designada por arte, mas não o são.
Primeiro que tudo, considero que a arte só se refere a atividade humana. Isto exclui os trabalhos de múltiplas outras espécies no estado natural, como as aves-tecelãs que tecem um ninho de complexidade e beleza magníficas, ou as aves-arquitetos que fazem túneis com toda a espécie de objetos vistosos, brilhantes, para atrair a fêmea, etc.
Fig.1: Ave-tecelã e seu ninho
Fig.2: Cápsulas e palhinhas de plástico, «recicladas» por ave-arquiteto
No domínio do comportamento animal, observam-se comportamentos complexos, tanto em mamíferos como em aves, relacionados com a corte antenupcial, a proteção das crias, a defesa do território, etc., que aparentam, aos olhos de observadores ingénuos, estar imbuídos de sentimentos e mesmo de raciocínios humanos. Mas, na realidade, não o são: são comportamentos que se relacionam com funções vitais (nutrição, território, reprodução) do indivíduo ou do bando (nos animais sociais); são comportamentos resultantes da seleção natural. É sabido que esta opera não só sobre os aspetos anatómicos, como os comportamentais, ao longo de milhões de anos.
O que distingue o comportamento humano, em geral, dos outros animais, é a sua natureza não inteiramente previsível. A arte - pela sua natureza, pelas formas e pelo modo como é construída - dificilmente se poderá enquadrar dentro dos padrões de «seleção darwiniana»: Nós fazemos coisas, que não se podem explicar recorrendo aos conceitos de seleção, de vantagem seletiva para o indivíduo e/ou para o grupo. Também, especificamente humana, é a facilidade com que projetamos a nossa mente no passado ou no futuro:
Fig.3: representação de uma caçada no período glaciar do paleolítico
Por exemplo - a narração duma caçada por um indivíduo, vai informar os outros, do mesmo grupo, que captam o essencial do que aquele pretende comunicar.
Fig.4: pedra talhada paleolítica e início de talhe de réplica atual
Além disso, existe uma característica partilhada por todas as sociedades, incluindo as de caçadores-recolectores atuais ou que existiram há tempo não muito recuado; tem sido feito o seu estudo, no terreno, por antropólogos. Todas as sociedades humanas, incluindo as ditas mais «primitivas», têm algum sistema de crenças, uma espiritualidade, uma visão do mundo, um relacionamento com outros mundos. Isto exprime-se de múltiplas maneiras: Em termos de vocabulário, de costumes, de rituais, de representações com referência ao simbólico.
Fig. 5: Totems num parque, em Vancouver (Canadá)
A humanidade «segrega» símbolos, não apenas verbais (os símbolos sonoros), como nas marcas, nos sinais, nos identificativos pessoais ou de grupo, que ficam registados no seu entorno, em objetos que utilizam, ou no seu próprio corpo.
Fig.6: Chefe com tatuagens, ilhas da Oceânia
Com efeito, tanto os povos de caçadores-recolectores, em várias zonas do globo onde ainda aí subsistem (na Papuásia- Nova Guiné, na Amazónia, na Austrália, em África), como os que deixaram de ser caçadores recolectores e sedentarizaram (como na Mongólia, ou na América do Norte), mas cujas sociedades foram estudadas ainda antes disso, todos apresentam ciclos de narrativas (orais), bastante complexas. Nelas, dão-se interpretações de fenómenos naturais, frequentemente relacionados com animais, ou relatos sobre as origens do Universo, dos humanos, ou da tribo. Estas histórias, que se transmitem oralmente, de geração em geração, fazem parte da sua identidade. Esta parte está perdida para sempre, no que respeita aos homens paleolíticos. Igualmente, a arte corporal nos paleolíticos, como pinturas corporais, escarificações e tatuagens, são impossíveis de detetar. Mas, nem tudo está perdido, em relação a tais vestígios de arte corporal. Foi descoberto, na África Austral um fragmento de pedra, com um desenho abstrato, feito com o pigmento ocre e com mais de 70 mil anos. Pensa-se que esse ocre servia também para pintar o próprio corpo.
Fig.7: Desenho abstrato, a ocre, com 73 mil anos, África do SulForam achados, em abrigos neandertais, garras e restos de penas de aves, usadas como adorno, em especial, as de águias e doutras aves de grande porte.
