sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

ANO VELHO, ANO NOVO...

Vale esta postagem mais pela intenção do que pela inspiração. Depois de uma valente gripe, que me impossibilitou vários dias de fazer algo mais que sobreviver, sinto ainda com maior agudeza a ínfima pequenez do ser humano e da nossa vida, em particular.

Para cumprir com a tradição, irei fazer um balanço do ano transacto e previsões do vindouro. Estes exercícios normalmente esgotam-se numa série de banalidades declaradas  com imensa prosápia e muito pouco conteúdo real. Oxalá o leitor seja indulgente e não me inclua no número dos prosadores detestáveis que enxameiam os media por estas alturas do ano e nos fazem odiar o admirável mundo novo do mediático a todo transe...

No que toca à geopolítica verifico que este ano passado foi muito importante na acentuação de grandes linhas de força, como já previra no final de 2016: o acentuar do eixo euro-asiático, a perda de influência do eixo atlântico. Igualmente, a minha previsão de que a presidência Trump não traria uma viragem real nas principais linhas de força do Império; de novo, cumpriu-se o papel do sistema em fechar as hipóteses do recém-chegado à Casa Branca em mudar o que quer que fosse de significativo em relação à vontade do Estado Profundo, o mesmo é dizer dos que mexem nos cordelinhos do poder, por detrás da ribalta. 
Mas, por outro lado, a fraqueza do Império sobressai ainda mais com a estrondosa derrota na Síria, onde andou a fazer uma dúplice figura de gato escondido com rabo de fora, ora combatendo o ISIS ora protegendo o mesmo de ataques do Exército Sírio coligado com forças russas. 
A perda de influência de tal maneira se fez sentir, que um aliado tradicional no médio oriente e membro da NATO, a Turquia, surge com uma política autónoma de potência regional, não se importando demasiado se as suas relações com Moscovo agradam ou não a Washington. Além disto, os seus vassalos no golfo Pérsico, estão cada vez mais inclinados a estabelecer uma ponte com as potências emergentes no cenário mundial, a Rússia e China.
No plano da economia, o ano não foi de grande euforia, apesar de terem passado nove anos sobre um dos maiores abalos dos sistema, a crise de 2007/2008:  não deixa de ser visível que num número considerável de países,  os índices não retomaram os níveis pré-grande crise. Nomeadamente, ao nível da Europa, não existe uma verdadeira recuperação mas sim uma estagnação, a qual é mascarada pela constante impressão monetária do BCE (ECB), o qual vai fornecendo dinheiro gratuito para os países do sul gastarem em excesso das suas capacidades produtivas. Quando as taxas de juro atingirem um valor mais ou menos de acordo com a média histórica, não haverá salvação possível para muitos sectores europeus que têm sobrevivido graças a um ambiente artificial de juros super baixos. Quanto mais tarde o retorno ao normal se der, pior será, pois as pessoas já reformadas ou que entretanto se reformem, terão de se contentar com pensões diminutas, muitas delas insuficientes para uma velhice condigna. O choque será tanto maior que as pessoas estão a ser constantemente embaladas pelos discursos  dos políticos e da media corporativa.

Em relação à política europeia, a deriva à extrema direita vai acentuar-se com a conivência encoberta de toda a classe política tradicional, digo bem toda, pois a única forma de  barrar as sereias de extrema-direita seria de empossar o povo e fazer exactamente com que este se sentisse ouvido e respeitado; o povo não se sente mais como «soberano». A Itália será o epicentro provável do próximo tremor de terra político no continente europeu. Mas a eurocracia terá de enfrentar numerosas batalhas que a enfraquecerão, sem que nenhuma, por si só, seja suficientemente grave para precipitar uma crise final do império de Bruxelas: vejam-se os casos da Catalunha e das sanções contra a Polónia, ambos revelam a natureza centralista e autoritária do projecto europeu. Esta natureza foi disfarçada enquanto as situações não atingiam o nível de ruptura, nas regiões ou nações.

A viragem tectónica na economia mundial vai engendrar fenómenos de grande tensão e revira-voltas sem precedentes, como aliás já começamos a verificar no ano que está a acabar. O potencial de negócios nos grandes projectos que é a «One Belt One Road Initiative» já transparece. 
Confirma-se a minha previsão de que o Brexit iria ser um abalo profundo na oligarquia europeia, havendo um retraimento da oligarquia britânica do cenário continental. A Grã-Bretanha ambiciona sobreviver como ponte (financeira) entre o império decadente dos EUA e o emergente da China. A Comissão Imperial de Bruxelas está a negociar em termos de limitação do desgaste de sua imagem, não tendo mais o atrevimento para posar como grande projecto de futuro...

