Recolha de 3 poemas inéditos de 1987 a 2016 , ATUALIZADA EM 2023
Recolha de 3 poemas inéditos de 1987 a 2016 , ATUALIZADA EM 2023
Ele não bate à janela
Introduz-se no quarto,
Sem cerimónias
Visitante não convidado
Não furtivo, pelo contrário,
O atrevido ilumina tudo
Com seus raios dourados
Muda cenários sombrios
E mesmo a melancolia
É sacudida pela luz irisada
Que suavemente escoa
Dos vidros reflexivos.
Ao Sol, a matéria sublima-se
Transmuta-se e explode
Em cores triunfantes
Anulando as sombras
E os pesadelos
Da minha mente.
Perante a desrazão, a fúria destruidora
Tem de haver algo que contrarie a insanidade
Um antídoto contra a estupidez e crueldade
Um refúgio que acolha sem preconceito
Todas as almas doridas, seja qual for sua origem
Seja qual for seu pensamento, religioso ou não
Um abrigo que não questione a nação, a etnia
De cada pessoa que aí chegue e nele se recolha
Eu veria este lugar como um santuário de paz
Não seriam somente físicos, tais refúgios
Mas locais de espiritualidade aberta
Apelo a quem tenha vocação verdadeira
Para ajudar na cura dos seus semelhantes
Não sei se já existem locais assim, mas sei
Que há urgência em construir estes refúgiosA palavra ciciada ao ouvido do amor nascente
A palavra gutural num soluço de ódio demente
A palavra altaneira, de vazio cheia como vento
A palavra medida, calculando pelo sustento
A palavra jocosa, saída de lábio sorridente
A palavra erudita, que revela o ignorante
A palavra bolsada com raiva e desespero
A palavra mão estendida em franca amizade
A palavra cozinhada com subtil tempero
A palavra esquecida em provecta idade
As palavras são tão diversas como as gentes
Traiçoeiras ou puras, radiosas ou cinzentas
Quem só sabe palavras, de vida pouco sabe
Viver, não é lição escolar que se aprenda
Existem tantas formas de escrever poesia quantas as personalidades dos / das poetas que a escrevem.
A característica que considero fundamental, numa composição poética, é sua música. Música intrínseca, ou seja, o discurso moldado para produzir determinadas sonoridades e ritmos, com suas cadências e andamentos, tonalidades e orquestrações. No fundo, esta foi e continua a ser a matéria-prima poética, o ingrediente principal da magia que nos envolve e surpreende.
Os atributos acima citados, aplicam-se tanto a uma composição musical, como a uma composição poética. É costume classificar-se as duas em categorias diferentes, estão arrumadas em prateleiras separadas, uma das partituras, outra dos livros de poesia. Mas, afinal, são o mesmo, somente utilizando notações diferentes.
As pessoas estão demasiado imersas numa norma estreita, racionalizadora. Uma prova dessa estreiteza, é pretender sempre encontrar «o sentido» num poema. Uma peça musical instrumental, salvo quando classificada como «música descritiva», não suscita um tal afã nos auditores, de encontrar «sentido».
Outra maneira das pessoas passarem ao lado da essência duma obra de arte, seja ela musical, poética ou outra, é estarem interessadas, quase exclusivamente, nas circunstâncias em que o autor escreveu o poema /partitura, que significado essa composição teve na sua vida, etc. Tudo o que é exterior à obra propriamente dita, é esmiuçado como se fosse uma prova de erudição, de bom gosto, até!
Mas, as pessoas passam e a obra fica... Não me refiro, apenas, às que criaram a obra, mas também às outras, contemporâneas, que a aplaudiram ou ignoraram.
Por vezes, está-se perante um «nado-morto», quando a obra é medíocre. Na nossa época, existe muita arte morta, a arte dita comercial, epítome do mau gosto, que se vende bem. E não me estou a referir a determinado estilo, corrente, ou moda. Mas, no que há de mais baixo em qualquer género de música ou de literatura.
A facilidade em escrever e em obter visibilidade (sites na Internet, por ex.) para os escritos, acrescenta uma camada suplementar de ilusão: Porém, não muda em nada a essência do que é produzido, nem a qualidade intrínseca da obra, ou seu valor artístico e literário.
