sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

ROUBO DAS PENSÕES DE REFORMA, ESTÁDIO DERRADEIRO DO CAPITALISMO?


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Foto dos anos 1930, mostrando uma «sopa dos pobres»; aquilo a que os idosos deste século XXI estarão reduzidos com a liquidação dos sistemas de pensões por repartição

O que é que caracteriza o sistema actual na maioria dos países da Europa ocidental (há excepções, como Grã-Bretanha e outros)? 
- O facto de que os fundos são co-geridos pelas associações patronais e sindicatos, com a colaboração do Estado.

Qual a consequência disso na prática? 
- Na sequência da crise mundial de 2008 estes fundos não ficaram demasiado afectados, ao contrário dos fundos de pensões do outro lado do Atlântico, que têm uma gestão privada nos EUA e sofreram (e sofrem) profundos abalos, pondo em causa a viabilidade das pensões de reforma de ex-empregados do Estado. Têm sido noticiadas falências de caixas de pensões de polícias, bombeiros, professores, etc... 

Porque é que tais fundos (dos EUA) ficaram descapitalizados? 
- Sendo geridos privadamente, não havia restrições em colocar os capitais em instrumentos de rentabilidade alta, mas muito inseguros. Por outras palavras, fez-se participar estes fundos, em pleno, na economia especulativa. Uma maior rentabilidade significa maior risco, normalmente. Nos fundos de pensões da Europa ocidental são colocadas restrições sobre quais os investimentos que são permitidos e, dentro da estrutura dos mesmos, há uma base, suficientemente larga, de investimentos considerados sem risco ou com risco muito baixo. 

Qual o sentido profundo da reforma Macron das pensões? 
- A aparente preocupação com uniformização do cálculo e uma pseudo-igualdade, vem preparar o terreno para a privatização por etapas da gestão dos fundos de pensões, a retirada do controlo dos trabalhadores.

Quais as consequências da gestão privatizada destes fundos?
- Os assalariados serão empurrados para fundos de gestão privada (modelo dos EUA e de outros países onde reina o neo-liberalismo). Nestes, não apenas estarão sujeitos a um esquema «por capitalização», mas os capitais serão apropriados para toda a espécie de engenharias financeiras. Vão multiplicar-se as falências, pois a tomada de riscos excessivos é considerada «normal», sobretudo se quem toma esses riscos, não o faz com seus próprios capitais!

Contrariamente ao senso comum, Christine Lagarde, ex-chefe do FMI e nova patroa da BCE, parece ignorar que «não há capitalismo sem capital». Ela deu logo o tom, pouco depois de entrar nas novas funções, ao afirmar: «quanto à perda dos juros dos depósitos (e logo a impossibilidade de poupanças), as pessoas deviam considerar isto muito menos importante do que conservar o emprego». O que está implícito no seu raciocínio, é que os juros convidam as pessoas a manter suas poupanças «improdutivas», nas contas bancárias, por contraste com o investimento em «veículos financeiros» que vão alimentar e dinamizar a economia... Mas isso, é apenas uma falácia, pois os juros mantêm a poupança, esta constitui o mais importante meio de formação de capital, o qual será aplicado em investimento... Sem poupança... não há capital, sem capital... não há investimento, sem investimento... não há capitalismo. Fazem de conta que estão a favorecer a economia produtiva, enquanto estão a limitá-la severamente. 
A apropriação dos fundos de pensões, públicos e privados, é a próxima etapa do chamado «reset», pela oligarquia.
                                                 
                                                     Image result for lenine             
É caso para plagiar o  título do livro de Lenine («Imperialismo, estádio supremo do capitalismo»): 

