terça-feira, 17 de dezembro de 2019

[Manlio Dinucci] 3 triliões de dólares no poço sem fundo afegão

                             
A Arte da guerra: 
Três Triliões de Dólares no Poço Sem Fundo Afegão
Manlio Dinucci


Na Declaração de Londres (3 de Dezembro de 2019), os 29 países da NATO reafirmaram “o empenho na segurança e na estabilidade, a longo prazo, do Afeganistão”. Uma semana depois, de acordo com a “Lei da Liberdade de Informação” (usada para esvaziar, depois de vários anos, alguns esqueletos dos armários, de acordo com a conveniência política), o Washington Post tornou públicas 2.000 páginas de documentos que “revelam que as autoridades americanas enganaram o público sobre a guerra do Afeganistão”. Essencialmente, ocultaram os efeitos desastrosos e também as implicações económicas, de uma guerra em curso há 18 anos.

Os dados mais interessantes que surgem são os dos custos económicos:

Ø Para as operações militares, foram desembolsados 1.5 triliões de dólares, cifra que “permanece opaca” - por outras palavras, subestimada - ninguém sabe quanto despenderam na guerra os serviços secretos ou quanto custaram, realmente, as empresas militares privadas, os mercenários recrutados para a guerra (actualmente, cerca de 6 mil).

Ø Visto que “a guerra foi financiada com dinheiro tomado de empréstimo”, os juros atingiram 500 biliões, o que eleva a despesa para 2 triliões de dólares.

Ø Acrescentam-se a esta verba, outros custos: 87 biliões para treinar as Forças afegãs e 54 biliões para a “reconstrução”, grande parte dos quais “foram perdidos devido à corrupção e aos projectos fracassados”.

Ø Pelo menos, outros 10 biliões foram gastos na “luta contra o tráfico de drogas”, com o bom resultado de que a produção de ópio aumentou fortemente: hoje o Afeganistão fornece 80% da heroína aos traficantes de drogas do mundo.

Ø Com os juros que continuam a acumular-se (em 2023, chegarão a 600 biliões) e o custo das operações em curso, a despesa supera, amplamente, os 2 triliões.

Ø Também é preciso considerar o custo da assistência médica aos veteranos, saídos da guerra com ferimentos graves ou inválidos. Até agora, para os que combateram no Afeganistão e no Iraque, foram despendidos 350 biliões que, nos próximos 40 anos, subirão para 1.4 triliões de dólares.

Visto que mais da metade dessa verba, é gasta com os veteranos do Afeganistão, o custo da guerra, para os EUA, sobe para cerca de 3 triliões de dólares.

Após 18 anos de guerra e um número não quantificável de vítimas entre os civis, ao nível militar, o resultado é que “os Taliban controlam grande parte do país e o Afeganistão permanece uma das principais áreas de proveniência de refugiados e migrantes”.

Portanto, o Washington Post conclui que, dos documentos vindos a público, surge “a dura realidade dos passos falsos e dos fracassos do esforço americano em pacificar e reconstruir o Afeganistão”. Desta maneira, o prestigioso jornal, que demonstra como as autoridades americanas “enganaram o público”, por sua vez engana o público, ao apresentar a guerra como “um esforço americano para pacificar e reconstruir o Afeganistão”.

O verdadeiro objectivo da guerra conduzida pelos EUA no Afeganistão, na qual a NATO participa, desde 2003, é o controlo dessa área de importância estratégica fundamental na encruzilhada entre o Médio Oriente, a Ásia Central, Meridional e Oriental, sobretudo, na periferia da Rússia e da China.

Nesta guerra participa a Itália, sob o comando USA, desde que o Parlamento autorizou, em Outubro de 2002, o envio do primeiro contingente militar, a partir de Março de 2003. A despesa italiana, subtraída ao erário público, tal como a dos EUA, é estimada em cerca de 8 biliões de euros, à qual se junta vários custos indirectos.

