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quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

A CRISE DAS RELIGIÕES E O SEU SIGNIFICADO

 Este século,  ainda tão jovem, já está bem cheio de acontecimentos - mas não de quaisquer!

 - Acontecimentos suficientemente graves e irreversíveis para mudarem para sempre a(s) civilização/ões, que estamos acostumados a associar a determinadas zonas geográficas e a determinadas tradições: A História, a Arte, a Literatura e a Religião, são - entre outras - identificadoras de determinado complexo cultural ou civilização. 

Embora saibamos que todas as civilizações são mortais, tal como os humanos, não sabemos que género de morte espera cada uma delas. Será uma morte por colapso catastrófico? Será um definhar progressivo, até ser englobada por outra, ascendente? Serão outras modalidades, demasiadas para enumerar aqui?

As religiões não podem ser estranhas à construção civilizacional pois, em qualquer civilização, mesmo nas que se proclamam oficialmente «ateias», acaba por haver fenómenos de tipo religioso. 

Inversamente, em civilizações que se identificam, a si próprias, como cristãs, nota-se a dissolução progressiva dos laços da população com o elemento cristão. 

Isto traduz-se - por exemplo - numa paganização do Natal, a época do ano em que tradicionalmente os cristãos de todas as confissões saudavam a vinda do Salvador. O mesmo, em relação à paganização da Páscoa, transformada em ocasião para dar ovos e coelhos de chocolate às crianças.

Esta paganização não se faz, no mundo cristão, sob forma de um qualquer ressuscitar das religiões pagãs que antecederam o aparecimento do Cristianismo nesses territórios. Faz-se com o abandono de tradições e, sobretudo, de assistência ao(s) culto(s).  Muitos são aqueles que dizem professar o cristianismo e, no entanto, não observam quase nenhuma tradição, não vão à missa (ou culto) dominical, apenas frequentam igrejas, quando se trata de um casamento, batizado ou enterro. 

O estádio último desta descristianização, verifiquei-o há poucos anos, na belíssima capital da República Checa. As igrejas do centro de Praga (magníficos monumentos barrocos, na sua maioria) estavam transformadas em locais de concertos (de música clássica em geral, mas não de música clássica sacra) e isto não era temporário. Tinham sido permanentemente transformadas em «salas de concerto históricas», pela muito pragmática razão de que o número de pessoas, na vizinhança, dispostas a frequentar essas igrejas era tão diminuto, que elas deixaram de ter sustentabilidade económica e, sobretudo, de centros vivos de cristianismo. 

O principal «culpado» aqui, não é o Estado, diretamente - pelo menos - mas o processo de «gentrificação» dos centros históricos, que também afeta - de modo insidioso, mas brutal - Lisboa e muitas outras capitais da Europa. 

Assim, o turismo, fonte preciosa de divisas e estimulador de atividade económica está a contribuir para matar os centros culturais. Isto passa-se em países como França, Espanha, Itália, Grécia e outros, muito turísticos. Todos sofrem de uma gentrificação dos locais mais emblemáticos. Estes centros mais investidos pelo turismo, são locais com maior significado monumental e histórico, os centros civilizacionais desses países. 

A «verdadeira religião é o dinheiro», mas esta frase banal, não deixa de soar como grave sentença de morte, de civilizações que se construíram em torno de determinada espiritualidade. 

Pode-se argumentar que a espiritualidade se mantém em indivíduos que não são religiosos. É verdade: No entanto, ao nível de um todo civilizacional, de uma sociedade inteira, isso nunca aconteceu. Basta ver-se o renovo do  cristianismo ortodoxo, que já antes da queda da URSS, tinha um aumento sensível de adesão. É portanto, uma regra empírica, constatar-se que onde esmorece a tradição religiosa, com cultos e clero, também a religião «popular» recua.  Verifica-se o inverso, quando há um renovo da(s) Igreja(s), este acompanha, em paralelo, a evolução da sociedade.

Tudo o que sei sobre as civilizações do passado, é que uma civilização em ascenso vai propulsionar, senão criar mesmo, um determinado movimento religioso. Por outro lado, a espiritualidade não desaparece quando, por motivos políticos e ideológicos (como no Estalinismo ou na Revolução Cultural Maoista), se combatem ativamente a difusão ou, mesmo, a existência de religiões. 

Há uma necessidade profunda, que pode ultrapassar a explícita adesão a determinado credo religioso. Penso que a humanidade não pode viver com uma visão estreita, «materialista» da vida, da Natureza e do próprio ser humano.  O materialismo de hoje, acantona-se numa forma estreita de propaganda antirreligiosa. Não me parece que haja uma oposição entre a espiritualidade de hoje e a aceitação e mesmo a procura ativa de saber científico. Acho mesmo que esta contradição é um subproduto de ideologias do século XIX (sobretudo, do cientismo e do ateísmo «militante»). 