- «Roubo das pensões, estádio derradeiro do capitalismo»

quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

HAENDEL: SONATA PARA DOIS VIOLONCELOS E CONTÍNUO EM SOL MENOR

                   
Yuliya Rozhkovskaya - cello

Aleksandr Ivanov - cello
Dasha Moroz - piano
Belarusian State Philharmony


O único exemplar manuscrito desta sonata datado da época de Handel, pertence à biblioteca real de Dresden onde ele fez uma estadia no ano de 1719.
A partitura está efectivamente escrita para trio de dois violinos e baixo contínuo, mas tornou-se muito frequente ouvir-se a sua transcrição para dois violoncelos.
Como é sabido, na época barroca, a atribuição de determinados instrumentos para interpretação das peças na música erudita, ainda não era tão estrita como passou a ser, nos séculos posteriores. Não fica nada mal, esta sonata com dois violoncelos, pois as sonoridades mais cheias, mais plenas de harmónicos, destes, por contraste com os violinos, permitem apreciar a beleza do desenho melódico.
Handel era realmente um génio da melodia. Beethoven, apreciava tanto isso, que considerava ser o velho mestre Georg Friedrich, o «maior músico de todos os tempos»...
A mestria de Handel no domínio melódico, transparece aqui muito claramente nos dois movimentos lentos da sonata (o inicial e o terceiro): A máxima expressividade com meios afinal muito simples; não será isto a marca de um génio?

Esta interpretação da célebre sonata de Haendel, parece-me ser muito apropriada, na sua sobriedade.
Ela reflecte o bom gosto do barroco, no seu auge, que dava o seu lugar aos sentimentos, sem no entanto os expor de modo desbragado, mas com contenção.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

REPORTAGEM DE «LES-CRISES» SOBRE UKRAINEGATE CENSURADA



Facebook, sem aviso prévio, decidiu censurar a página facebook de «Les Crises», um site criado e coordenado por Olivier Berruyer: 
Com efeito, as revelações sobre o caso Burisma e a implicação profunda de Joe Biden, ingerindo-se directamente nos assuntos internos da Ucrânia, para salvar o seu filho Hunter e gabando-se disso, são demonstração cabal das duas faces do poder americano, sempre a criticar os outros por aquilo que pratica, numa escala ainda maior!

Veja o vídeo "UKRAINEGATE- PARTIE 1"
no link abaixo:


Ao vídeo acima, sucedem-se vários outros; o 2º episódio pode ser visto em https://www.les-crises.fr/exclu-les-crises-2e-partie-de-notre-serie-documentaire-ukrainegate-des-faits-qui-derangent/


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Comentário pessoal: Não sei o que a oligarquia no poder nos EUA pretende, ao transportar a candidatura de Joe Biden para primeiro plano. Não tenho a mínima dúvida que são eles que têm subsidiado e dado todas as condições para Biden ser nomeado o candidato democrata às presidenciais de 2020. 
Talvez a possibilidade de um candidato «socialista», Elizabeth Warren ou Bernie Sanders, os encha de receio e prefiram a estes potenciais vencedores face a Trump, um velho corrupto e estúpido, fácil de ser manipulado e chantageado? 
Talvez estejam secretamente rendidos ao «charme» dos muitos biliões de dólares que Trump lhes fez ganhar, já não querendo a vitória dum candidato do partido democrata.
Neste caso, seria lógico empurrarem o incompetente e corrupto Biden para a frente, com o pretexto de que ele pertence à linha «centrista», contra a linha «esquerdista» de vários outros candidatos... Ao fazê-lo, estão a favorecer imenso Trump, pois Biden não conseguirá sequer os votos duma larga franja de eleitorado democrata! 