Para convencer os cidadãos, atingidos pelos cortes nas despesas sociais, de que são necessários outros fundos para o Afeganistão, diz-se que eles servem para trazer melhores condições de vida ao povo afegão. E os Frades do Sagrado Convento de Assis deram ao Presidente Mattarella, a “Lâmpada da Paz, de São Francisco”, reconhecendo assim, que “a Itália, com as missões dos seus militares, colabora activamente para promover a paz em todas as partes do mundo.”

il manifesto, 17 de Dezembro de 2019

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DECLARAÇÃO DE FLORENÇA
Para uma frente internacional NATO EXIT, 
em todos os países europeus da NATO


Manlio DinucciGeógrafo e geopolitólogo. Livros mais recentes: Laboratorio di geografia, Zanichelli 2014 ; Diario di viaggio, Zanichelli 2017 ; L’arte della guerra / Annali della strategia Usa/Nato 1990-2016, Zambon 2016, Guerra Nucleare. Il Giorno Prima 2017; Diario di guerra Asterios Editores 2018; Premio internazionale per l'analisi geostrategica assegnato il 7 giugno 2019 dal Club dei giornalisti del Messico, A.C.

Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos 
Email: luisavasconcellos2012@gmail.com
Webpage: NO WAR NO NATO

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

OLHANDO O MUNDO DA MINHA JANELA (PARTE V)

Olhando o mundo da minha janela:   partes IIIIIIIV                                     
                  

As «eternas» previsões para o próximo ano, são quase sempre um exercício de futilidade, que apenas pretende reforçar preconceitos, isto é, a «visão» daquele que as emite. 
Vou fugir ao ritual associado à proximidade da passagem do ano, tanto quanto possível. A minha preocupação essencial é de manter a lucidez e o espírito positivo.

Oiço, vejo e leio imensos avisos sobre a crise vindoura, monstruosa, capaz de arrasar a economia mundial, portanto também as sociedades e a civilização. 
Estamos a presenciar uma moda de cataclismos, depois de mergulhados numa moda de contentamento seráfico, beatífico, perante o crescimento «imparável» das cotações bolsistas, em todo o mundo. 
O mundo, pelo menos o dos negócios e da finança, é constantemente agitado por notícias, falsas ou exageradas, e pseudo-análises devidas a pseudo-peritos. 
A repetição constante destas previsões e alertas evocam-me, irresistivelmente, a história do menino da aldeia que, de vez em quando, se punha a gritar: vêm aí os lobos!

Neste site, ao longo do corrente ano de 2019, temos tentado fazer uma selecção criteriosa, ponderando as notícias, não tanto pela sua origem, mas sobretudo, pela sua credibilidade. 
É muito importante, neste aspecto, o critério da coerência. 
Consideremos um quadro duma paisagem: Se essa tela pretende representar a realidade de uma paisagem natural, obviamente não será coerente a presença dum animal tropical - um macaco, um tucano, ou um crocodilo - numa paisagem boreal (próxima do Ártico), nem de um abeto ou dum urso polar, por exemplo, numa paisagem tropical. Analogamente, a descrição dos factos económicos e das relações de poder internacionais, deve possuir coerência  com os factos históricos e outros, para ter alguma verosimilhança.

Assim, quando se nos depara um fim de era, tem ele de possuir alguns traços que também se observaram no passado, noutros períodos históricos  equivalentes. 
Sem dúvida, existem alguns sinais alarmantes:

- As guerras incessantes, a impossibilidade da super-potência dominante as ganhar (sacrificando dinheiro, material bélico e, sobretudo, pessoas), para manter sua presença em locais remotos, cuja relevância para a «segurança nacional» dessa superpotência, é tudo menos inquestionável.

- Um fluxo ininterrupto de dinheiro sem contrapartida («fiat»), derramado nos grandes bancos sistémicos, pelos bancos centrais ocidentais, supostamente para «estimular» a economia, mas que apenas estimulam a especulação e as bolhas, em todas as categorias de activos (acções, obrigações, imobiliário, derivados...). 
Por outro lado, os bancos sistémicos apresentam-se insolventes, na prática. A FED e outros bancos centrais ocidentais, estão desesperadamente a tentar conter a derrocada.  