Fig.8: Ornamentos de garras de águias, por Neandertais
Datadas de 77 mil anos em relação ao presente, encontraram-se, na África do Sul, pequenas conchas. Noutras instâncias, encontraram-se conchas a centenas de quilómetros dos sítios na costa onde estas espécies existiam. Estas conchas possuem perfurações; seriam usadas em colares, ou noutros adornos.
Fig.9: conchas perfuradas com 77 mil anos, África do Sul
Assim, penso que, ao considerar-se a arte como propriedade exclusiva da espécie humana, tal não deve ser visto no sentido estrito da espécie Homo sapiens, mas deverá englobar espécies que a antecederam (3). Parece-me provável que se encontrem mais objetos, ainda mais antigos, em futuras escavações, visto que, recentemente, se fizeram muitos achados e foram reavaliados outros, nomeadamente, as datações de «objetos de arte móvel», com sinais abstratos. Alguns dos objetos estão associados a espécies anteriores ao homem moderno.
Fig.10: Sinais parietais recolhidos em todo o mundo (também em utensílios, etc.)
É uma característica notável que, desde a origem, a arte seja simbólica. Mesmo quando é pictórica, não pretende retratar algo que se vê, mas entrar em comunicação com o mundo dos espíritos, ou algo deste género. O mito de uma arte paleolítica «naturalista», finalmente está a ser posto de lado. Este mito foi construído, a partir duma visão ideológica inconsciente ou não-intencional, por arqueólogos e paleoantropólogos, dos séc. XIX e XX, valorando esteticamente as obras, consoante a «parecença», ou «realismo» da representação.
Ora, embora não possamos jamais saber com toda a certeza, muitas probabilidades existem de que as representações animais (e as poucas humanas que existem) estejam integradas nalguma forma de «religião», animista e/ou xamanista. Os que pintaram, desenharam ou gravaram, não estavam a «fazer arte», estavam a executar um ritual, a entrar em contacto com o mundo dos espíritos, algo da ordem do simbólico (5). Eram símbolos, da mesma forma que por exemplo - nós, se estamos imbuídos de cultura cristã - podemos «ler» as estátuas e as pinturas murais das igrejas e catedrais, que exibem cenas das vidas de Cristo, dos Apóstolos, dos Santos. Porém, os episódios a que se referem, são completamente incompreensíveis para alguém que ignore tudo do cristianismo e da Bíblia.
Por exemplo, o mito de que as gravuras de animais se destinavam a propiciar uma boa caçada, já não é sustentável. Com efeito, raras são as representações de animais que eles efetivamente caçavam. Um caso extremo (1), é o seguinte: em gravuras parietais duma gruta do final da era glaciar, na Europa Central, existem exemplares da fauna de então, os rinocerontes, os mamutes, os leões das cavernas, os cavalos, os auroques e outros. Primeiro, alguns nunca eram caçados (como os leões); segundo, outros, eram-no raramente. No entanto, no chão da mesma caverna, 95% dos ossos fossilizados pertenciam a uma espécie de alce, a qual nem sequer está representada em desenhos nas paredes. Não lhes interessava a representação da espécie mais frequentemente caçada. É prova de que as pinturas e gravuras parietais são simbólicas, ou seja, de que possuem significados associados a forças e energias. As representações revestiam formas animais, através das quais os xamãs entravam em contacto com as tais forças e energias dos universos paralelos.
A Europa, no período que vai de 150 mil a 50 mil anos, anterior à vinda do Homo sapiens, era uma vasta extensão muito escassamente povoada por neandertais, uma subespécie diferente da nossa. Aliás, Homo neanderthalensis tem sido descrito como Homo sapiens, sub-espécie neanderthalensis, por alguns paleoantropólogos. Em todo o vasto território da Europa, desde a Rússia até à Ibéria, encontraram-se vestígios de neandertais.
