quinta-feira, 26 de outubro de 2017

UMA CRÓNICA REPUGNANTE

Hesitei longo tempo em escrever esta crónica, porque os factos à qual esta se refere são simplesmente repugnantes. 
Toda a gente em Portugal comenta a notícia da sentença do Tribunal da Relação do Porto, que considera aceitável violência (exercida com sadismo, ainda por cima) pelo marido, devido a se tratar de uma mulher adúltera. 
Foi preciso uma afirmação do Presidente da República, de que «todos os magistrados são obrigados, obviamente, a cumprir a Constituição da República» para que o Conselho Superior da Magistratura instaurasse um inquérito disciplinar. 
Ora, acontece que o juiz que redigiu a sentença infame tinha antecedentes em desculpar a violência contra mulheres e mesmo em «justificar» violência contra criança de quatro anos.

Estes factos, quando saltam dos tribunais para as primeiras páginas dos jornais e para a discussão pública, são chocantes porque as pessoas têm uma noção intuitiva da justiça que está exatamente no polo oposto do comportamento destes juízes. Aliás, não é assim tão raro - em Portugal - vir a público uma notícia de uma sentença completamente disparatada e com fundamentos absurdos, como foi este recente caso, que despoletou a onda de indignação em todo o país. 

Infelizmente, as pessoas estão completamente equivocadas em relação à chamada «justiça». Ela é efetivamente uma justiça de classe e os seus guardiões de toga estão ao serviço do Estado, não ao serviço dos cidadãos. São privilegiados - pelo próprio estatuto e pelo Estado - que se veem numa situação de impunidade. 

Muitos devem ver-se a si próprios como fora do alcance de qualquer medida disciplinar, mesmo quando pisam e distorcem de forma grotesca a letra e o espírito da lei. Muitos, não apenas aqueles juízes do Tribunal da Relação do Porto, pensam que podem decretar sentenças segundo o seu parecer subjetivo e distorcer - até à caricatura - os fundamentos legais, sobre os quais essas mesmas sentenças teoricamente deveriam repousar.

Sem dúvida, o ordenamento do Estado tem a ver com esta situação de virtual impunidade dos juízes: a prática tem-lhes mostrado que poucas vezes algo acontece em termos disciplinares, seja qual for a sentença proferida, seja qual for o fundamento invocado para a mesma. 
Pressupõe-se que um juiz deve ser respeitoso da Constituição e das Leis, mas a sua posição é praticamente inamovível ou é preciso um escândalo de enormes proporções, como este, da «sentença da mulher adúltera», para que algo sério lhes aconteça, em termos disciplinares.

A um nível diferente, também os polícias são salvaguardados de sérias consequências dos seus atos, mesmo quando estes envolvem clara violação dos direitos das pessoas, um desrespeito óbvio pela lei e atos de brutalidade. Tanto no caso dos magistrados como dos polícias, há alguns elementos que interpretam de forma «demasiado lata» a impunidade que - de facto- lhes é facultada pelo Estado - dito- de «Direito», com suas leis e práticas disciplinares. 

Que eles têm a proteção do aparelho e dos agentes do Estado, pode ser comprovado por nunca serem postos em causa quando ocorre a repressão brutal e totalmente injustificada de manifestações, que eles consideram «contrária à ordem pública», mesmo manifestações legalmente convocadas, onde não exista qualquer ato agressivo de manifestantes. 
Nestas ocasiões, quanto muito, pode surgir alguma indignação pública por «actos desproporcionados» por parte dos polícias ou sentenças «demasiado severas» por parte de juízes. 

Mas não se equaciona nunca que estes são levados a cabo pelos mesmos que os das sentenças aberrantes ou dos atos brutais nas esquadras. Se não são os mesmos, pertencem todos ao mesmo caldo de cultura dos tribunais e das esquadras. 

Se um indivíduo de origem africana é agredido no interior de uma esquadra ou se uma mulher, que sofreu agressão física pelo seu marido com um bastão cheio de pregos, é sujeita a uma sentença totalmente absurda, a indignação do público, muito justificadamente, sobe ao rubro. 

Porém, após o anúncio de um inquérito, parece que tudo volta à normalidade, tudo entra «na ordem». As punições disciplinares são decretadas e aplicadas muito tempo depois e com a maior das indulgências, por norma, ou não fossem eles também, os que as decretam,  guardiãos do sistema.