ACTUALIZAÇÃO (29/01/2020): 
O ex-procurador Victor Chokin coloca uma queixa em tribunal contra Biden. Ver em:
https://www.les-crises.fr/breaking-news-prosecutor-shokin-files-a-complaint-against-joe-biden-for-interference-in-ukraine-s-legal-proceedings/

[Manlio Dinucci] CHAMADA ÀS ARMAS, A NATO MOBILIZADA EM DUAS FRENTES

                                      

NATOME: Assim, o Presidente Trump, que se orgulha do seu talento para criar siglas, já baptizou o destacamento da NATO no Médio Oriente, por ele solicitado por telefone, ao Secretário Geral da Aliança, Stoltenberg. Este concordou imediatamente, que a NATO deveria ter “um papel cada vez maior no Médio Oriente, particularmente, nas missões de treino”. Ele participou, em seguida, na reunião dos Ministros dos Negócios Estrangeiros da UE, salientando que a União Europeia deve permanecer ao lado dos Estados Unidos e da NATO, porque “embora tenhamos feito progressos enormes, o Daesh pode regressar”. Os Estados Unidos procuram, deste modo, envolver os aliados europeus na situação caótica provocada pelo assassínio, autorizado pelo próprio Trump, do General iraniano Soleimani, logo que desembarcou no aeroporto de Bagdad. Depois do Parlamento iraquiano ter deliberado a expulsão de mais de 5.000 soldados americanos presentes no país, juntamente com milhares de pessoal militar de empresas privadas, contratados pelo Pentágono, o Primeiro Ministro Abdul-Mahdi, pediu ao Departamento do Estado para enviar uma delegação a fim de estabelecer o procedimento da retirada. Os EUA - respondeu o Departamento – irão enviar uma delegação “não para discutir a retirada de tropas, mas o dispositivo adequado de forças no Médio Oriente”, acrescentando que em Washington se está a ajustar “o reforço do papel da NATO no Iraque, alinhado com o desejo do Presidente de que os Aliados partilhem o fardo de todos os esforços para a nossa defesa colectiva”.


O plano é claro: substituir, totalmente ou em parte, as tropas USA no Iraque pelas dos aliados europeus, que se encontrariam nas situações mais arriscadas, como demonstra o facto de que a própria NATO, depois do assassínio de Soleimani, suspendeu as missões de treino no Iraque. Além da frente meridional, a NATO está a ser mobilizada na frente oriental. Para “defender a Europa da ameaça russa”, está a preparar-se o exercício Defender Europe 20 que, em Abril e Maio, terá o maior destacamento de forças USA na Europa, dos últimos 25 anos. Chegarão dos Estados Unidos 20.000 soldados, incluindo vários milhares de militares da Guarda Nacional dos 12 estados USA, que se juntarão aos 9.000 já presentes na Europa, elevando o total para cerca de 30.000 militares. A eles juntar-se-ão 7.000 soldados de 13 países europeus da NATO, entre os quais a Itália e 2 parceiros, a Geórgia e a Finlândia. Além dos armamentos que virão do outro lado do Atlântico, as tropas americanas empregarão 13.000 tanques, canhões auto-propulsores, veículos blindados e outros meios militares dos “depósitos pré-posicionados” dos USA na Europa. Comboios militares com veículos blindados percorrerão 4.000 km por 12 artérias, operando em conjunto com aviões, helicópteros, drones e unidades navais. Páraquedistas USA da 173ª Brigada e italianos da Brigada Folgore serão lançados em conjunto, na Letónia.


O exercício Defender Europe 20 assume maior relevo, na estratégia USA/NATO, após o agravamento da crise no Médio Oriente. O Pentágono que, no ano passado enviou 14.000 soldados para o Médio Oriente, está a desviar na mesma região, algumas forças que se estavam a preparar para os exercícios de guerra na Europa: 4.000 paraquedistas da 82ª Divisão Aerotransportada (incluindo algumas centenas de Vicenza) e 4.500 marinheiros e fuzileiros navais do navio de ataque anfíbio USS Bataan. Outras forças, antes ou depois do exercício na Europa, poderiam ser enviadas para o Médio Oriente. No entanto, o planeamento do Defender Europe 20, observa o Pentágono, permanece inalterado. Por outras palavras, 30.000 soldados dos EUA exercitar-se-ão a defender a Europa de uma agressão russa, um cenário que nunca poderia verificar-se porque no combate, usar-se-iam não tanques, mas mísseis nucleares. No entanto, é um cenário útil para semear tensões e alimentar a ideia do inimigo.


