Imagem: a mais antiga pintura figurativa (grota em Sulawesi)
Sabemos que houve ornamentação e certo grau de abstracção nas
culturas dos Homo neanderthalensis, mas, na minha subjectividade, o «nós»
começa realmente com a espécie Homo sapiens que, segundo os dados mais
recentes da paleo-antropologia, deve ter surgido em África há cerca de 350 mil anos. Esta espécie, que é afinal a nossa, propagou-se muito rapidamente em
vários continentes, adaptando-se a condições naturais muito
diversas, desenvolvendo novas técnicas e também uma cultura simbólica cujos principais traços
apenas podem ser delineados através dos vestígios materiais que deixou.
A foto acima mostra impressões de mãos e uma figura animal, difícil de se perceber: faz parte do notável conjunto de arte parietal, duma gruta de Sulawesi que é hoje da Indonésia, com a remota idade de 40 mil anos.
A gruta de Chauvet (em França) foi datada em cerca de 35 mil anos. Muitos outros vestígios de arte rupestre europeia pertencem a épocas mais recentes, como é o caso de Lascaux, Altamira, Foz Côa…
A gruta de Chauvet (em França) foi datada em cerca de 35 mil anos. Muitos outros vestígios de arte rupestre europeia pertencem a épocas mais recentes, como é o caso de Lascaux, Altamira, Foz Côa…
As figuras presentes em todos estes exemplos de arte parietal – sem dúvida, representações de
forças cósmicas, assumindo a forma de leões, alces, cavalos, bisontes, etc… - espantam
pela forma muito perfeita, que nos permite reconhecer - não apenas os animais
selvagens contemporâneos - como o detalhe de animais extintos, os
rinocerontes lanígeros, ou os mamutes.
Mas, sobretudo, espanta a capacidade de captar o movimento apenas com um traço, a sobreposição de várias posições, traduzindo os
movimentos do animal (visível em certos frescos de Chauvet e nalgumas gravuras de Foz Côa), o aproveitamento dos relevos naturais das rochas nas paredes ou
tectos, para dar um efeito de volume, de sombreado.
Acima: Grota Chauvet. Abaixo: Relevo cavalos Foz Côa
Estas figuras tinham a virtude mágica de se pôr em movimento, aquando dos ritos iniciáticos, à luz dos archotes.
Como dizia Picasso, ao sair da gruta de Lascaux, recém-descoberta: «nós não inventámos nada! Eles já sabiam tudo!». Com efeito, eles tinham um olhar atento e agudo, a mestria da forma e do movimento, a ciência dos pigmentos, sabiam jogar com o relevo e com sombra e luz …
Acima: Grota Chauvet. Abaixo: Relevo cavalos Foz Côa
Estas figuras tinham a virtude mágica de se pôr em movimento, aquando dos ritos iniciáticos, à luz dos archotes.
Como dizia Picasso, ao sair da gruta de Lascaux, recém-descoberta: «nós não inventámos nada! Eles já sabiam tudo!». Com efeito, eles tinham um olhar atento e agudo, a mestria da forma e do movimento, a ciência dos pigmentos, sabiam jogar com o relevo e com sombra e luz …
O etnocentrismo, segundo o qual a nossa civilização seria a mais evoluída e as realizações do Homem contemporâneo superiores ... baseiam-se na ideia (muito antiquada, afinal) de que existe um «progresso», visto
como um aperfeiçoamento na escala física, mental, moral e cultural da
humanidade.
Deste sentido preciso de progresso só posso discordar totalmente, face às numerosas evidências de
que disponho e que a ciência paleo-antropológica mais avançada nos põe diante
dos olhos:
- O ser humano cedo assumiu a plenitude das suas
características, físicas e psíquicas. Seria mais fácil admitir uma decadência,
pois é certo que a aptidão física foi decrescendo, à medida que os humanos se
fecharam em grandes cidades e que as suas formas de subsistência foram cada vez
menos tributárias da força física.
Os homens de há várias dezenas de milhares de anos, assim como os raros caçadores-recolectores que restam neste Planeta, eram/são
dotados de capacidades físicas notáveis. Porém, já nos seus alvores, a nossa espécie era também portadora de sofisticação cultural num grau muito superior ao doutros símios antropóides e
mesmo dos nossos antepassados ante-humanos, de outras espécies do género Homo.