Não nos iludamos: a justiça é de classe e defensora do Estado acima de tudo. As corporações, supostamente especializadas em defender a legalidade, têm de defender o Estado, acima de tudo! 
... e as pessoas? - Bem, estas, deve-se dar a impressão de que o Estado «se preocupa» com elas.

Uma justiça de verdade só poderá ser baseada num poder real do povo; não me admira nada que numa sociedade divida em classes e onde o poder do dinheiro «soa» cada vez mais alto, a justiça seja o lamentável espectáculo que se vê.

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE A DEMOCRACIA AO NÍVEL LOCAL

Sem dúvida os acontecimentos trágicos de Pedrogão Grande, no início do passado Verão deveriam ser um alerta muito sério sobre o estado calamitoso da floresta, do mundo rural e das diversas (ausentes) medidas de prevenção de incêndios neste retângulo  de terra chamado Portugal.
Porém, esse facto pesado não pesou realmente nas campanhas eleitorais dos partidos para os órgãos de gestão local . Ora, justamente aqueles que têm a primeira linha, ou deveriam ter, no que toca à prevenção de fogos florestais, são os poderes autárquicos. 


O debate, como sempre, dominado pelos candidatos dos partidos, foi centrado em questões das cidades. Mas mesmo nessas, evitou-se tocar na sacro-santa propriedade, mesmo quando abandonada: Esta propriedade desleixada  - nas zonas centrais das urbes -  mostra a sua ruína. Ela também priva as pessoas normais de habitação, reservada que está para construção de unidades de luxo ou hoteleiras, de duvidosa rentabilidade no longo prazo, mas cuja aprovação é garantida pela «impoluta probidade» de presidentes e vereadores camarários ...
Existe, porém, um ponto fulcral para a gestão de áreas rurais ou urbanas, de que nenhum poder político largou mão, desde os mais revolucionários aos mais conservadores. Este poder é o direito de expropriar, por manifesto interesse público. Não me digam que não existe o enquadramento legal para um executivo camarário fazer tal ato de boa gestão territorial, uma vez que se tenha verificado a condição de abandono. Quem diz isso é ignorante ou desonesto. Nada mais simples, dentro da lei vigente, dentro dos poderes que são conferidos (e bem) aos responsáveis camarários. 
Então porque não usam este instrumento? Porque não expropriam a propriedade abandonada, que é um fator de perigo iminente para as propriedades vizinhas (ou até nem tão vizinhas) e constante prejuízo em termos de estética, manchando toda a cidade ou região com os seus matagais nos jardins abandonados, as suas ruínas, a sua fealdade?  
A cidadania é mantida fora desse domínio por uma média prostituta, que nunca questiona os políticos nas verdadeiras questões, naquelas que têm de ser abordadas e resolvidas, no interesse global da população. 
Por muito estranho que pareça, as problemáticas dos fogos nos campos, transformados em bosques de eucaliptos e pinhais deixados ao abandono, até que alguém se lembre de os comprar e dos prédios nas zonas «nobres» das cidades que são deixados cair em ruína até que uma empresa de investimento imobiliário os transforme em edifícios destinados a alojamento local ou a condomínios de luxo... estão estritamente relacionadas.
A relação é evidente: o chamado «sacro-santo» direito de propriedade. Em Portugal ele atinge um absoluto como em nenhum outro país da Europa ocidental, onde cabe a comparação, obviamente, pois os regimes políticos são em muitos aspectos semelhantes, em que muitas normas e leis portuguesas são decalcadas de modelos de outros países ocidentais. 
A casta política portuguesa, passivamente apoiada pelo atavismo doentio de uma parte dos portugueses, dá à propriedade privada uma prioridade total: tanto os eleitos como eleitores, numa larga percentagem, vêem como legitimo que a propriedade (urbana ou rural) esteja ao abandono. Muitas vezes trata-se de questões entre herdeiros. E então? Será que a sociedade, no seu todo, deve suportar as consequências das questiúnculas entre herdeiros? 
Quaisquer que sejam os regimes políticos, a propriedade, em termos jurídicos, nunca é um absoluto. Não é preciso irmos para exemplos de regimes «socialistas» ou «comunistas» para que tal se verifique. É um facto que todos os regimes têm mecanismos legais para expropriação por interesse público. As propriedades abandonadas, sejam rurais ou urbanas, são um prejuízo objetivo às comunidades em torno, ou mesmo ao país no seu conjunto. A expropriação com pagamento de uma indemnização, com preço adequado, segundo estimativa de comissão independente e idónea, não apenas é legítima; é mesmo uma medida indispensável como ato de boa gestão municipal. 
Acerca destas questões e de muitas outras a cidadania é distraída; nunca tais questões figuram na «agenda» de políticos ou comentadores, por razões óbvias: O lóbi do imobiliário (nas cidades) e o lóbi dos madeireiros e do agro negócio (nos campos) têm esses na mão. São eles que dão dinheiro para a campanha dos partidos ou «independentes». Não tenham dúvida que os candidatos farão tudo para serem eleitos, para não perderem a hipótese de se sentarem no cadeiral que ambicionam!
A campanha útil da cidadania deste país - realisticamente - deve ser de desmascarar os políticos que permitiram - durante anos a fio - que propriedades rurais ou urbanas permanecessem abandonadas e nada fizeram, com os pretextos do costume. Fotografemos estas propriedades abandonadas há X anos, mostrando o estado de degradação a que chegaram. 
Talvez isto melhore a visão de autarcas «míopes», para o «belo» efeito destas. 
Há-de haver muita gente que vos argumentará com desculpas como a de que «o município não pode ficar com uma data de propriedades nos braços». Dirão que muitos dos prédios (urbanos ou rurais) estão «bloqueados por questões em tribunais», etc. 
Isso tudo são pretextos, pois a legislação atual permite ultrapassar todos esses obstáculos. 
O que eles/elas têm é um medo atávico de expropriarem aquilo que deve ser expropriado. Aliás, as propriedades urbanas podem ser reconstruidas e postas à venda/aluguer a preços controlados para travar (por ação do próprio mercado) a onda especulativa que se tem abatido sobre várias cidades de Portugal nos últimos tempos.  Nas zonas rurais, o loteamento correto das propriedades e sua venda a jovens agricultores, pode ser uma saída para a desertificação do interior. O Estado e o Governo, têm uma pesada responsabilidade neste deixar ao abandono as regiões do país que mais precisam de ajudas.
A perversão maior da «democracia representativa», além de não ser senão uma aristocracia, onde os que sempre tiveram privilégios têm muito mais fácil acesso aos comandos do poder, é a de que as hostes dos vários partidos trabalham «para o voto», para conquistar a simpatia do eleitor, não se irão investir em medidas, em políticas concretas que - embora consensualmente façam todo o sentido - apenas trarão resultados visíveis numa década ou mais. 
Mas a cidadania é igualmente responsável, não apenas por eleger estes políticos chico-espertos, mas porque clama contra a «corrupção» somente em abstrato: os atos de corrupção estão à vista de todo o povo, quer em zonas urbanas ou rurais, em prédios rústicos ou urbanos deixados ao abandono. São o testemunho silencioso de que ações que deveriam ser tomadas, não o foram em bom e devido tempo. 




