quinta-feira, 6 de outubro de 2022
DIÁLOGO SOBRE O FENÓMENO HUMANO II
quarta-feira, 18 de maio de 2022
MITOLOGIAS (IV)TRANSFORMAÇÕES ZOOMÓRFICAS
Esta capacidade em se transformar num animal, não era exclusiva de Zeus; todos os deuses do Olimpo a praticavam. Os heróis, os descendentes de deuses e humanos, talvez não tivessem a maravilhosa propriedade, encerrados que estavam na sua condição humana, mesmo que manifestassem atributos incomuns, em termos comparativos com os meramente humanos.
Todos conhecem a história lendária de Leda. Ela deixou-se seduzir por um cisne, que não era senão Zeus. Este, através do estranho estratagema pode enganar o marido legítimo de Leda. Desta união nasceram, a partir de ovos, Castor e Pollux (os dois gémeos masculinos que acabaram por ir para a abóbada celeste, daí o nome duma das constelações), Climenestra e Helena.
Climenestra e Helena, tanto uma como outra, estão ligadas ao ciclo da epopeia da Ilíada. Helena é muito mais conhecida, visto que foi, segundo a lenda, raptada ao seu marido o rei de Esparta, por Páris, desencadeando a guerra de Troia. Climenestra tem uma história igualmente trágica, associada ao mesmo ciclo da Ilíada.
Como se vê, os produtos das uniões adulterinas com Zeus produziam seres excecionais, mas trágicos também.
Outra célebre história de zoomorfismo ou de amores com animais, é a de Neptuno, transformando-se em touro, seduzindo e fecundando Pasífae, esposa do rei Minos. Na verdade, Pasífae faz muito para seduzir o touro em que o deus Neptuno se tinha transformado. Pede a Dédalo, o célebre arquiteto do rei de Creta, para construir uma réplica de vaca dentro da qual se esconderia. Esta réplica, perfeita e natural, seduziria o touro. Mais tarde, invocou ser forçada a tal conduta pelo facto do rei Minos ter sido perjuro, não satisfazendo a promessa feita a Neptuno. O produto da cópula do deus dos mares, com a rainha de Creta, foi o Minotauro, com corpo de homem e cabeça de touro. Um produto tão evidente destes amores, tinha de ser escondido no Labirinto.
Além do princípio de que os deuses se podem transformar no que quiserem, nota-se a aceitação «natural» da lascívia, perversidade, ou até, da propensão para a bestialidade (ter relações sexuais com animais), mas - sobretudo - do lado feminino! Ainda por cima, são caraterísticas dadas a mulheres de alta condição, como rainhas ou princesas.
A excecionalidade dos costumes dos deuses fazia parte da mitologia clássica. Eram capazes de fazer coisas completamente vedadas aos homens, também relativamente à lei moral, como serem adúlteros ou incitarem ao adultério, tomarem, violentarem as suas presas, usar toda a espécie de manhas, etc...
Mas, este erotismo violento, tirânico, possessivo não seria a mera projeção do que se considerava ser "varonil" nessa época? Não seria a narrativa dos deuses, a projeção do comportamento dos grandes, dos poderosos? Não estaria já a mulher a ser vista apenas como presa, ou como sedutora, papeis estes que se foram acentuando e prolongando, com modificações, até à era cristã: A mulher «santa» e submissa, aceitando o sacrifício ou a «meretriz» sedutora e diabólica...
BAIXO-RELEVO: LEDA, O CISNE E CUPIDO (ÉPOCA ROMANA)
Pessoalmente, estou convencido que gregos e romanos não «acreditavam» nestes mitos, no sentido literal: Como acreditar que Leda tivesse realmente sido fecundada por um cisne? Ou que Pasífae tivesse gerado um monstro com cabeça de touro e corpo de homem, por ter copulado com Neptuno/touro ? Muitas outras histórias também desafiam o senso comum.
Claro que os que narram os mitos descrevem-nos como tendo acontecido, como estando na origem de constelações, de dinastias ou de guerras, etc. Assim, a origem semidivina da casta governante era afirmada. Também, a «imoralidade» aparente das histórias dos deuses olímpicos, tinha a restrição de que os deuses estavam para além do poder, da compreensão e da própria moral dos homens. Era assim compreendido e integrado o ato sexual, enquanto desejo violento, irracional, impulsivo. Assim eram - também - as pulsões eróticas dos próprios deuses.