il manifesto, 9 de Janeiro 2020






DECLARAÇÃO DE FLORENÇA
Para uma frente internacional NATO EXIT, 
em todos os países europeus da NATO


Manlio DinucciGeógrafo e geopolitólogo. Livros mais recentes: Laboratorio di geografia, Zanichelli 2014 ; Diario di viaggio, Zanichelli 2017 ; L’arte della guerra / Annali della strategia Usa/Nato 1990-2016, Zambon 2016, Guerra Nucleare. Il Giorno Prima 2017; Diario di guerra Asterios Editores 2018; Premio internazionale per l'analisi geostrategica assegnato il 7 giugno 2019 dal Club dei giornalisti del Messico, A.C.

Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos 
Email: luisavasconcellos2012@gmail.com
Webpage: NO WAR NO NATO


terça-feira, 14 de janeiro de 2020

ANARCO-CAPITALISMO?

Para se abordar este assunto sem demagogia, num ou noutro sentido, temos de nos despir de todos os preconceitos. Isto é normalmente muito difícil, se não impossível, para o comum dos mortais. 

Porém, os conceitos relativos ao anarquismo ou ao socialismo libertário são fundamentais e ajudam a esclarecer o fundo da questão. E este, resume-se à resposta simultânea às duas questões: «será o anarquismo viável?»; «será o anarquismo desejável?».

Para compreender as propostas dos que defendem um «anarco-capitalismo», temos de cavar um bocado na História e perceber como evoluiu este complexo de ideias, teorias, organizações e movimentos sociais. 
Sobretudo, devemos compreender que na origem (pelo menos enquanto teoria política e social), o anarquismo é visto como uma modalidade do socialismo. E o socialismo, por sua vez, é a utopia que mobiliza os sectores despojados pelo desenvolvimento capitalista dos séculos XVIII-XIX. No início, não se distinguia, nem em termos de projeto, nem em termos de teoria​,​ do comunismo. A palavra comunismo vem de comuna, que é o equivalente à nossa «freguesia»​. O comunismo foi, inicialmente​, um projeto de auto-gestão e auto-apoderamento​,​ ​n​um​ espaço territorial definido, que se pode considerar gerível e controlável pelo povo da comuna. 
Portanto, teria mais a ver com a gestão horizontal dos recursos, nos espaços geográficos ​duma área que ​podia ser atravessada de lés a lés, numa única jornada​,​ a cavalo. 
Porém, a luta de classes, na primeira metade do século XIX, nos países europeus, esteve imiscuída ​n​a luta pela libertação nacional contra o domínio das​ diversas monarquias e impérios. 
Es​t​es impérios, para usar uma expressão​​ conhecida, eram «a prisão dos povos». A eclosão de um movimento insurrecional em 1848, foi a primeira «prova de fogo»​:​ não apenas dos que ainda estavam imbuídos do ideário liberal, na sua versão genuína e original de liberdade de opinião, de associação e não somente liberdade de comércio, mas também dos proletários​,​ que entravam, pela primeira vez com a sua agenda própria, contra as monarquias instaladas. Havia a ilusão de que a república, o sufrágio universal, a liberdade, o direito de organização de sindicatos e a consagração do direito à greve, seriam a etapa necessária para a «república social», no confronto geral com a burguesia e ​restantes classes​ opressoras.​ Infelizmente, tal esperança não se concretizou​,​ pois os regimes constitucionais monárquicos ou republicanos - ​instalados entre a ​2ª​ metade do século XIX e início​s​ do século XX​ -​ logo se viraram contra a classe ​operária, ​que os pusera no poder, com repressão e com restrições de toda a ordem, p​ara «desarmar» o perigo de revolução. Quando se falava de revolução, era - naturalmente - a​ revolução​ que apregoavam os socialistas, comunistas e anarquistas​ ​e suas respectivas organizações e órgãos de propaganda.
Porém, a vertente não insurrecional do movimento operário e socialista (no sentido lato do termo) esteve sempre presente, desde os grandes movimentos Cartistas para conseguir uma lei (Charter) consagrando a existência legal de  sindicatos,  ​«trade-unions» nas ilhas britânicas. 
Outra vertente não insurrecional, era formada pelo nascente movimento​ ​de cooperativas operárias, implicados em produzir mercadorias e serviços de maneira autónoma​,​ gerindo​ ​suas empresas cooperativas de modo democrático e horizontal. 
Um grande apologista desta​ ​abordagem evolucionista​,​ em direcção a um socialismo futuro, ​foi​ Pierre-Joseph Proudhon, ele próprio um operário. A sua crítica radical do capitalismo inspirou o jovem Marx e​ ​outros socialistas​ e ​comunistas​. Devido a uma polémica azeda entre Marx e Proudhon, eles divergiram e detestaram-se. 
Porém​,​ é um facto que, na Iª Internacional, ​a corrente proudhoniana era nitidamente mais importante que ​o marxismo ou que outras, como a corrente de Bakunin.
A corrente prouhoniana, apesar de derrotada e expulsa da IIª Internacional, juntamente com os que seguiam Bakunin, acabou por ser o esteio sobre o qual se ​re​construiu o movimento sindical ​no final do século XIX, princípio d​o século XX. Com o acordo entre socialistas marxistas e sindicalistas ​libertários, estabeleceu-se ​como regra, nas «organizações de classe» (os sindicatos), terem estas autonomia em relação a todos os partidos e correntes políticas, sendo então os sindicatos capazes de unir os trabalhadores com base nas suas reivindicações e não com base na​s​ suas ideologia​s​.
No seu desenvolvimento histórico, o anarquismo é tudo menos uma teoria monolítica, pelo que excluir​ de antemão e sem análise o «anarco-capitalismo», ou todas as ideias​ análogas​ que se apresentam, é contraditório com o espírito aberto e tolerante, que também faz parte da herança multissecular das correntes libertárias. Ser intolerante, ser sectário,​ é a negação dos princípios anarquistas​; as pessoas que assim se comportam, em vez de revolucionárias, estão (sem o saberem?) a preparar a «cama» para uma aventura autoritária.