Esta multiplicação do «lixo» obriga a usar critérios muito mais exigentes. A cacofonia impede que se oiça a boa música, a boa poesia, a boa prosa.
A verbalização imatura, despudorada, dos sentimentos é uma pornografia. Distingue-se a pornografia de arte erótica, pelo facto daquela apelar somente ao instinto sexual, sem veicular qualquer forma de beleza.
A destruição das formas de arte, muito em particular da música e da poesia, tem sido levada a cabo pela multiplicação da mediocridade. A produção industrial do que vem intitulado como «música» ou «literatura», torna mais difícil a abordagem da arte e obriga a um elitismo, mesmo quando se defende posições antielitistas, na sociedade em geral.
Vive-se numa época em que muitos perderam as referências do passado e, portanto, deixou de haver possibilidade -para a imensa maioria - de construir um gosto pessoal, usando critérios estéticos próprios.
Atualmente, não existe um «cânon» nas artes, «vale tudo». Não seria necessário, no entanto, (re)instituir um cânon. Supondo que tal fosse possível, nem acharia desejável. O conhecimento das diversas escolas estéticas deveria fazer parte da formação, desde a infância. A educação do público seria o meio mais importante - a meu ver - de restaurar a qualidade nos domínios artísticos; infelizmente, vai-se no sentido exatamente oposto.
Quando o frio e as primeiras chuvas
Esvaziam os locais de veraneio
Quando os matizes de cinzento
Se desfraldam nos céus
É nessa ocasião que passeio
A minha melancolia
Contando as gaivotas
Que na praia se aquecem
Os céus sempre mutáveis
Exibem o portentoso fresco
Que nenhuma mão humana
Pode representar com pincéis
E cores numa imensa tela
Quando o Sol se põe
Iluminam-se breves os flocos
D' algodão das nuvens,
Espetáculo grandiloquente
Onde os azuis e os roxos,
Os rosa e os laranja
Se casam em apoteose
Serena e lânguida
Em breve, o pano de veludo
polvilhado de luzes
Recobre o oceano e as falésias
Cenário dum novo drama
E a noite entra em cena
Sua originalidade faz dele, a meu ver, o poeta eternamente jovem, eternamente atual. É um fervoroso católico, mas sua religião é (também) a do amor à sua esposa e à sua terra, Arrábida.
É o que mais transparece da leitura da sua obra poética, que - em grande parte - foi publicada postumamente.
Assinale-se o facto de também ter sido um apaixonado professor de Português; os seus escritos pedagógicos têm valor próprio, são reflexões do transmissor da paixão pela literatura e pela poesia, às jovens gerações.
Morreu cedo (Vila Nogueira de Azeitão, 10 de abril de 1924 — Lisboa, 7 de fevereiro de 1952), de tuberculose. Porém, para sempre, o poeta vive nas palavras vibrantes e radiosas de vida nos seus poemas. E sua palavra soa através das paisagens maravilhosas da Serra da Arrábida, que ele soube amar e dar a conhecer.
Ver: SEBASTIÃO DA GAMA, O POETA DA ARRÁBIDA: documentário da RTP
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Pelo sonho é que vamos
Pelo sonho é que vamos,
comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
pelo sonho é que vamos.
Basta a fé no que temos.
Basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
com a mesma alegria,
ao que desconhecemos
e ao que é do dia a dia.
Chegamos? Não chegamos?
– Partimos. Vamos. Somos.
Eu falo aqui do Facto.
O Facto fala por si mesmo,
Nenhum artifício de palavra o desmente,
Nenhuma autoridade o esconde ou ofende.
Vem da Natureza,
E eu, ser vivo consciente,
De um local que ouço chamar Terra,
Fico feliz de o perceber,
O Facto integrador da Realidade que me rodeia
E do movente Cosmos que o Homem pensa
E lentamente vai encontrando,
Percebendo que dele veio.
Também sei do Facto que é acto inicial
Do homem que inventa do tronco o pau,
O instrumento que o prolonga
E por ele vai matar e construir.
O Facto, já se escreveu,
Fala por si mesmo e é teimoso.
O Facto sempre me pergunta
Se sei da sua origem
E das suas razões de ser.
Por existir, não pergunta se é necessário.
Mas, depois de aparecido,
Interpela-me se sei da sua razão
E quer que dele se saiba.