Isto explica-se facilmente na medida em que a
subsistência e a expansão de Homo sapiens estavam dependentes da capacidade de tecer laços profundos, de constituir uma sociedade que possuísse um máximo
de resiliência colectiva.
Os grupos humanos primitivos têm as prioridades da vida na
ordem correta, ao contrário dos civilizados, sobretudo quando estes estão
encerrados numa cultura tecnológica, da qual são escravos… sem o saberem.
A espantosa aventura humana consistiu nos mais de trezentos mil anos ANTES do que hoje se convenciona chamar «a civilização», o
aparecimento de sociedades urbanas, com um poder centralizado, com religiões, sacerdotes
e templos, com exércitos e guerras, etc…
Embora quase tudo na História dessa humanidade do período paleolítico pareça estar
irremediavelmente perdido, pode-se ainda, através da antropologia física e da
arqueologia reconstruir algo do que foi esta aventura. A evidência de simultânea expressão artística em duas regiões muito afastadas do globo, é indicação de que as capacidades artísticas já eram partilhadas pelos grupos humanos ANTES de saírem de África, há cerca de 80 - 90 mil anos.
A tendência para romantizar a humanidade do paleolítico pode
estar presente, mesmo nos espíritos mais rigorosos podem existir projecções
inconscientes das concepções dos homens modernos e seus preconceitos.
Mas pode-se resistir a essa tendência implícita de reconstruir o passado à nossa imagem pois, na verdade, sabemos demasiado pouco sobre os grupos humanos que constituíram as primeiras culturas, produtoras de arte parietal.
Mas pode-se resistir a essa tendência implícita de reconstruir o passado à nossa imagem pois, na verdade, sabemos demasiado pouco sobre os grupos humanos que constituíram as primeiras culturas, produtoras de arte parietal.
Conhecemos as técnicas materiais que utilizavam, sabemos qual o seu
modo de vida genérico, podemos – por vezes – isolar e sequenciar o seu ADN, mas não fazemos ideia de como seriam seus idiomas, qual a extensão dos seus saberes, nomeadamente em relação aos fenómenos
naturais, quais as narrativas que relacionavam o mundo dos humanos com a natureza e o
sobrenatural… Talvez as culturas de há 40 mil anos atrás fossem semelhantes, pelo menos em certos aspectos, às culturas de caçadores-recolectores actuais, mas isto é uma mera hipótese…
A única certeza que possuo em relação a este assunto, é a seguinte:
- Quaisquer que sejam os factos que a paleo-antropologia e as outras ciências venham a revelar, o importante é que os humanos de hoje saibam mais e melhor sobre a profundidade da humanidade e da sua aventura.
- Quaisquer que sejam os factos que a paleo-antropologia e as outras ciências venham a revelar, o importante é que os humanos de hoje saibam mais e melhor sobre a profundidade da humanidade e da sua aventura.
Acredito que isso aumentará a humildade das pessoas e não a sua
soberba; que o conhecimento desta história irá eliminar ou ajudar a combater o racismo, a xenofobia e o etnocentrismo, visto que a
humanidade actual é una.
Somos descendentes dos Homo sapiens, que se espalharam pelos 5 continentes (África, Europa, Ásia, Austrália e América).
As pessoas, esclarecidas e informadas, terão desejo de preservar os vestígios e monumentos do passado, em promover o desenvolvimento das técnicas e da sociedade tecnológica, no respeito pelas culturas tradicionais existentes (incluindo o respeito pelo território e pela dignidade dos actuais caçadores-recolectores), tal como pelas do passado e pelo mundo natural.
Somos descendentes dos Homo sapiens, que se espalharam pelos 5 continentes (África, Europa, Ásia, Austrália e América).
As pessoas, esclarecidas e informadas, terão desejo de preservar os vestígios e monumentos do passado, em promover o desenvolvimento das técnicas e da sociedade tecnológica, no respeito pelas culturas tradicionais existentes (incluindo o respeito pelo território e pela dignidade dos actuais caçadores-recolectores), tal como pelas do passado e pelo mundo natural.
Sem isso, sem um respeito profundo por si própria, enquanto humanidade multi-facetada, pelo
seu próprio passado e pelo mundo natural, sejam quais forem os progressos
tecnológicos, a humanidade caminhará para a degradação e para o abismo.
1 comentário:
A mais antiga cena de caça conhecida:
https://www.youtube.com/watch?v=NNdizvsB4Tk
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