Esta obra de juventude de Haendel (tinha apenas 21 anos) ganhou merecida fama. Corresponde ao seu período romano, na cidade do Papa.
Quando a compôs para o rito católico - ele, protestante luterano - as autoridades, que presidiam aos ritos da Igreja Católica, não viram nisso qualquer inconveniente.
No início do século XVIII, havia muito maior tolerância religiosa do que nos dois séculos anteriores, pelo menos, nas figuras de proa da sociedade e no alto clero.
As épocas de tolerância são, geralmente, épocas de paz e de progresso em todos os planos. São - porém - momentos frágeis, sempre suscetíveis de sucumbirem às paixões fanáticas de uns e outros.
Com esta obra, merecidamente ressuscitada e frequentemente executada nos últimos anos, pode ver-se que «o Saxão», como era conhecido Haendel em Itália, tinha um domínio magistral das várias técnicas de composição que floresceram no barroco.
A secção inicial, o grande coro sobre «Dixit Dominus», é um monumento, como poucas peças de carácter sacro: neste grande fresco inicial, a tensão entre as notas de valor longo e as frases curtas, incisivas, confere à peça uma energia irresistível.
Quanto às árias para vozes solistas, acompanhadas pela secção de arcos da orquestra, pontuadas por discretas intervenções do coro, são das mais expressivas do reportório sacro.
O grande fresco final do «Gloria Patri» é um outro grande monumento de contraponto «fugato», com um brilhantismo inultrapassável.
Vivaldi, no mesmo período - princípios do século XVIII - também compôs «Dixit Dominus» dos quais sobreviveram dois. Parece-me muito interessante confrontar o tratamento que estes dois mestres, Haendel e Vivaldi, lhe deram. Cada um soube imprimir o seu cunho pessoal, mas em plena conformidade com o espírito do texto.
A ideia de que J. S. Bach seria o «mestre do contraponto e da fuga», enquanto Haendel seria antes o «autor de peças para solistas e para a ópera», fica completamente posta de rastos, aqui.
Basta ouvir com atenção as grandes obras vocais de Bach e de Haendel, para se reconhecer que ambos dominavam todas as técnicas de composição e as utilizavam como mestres.
A repetição (como extra) da ária «De Torrente» para solistas, coro e orquestra, foi muito bem escolhida por Elliot Gardiner, outro mestre do barroco, como gosto de chamá-lo: ele eleva a interpretação desta e de muitas outras peças a cumes inexcedíveis.
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