Não é difícil construir um blogue e colocar lá fotos de abandono urbano ou rural. Não é difícil falar nos mercados, nas praças públicas, com vizinhos ou em reuniões de assembleias de freguesia ou de assembleias de município. 
Os cidadãos em cada conselho podem facilmente evidenciar as provas materiais de corrupção e devem exigir - imediatamente - que a situação mude. 

domingo, 22 de outubro de 2017

«INFOPROP» E SANÇÕES, ARMAS DE DOMÍNIO DO IMPÉRIO

Muitas pessoas pensam que «imperialismo» implica uma colonização, uma ocupação após guerra de conquista, etc. Isso foi assim no passado: os imperialismos de Espanha e Portugal, por exemplo, invadiram, conquistaram e escravizaram os povos, tanto do continente Americano, como de África e da Ásia, onde se instalaram.

Porém, hoje em dia, o imperialismo Anglo-Americano é sobretudo baseado em redes de conivências no chamado mundo ocidental e faz uso da ameaça da força mais do que da força bruta directa. 
Por vezes, não hesita em usar esta mesma força de coerção, em caso de não haver outro meio. 
O seu comportamento é o de um constante assédio («bullying») aos países que tentam sair da sua órbita. 

Isto tudo vem a propósito das sanções económicas, levadas a cabo pelo Império, contra todos os regimes que fazem obstáculo às suas ambições hegemónicas.
Porém, as sanções económicas, pretendendo castigar um regime, apenas castigam os que já sofrem bastante com esse regime. As vítimas das sanções são as populações, tanto os elementos que apoiam activamente o tal regime sancionado, como os que não apoiam de todo o regime em causa. 
Caso a situação se mantenha, é sinal de que os regimes foram talvez isolados mas, em simultâneo, foram consolidados, pois as suas populações identificaram essas sanções como um ataque directo aos seus direitos e muitas delas se alinharam com o referido regime em consequência disso, ou pelo menos, não se rebelaram contra ele.   
Aquilo que a propaganda dos falcões promove, é afinal a utilização de sanções económicas como arma de subjugação de inimigos e aliados em simultâneo e como forma de afirmar de que são eles os «donos do mundo».

