Neste
século, com menos de duas décadas, temos assistido a uma escalada sem
precedentes da agressividade dos principais poderes, em particular dos EUA,
como países que se tomam como juízes e árbitros, mas também actores, dos
conflitos internos a várias nações.
O novo
século nasceu perante o doloroso crime contra a humanidade perpetrado pelas
forças da NATO, coligadas com uma organização terrorista, KLA (organização de
libertação do Kosovo) que levaram a cabo uma campanha criminosa e sem qualquer
mandato internacional válido, contra um país soberano, a República Federativa
da Jugoslávia (nesse momento reduzida à Sérvia e Montenegro), com as populações
civis submetidas a intenso bombardeamento, incluindo infraestruturas como
hospitais, perante o olhar atónito e impotente de todos os que não eram
participantes activos neste monstruoso crime de guerra.
O que
estava em jogo era, de facto, muito mais do que a Jugoslávia, muito mais do que
conseguir que o Kosovo fosse declarado um Estado independente. O que esteve por
detrás desta guerra foi o desejo explícito de Washington em arrastar os seus
aliados para um acto de guerra não declarada, uma guerra não provocada pelos
actos da outra parte beligerante, uma guerra de agressão. Exactamente como a
Alemanha de Hitler o tinha feito e foi condenada, pelo Tribunal de Nuremberga,
após a vitória dos Aliados. Qualquer guerra, desencadeada por uma potência ou uma coligação de potências, é considerada ilegal à luz do direito internacional; é
um crime contra a humanidade, sendo isso – em si mesmo – uma violação
gravíssima dos direitos humanos fundamentais.
Depois,
as guerras de agressão, «justificadas» por mentiras dos EUA contra outros países soberanos, sucederam-se.
Os
americanos «justificaram» a guerra no Afeganistão por o governo deste país
albergar Bin Laden, o líder da Al Quaida, que seria a organização responsável
pelos ataques de 11 de Setembro de 2001. Além de que existem imensas provas de
que as coisas se passaram diferentemente do que alega o relatório oficial
americano sobre esses ataques, o certo é que o Estado Afegão declarou
oficialmente que entregaria Bin Laden se os EUA lhes mostrassem provas de que
estivera envolvido nestes ataques do 11 de Setembro. Mesmo que isso fosse
uma manobra para tentar evitar o ataque americano sobre o solo afegão, a
legitimidade de um ataque destes é nula, à luz do direito internacional. Um
país soberano e a sua população civil são sujeitos a «carpet bombing» durante
vários dias, as infraestruturas civis são bombardeadas incessantemente, os
mortos e feridos, principalmente civis, são imensos e tudo isso não pode ser
visto senão como uma punição colectiva ao seu povo, pelo facto do seu governo
não ter aceite ceder perante uma potência estrangeira? Em crueldade, isto só se
pode comparar aos crimes de guerra exercidos pelos nazis, durante a IIª Guerra
Mundial, contra populações indefesas, em retaliação das actividades das redes
de resistência que lutavam contra o ocupante.
A
guerra mais longa em que os EUA se envolveram, arrastando consigo os seus
aliados/vassalos dos restantes países da NATO e não só (contingentes sul
coreanos, por exemplo) está à vista do mundo, como outro fracasso gritante do
império, tão grave e significativo como foi a derrota do Vietname, embora eu
não pretenda com isso, assimilar os dois factos históricos que ocorreram em
contextos totalmente diferentes.