Vou, por isso, tentar esclarecer o que compreendi da leitura de autores anarco-acapitalistas contemporâneos. 
O que noto​ -​ desde logo​ -​ é que o movimento dito «libertariano» ou «anarco-capitalista», es​tá ​ancorado na sociedade ​norte-​americana e é parte de uma franja descontente com os partidos do establishment. 
Mas​,​ ​n​a abordagem prática da ação política, têm decidido, ou formar uma ala no seio do partido republicano, ou intervir com candidatos próprios (apoiados pelo partido libertariano) nas eleições ao nível estadual (ou a níveis inferiores) para conquistar uma parte do eleitorado do partido republicano (​a origem de​ muitos deles). Compreende-se que isto tudo tenha pouco​ ou nada​ que ver com o verdadeiro anarquismo, como organização horizontal, com a rejeição d​e​ eleições, vistas como um logro​​ que permite perpetuar​ ​a opressão​ do Estado e da classe dominante​, sob o pretexto (falso) de uma igualdade política, etc. 
A generalidade dos anarco-capitalistas aceita como ideal a constituição​ dos EUA, redigida e aprovada pelos revolucionários americanos: revolucionários... em relação à sede  da colónia (a Grã​-Bretanha), mas - eles próprios - grandes proprietários, muitos dos quais (​incluindo​ Washington ​e​ Jackson) proprietários de escravos negros. Os «libertarianos» pensam que o Estado deveria retornar à «pureza» da constituição aprovada pelos «pais fundadores»​ nos finais do século XVIII​. Neste ponto fundamental, divergem dos anarquistas, pois não preconizam (mesmo a longo prazo) a abolição do Estado, mas somente a sua reforma profunda.
No p​lano​ económico​,​ defendem a desregulamentação total, o que se traduziria por uma extrema força de coação económica dos detentores dos meios de produção e do capital​,​ sobre os que não possuem outra escolha senão vender sua força de trabalho​,​ para seu sustento e da sua família. 
A favor desta tese extremada​,​ argumentam que o Estado é essencialmente parasitário e que o mercado «libertado de entraves» será originador de tal multiplicação de riqueza, de oportunidades, que todos poderão construir o seu negócio, que todos beneficiarão. Esta projecção, n​o​ futuro, do «paraíso capitalista" faz-nos sorrir, porque ouvimos - no passado - o mesmo estribilho, mas ​aplicado ao​ «paraíso comunista​»​
O anarco-capitalismo é a ideologia ​à qual se agarram algumas pessoas da pequena e média burguesia, ao verem suas vidas devastadas pelas sucessivas crises do capitalismo, mas ​sem terem​ (ainda?) equaciona​do​ que pudesse existir algo melhor do que este sistema. 
Convenceram-se que o capitalismo presente é um capitalismo degenerado​ (crony capitalism)​, que a restauração da «pureza» do mercado - divinizado, como um «Deus ex machina» - iria repor a sociedade e as instituições do Estado n​o​ caminho d​o​ progresso, ​com ​um bem-estar generalizado e em plena ​liberdade.
Eu caracterizaria as várias vertentes do movimento libertariano ou anarco-capitalista, como um agregado de nostálgicos do capitalismo passado, porventura de um capitalismo que nunca existiu, realmente. Só diferem concretamente uns dos outros, na forma como analisam alguns fenómenos e na ênfase que colocam nas suas críticas (parciais) ao Estado.
No entanto, pode-se encontrar argumentos muito pertinentes nos autores desta corrente, sobre o processo pelo qual o Estado passou a controlar cada vez mais as vidas das pessoas, a suprimir as liberdades fundamentais e a arregimentá-la​s​ para a guerra. 
Pode-se encontrar ​neles ​uma crítica do «crony-capitalism», ou seja, da forma como ​o​ capitalismo de hoje está dominado por monopólios, por grupos tão poderosos, que a concorrência ​real ​não existe. Não havendo mais mercado digno desse nome​, ​em múltiplos sectores da economia​, caminha-se para um totalitarismo corporativo. 
Também verberam contra o capitalismo financeiro e contra a gestão dos movimentos financeiros e monetários, pelos bancos centrais para benefício da finança e desastrosa​​ para os pequenos, sejam eles trabalhadores ou pequenos patrões.