É verdade que as religiões, na sua vertente exterior, perante a sociedade concreta, não foram capazes, muitas vezes, de fazer atualizações que se impunham. Imagine-se alguém do clero, formado/a na perspetiva de que, aceitar a ideia de Evolução biológica e do Homem, era uma heresia intransponível e um passo para a mais total negação de Deus, ou seja, para o ateísmo. Este doutrinamento atravessou várias gerações. Portanto, não se pode ter a ilusão de que as formas de pensar morrem quando desaparecem os criadores ou primeiros cultores de determinada corrente.

Para ilustrar isso, basta-me evocar a estranha - para mim - forma de abordar a sociedade e todos os fenómenos através de um prisma marxista. O marxismo é um exemplo importante e típico de uma religião sem Deus. Mas tudo nele aponta para o fenómeno religioso, como forma de ver o Mundo e o Universo, como se fossem apenas inteligíveis através da «ciência marxista» (que, afinal, é apenas «cientismo»).

Seria muito estranho que, caso a «ciência do marxismo» fosse verdadeira, o mundo científico atual estivesse totalmente divorciado da filosofia / ideologia do marxismo: Note-se que não é uma teoria esotérica, muitos terão tido contacto com ela; muitos cientistas terão mesmo estado convencidos, durante uma etapa de suas vidas, de que se tratava de uma forma de pensar adequada à ciência. Mas, nada disto é verdadeiro, para a imensa maioria dos cientistas de hoje. 

Ao fazerem ciência, não invocam « S. Marx ou S. Engels, ou S. Lenine», da mesma forma que não invocam os Santos cristãos, nem os Deuses pagãos. Têm, como pessoas cultas, conhecimento de correntes filosóficas e de religiões. Mas, na sua imensa maioria, nem escrevem sobre a relação da ciência que praticam, com a espiritualidade.  

Noutras partes do globo, eventualmente, os fenómenos serão divergentes. Eu tenho de me limitar ao que conheço melhor. Não acredito que as diversas civilizações se tenham fundido numa só, ou que esta fusão esteja em curso. Tenho observado mesmo que diversas civilizações afirmam cada vez mais as suas idiossincrasias, para fazer face ao globalismo, largamente promovido por ocidentais. 

Embora não seja uma ideologia cristã, o globalismo da nossa época, enquanto veículo de dominação ideológica, é propagado por pessoas, algumas das quais se afirmam como «cristãs» (não é senão uma capa, para elas, a meu ver).

Estou convicto de que as ideias profundas que os homens podem produzir hoje, estão radicadas na essência da humanidade, daí que não seja difícil encontrar ensinamentos de sabedoria, de espiritualidade e sensibilidade estética, em civilizações passadas, hoje consideradas «mortas». Porém, sua existência foi um passo, uma etapa, para o que a humanidade é, hoje. 

Os aspetos espirituais, têm a sua evolução própria, de certa forma, análoga com a evolução biológica. Os traços da evolução biológica não pararam nos alvores da espécie humana, pois a evolução continua aos vários níveis (genético, anatómico, fisiológico, comportamental) nos humanos do século XXI. 

A cultura e a religião, a pertença a um dado universo mental, a uma forma de compreender o Todo Universal, nada disso pode congelar, tudo se vai transformando. As formas de religião também evoluem; cabe aos contemporâneos atuar no sentido de não «deitar fora o bebé, com a água do banho», isto é, não se deixarem iludir com formas transitórias do fenómeno religioso, como se estas fossem a essência e razão de ser das religiões. 

Sou tão incapaz de descrever as formas que as religiões irão adotar no futuro, como de antever como as sociedades serão organizadas. A minha aposta, porém, é que continuarão a existir valores e que podemos procurá-los em civilizações passadas. Não posso saber quais serão selecionados, da profusão de filosofias, de formas e conteúdos, de mitos, de relatos, etc.. Mas possuo a certeza íntima de que as civilizações futuras irão guardar alguns valores, adaptando-os à sua época. 

                       Foto de ruínas do Convento do Carmo, Lisboa

domingo, 13 de novembro de 2022

CIVILIZAÇÃO EUROPEIA: DEMOLIÇÃO EM CURSO

«O Mahatma Gandhi, ao ser-lhe perguntado, “O que pensa da Civilização Ocidental?,” consta que respondeu, "Penso que seria uma boa ideia." »

Atribui-se a frase a Gandhi. Não consegui, porém, obter confirmação dele a ter proferido. Mas, mesmo apócrifa, a frase sintetiza o que muitas pessoas pensam sobre o orgulhoso Mundo Ocidental.