Talvez
as profundas e ainda mais criminosas razões dos EUA para manterem esta guerra de
ocupação sejam: 1) o controlo e escoamento da heroína (o Afeganistão dos
taliban tinha virtualmente extinguido o cultivo de ópio; após a invasão, a sua produção tornou-se a mais alta de sempre) a cargo de senhores da guerra e da CIA, para
inundarem mercados diversos desde a Rússia e as antigas repúblicas soviéticas, até ao
Irão. 2) colocar uma «cunha» no centro do continente euroasiático, seguindo
a doutrina geoestratégica de MacKinder. Este geógrafo, ao serviço do império
britânico no início do século XX, formulou a doutrina do continente Euro-asiático como
sendo a «ilha do mundo»; quem tivesse o seu controlo, teria a hegemonia
mundial. 3) ter sob seu comando um exército composto por uma série de nações, essencialmente, membros da NATO, mas também de outros países. Isto permitiria aos EUA impor um comando unificado e uma espécie de
treino em situação real de guerra, que poderia ser completamente reportado a
outros cenários, consoante a conveniência do império. 4) O escoamento e o laboratório de ensaio de novas armas, cada vez mais sofisticadas, quer se
trate de dispositivos de uso individual, de mísseis, de aviões, etc…
Mas a
guerra do Iraque – que se seguiu cronologicamente, no seu desencadear, à do
Afeganistão – foi, por si só, o maior crime de guerra do século XXI, até agora
cometido por uma potência. Ultrapassa tudo o que se possa imaginar em sadismo,
crueldade, indiferença ao sofrimento de populações civis. O Iraque pagou com
duas guerras e um bloqueio cruel a audácia de não se submeter inteiramente ao
domínio dos EUA. Este país do Médio Oriente, dominado por um ditador
autoritário, tinha sido apoiado pelos ocidentais numa guerra longa contra o Irão dos Ayatollahs, guerra
essa causadora de grande sofrimento, de parte a parte. Nessa altura, Saddam Hussein era o
amigo do Ocidente, que fechou os olhos à utilização de gazes contra o
exército iraniano e, mesmo, contra civis curdos iraquianos rebeldes.
Em 2003
o mundo assistiu a uma farsa para «justificar» a nova guerra de agressão, sendo
absolutamente claro que não havia provas de «armas de destruição massiva» na
posse de Saddam Hussein, como Hans Blix, enviado especial da ONU, confirmou
ANTES de terem sido desencadeados o ataque e a invasão.
Durante
os longos anos de guerra e de ocupação, os iraquianos foram sujeitos a uma
política genocida, que se pode verificar pelo número de mortes civis, em especial as
causadas por doenças curáveis e com especial relevância para as doenças infantis, para a mortalidade causada por desnutrição, por falta de redes de sanidade básica, assim como pela ausência de
água canalizada tratada, etc. Para cúmulo, aumentaram exponencialmente os
abortos e as mortes por cancros, devido à exposição ao urânio resultante da explosão de bombas, fabricadas com urânio
empobrecido/depletado, uma arma proibida, mas usada abundantemente no cenário
do Iraque, pelos americanos e pelos seus vassalos.
O velho
lema dos impérios – «dividir para reinar» – foi usado em pleno com os
iraquianos de várias facções. A CIA e outras agências, foram discretamente pondo
uns contra os outros, com a participação de «conselheiros» americanos e de outros
Estados invasores, criando uma linha divisória entre xiitas e sunitas, desencadeando ataques terroristas de falsa bandeira, para
activar uma guerra fratricida e motivada por clivagens religiosas. Com essa
catástrofe dentro da catástrofe global da guerra e ocupação, parecia que o
Iraque estava efectivamente destinado a retornar «ao tempo da pedra lascada».
Também nisto os imperialistas falharam, pois o que obtiveram afinal foi uma reacção de
sobrevivência, mantendo um Estado desejoso de paz e de boas relações com o
Irão, já não visto como «o inimigo», mas antes como um aliado, na luta contra o
terror do ISIS, ou «Estado Islâmico», uma criação da CIA e do MOSSAD de Israel, entre outros.
Todos os relatos que obscureçam a origem do terrorismo
«djihadista» e omitam que ele tem sido abundantemente fornecido em
dinheiro e armas pela Arábia Saudita e por outras monarquias petrolíferas do Golfo, aliadas dos EUA e com a «benção» destes, está simplesmente a construir e reforçar a narrativa que
interessa aos poderes imperiais. É o caso da maioria das peças jornalísticas
«mainstream» sobre este tema.
A
construção de narrativas absolutamente falsas, torna-se descarada com a
diabolização da Rússia, em especial nos últimos 5 anos. Antes, a Rússia era considerada um «milagre» de reconversão de economia estatizada e caduca, numa vibrante e dinâmica «economia de mercado».
Na origem deste volte-face, está
o golpe de estado na Ucrânia, levado a cabo abertamente com auxílio dos EUA
(com destacado papel de Victória Nulan…) e dos países da UE, que apoiavam um candidato golpista diferente
do que fora escolhido pelos americanos. Usam a mentira propalada mil vezes - seguindo o
lema de Göring, ministro da propaganda do Reich hilteriano - de que a Crimeia foi
«anexada» pela Rússia, quando, na realidade, foi realizado um referendo válido (em condições de imparcialidade e correcção que foram testemunhadas por numerosos observadores internacionais),
que decidiu desanexar a Crimeia à Ucrânia e depois, um segundo referendo, que
decidiu a adesão da Crimeia à Federação Russa… Mas, para os escribas do
império, eles é que «fazem» os factos e «a realidade tem de se conformar com
isso»!