- A crescente perseguição do que não é «politicamente correcto», dos «dadores de alerta»; a marginalização - por uma media ao serviço de grandes grupos financeiros - de todas as correntes de opinião, sejam quais forem os seus posicionamentos, que estejam fora do que eles, jornalistas do «mainstream» e seus patrões, consideram aceitável. 

- Ainda por cima, a agudização da campanha histérica sobre as alterações climáticas, com os interesses corporativos mais notórios a lançarem-se na «nova economia», «sustentável» (que afinal não o é), dos «amigos do ambiente» (à custa da desgraça dos povos do Sul, dos pobres); a aliança entre os principais bancos mundiais, os governos, a ONU e as organizações do mundialismo (OMC; FMI; etc...), para impor uma taxa carbono global. 

- Por fim, a perda da privacidade: Uma realidade - não já uma mera possibilidade - as pessoas serem escrutinadas, durante 24 horas todos os dias do ano sem sequer suspeitarem, ao ponto de se tornarem ultrapassadas as distopias imaginadas por Aldous Huxley, George Orwell, e outros.    

Desenha-se assim um quadro geral, que pode significar, a termo, uma involução, ou seja, uma ruptura com regressão nos padrões de vida e de civilização. Tem uma probabilidade não tão baixa como isso, pois existem elementos para se considerar que essa involução já está em curso
Todos estes problemas e disfunções existem; vê-los como sinais de fim de uma época, talvez seja - ao fim e ao cabo - bastante acertado.

Pois mais vale prevenir com um ano de antecedência, um colapso anunciado, do que o tentarmos remediar, um segundo depois dele ter acontecido. Tomo a sério, embora não com alarmismo, os sinais de tempestade. Para aumentar a nossa resiliência, para estarmos aptos a enfrentar os tempos difíceis que se anunciam, temos de saber como escapar da Matrix.


domingo, 15 de dezembro de 2019

ANDREAS SCHOLL (CONTRA-TENOR) CANTA VIVALDI

                                      https://www.youtube.com/watch?v=GFoT6UUNLZc

                 Solista: Contra-tenor Andreas Scholl

A letra é parte do Salmo 127, em latim.

Cum dederit dilectis suis somnum:
ecce haereditas Domini, filii: merces, fructus ventris.


Abaixo, a tradução, em português, do salmo completo.







1 Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os que a edificam; se o Senhor não guardar a cidade, em vão vigia a sentinela.


2 Inútil vos será levantar de madrugada, repousar tarde, comer o pão de dores, pois assim dá ele aos seus amados o sono.
3 Eis que os filhos são herança do Senhor, e o fruto do ventre o seu galardão.
4 Como flechas na mão de um homem poderoso, assim são os filhos da mocidade.
5 Bem-aventurado o homem que enche deles a sua aljava; não serão confundidos, mas falarão com os seus inimigos à porta.

sábado, 14 de dezembro de 2019

DILERMANDO REIS, COMPOSITOR E INTÉRPRETE

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Dilermando Reis (Guaratinguetá, 22 de Setembro de 1916 – Rio de Janeiro, 2 de Janeiro de 1977) foi considerado por muitos o guitarrista mais influente do Brasil. Gravou diversos discos com géneros variados como choro, valsa, repertório de guitarra clássica, entre outros. Pode-se atribuir a Dilermando também o mérito de ter desenvolvido sua carreira de solista mediante um diálogo permanente entre o erudito e o popular, sem jamais cair na vulgaridade, oportunismo comum nesses casos. Mas a genialidade de Dilermando ia além disso. Ele também foi um grande compositor. 

Um bom exemplo é  “Se Ela Perguntar” (1958, em parceria com Jair Amorim), uma peça obrigatória na formação do guitarrista, um verdadeiro clássico do repertório característico da escola de guitarra brasileira. Aqui, numa interpretação da célebre peça, pelo próprio compositor.


                                            

Outra peça muito célebre, cuja versão para guitarra é de Dilermando: «Naquele Tempo», de autoria de Pixinguinha e Benedito Lacerda.