Porém, nem as metas globais que apontam, nem as formas concretas adoptadas (partidos, eleições), para se organizarem e fazer valer as suas ideias... nos permitem reconhecer os princípios fundamentais dos libertários ou anarquistas. Estão longe de quaisquer das formas em que estas tradições se afirmaram, desde o século XIX e séculos seguintes, até hoje. 
​Penso que estão relacionados antes com uma vertente extremada do liberalismo. Na origem, o liberalismo lutou também pelas liberdades individuais e não apenas pela liberdade de comerciar, confrontando-se com os poderes estatais. O liberalismo foi a ideologia adoptada pela burguesia ascendente. ​
Quem conhece a história do movimento operário nos EUA, sabe que houve uma intervenção vigorosa dos sindicalistas de ideologia anarquista​,​ ou de inspiração libertária. Destacam-se os​ sindicatos da confederação​ Industrial Workers of the World (IWW ou wo​o​blies), que permanecem activos hoje, em certos sectores da sociedade dos EUA, apesar da repressão feroz​,​ tanto do Estado, como do patronato. 
Existem muitas organizações e pensadores, ao longo da História dos EUA,​ que se filiam na corrente libertária​. Muitas pessoas conhecem os nomes de Emma Goldman, ou de Noam Chomsky, mas existem muitos mais com contribuições práticas e teóricas notáveis.  
Existe, no presente, um grande movimento de simpatia pelo socialismo, onde predominam correntes de socialismo anti-autoritário, não-hierárquico. Este, embora não sendo​ sempre​ explicitamente anarquista no seu enunciado​, fez suas várias teses​ e adoptou métodos de organização do movimento anarquista.
Nesta situação de agudização da crise​,​ há um fosso crescente entre classes sócio-económicas, com o divórcio da classe trabalhadora em relação à ideologia dominante, apesar das catadupas de mentiras e deturpações que os media - vendidos aos poderes do dinheiro - despejam diariamente, sobre o soci​alismo