Creio que o mundo não vai passar sem uma profunda crise sistémica, que se vem desenvolvendo há vários anos, como uma acumulação de nuvens de trovoada, que começou no horizonte e se aproxima inexoravelmente do presente da nossa civilização. Muita devastação tem sido produzida já agora, por guerras e por sanções (guerra económica), sem qualquer piedade pelos mais fracos: estamos em plena era da política malthusiana

A grande mudança tectónica vai implicar uma perda da hegemonia do dólar como moeda de reserva e como principal divisa nas trocas comerciais internacionais. A elite mundial já aceitou isso há muito tempo, por mais que se faça discreta em relação a este facto. Porém, a sequência do que se passa ao nível do FMI não deveria deixar dúvidas a ninguém; para Christine Lagarde, tanto se dá que os escritórios do FMI sejam em Pequim ou Washington (ela própria o tem afirmado). Para os globalistas, o poder e somente o poder importa; a geografia, a nação, a cultura, a ideologia são nada em face de poder decidir da marcha do mundo. 

                            

Há loucura extravagante e loucura sóbria. A extravagante é fácil de detetar  e não vale a pena expor, ela expõe-se a si própria. A loucura dos globalistas é do tipo «sóbria», pois tem toda a aparência da razoabilidade, da moderação, porém esconde uma ambição absurda: a de controlar, de conduzir, de moldar a evolução do mundo. Porém eles sabem, melhor que ninguém, que este mundo humano e físico é propriamente caótico, ou seja tem a característica de um sistema sem uma lei, sem uma ordem, caótico no sentido mais profundo. 

Somos nós que projectamos os nossos desejos na realidade, não é a realidade que se conforma aos nossos desejos; desejamos, queremos ver o mundo de acordo com a nossa visão... é tudo.

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

O «ADMIRÁVEL MUNDO NOVO» DA AI

AI (Artificial Inteligence; Inteligência Artificial) é um assunto que constantemente assola o público, cativando-o pelo fascínio de uma futurologia baseada em romances de ficção científica. Mas os elementos mais evidentes dessa AI e das suas aplicações são bem visíveis e banais, no presente, com os algoritmos de busca e de captação das preferências individuais de milhões (ou milhares de milhões) de  pessoas que utilizam quotidianamente os motores de busca na Internet, as redes sociais, como nos diz, na conferência TED, a socióloga Zeynep Tufecki.
Mas serão estas ações inócuas? Que estrutura está sendo construída?
- Vejam o vídeo abaixo:


sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

O CHAMADO «TERCEIRO SECTOR» NA ECONOMIA DE PORTUGAL

Por más e oportunas razões, venho abordar a questão do «terceiro sector», ou seja, do sector que tem como vocação administrar, em nome da sociedade civil, a «solidariedade social». 

Além do caso «Raríssimas», outro caso importante pelas suas consequências, é o da entrada (forçada?) da Santa Casa da Misericórdia no capital do Montepio (um banco cujo principal proprietário é uma Associação Mutualista).

  

Aqui, não iremos esmiuçar  o conteúdo e a qualidade da prestação da Raríssimas, da Santa Casa, ou de quaisquer outras IPSS, embora o assunto não seja de forma nenhuma «tabu». 

Mas, o que me parece mais preocupante  - do ponto de vista cívico  - é a forma como o Estado tem administrado os dinheiros públicos, desviando sistematicamente o investimento público direto em domínios que, não apenas são da sua competência (Veja-se o que a Constituição diz sobre o assunto), como tem meios - em muitos casos- para obter bons resultados e por vezes até a custo muito inferior. 

Assim, comete-se um triplo crime:

- Descarregam-se competências próprias do Estado em entidades privadas ou «mistas», sem a supervisão e controlo que tal delegação de competências deveria implicar.
Quando ocorrem casos como o da «Raríssimas», vêm nos dizer que se trata de algo «pontual» e que as instituições de solidariedade social não funcionam assim em 99% dos casos.
 Mesmo que fosse nesta proporção, resta o facto em si mesmo de tais coisas terem ocorrido durante um longo período. Isto põe a nu, claramente, a carência de supervisão do próprio Estado em relação à utilização dos dinheiros do Orçamento que, generosamente, tem encaminhado para as IPSS.