Também
detestam Putin e os russos por terem ido em auxílio do presidente sírio Assad e por terem impedido que, com
a sua queda, a Síria se tornasse outra desgraça igual à da Líbia! Compreende-se que a
sua raiva seja causada por não conseguirem que os seus amigos de Al Quaida, Al Nushra, etc (variados nomes para bandos salafistas, waabitas, que eles designam por «rebeldes moderados») ganhassem e tomassem conta dos
escombros dum dos raros Estados laicos existentes no Médio Oriente…
Em
resumo, aquilo que a narrativa pró-imperialista diz é apenas um discurso de
cobertura dos mais diversos crimes de guerra dos EUA e aliados.
Quando oiço que «se
indignam» com assuntos relacionados com direitos humanos, ocorrem-me sempre as imagens
e os factos que eles causaram, que encobriram e que por vezes atribuíram às próprias
vítimas! Com que autoridade clamam defender os direitos
humanos? Admitindo que tenham boas razões para o fazerem em certos casos, porque é que se calam em relação a outras violações dos direitos humanos, que
se desenrolaram (por vezes, numa escala muito maior) nas guerras do Império,
de autoria dos militares desde os generais até aos soldados e/ou de mercenários, de contratantes? E quanto aos crimes com
drones, praticados quotidianamente contra populações civis, no Paquistão e noutros pontos, com
dezenas de mortes e feridos, que chamam de «danos colaterais», de cada vez ??? Por ter desvendado ao mundo –
através de Wikileaks – estas barbáries, mantiveram Chelsea Manning em prisão durante 7 anos, condenada a 35 anos, apenas por ter revelado a verdade. Somente graças a uma campanha internacional
eficaz, foi recentemente libertada.
A
situação de guerra permanente e assimétrica é mantida pelos defensores do império americano, a todo o custo, o que significa que irão até ao
sacrifício de seus «aliados» para manterem o petro-dólar como moeda de
reserva, o controlo das grandes multinacionais e da grande banca, sobre o
comércio e as operações financeiras internacionais. Nem sequer os seus cidadãos
e cidadãs são poupados/as, pois eles/elas têm suportado condições típicas do
«terceiro mundo», em muitos sítios dos EUA… além de que
estão destinados a serem «carne para canhão», em quaisquer aventuras
bélicas dos EUA.
Não
defendo a guerra, não há guerra justa. A guerra, seja ela atómica ou de
guerrilha, é sempre um enorme sofrimento inútil, pois todas as guerras se
resolvem – de um modo ou outro – com conversações de paz, com tratados, com
convenções ou outros instrumentos típicos da diplomacia, pelo reconhecimento
das instâncias do direito internacional, a ONU e seus diversos organismos.
Por
isso, os que fizerem pela paz, serão por mim aplaudidos, os que actuarem contra
a paz ou perpetuando situações de guerra, terão a minha condenação. Independentemente do país, da ideologia, etc. dos actores, aplaudirei porque acho que é este o
caminho sério. Note-se que, se não houver respeito mútuo, não existem condições para o
diálogo e muito menos para acordo.
Creio que um caso paradigmático é o
diálogo entre as duas Coreias, em que o bom-senso de parte a parte prevaleceu e
obrigou as potências tutelares (EUA, do lado da Coreia do Sul; China e Rússia, do lado da Coreia do Norte) a adoptarem, também elas, uma postura construtiva.
Tenho
esperança que a crise na Venezuela seja resolvida por meios pacíficos, com a
participação consentida – tanto pelo governo, como pela oposição – de governos
latino-americanos (como os que fazem parte do grupo de Montevideu) interessados em que a situação volte ao normal. Os EUA, pelo contrário, querem
o extremar de posições. Estão em guerra económica – há
mais de um decénio – com o país petrolífero. Porém, não conseguiram, até agora, o
seu intuito estratégico principal, de dividir o exército e desencadear uma guerra
civil.
Por
tudo aquilo que está acima, creio que as pessoas responsáveis deveriam discutir
e exigir uma postura séria e clara à media e aos membros da sociedade civil.
Aos políticos, deveriam exigir clareza e verdade, não apenas em questões
internas, mas também nas que tocam à esfera internacional.
Só uma cidadania
desperta e culta poderá agir pela paz, só ela será capaz de distinguir
factos e propaganda, situações reais e fábulas …
Manuel
Banet Baptista