Creio que muitas pessoas vão compreender ​pela prática  social, ​que o movimento dito «libertariano» ou ​«​anarco-capitalista​»​ não oferece resposta para ultrapassar o sistema concreto em ​que ​nos encontramos. 
Destas pessoas, algumas poderão vir a reforçar os movimentos anti-autoritários e anti-capitalistas, que se têm multiplicado nos últimos decénios.​

segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

A EXTINÇÃO QUE NUNCA ACONTECEU

A famosa extinção do final do Câmbrico que, supostamente, teria dado origem a uma fauna muito diferente no Ordovício, simplesmente não existiu!
Um breve e excelente documentário sobre evolução e paleontologia!

domingo, 12 de janeiro de 2020

A PROPÓSITO DAS ELEIÇÕES & CONCEITO DE DEMOCRACIA, NOS EUA


Não farei comentários sobre campanhas para a nomeação do candidato democrata, nem sobre as manobras de Trump, ou de outros... Nem irei fazer aqui uma análise sobre o significado que essas eleições possam ter para além das fronteiras dos EUA. Não; apenas queria chamar-vos a atenção para alguns factos, quando se fala sobre democracia. 

No mundo anglossaxónico, em especial americano, é comum fazerem-se apostas sobre muitas coisas, além das corridas de cavalos. É comum inferir resultados eleitorais a partir das quantias apostadas a favor ou contra a investidura de determinado candidato...como se pode verificar pelo gráfico abaixo, retirado do excelente site Zero Hedge:




                    

Sim, justamente, nesta corrida especial, alguns acabam por ficar de fora, ou porque foram sujeitos a campanha assassina de imagem ou porque não conseguem recolher fundos suficientes para ultrapassar em volume de propaganda outros candidatos mais afortunados (ou subsidiados).
Nota-se que o resultado é conhecido de antemão, com segurança muito grande, pela simples observação das somas investidas num determinado cavalo de corrida, perdão, candidato presidencial. 
Evidentemente, para se ter uma imagem rigorosa do total investido, é necessário saber-se quais as somas que as corporações vão doar, a sua aposta por este ou por aquele candidato. Em geral, elas dão aos candidatos dos dois partidos em contenda (mesmo que dêem mais a um, do que a outro): assim, têm influência garantida no pós-eleição, mesmo que vença o candidato que não é seu preferido. 
As somas astronómicas acabam por ser conhecidas, cerca de um ano depois das eleições, pois são doações legais das empresas, que inscrevem nas suas contas e descontáveis nos impostos, até um montante muito elevado. 
Além das empresas, os ricos costumam doar - a título individual - somas fabulosas, que são também registadas nas contas das campanhas dos partidos e dos candidatos, e tornadas públicas. 
Portanto, o resultado das eleições americanas é invariavelmente, desde há muitas décadas, decidido pelo montante dos capitais investidos nos candidatos. 
A avaliação do montante de que dispõem os vários candidatos é o dado mais seguro para a previsão do resultado eleitoral. Acerta mais vezes do que as sondagens por inquérito a cidadãos inscritos nos cadernos eleitorais.

- Um parêntesis sobre «universalidade» do direito de voto nos EUA: deve-se excluir deste número, a população prisional - a maior do mundo, em termos percentuais; os ex-presos, que tiveram condenações e cumpriram pena; os que não contam, porque nunca se inscreveram nos cadernos... por outro lado, tem de se incluir: os não-nacionais, imigrantes legais ou ilegais, inscritos e pagos para votar num determinado candidato; as pessoas já falecidas, cujos fantasmas insistem em votar... etc.