- Não existe - muitas vezes- uma competente e eficaz gestão de recursos existentes no domínio público, o Estado é sabotado por dentro. Isto aproveita os detratores do serviço público, seja do sector da Saúde, seja da Educação, seja da Assistência social. Estes detratores têm interesses pecuniários ou políticos ou ambos, nesse denegrir de imagem. Nunca dizem a parte de benefício que decorre do mau funcionamento das instituições públicas, para as suas equivalentes privadas. 
A capacidade instalada do serviço público em diversas áreas é sub-aproveitada nuns casos, noutros é muito mal administrada, por pessoas que devem suas carreiras de gestores a favores políticos e não tanto à sua competência, etc.

- O público, ou fica a perder por pagar mais caro os serviços privatizados, que poderia ter com a mesma ou melhor qualidade no Estado, caso o «Estado social» funcionasse neste país, ou porque simplesmente fica cortado -essencialmente, por razões económicas - de acesso à assistência a que tem direito, apesar dos políticos encherem a boca constantemente com a retórica dos «direitos humanos». 

Além disso, o público, desinformado, vira-se contra os trabalhadores, quer de IPSS, quer das várias estruturas estatais de Serviço Público. O público não é esclarecido pela media ao serviço de interesses inconfessáveis, que deseja antes de mais fazer avançar um determinado escândalo, ou o tenta abafar, consoante os interesses que representa. 
A media também é direta e indiretamente suportada pelo Estado, nalguns casos; noutros, é propriedade de grandes grupos económicos, que têm exercido uma parte da sua atividade nos sectores privatizados da Saúde, Educação, nos segmentos de mercado mais rentáveis. Não admira, portanto, que a grande media seja conivente. 
Em geral, estes serviços privados de Saúde, Educação ou outros, com fortes protecções e «incentivos estatais» são destinados a uma clientela acima da média, em rendimentos. Portanto, a sua «rentabilidade» deve-se sobretudo à captação - como utentes ou clientes - não apenas dos «muito ricos», como duma grande fatia da classe média, muitas vezes ficando o sector estatal como supletivo, limitado (auto-confinado) à assistência dos «pobrezinhos», dos que não podem pagar os serviços privados ...

Segundo a quantificação fornecida num programa da SIC Notícias, Negócios da Semana, cujos dados foram transcritos por uma amiga minha,  o valor anual das subvenções estatais ao sector social privado (IPSS) e dos impostos de que são isentados é o seguinte:

-- SUBVENÇÕES PAGAS PELO ESTADO (4,3 MIL Milhões de euros ) 

---IMPOSTOS PERDOADOS PELO ESTADO (2, 5 Mil milhões de euros ) 

= DESPESA TOTAL DO ESTADO 6,8 Mil Milhões de euros 



Note-se que o Estado tem também despesas diretas no sector social. Estas subvenções só dizem respeito ao que privados (as tais Instituições Privadas de Solidariedade Social - IPSS), recebem.
Esta soma total de 6,8 Mil Milhões de Euros, é semelhante ao montante da verba anual orçamentada para a Educação, o que mostra  que, ao longo dos anos, o Estado tem «externalizado» a sua função de «solidariedade social». 

O termo de solidariedade está de tal maneira pervertido, que eu preferia que se falasse antes de fazer cumprir os direitos humanos mais elementares. 

A consequência pior de toda esta hipocrisia da «solidariedade» social vigente neste país, é de que se faz muito pouco, muitas vezes mal, em relação aos mais frágeis, o que explica, em parte, a enorme percentagem de pobreza endémica neste país. 

Costumo definir a situação da seguinte maneira:
«Em Portugal, o cidadão paga impostos ao nível duma Suécia (em proporção do rendimento per capita) ou doutros países europeus equivalentes, mas o que ele obtém do Estado, em retorno, em termos de qualidade do serviço público... é equivalente aos menos desenvolvidos países africanos.»

A solução não é mais Estado ou menos Estado, a discussão na media resume-se a este debate estéril. 
As pessoas que se limitam em pensar nestes moldes estão - talvez inconscientemente - a perpetuar o problema porque impedem que se faça um debate sério e não demagógico. Os termos desse debate são simples: - O que é necessário fazer para arrancar Portugal ao sub-desenvolvimento - tanto no sentido físico ou económico, como no comportamental e social.