Lucrécio, no seu célebre poema De Rerum Natura, cita os deuses, mas não dá muito crédito à sua existência. Limita-se a dizer que eles, lá no Olimpo, vão vivendo sua vida, com suas intrigas, sem se importarem com o mundo dos homens.
Esta atitude era de quase ateísmo, o mais extrema possível, não ofendendo porém as leis de Roma. Se afirmasse claramente que os deuses não existiam, poderia ter sérios problemas com as autoridades. Mas, note-se, todo o discurso filosófico-científico do longo poema se centra nas causas naturais e em como não devíamos estar preocupados com o além.
Assim, no contexto de afirmar a prevalência absoluta das coisas naturais, fornece explicações inteiramente racionais sobre a hereditariedade e a sexualidade. É notável que - embora conceda grande capacidade geratriz e transformadora à Natureza - não tenta «explicar» o que é da ordem do mito: As quimeras, as transformações miraculosas, etc. Nomeadamente, recordo-me duma passagem, onde argumentava que, se uma árvore dá maçãs, não se pode esperar que ela dê peras, nem que da semente da maçã surja outra árvore, que não seja uma macieira.
Este poema foi escrito na época latina, depois do declínio e conquista do mundo grego pelos romanos. Porém, Lucrécio recolhe toda a tradição de Epicuro (do qual restam poucos originais). Epicuro e Demócrito estão no âmago da cultura grega. Mesmo que estes filósofos e correntes filosóficas não tivessem sido dominantes no seu tempo, é evidente que suas teses foram bem conhecidas doutros filósofos contemporâneos.
As histórias de transformações (sobretudo de deuses) em animais, muito comuns nos relatos da mitologia greco-romana, são formas poéticas. Tal como em relação às quimeras (grifos, esfinges, etc.), desempenhavam um papel nas narrativas míticas, mas tais histórias não eram percebidas - nem por antigos, nem por modernos - como relatos de casos verídicos, nem sequer, verosímeis.
Eram símbolos e como tal, tinham um papel, mas esse papel não era o de explicação racional. Eram uma forma de acomodar o universo do inconsciente, as pulsões profundas da alma, individual e coletiva, a aceitação da irracionalidade do mundo, a metáfora das forças obscuras que nos atravessam o espírito e sobre as quais não temos um controlo verdadeiro. Enfim, faziam parte dos arquétipos e do que Jung designa por «inconsciente coletivo».
Estavam na raiz e no centro da mitologia greco-romana. Não se poderia estar «dentro» dessa civilização, sem dialogar com esses mitos fundadores, os quais se propagavam sob todas as formas.
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Nota: Em baixo seleciono alguns links. Nestes, pode o leitor obter informação complementar.
domingo, 3 de julho de 2016
A ARTE DE AMAR
Os afetos podem ser educados, sem se violentar as opções pessoais. Pode-se ajudar, por todos os meios, a que as pessoas possam crescer saudáveis. A sexualidade faz parte integrante da saúde física e mental dos indivíduos, da sua integração social harmoniosa e da sua realização pessoal.
Mas as pessoas adultas e adolescentes (de ambos os sexos) devem compreender algo que lhes diz respeito e cuja ignorância, de modo nenhum, pode beneficiá-las. Todas as pessoas podem ser educadas nestes domínios, quaisquer que sejam seus conhecimentos prévios nestas matérias. Podemos explicar com simplicidade as coisas básicas, sem falsidades, de maneira esclarecedora.
A complexidade na organização de um ser humano é, na verdade, muito maior que a duma galáxia, constituída por milhões de estrelas, porque as estruturas, no caso do humano, têm um grau de organização em muitos patamares, o que não se encontra nos corpos constituindo uma galáxia.
Considere-se que, no fundo, a complexidade acima descrita é que está na base do livre-arbítrio. Se o livre-arbítrio existe é porque, tanto as organizações dos indivíduos, como das sociedades, são de tal modo complexas, não é possível quaisquer inteligências, mesmo «dez Einstein» reunidos, descreverem adequadamente em termos bioquímicos e neuronais os mecanismos subjacentes às motivações e comportamentos das pessoas.
No domínio das relações amorosas, uma série de clichés em relação ao que supostamente deve ser o comportamento das pessoas, é simplesmente uma soma de preconceitos, não contribuindo em nada para a libertação das pessoas, para uma fruição maior dessa arte necessária de amar.