Não existem nunca motivos legítimos para as sanções económicas, pois são tipicamente sanções colectivas, que têm efeitos devastadores na sociedade civil dos países sancionados. São populações indefesas, as principais vítimas, trata-se de uma punição colectiva, indiscriminada. 

Trata-se de um crime de guerra, de uma forma odiosa de impor a sua vontade, destruindo as condições - quantas vezes já precárias - de sobrevivência das populações. 
Não há portanto justificação nenhuma para impor sanções económicas, sejam elas traduzidas no concreto por embargo de alimentos, medicamentos, ou tecnologias. 

Uma forma de anular o potencial de resistência dos povos, incluindo os povos dos países ditos desenvolvidos do Império (EUA, Grã Bretanha, Austrália, Canadá e os países da União Europeia) é sonegar informação relevante, mesmo aquela que é originada pelas instituições dos mesmos países. 
Coisas irrelevantes são abundantemente noticiadas, mas a notícia abaixo* por exemplo, não é veiculada, ou seja, aquilo que é sujeito a «black out» informativo não «existe», no universo dos media. 
É a ditadura  nos media um meio objectivo de manter a ditadura mais geral do Império anglo-americano. 
Se tivermos atenção, vemos que há muitas notícias relevantes que são ocultadas deste modo ao público. Entretanto, as chamadas notícias são - cada vez mais- outra forma de «entretenimento» para as massas, onde as intrigas e escândalos com estrelas do cinema, da canção ou do desporto enchem os noticiários de abertura dos jornais tele-visionados e do resto. 
A guerra, hoje em dia, é de natureza económica, mas também de «infoprop» (neologismo derivado da contracção de informação+propaganda). Note-se que outra característica peculiar é que ambos estes meios bélicos - sanções económicas e infoprop - se dirigem tanto a potências inimigas como amigas. 
A guerra suja contra a Rússia, pelos EUA, é também uma guerra suja contra os seus concorrentes da UE, formalmente seus aliados (em 3 anos, a UE perdeu 30 biliões de €, por causa das sanções à Rússia!*). 
Note-se que a infoprop tem sido servida em quantidades ilimitadas nos próprios países que a fabricam, pelo simples motivo de que as suas populações têm de ser convencidas de que os seus governos trabalham para o «bem» e que os outros são os «maus». 
Nesta era de comunicações globais e de grandes desafios verdadeiros à humanidade no seu todo, os meios desprezíveis ou criminosos dos imperialistas causam cada vez maior repúdio, não apenas nas populações que são vítimas das agressões, como às próprias pessoas dos países que executam estes actos de agressão. 

Esperemos que estas formas insidiosas e cobardes de fazer a guerra sejam cada vez mais desmascaradas e que tal seja reconhecido pelas pessoas decentes e racionais, a imensa maioria em todos os países, mesmo nos que são esteio das  políticas imperialistas. 

*A new research by the Austrian Institute of Economic Research (WIFO) suggests the EU’s economic sanctions against Russia introduced three years ago have cost European countries billions of euros. The survey, which was conducted at the request of the European Parliament, and published on October 6, showed that the EU has lost €30bn due to sanctions.
Citação de: https://www.strategic-culture.org/news/2017/10/22/us-gets-increasingly-isolated-internationally.html

sábado, 21 de outubro de 2017

SOLIDARIEDADE PASSIVA OU ACTIVA?


Nós devíamos exprimir a solidariedade activa, não através de doações anónimas de dinheiro ou bens de primeira necessidade a instituições de caridade ou do Estado, mas através de cadeias concretas de pessoas concretas com ligações reais às povoações afectadas. 
Assim, tínhamos maior controlo, maior garantia de que os dinheiros e produtos chegavam ao destino e as pessoas mais afectadas é que seriam atendidas em prioridade. 
Posso contribuir modestamente, organizando a recolha, divulgando e encaminhando, caso existam pessoas capazes de fazer a ponte com as populações afectadas.