A demolição da economia, das instituições e da própria demografia, na chamada «União» Europeia, está em curso. Não nos deveríamos admirar, pois ela foi anunciada e programada de longa data e isso não passou despercebido a quem estava atento. Podemos nos admirar da passividade do povo, perante a demolição em grande escala da sua própria existência, do seu território, da sua cultura, da sua subsistência: Ele cai sempre na esparrela - óbvia - das sereias mediáticas, «É culpa de....» (preenche, com o nome do personagem mais demonizado no momento). Creio que existe um grande número de pessoas que estão confusas, não veem as manobras que as «elites» europeias estão constantemente a efetuar nas suas costas. Mas, também existe um número crescente de pessoas que vê e sabe, mas que tem medo. 

Por isso, este terreno é fértil para demagogos, desde a «extrema direita» à «extrema esquerda» e de tudo pelo meio. Daí se vê que a decadência, que desfigura a imagem das mais belas e emblemáticas cidades da civilização europeia, não é somente exterior, é também uma podridão interna do sistema, dos mais altos responsáveis aos meros executantes, nas instituições políticas, judiciais, científicas ou académicas. A podridão de que falo, deriva da ausência de uma moral ou ética, que permita às pessoas nortearem-se no torvelinho das mudanças nas suas vidas e em torno delas, na sociedade. Pois, a partir do momento em que deixaram de existir valores, destes já não terem sido internalizados, as pessoas ficaram suscetíveis a todas as corrupções.

Há quem aponte o facto de que, nesta sociedade inteiramente mercantilizada, também a consciência das pessoas é como uma mercadoria, ou como pastilha elástica que se pode deformar, esticar e encolher. Alguém disse-me (há muitos anos) que «nesta sociedade, todas as pessoas têm um preço»... Infelizmente, parece-me que sim, embora seja impossível testar a validade de tal afirmação. Mas, ficamos com a impressão de que as instituições foram corrompidas, não somente partidos políticos e diversos corpos do Estado, incluindo Forças Armadas,  Polícia e Tribunais; também na «sociedade civil», na vida económica, das atividades comerciais e industriais, às de prestação de serviços.

Esta é a civilização onde me encontro geográfica e temporalmente, mas não emotivamente, não em termos de ideologia, nem em termos racionais. Ela  irá desaparecer, algum dia. Isto poderá demorar uns cem anos, ou mais. Ou talvez demore muito menos tempo. Ela, a civilização ocidental decadente, não apenas produz no seu interior as substâncias tóxicas que irão causar-lhe a morte, como também vai deixar às gerações vindouras, um terreno largamente improdutivo, quase estéril. 

Há quem defenda que estamos no início duma nova «Idade das Trevas». Tal não me surpreenderia. Evidentemente, não temos possibilidade de dar um salto no tempo para avaliarmos, daqui a 500 anos ou um milénio, se efetivamente terá sido assim. Mas, os sintomas da decadência estão por todo o lado: Da economia, à governação, da ausência de valores (individuais e coletivos), às modas.  

A chamada civilização europeia/ocidental foi propulsora, no passado, de progresso científico e técnico. Devido a este facto, conservou algum prestígio junto dos povos colonizados por ela. Nestes últimos decénios, os povos ex-colonizados têm feito esforços para se libertarem do neo-colonialismo proveniente das antigas metrópoles coloniais. Porém, a superpotência hegemónica tem mantido a dominação global através dum capitalismo predador e parasitário, «financeirizado». Este capitalismo dedica-se a extrair lucro, principalmente em atividades de especulação e não do trabalho produtivo, como na era do capitalismo industrial.

- A aposta otimista é de que a decadência do Ocidente seja acompanhada pela ascensão de novos agregados de nações, erguendo novas civilizações, ou revigorando antigas, aproveitando parte da herança deixada pela civilização europeia moribunda

- A aposta pessimista é de que a civilização ocidental, sob hegemonia anglo-americana, fique cada vez mais agressiva, à medida que vai perdendo influência e poder. Num dado momento do processo, ela poderá desencadear uma guerra nuclear. Todos sabemos que isso implicaria a destruição das sociedades, da humanidade e talvez mesmo, de todas as formas de vida do Planeta, devido à contaminação de longo prazo dos ecossistemas, com os elementos radiativos libertados pelas bombas.


segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Alan Watts O HOMEM E A NATUREZA

As teorias da Natureza

 http://alanwattspodcast.com/media/119-ManandNature2.mp3


Uma lição clara de como nós, ocidentais, consideramos a Natureza, assim como os Hindus e os Chineses taoístas. 

Sempre muito actual.