Do Facto se ergue a Ciência
E se imagina a Arte.
O Facto não esteve à espera,
Simplesmente apareceu
Na devida altura de aparecer,
O Facto quer que o pensem
E por ele avancemos.
Não é por o desconheceres
Que se cala ou desvanece.
Olha bem o Facto,
Ele indica o que aí vem.
O Facto traz consigo as suas razões
E se te parece que as guarda
É por te querer interrogador,
Trabalhador da verdade, buscador.
Pergunta-lhe por elas,
O Facto pede a tua inquietude
Até chegares ao acontecimento
E lhe entenderes a virtude.
O Facto é indestrutível,
Complexo mas compreensível,
O Facto explica a Vida,
A da Terra que ainda aprendemos
E dos Mundos que começamos a ver
E, sem os ver, calculamos,
No Espaço cujo fim nem sabemos.
Disseram de ti, Facto
(e do Número, que é Facto, também)
Que és teimoso.
Sei porquê e todos
- e são tantos - os mais sábios que eu:
Mas, sendo literariamente interessante
Dizer que és teimoso o certo é dizer
Que queres encontrar a Verdade
E, assim, és invencível e determinante.
O Facto desfaz a falsidade.
E ao encontrar-te, Facto,
Ensina-me as tuas razões
Para chegar à Paz.
ALBUM COMPLETO, AQUI.
Causerie
Vous êtes un beau ciel d'automne, clair et rose!
Mais la tristesse en moi monte comme la mer,
Et laisse, en refluant, sur ma lèvre morose
Le souvenir cuisant de son limon amer.
— Ta main se glisse en vain sur mon sein qui se pâme;
Ce qu'elle cherche, amie, est un lieu saccagé
Par la griffe et la dent féroce de la femme.
Ne cherchez plus mon coeur; les bêtes l'ont mangé.
Mon coeur est un palais flétri par la cohue;
On s'y soûle, on s'y tue, on s'y prend aux cheveux!
— Un parfum nage autour de votre gorge nue!...
Ô Beauté, dur fléau des âmes, tu le veux!
Avec tes yeux de feu, brillants comme des fêtes,
Calcine ces lambeaux qu'ont épargnés les bêtes!
Conversa
Sois um belo céu de Outono, claro e róseo!
Mas a tristeza invade-me como a maré,
E deixa, ao refluir, no meu lábio dormente
A lembrança ardente do limo amargo.
— Tua mão deslisa em vão sobre meu seio tenso;
O que procuras, amiga, é um local arruinado
Pelas garras e dentes ferozes da mulher.
Não procures mais o coração; as feras o devoraram.
Meu coração é um palácio invadido pela turba;
Ela se embebeda, se mata e se agarra pelos cabelos!
— Um perfume flutua em torno de vosso seio nu!...
Ó Beleza, duro flagelo das almas, tu o exiges!
Com teus olhos de fogo, luzindo como festas,
Calcina estes farrapos que sobraram das feras!
Nosso rio da Lua serpenteia por um céu de estrelas
Não existe limite no firmamento só escuridão vibrante
Em nossos corações pequeninos estão encerrados universos
Pelo caminho de prata vogamos em silêncio
Recolhidos perante o mar cintilante aos nossos pés
Afinal somos estrelas, não somos só daqui
Viajamos em espaços vibrantes e sensuais
O vazio não existe, a nossa vida é eterna
Posso morrer, num certo sentido, mas estarei
Em constelações e galáxias, num espaço-tempo
Insuspeitado. Olho o céu estrelado
Na noite, respiro o perfume
Das fragrâncias oceânicas
Num silêncio só entrecortado
Pelo murmúrio das vagas
Eternidade do momento que me possui
Sinto-me unido a Ti
Tranquilo como criança por nascerNo ventre de sua Mãe
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a fortuna sobejaram,
Que pera mim bastava amor somente.
Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas que passaram,
Que as magoadas iras me ensinaram
A não querer já nunca ser contente.
Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa [a] que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.
De amor não vi senão breves enganos.
Oh! quem tanto pudesse, que fartasse
Este meu duro Génio de vinganças!
e «Erros Meus...» cantado por Amália Rodrigues (música de Alain Oulman)
«Com Que Voz» cantado por Amália Rodrigues (música de Alain Oulman)