HUBRIS E ARROGÂNCIA, É O QUE RESTA AO IMPÉRIO

               

No seguimento das questões levantadas pela iniciativa da China de estabelecer contratos futuros de compra de petróleo em Yuan, o qual é convertível em ouro no Shangai Gold Exchange, há muitos analistas que descrevem isso como um ataque direto ao dólar. O dólar seria destronado do seu papel como moeda de reserva, visto que os países produtores de petróleo (principalmente, os pertencentes à OPEP) deixam de aceitar em exclusivo esta divisa. Antes, qualquer país comprador tinha de possuir dólares para adquirir esta estratégica matéria-prima. É assim que funciona há 43 anos o sistema do petrodólar, resultante das negociações entre Kissinger e a monarquia saudita. 

Porém, tal visão é muito estreita, visto que os chineses detêm um excesso de dólares (acima de um trilião) como resultado do seu comércio, altamente deficitário para os EUA. 
Provocar  a descida acentuada do dólar, sendo esta a mais importante divisa de reserva no banco central e nos bancos comerciais chineses, parece uma forma de auto-sabotagem, mais do que medida estratégica, no contexto do sistema monetário e financeiro mundial.

Além disso, o facto do dólar continuar a ser a moeda de reserva mundial, deve-se a seus detentores, estatais ou privados, assim o quererem. Enquanto assim quiserem, não importa em que divisas seja transaccionado o petróleo (ou outra matéria-prima), o dólar continuará a estar na posição de moeda de reserva mundial. 

O perigo maior para o sistema do petrodólar, vem apenas e somente da enorme arrogância e hubris do império americano. Este tem usado e abusado da situação de privilégio de ser detentor da moeda reserva mundial para impor sanções, para dificultar o comércio e sabotar países. 
O sistema de Bretton Woods só poderia ser aceitável por todos os actores ao nível mundial, se os EUA fossem capazes de refrear a tentação de usarem a sua posição especialíssima, como arma contra todos os que se rebelam e contestam a sua hegemonia.

Com efeito, nenhum país está a salvo destas medidas de guerra económica, que são o decretar unilateral de sanções, como veio recentemente provar a imposição de sanções contra a Rússia e forçando os seus aliados (vassalos) da NATO a seguirem o mesmo caminho, mesmo com enorme prejuízo para eles próprios. 

Mas a Rússia e a China são potências demasiado grandes para ficarem «debaixo da pata» de Washington. Naturalmente, têm encetado o caminho de se autonomizarem do sistema dólar, assim como do controlo do sistema «Swift», das transferências de divisas e de transações internacionais. Já criaram e funcionam com o seu sistema próprio, equivalente ao sistema Swift.

Paralelamente, a China e a Rússia vão comprando tanto ouro quanto podem, pois sabem que este sistema monetário está no fim do seu «prazo de validade». No sistema actual, as divisas são meramente símbolos, manipulados pelos bancos centrais e comerciais, sem nenhuma ligação sólida à economia real, são divisas «fiat». 
Assim, os EUA têm tido o exorbitante privilégio de obter, a troco de «pedaços de papel» ou de dígitos eletrónicos, importações de bens e serviços, sem os quais a economia dos EUA iria certamente para o colapso, visto que já deixou há muito de ter base industrial suficiente para se auto-sustentar e exportar. 
Por outras palavras, mais nenhum país no mundo tem a capacidade de se manter sucessivas décadas (!) em défice comercial. Os EUA conseguem este prodígio, porque «exportam» a sua divisa e o mundo inteiro, por enquanto, aceita  o dólar como pagamento.

O facto do Yuan estar a dar passos para seu reconhecimento, enquanto moeda de reserva não é de agora, basta pensar-se na longa batalha para que o FMI incluísse a divisa chinesa no cabaz de divisas, o SDR (cabaz composto por determinadas percentagens de dólares, libras, yens, euros e - agora - de yuans).
Os países ou agentes privados ficarão contentes em serem detentores de yuan, pois agora têm a possibilidade concreta de trocar estes yuan por ouro. 

O ouro, vale a pena recordá-lo, embora tenha sido «desmonetizado», continua a ser um metal monetário e um símbolo de riqueza e de poder, como foi durante milénios. 
De outro modo, seria absurdo e incompreensível que todos os bancos centrais possuam importantes quantidades deste metal; se fosse apenas uma matéria-prima entre outras, não haveria razão objetiva para tais instituições - exclusivamente financeiras -continuarem a deter e adquirir mais ouro. 
Nos finais da IIª Guerra Mundial, o regime de Hitler estava já claramente derrotado: ainda assim, conseguia fazer importações a troco de ouro, pois já não conseguia que os parceiros comerciais aceitassem o marco alemão.