   

sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

TEM 44 MIL ANOS, A MAIS ANTIGA REPRESENTAÇÃO HUMANA






Confirma-se plenamente a hipótese colocada por mim há cerca de um ano atrás, em relação às descobertas de arte parietal em Sulawesi, na Indonésia: A expressão artística na aventura humana, começou muito mais cedo do que se pensava. 
As figuras representando uma caçada, com datação de 44 000 anos, têm estranhas formas semi-humanas e semi-animais


Os seus descobridores colocam a hipótese de se estar perante uma manifestação de religiosidade. 
Eu diria que se trata de uma forma de animismo, partilhada com os homens paleolíticos europeus. 
Conhece-se uma escultura, encontrada numa gruta, em Baden-Würtemberg, em marfim, representando um homem-leão, com cerca de 35 000 anos.

                         
                   
Segundo a hipótese que coloquei há um ano atrás, o facto de se encontrar uma mesma forma de arte, com expressões e com qualidades semelhantes, a milhares de quilómetros de distância, significa que tal capacidade artística estava presente no ponto de origem comum, antes da radiação para fora de África, que seria datada de cerca de 60 mil anos atrás, pelo menos. Ora, se no ponto de origem e no momento da referida radiação, essa capacidade existia, isso significa que ela se terá desenvolvido em África, muitos milhares de anos antes. 
As condições do clima, solo e vegetação, no berço africano, são tais que tornam a conservação de grandes obras de arte, parietais ou outras, muito menos favoráveis. Mas, é provável que se encontrem pequenos objectos artisticamente trabalhados, em sítios arqueológicos por descobrir, que se tenham mantido intactos.


quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

ANATOMIA DE UM ATAQUE DE FALSA-BANDEIRA [James Corbett]

Surgiram provas, fornecidas por dadores de alerta da OPCW (organização supostamente «independente», que inspeciona a utilização  de armas químicas), de que os alegados ataques de Douma (Síria), tinham sido forjados, com o objetivo de justificar uma ofensiva americana contra o governo sírio. 
O mais grave, é que a OPCW sabia que se tratava de uma encenação de grupos de oposição ao governo sírio, usando falsas provas, mas ocultou esses factos e produziu um relatório incriminando o governo sírio.
James Corbett, no vídeo aqui apresentado, junta uma impressionante série de factos e evidências que desmontam este ataque de falsa-bandeira.

A media ocidental, ao serviço dos seus donos, tem silenciado ou menosprezado a importância destes factos.
Infelizmente, estes casos são muito frequentes, mas poucas vezes se tem oportunidade de desmascarar totalmente as montagens, como neste caso. Quase sempre, os casos de falsa-bandeira são resultantes de manipulação de grandes potências, usando grupos de «terroristas» e as redes dos media. 
O público fica com uma visão totalmente distorcida (fictícia) do que se passa no terreno. Mas, se o público ficar consciente dos truques usados, será mais difícil usar o mesmo tipo de mentira. 


quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

«DEMOCRACIA»... PALAVRA VAZIA DE SENTIDO?

   Acontece com esta palavra, carregada de conteúdo político e ideológico, o mesmo que com muitas outras: liberdade, socialismo, justiça, igualdade... 
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As definições das palavras têm algo de arbitrário, num certo sentido, visto que resultam do costume de se utilizar uma dada palavra, num determinado sentido, numa dada sociedade e numa dada época. 

- Pertencer a tal ou tal «pátria», nem sempre significou pertencer a «uma nação, a um estado». 

O mesmo se pode dizer com muitos outros vocábulos: antes e nos primeiros decénios do século XX, a palavra comunismo teve muitos sentidos diferentes do que hoje em dia se classifica como tal (a versão marxista-leninista).

- Também, se eu pronunciar a palavra democracia, não se vai pensar que estou somente referindo o significado etimológico. Nem ninguém pensa que quero designar especificamente o sistema de governo praticado por gregos da antiguidade, a não ser que utilize uma expressão como «a democracia ateniense», ou algo equivalente...

A democracia moderna é resultante do século XIX, das diversas lutas pela emancipação dos povos em relação aos jugos imperiais ou monárquicos. Pesem embora as democracias europeias antigas e monárquicas, como a Grã-Bretanha, a Holanda ou a Suécia, o facto é que a democracia enquanto sistema de representação do povo, foi marcada pelos modelos republicanos da revolução americana e da revolução francesa. 

