quarta-feira, 25 de outubro de 2017

DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE A DEMOCRACIA AO NÍVEL LOCAL

Sem dúvida os acontecimentos trágicos de Pedrogão Grande, no início do passado Verão deveriam ser um alerta muito sério sobre o estado calamitoso da floresta, do mundo rural e das diversas (ausentes) medidas de prevenção de incêndios neste retângulo  de terra chamado Portugal.
Porém, esse facto pesado não pesou realmente nas campanhas eleitorais dos partidos para os órgãos de gestão local . Ora, justamente aqueles que têm a primeira linha, ou deveriam ter, no que toca à prevenção de fogos florestais, são os poderes autárquicos. 


O debate, como sempre, dominado pelos candidatos dos partidos, foi centrado em questões das cidades. Mas mesmo nessas, evitou-se tocar na sacro-santa propriedade, mesmo quando abandonada: Esta propriedade desleixada  - nas zonas centrais das urbes -  mostra a sua ruína. Ela também priva as pessoas normais de habitação, reservada que está para construção de unidades de luxo ou hoteleiras, de duvidosa rentabilidade no longo prazo, mas cuja aprovação é garantida pela «impoluta probidade» de presidentes e vereadores camarários ...
Existe, porém, um ponto fulcral para a gestão de áreas rurais ou urbanas, de que nenhum poder político largou mão, desde os mais revolucionários aos mais conservadores. Este poder é o direito de expropriar, por manifesto interesse público. Não me digam que não existe o enquadramento legal para um executivo camarário fazer tal ato de boa gestão territorial, uma vez que se tenha verificado a condição de abandono. Quem diz isso é ignorante ou desonesto. Nada mais simples, dentro da lei vigente, dentro dos poderes que são conferidos (e bem) aos responsáveis camarários. 
Então porque não usam este instrumento? Porque não expropriam a propriedade abandonada, que é um fator de perigo iminente para as propriedades vizinhas (ou até nem tão vizinhas) e constante prejuízo em termos de estética, manchando toda a cidade ou região com os seus matagais nos jardins abandonados, as suas ruínas, a sua fealdade?  
A cidadania é mantida fora desse domínio por uma média prostituta, que nunca questiona os políticos nas verdadeiras questões, naquelas que têm de ser abordadas e resolvidas, no interesse global da população. 
Por muito estranho que pareça, as problemáticas dos fogos nos campos, transformados em bosques de eucaliptos e pinhais deixados ao abandono, até que alguém se lembre de os comprar e dos prédios nas zonas «nobres» das cidades que são deixados cair em ruína até que uma empresa de investimento imobiliário os transforme em edifícios destinados a alojamento local ou a condomínios de luxo... estão estritamente relacionadas.
A relação é evidente: o chamado «sacro-santo» direito de propriedade. Em Portugal ele atinge um absoluto como em nenhum outro país da Europa ocidental, onde cabe a comparação, obviamente, pois os regimes políticos são em muitos aspectos semelhantes, em que muitas normas e leis portuguesas são decalcadas de modelos de outros países ocidentais. 
A casta política portuguesa, passivamente apoiada pelo atavismo doentio de uma parte dos portugueses, dá à propriedade privada uma prioridade total: tanto os eleitos como eleitores, numa larga percentagem, vêem como legitimo que a propriedade (urbana ou rural) esteja ao abandono. Muitas vezes trata-se de questões entre herdeiros. E então? Será que a sociedade, no seu todo, deve suportar as consequências das questiúnculas entre herdeiros? 
Quaisquer que sejam os regimes políticos, a propriedade, em termos jurídicos, nunca é um absoluto. Não é preciso irmos para exemplos de regimes «socialistas» ou «comunistas» para que tal se verifique. É um facto que todos os regimes têm mecanismos legais para expropriação por interesse público. As propriedades abandonadas, sejam rurais ou urbanas, são um prejuízo objetivo às comunidades em torno, ou mesmo ao país no seu conjunto. A expropriação com pagamento de uma indemnização, com preço adequado, segundo estimativa de comissão independente e idónea, não apenas é legítima; é mesmo uma medida indispensável como ato de boa gestão municipal. 
Acerca destas questões e de muitas outras a cidadania é distraída; nunca tais questões figuram na «agenda» de políticos ou comentadores, por razões óbvias: O lóbi do imobiliário (nas cidades) e o lóbi dos madeireiros e do agro negócio (nos campos) têm esses na mão. São eles que dão dinheiro para a campanha dos partidos ou «independentes». Não tenham dúvida que os candidatos farão tudo para serem eleitos, para não perderem a hipótese de se sentarem no cadeiral que ambicionam!
A campanha útil da cidadania deste país - realisticamente - deve ser de desmascarar os políticos que permitiram - durante anos a fio - que propriedades rurais ou urbanas permanecessem abandonadas e nada fizeram, com os pretextos do costume. Fotografemos estas propriedades abandonadas há X anos, mostrando o estado de degradação a que chegaram. 
Talvez isto melhore a visão de autarcas «míopes», para o «belo» efeito destas. 
Há-de haver muita gente que vos argumentará com desculpas como a de que «o município não pode ficar com uma data de propriedades nos braços». Dirão que muitos dos prédios (urbanos ou rurais) estão «bloqueados por questões em tribunais», etc. 
Isso tudo são pretextos, pois a legislação atual permite ultrapassar todos esses obstáculos. 
O que eles/elas têm é um medo atávico de expropriarem aquilo que deve ser expropriado. Aliás, as propriedades urbanas podem ser reconstruidas e postas à venda/aluguer a preços controlados para travar (por ação do próprio mercado) a onda especulativa que se tem abatido sobre várias cidades de Portugal nos últimos tempos.  Nas zonas rurais, o loteamento correto das propriedades e sua venda a jovens agricultores, pode ser uma saída para a desertificação do interior. O Estado e o Governo, têm uma pesada responsabilidade neste deixar ao abandono as regiões do país que mais precisam de ajudas.
A perversão maior da «democracia representativa», além de não ser senão uma aristocracia, onde os que sempre tiveram privilégios têm muito mais fácil acesso aos comandos do poder, é a de que as hostes dos vários partidos trabalham «para o voto», para conquistar a simpatia do eleitor, não se irão investir em medidas, em políticas concretas que - embora consensualmente façam todo o sentido - apenas trarão resultados visíveis numa década ou mais. 
Mas a cidadania é igualmente responsável, não apenas por eleger estes políticos chico-espertos, mas porque clama contra a «corrupção» somente em abstrato: os atos de corrupção estão à vista de todo o povo, quer em zonas urbanas ou rurais, em prédios rústicos ou urbanos deixados ao abandono. São o testemunho silencioso de que ações que deveriam ser tomadas, não o foram em bom e devido tempo. 




Não é difícil construir um blogue e colocar lá fotos de abandono urbano ou rural. Não é difícil falar nos mercados, nas praças públicas, com vizinhos ou em reuniões de assembleias de freguesia ou de assembleias de município. 
Os cidadãos em cada conselho podem facilmente evidenciar as provas materiais de corrupção e devem exigir - imediatamente - que a situação mude. 

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