Note-se que as condições em que evolui a ciência paleoantropológica não são independentes das condições sociais, culturais e ideológicas em que as descobertas foram feitas e interpretadas. Temos uma ilustração disso, na visão do século XIX, do homem de Neandertal (11) próximo dos símios, bruto e estúpido. Esta visão, totalmente fantasista, tem persistido no imaginário popular, por mais obras de divulgação científica que sejam publicadas, negando a «bestialidade» dos neandertais. Pelo menos, o mundo científico vê esta espécie como muito semelhante à nossa, capaz de produção simbólica, abstrata: Uma espécie humana, no sentido lato. Com efeito, reconheceu-se, nos últimos decénios, a existência de arte parietal, de esculturas e de adornos (arte corporal) atribuídos aos neandertais, em sítios cuja datação é anterior à chegada dos sapiens a essas partes da Europa.
Compreender a arte paleolítica sem as nossas projeções
Uma compreensão sofisticada e uma leitura inequívoca das obras deixadas pelos sapiens e pelos neandertais, será impossível. Penso que tal nunca poderá acontecer, pelo menos de uma forma cabal, pois implicaria um grau de conhecimento aprofundado, impossível de se alcançar, das sociedades do paleolítico. Estamos a falar, na Europa, de um período desde há 60 mil anos, ou mais atrás, até cerca de 12 mil anos, em relação ao presente. Compreender as formas de expressão artística desse longo período, equivaleria a compreender o essencial sobre a organização social e religião ou cosmovisão, do homem paleolítico. Porque a arte, ou aquilo que nós designamos como tal, é uma forma de expressão, de linguagem, que - como todas as linguagens - tem as suas regras: Existem uma gramática e uma semântica, nas gravuras rupestres, associadas à cosmovisão do homem paleolítico (2). Para os que faziam parte dessa cultura, as gravuras eram inteligíveis, tal como para nós o são, os monumentos e a arte da nossa cultura.
Se me parece impossível fazer uma reconstituição, em pormenor, dessas sociedades do paleolítico, já não me parece tão inapropriado tentar compreender, em traços muito gerais, as condições de produção destas obras. Nós, hoje, ficamos espantados com a mestria, o olhar certeiro, a elegância das curvas de contorno, nos desenhos, gravuras, pinturas, baixos-relevos e esculturas. Porém, passada a fase de maravilhamento, devemos nos perguntar: Porque fizeram eles essas obras? Que papel desempenhavam tais obras? Como se inseriam nos dispositivos simbólicos desses grupos? Que tipo de religião ou de espiritualidade seria a sua?
O que impulsionou o homem do paleolítico a produzir «arte»?
Daqui por diante, irei fazer uma reflexão mais filosófica, o que não implica renunciar ao rigor científico, mas antes situar-me num plano diferente de discussão.
Esta segunda parte tem como eixo as interrogações seguintes: Afinal o que ensina a arte paleolítica sobre nós, homens contemporâneos? Será que aprendemos algo sobre nós próprios? Como podemos ter um olhar não eivado preconceitos, sobre essa época "primordial"? O que é ser humano? O que é a criação artística?
Alguém que se debruce sobre os vestígios dos muitos milhares de anos (milhões, até) anteriores aos períodos do que consideramos arte paleolítica (cerca de 60 000 a 12 000 anos, antes do presente), encontra indícios de que os humanos dessas épocas, adornavam o corpo. Temos como evidências, o ocre e outros pigmentos, as conchas perfuradas, as marcas intencionais em pedras ou ossos. Quanto maior distância no tempo, menores evidências haverá de tais vestígios, pela sua raridade e pelos efeitos do tempo nos mesmos.
Mas, pode-se colocar a hipótese de que as formas arcaicas da humanidade já tinham expressões de significado simbólico (4), que traduziam em forma pictórica ou «ideogramática», pois toda a evolução se faz em sociedade, em grupo e as formas de comunicação, de intercâmbio, entre elementos do grupo são fundamentais para sua subsistência. A coesão dentro do grupo é fortalecida por tradições comuns, narrativas míticas, cosmovisão (para não usar a palavra religião, cujo significado é demasiado estreito para este contexto). A linguagem era, certamente, capaz de exprimir um projeto, uma intenção, ou de descrever algo, presenciado apenas pelo locutor, mas não pelos ouvintes.
O simbólico, a representação, traduzem-se naquilo que reconhecemos, hoje, como «arte».