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Ora, no contexto dessas revoluções, tratava-se de derrubar o poder da aristocracia, que tinha como cabeça o monarca e legitimar um sistema onde os cidadãos, colectivamente, eram os detentores da soberania. Mas, essa tal soberania - desde o início - foi proclamada e exercida «em nome do povo», por representantes eleitos do mesmo. O modo de eleição variou nos mais de dois séculos e só a partir do século vinte existiu um verdadeiro sufrágio universal.
No entanto, poucos foram os casos em que se registaram formas de governo directo, ou «democracia directa»; essas formas foram muito transitórias, na maior parte dos casos. Das poucas excepções que se mantêm na actualidade, contam-se certos cantões da Confederação Helvética, em que as decisões são tomadas por voto de braço erguido, na praça pública, pelos cidadãos do respectivo cantão. 

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Hoje em dia, poucas pessoas defendem uma democracia directa como método generalizado de governo, por oposição a um governo eleito, directa ou indirectamente. 
Quem tem objecções a essa forma de organização da sociedade pensa, em geral, que essa democracia directa tem de ser feita com grandes assembleias, em que centenas de pessoas votam, de braço alevantado, as diversas resoluções.

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 Este tipo de assembleias acontece, em circunstâncias muito especiais: por exemplo, numa assembleia de grevistas (que podem ser várias centenas) onde são tomadas, por este método, muitas decisões relativas à organização da greve. Mas, no dia-a-dia, não existiria possibilidade de realizar frequentemente tais assembleias, reunindo todo o povo. 
Aparentemente, então, a democracia directa só poderia ser exercida em pequena escala ou, se numa escala maior, apenas em circunstâncias muito excepcionais. 

Porém, tal não é o caso. A democracia directa pode ser exercida de forma constante e permanente, desde que se tenha em conta as experiências passadas.
É certo que, historicamente, formas mais ou menos espontâneas de organização surgiram em contextos de luta acesa, de guerra civil, nalguns casos. Porém, isso não retira validade às mesmas. Nomeadamente, a experiência dos primeiros sovietes, durante a revolução russa de 1905 e o sindicalismo revolucionário, do início do século XX até aos anos 30 do mesmo século.
Os sovietes, erguidos pelo movimento operário e sindical no início da revolução de 1905, em São Petersburgo, Moscovo e noutros sítios, eram compostos de vários grupos participantes na insurreição. Neles, estavam presentes várias facções políticas e também os operários agrupados em sindicatos ou em assembleias de fábrica. 
Para garantir a continuidade e levar à prática as decisões tomadas nas sessões dos sovietes, eram mandatados delegados, que tinham um mandato preciso e imperativo. Eles eram eleitos para fazer determinada coisa, de determinada maneira. Os cargos eram - a qualquer momento - revogáveis pelas assembleias que os elegeram: ou seja, se houvesse alguém que - por qualquer motivo - não estava a desempenhar bem a tarefa incumbida, podia ser demitido e substituído por outro. 

Este modelo de tomada de decisão era corrente na época nas associações operárias dos finais do século XIX, inícios do século XX e foi assumido por muitos sindicatos regidos pelos princípios do sindicalismo revolucionário. 

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Os seus princípios foram consagrados na Carta de Amiens, no Congresso dos sindicatos da CGT francesa, em 1906. 
Esta poderosa corrente, em Portugal formou a CGT, em 1919, seguindo o mesmo princípio dos mandatos delimitados, imperativos e revogáveis como norma estatutária. Nenhum dirigente se podia arvorar em «ditador» dos restantes sindicalizados, visto que o controlo sobre a sua actuação repousava sempre nos seus camaradas, que o tinham eleito. Estes participavam realmente na vida interna do sindicato, a sua «associação de classe», na terminologia adoptada. A participação permanente dos associados na vida interna de uma estrutura é o que permite manter a sua democracia interna.