Quando houver bastante comércio internacional em várias outras divisas, diminuindo bastante a fatia de cerca de 60% actual em dólares, as nações e as empresas já não verão como essencial possuírem esta moeda em reserva. 
É nessa altura que o dólar será abandonado como reserva «oficiosa», pois toda a gente sabe que o dólar - desde 1971 - já não está garantido por nada de sólido. Antes, mantinha a sua convertibilidade em ouro, o que resultava do acordo de Bretton Woods
O desaparecimento do estatuto do dólar, enquanto divisa de reserva, não será súbito, nem total: basta ver o exemplo histórico da libra.

Vários analistas de mercados financeiros vêem sinais claros de que o ouro voltará a desempenhar um papel de relevo no sistema monetário internacional. Com efeito, este tem uma vantagem inegável sobre qualquer divisa emitida por um banco central: é que não pode ser fabricado a preceito ou conforme as conveniências de uma super-potência, além de seu valor ser o mesmo em todo o mundo e aceite, independente do local onde foi minerado ou refinado. 

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

DIXIT DOMINUS - HAENDEL


Esta obra de juventude de Haendel (tinha apenas 21 anos) ganhou merecida fama. Corresponde ao seu período romano, na cidade do Papa. 
Quando a compôs para o rito católico - ele, protestante luterano - as autoridades, que presidiam aos ritos da Igreja Católica, não viram nisso qualquer inconveniente. 
No início do século XVIII, havia muito maior tolerância religiosa do que nos dois séculos anteriores, pelo menos, nas figuras de proa da sociedade e no alto clero. 
As épocas de tolerância são, geralmente, épocas de paz e de progresso em todos os planos. São - porém - momentos frágeis, sempre suscetíveis de sucumbirem às paixões fanáticas de uns e outros. 
Com esta obra, merecidamente ressuscitada e frequentemente executada nos últimos anos, pode ver-se que «o Saxão», como era conhecido Haendel em Itália, tinha um domínio magistral das várias técnicas de composição que floresceram no barroco. 

A secção inicial, o grande coro sobre «Dixit Dominus», é um monumento, como poucas peças de carácter sacro: neste grande fresco inicial, a tensão entre as notas de valor longo e as frases curtas, incisivas, confere à peça uma energia irresistível.

Quanto às árias para vozes solistas, acompanhadas pela secção de arcos da orquestra, pontuadas por discretas intervenções do coro, são das mais expressivas do reportório sacro. 

O grande fresco final do «Gloria Patri» é um outro grande monumento de contraponto «fugato», com um brilhantismo inultrapassável.

Vivaldi, no mesmo período - princípios do século XVIII - também compôs «Dixit Dominus» dos quais sobreviveram dois. Parece-me muito interessante confrontar o tratamento que estes dois mestres, Haendel e Vivaldi, lhe deram. Cada um soube imprimir o seu cunho pessoal, mas em plena conformidade com o espírito do texto.

A ideia de que J. S. Bach seria o «mestre do contraponto e da fuga», enquanto Haendel seria antes o «autor de peças para solistas e para a ópera», fica completamente posta de rastos, aqui. 
Basta ouvir com atenção as grandes obras vocais de Bach e de Haendel, para se reconhecer que ambos dominavam todas as técnicas de composição e  as utilizavam como mestres.

A repetição (como extra) da ária «De Torrente» para solistas, coro e orquestra, foi muito bem escolhida por Elliot Gardiner, outro mestre do barroco, como gosto de chamá-lo: ele eleva a interpretação desta e de muitas outras peças a cumes inexcedíveis. 



quinta-feira, 19 de outubro de 2017

EXPOSIÇÃO DE DESENHO POR SARA PESTANA -

                             Foto de Sarapintar.

No «Atelier Aberto» do artista plástico Malenga encontra-se, até ao primeiro dia de Novembro, a exposição de Sara Pestana (Sarapintar) intitulada «Metamorfome».
Estou consciente da enorme originalidade desta jovem artista, além dos laços de amizade que me ligam com ela e com os seus pais. 
O seu estilo, muito original, está em evolução permanente, com novas propostas estéticas e explorando interacções entre vários domínios, desde as artes plásticas até à filosofia, passando pela psicologia. 
Por isso, despachem-se em ir visitar a exposição em Lisboa,  rua São João da Mata 59.