Creio na possibilidade de existência de pensamento simbólico, a partir do Homo habilis ou do Homo erectus. Não consigo imaginar que tenha existido (como existiu!) uma perpetuação de técnicas de fabrico dos instrumentos de pedra, das indústrias líticas, que implicam uma transmissão precisa de saber técnico, sem que houvesse também uma transmissão simbólica.
A perpetuação oral da cultura, do saber técnico e dos mitos, tem de ter existido no Paleolítico, embora seja impossível reconstituir a sua estrutura e conteúdo concretos. Esta transmissão - material e imaterial - é observada e estudada por antropólogos, nas sociedades de caçadores-recolectores contemporâneas. Embora seja arriscado fazer paralelos, qualquer sociedade onde sejam perpetuadas tradições técnicas, de geração em geração, também deverá ter mecanismos de perpetuação, pelo menos tão eficazes, para sua cultura imaterial, que são a língua, os ciclos de lendas, as crenças e arte. Note-se que a expressão artística dessas culturas se encontra, muitas vezes, em suportes perecíveis. Por exemplo, se os antropólogos não tivessem estudado as culturas da Amazônia, bem pouco subsistiria da sua cultura artística material, pois ela compõe-se de artefactos, quase todos confecionados com materiais frágeis e rapidamente perecíveis (cordas de fibras, madeiras, penas de aves, etc.).
Há cerca de 3 anos (em Dez. de 2018) foi divulgada a descoberta de um painel de pinturas rupestres, datadas com segurança do paleolítico, numa ilha que é hoje da Indonésia, em Sulawesi: esta arte é muito estilizada e contém a representação de uma fauna muito diversificada. No mesmo grupo de grutas, foi descoberta a mais antiga representação humana (6) até hoje conhecida (isto pode mudar com novas descobertas, claro).
Figura 11: cabra selvagem e figuras humanoídes (Sulawesi, mais de 40 mil anos)
O papel das representações humanas e animaisAs representações humanas são raras na arte parietal paleolítica. No período neolítico, pelo contrário, existem numerosos exemplos de figuras humanas.
Talvez tenha existido um tabu nos tempos mais recuados, em relação à representação humana. O certo, é que as poucas representações que se conhecem, com mais de 25 mil anos, frequentemente apresentam a figura humana fundida com a de certos animais:
Como o homem-leão, estatueta encontrada na Alemanha, dum homem com corpo humano e cabeça de leão; ou de homem com cabeça de ave e sexo em ereção, numa gravura rupestre em Lascaux; ou, doutras figuras paleolíticas mais recentemente descobertas, como as de Sulawesi, que também apresentam um caráter de homem-animal.
Estas raras representações, poderiam representar a transformação experimentada pelo xamã, que entra no corpo e no espírito dum animal, que pode ser o animal totémico do clã, ou outro, e que faz a viagem assim transformado, ao universo dos espíritos. Esta descrição de viagem, baseia-se em relatos de xamãs contemporâneos, de locais do planeta onde ainda é praticado o xamanismo. O que, muitas vezes, nos é descrito como sendo «cenas de caça» poderiam, mais provavelmente, ser cenas do encontro do xamã com os espíritos animais, nesse universo paralelo. Lembremo-nos de que as representações animais são símbolos de forças universais, tais como os princípios masculino e feminino (André Leroy-Gourhan).
Note-se que o xamanismo implica que o xamã ou mediador entre mundos (6), fique num estado de transe. Os resultados tangíveis desses transes podem estar gravados na rocha.
Fig. 13: Impressões de mãos desenhando figura animal (grota Chauvet)
Uma das figuras mais intrigantes da célebre gruta Chauvet é aqui acima reproduzida. Na foto (fig.13), vemos pontuações, feitas por impressão de mãos, desenhando uma figura animal. Esta figura zoomorfa, crê-se seja de um rinoceronte: os rinocerontes lanígeros, tal como os mamutes, faziam parte da fauna da Europa, nessa época. O que tem de particular esta representação, é ser feita por calques de mãos. Talvez tenha sido delineado, previamente, o contorno do animal e depois tenha desaparecido, ou talvez não. Note-se que - na mesma gruta, noutros locais - rinocerontes e outros animais, são desenhados, com grande requinte e pormenor, portanto, com domínio das técnicas. Provavelmente, o que vemos não é uma maneira fruste de representar um animal, mas o resultado duma cerimónia encantatória.