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As mesmas regras de funcionamento podem aplicar-se em muitas outras instâncias, com as necessárias adaptações. Tem sido aplicada em várias ocasiões e em várias latitudes, em associações culturais, em assembleias populares, em associações de vizinhos, etc. Em todos os casos, a democracia interna tem de ser garantida pela participação regular dum conjunto vasto de associados, nas reuniões. 

Quando se passa de um nível local, a um mais geral, haverá necessidade de órgãos coordenadores: para estes, as diversas assembleias mandatam (esta é a palavra-chave) alguém, ou um certo número de entre seus membros. Este mandato é, como referido acima, temporário, revogável a qualquer momento e deve incluir uma orientação concreta, da parte da assembleia que os elegeu, sobre qual o sentido do seu voto, ou a sua orientação. 
Esta forma de projectar a vontade das assembleias de base, através de delegados devidamente mandatados, chama-se federalismo. [Não tem nada que ver com as estruturas estatais que assim se denominam, ou designações dadas por medíocres analistas políticos.] 
Image result for fédéralisme proudhon oeuvreO verdadeiro federalismo corresponde à aplicação da democracia directa, em vários patamares, onde os patamares de base elegem e controlam o modo como os eleitos exercem seus mandatos.
As resoluções duma estrutura federal são, em princípio, o resultado da confluência dos elementos federados. Numa assembleia federal ou confederal pode haver e é natural que existam, uma maioria e uma minoria, mas não de forma permanente, constante, o que seria equivalente a partidos parlamentares. Pois, numa verdadeira federação, os elementos das bases podem estar em contradição entre si, mas isso será temporário e não incidirá sobre todas as questões. 
Num movimento democrático autêntico, não se evacuam ou reprimem as visões discordantes, elas são tidas em conta, sempre. Mas isso não implica nenhum consenso forçado. Alguns manipuladores têm recentemente tentado instaurar uma espécie de «religião do consenso», mas esta imposição do consenso é essencialmente estranha ao federalismo e à democracia directa. 
Na democracia directa, existe maior liberdade de opinião e mais facilidade em manifestá-la, por muito minoritária que seja. É, aliás, uma das «pedras de toque» de uma tal organização, o respeito pelas minorias: o permitir, sem coação, a expressão de qualquer ponto de vista.

Penso que a democracia directa está ainda na sua infância, embora seja a forma mais natural e mais real de participação na «coisa pública». 
Estou convencido que a questão da escala não é um problema insolúvel: a democracia directa pode ser exercida de forma articulada com o federalismo autêntico, onde assembleias de base definem os mandatos e controlam os portadores desses mesmos mandatos.
Os sistemas ditos de «democracia representativa», não são representativos, verdadeiramente, nem são, de facto, democráticos. Invariavelmente, têm segregado novas oligarquias: os «representantes», uma vez eleitos, quase sempre «esquecem» os compromissos assumidos perante os eleitores. 
Não nos pode surpreender que a democracia representativa esteja cada vez mais desacreditada. Perigosamente, tem desacreditado também a própria ideia de democracia, de participação política, de exercício da cidadania. 
Tem-se perpetuado tal estado de coisas, pela passividade dos cidadãos, pelo alheamento de muitos, pela desistência em participar. Isso é desejado e promovido pelas «elites» que nos governam, embora, hipocritamente, digam o contrário. Os poderes querem reduzir a democracia a uma escolha de «representantes», de tantos em tantos anos; essa é a «participação» desejada por eles, mas afastam e mesmo reprimem, qualquer tentativa de participação na resolução directa dos problemas pelas pessoas. 

Só uma retomada em mãos pelo povo, colectivamente, dos instrumentos de governação, poderá trazer maior democracia. 
Neste século, com o aumento da cultura e do esclarecimento das pessoas, com a exigência maior de transparência, a democracia terá de evoluir. 
Se, em vez de evoluir, a vida política se fossilizar ainda mais, a disjunção entre os princípios proclamados pelos Estados e as suas práticas, irá tornar-se muito patente, a governação será cada vez mais autoritária e isso irá catalisar transformações. 
A democracia directa será, duma ou doutra forma, cada vez mais adoptada: primeiro, em pequena escala e depois, de modo generalizado.