No fundo, a chamada «democracia americana» não é mais do que a contabilização dos «votos dólares»: quem conseguir mais apoios financeiros, pode comprar mais espaço publicitário em redes de tv, rádio, jornais... consegue mobilizar mais caravanas eleitorais que trilham todo o país... 
Eu não estou a exagerar, não tenho intenção, nem preciso de o fazer. O leitor pode inquirir por si próprio; verá que as coisas são assim, ou em ainda maior escala
Estas considerações poderão chocar as pessoas que, na «velha Europa», acreditam na existência dum único modelo de «democracia ocidental». 
É verdade que, nos últimos tempos, as campanhas eleitorais no lado de cá do Atlântico, começam a assemelhar-se, às campanhas eleitorais no país do Tio Sam. Ingenuamente, as pessoas poderiam pensar que isto é meramente «uma questão de modas». No entanto, estarão enganadas: a democracia / «poder do povo», não é compatível com a democracia «do dólar» (ou «do euro»). 
Esta divergência tem raízes religiosas/morais/históricas muito profundas.

Às colónias britânicas da América do Norte, aportaram no século XVII e seguintes, os puritanos, que eram reformados calvinistas, vindos principalmente de Inglaterra e mas também de outras terras europeias (Holanda, França, Alemanha...). 
A teologia calvinista caracteriza-se pela doutrina da predestinação. Segundo esta doutrina, Deus escolheu, no início da Criação, os humanos todos - até ao fim dos tempos - destinados a serem salvos e os que estavam, de antemão, condenados. Podemos sorrir, hoje em dia mas, nessa época de sectarismo e fanatismo religioso, as pessoas calvinistas acreditavam totalmente nesta doutrina. 
Elas ficavam muito inquietas e desejosas de saberem se faziam parte das «escolhidas», das salvas, indo para junto do Criador, ou se estavam condenadas. Nesta angústia, vislumbravam os sinais que permitiam identificar quem era, ou não, «escolhido». Assim, uma pessoa bem sucedida nos negócios era, certamente, um «eleito do Senhor», segundo esta visão. 
Esta mentalidade, que perdura na elite do dinheiro nos EUA de hoje, forneceu o enquadramento mental e ideológico mais favorável ao capitalismo nascente, por comparação com a Itália ou a Península Ibérica, católicas. 
Com o andar dos tempos, as pessoas (mesmo as não-crentes) mergulhadas nesta cultura calvinista/puritana, passaram a assimilar sucesso financeiro, a ter uma benção. Se alguém possui muito capital, é sinal de que é um eleito, um escolhido por Deus e - por isso mesmo - favorecido nos negócios e em todos os aspectos da vida. Ter riqueza é sinal claro e evidente de ter virtude, pois foi escolhida por Deus. 
Ser rico é uma virtude (nos EUA). 

Nessa época, nos países católicos, igualmente fanáticos à sua maneira, a relação com a riqueza estava marcada pela visão teológica medieval, associando a abundância de bens materiais, com o luxo, o pecado ... Na Europa católica, o rico é temido e invejado, mas não amado ou respeitado. Considera-se que ele pode ter adquirido a sua riqueza por meios legítimos, ou não. Nos países católicos, há muita inveja em relação aos ricos: é frequente ouvir-se dizer mal de alguém, insinuando que obteve sua fortuna por meios «pouco honestos». 

Não nos devemos espantar se nos EUA, em vez do lema «um homem, um voto», o que vigora - na realidade - é a equação «um dólar = um voto». Isto é um facto tão banal, que não choca quase ninguém. 

Para a mentalidade do europeu, as palavras «democracia» e «eleições» têm significados totalmente diferentes, em relação às mesmas expressões, nos EUA.