Como tenho dito em muitas ocasiões, tem de se fazer o diagnóstico de que o Estado português e a sociedade, em geral, estão numa situação típica de país neocolonial

Somente um movimento que combate a situação neocolonial e apenas este, poderá ir ao fundo da questão. Neste sentido, deverá ser radical (por ir à raiz do problema). 
A imensa maioria, os 90% ou mesmo 95% das pessoas, estão objetivamente a ser espoliadas por um capitalismo parasitário e portanto ineficaz. 
A função de motor do desenvolvimento da classe capitalista portuguesa nunca existiu. Ela foi sempre uma classe do tipo «comprador» e ainda o é. Mas agora, as metrópoles coloniais situam-se no Norte da Europa. 
Em Portugal, país neocolonial, a classe política e a classe capitalista parasitária são a mesma coisa, como se constata pela «consanguinidade» e pela fluidez com que elementos de uma passam para a outra. 


terça-feira, 19 de dezembro de 2017

LOUIS ARMSTRONG EM BERLIM-LESTE, 1965


Se queres ver a vida a sorrir, é fácil! Vê e ouve o imortal Satchmo, neste excelente vídeo musical, ao vivo em Berlim- Leste


 Louis Armstrong, Tyree Glenn, Eddie Shu, Billy Kyle, Arvell Shaw, Jewel Brown and Danny Barcelona, live at the East Berlin Friedrichsstadt Palast, March 22, 1965.
First set: When It's Sleepy Time Down South Indiana Black and Blue Tiger Rag When I Grow Too Old to Dream Hello, Dolly Memories of You Lover Come Back to Me Can't Help Lovin' Dat Man When The Saints Go Marchin' In Second Set: Struttin' with Some Barbecue The Faithful Hussar Royal Garden Blues Blueberry hIll Without a Song How High the Moon Mack the KNife Stompin' at the Savoy I Left My Heart in San Francisco My Man Mop Mop When It's Sleepy Time Down South Hello, Dolly

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

A CIÊNCIA DO VINHO; O ABANDONO DA AGRICULTURA

CIÊNCIA DO VINHO, ENOLOGIA 

O vinho é um sumo de uva fermentado. 
A fermentação realiza-se graças a leveduras que transformam os açúcares presentes na uva em álcool e dióxido de carbono. 
As leveduras não são visíveis à vista desarmada, são micro-organismos. Estão naturalmente presentes na adega, na vinha, na superfície da uva e, geralmente, em todos os lugares onde exista o cultivo da vinha. 
Foram estas, as leveduras ditas «indígenas» ou naturais, durante muito tempo utilizadas para produzir o vinho. As leveduras «indígenas» estão a regressar à produção vinícola - nomeadamente - nos vinhos ditos naturais. 

A ciência do vinho é multissecular em Portugal. 
As nossas vinhas e as castas de origem portuguesa são cuidadosamente  inventariadas, catalogadas e experimentadas, em institutos públicos e nas grandes empresas do sector. 
A genética molecular, as técnicas de recombinação, clonagem e de transformação de leveduras, têm encontrado ultimamente numerosas aplicações no domínio da vinificação. 
Para se fazer vinho digno desse nome, são tão importantes as condições climáticas, do solo, das variedades de vinha, como os micróbios que fazem parte dum ecossistema. 
Além destes factores, evidentemente, há toda uma série de saberes, de técnicas de cultivo da vinha, do processamento do vinho, transmitidos de pais para filhos, mas que também se podem ensinar e aprender, como parte integrante da cultura científica e técnica.

Do ponto de vista económico, o sector vinícola em Portugal tem três tipos distintos de empresas;  as quintas familiares, onde se produz vinho para o auto-consumo e pouco mais; as pequenas e médias empresas, que têm frequentemente uma cooperativa vinícola a apoiá-las, onde se recolhem as uvas, se fermentam, se engarrafam e comercializam e por fim, as grandes empresas exportadoras, organizadas para a conquista dos mercados internacionais. 
Estas grandes empresas estão «verticalizadas» ou seja possuem os terrenos, as vinhas, as adegas, os circuitos de comercialização. Tiveram origem, muitas vezes, em capitais estrangeiros, como na produção de vinho do Porto, na região do Douro. 
Estas três tipificações mostram que há possibilidade de uma economia se diversificar e crescer a partir do sector agrícola e obter um rendimento apreciável, não apenas um auto-sustento. 
A exploração familiar que faz vinho, além de outras produções, porém, não é de desprezar. Muitas famílias do Norte da Europa vieram para Portugal fazer este tipo de agricultura, usando seus conhecimentos técnicos e científicos para construir explorações viáveis e ecológicas. As explorações pequenas e médias para o mercado «bio» têm também futuro no nosso país. 
O sector agrícola em Portugal tem futuro, obviamente, se as condições ambientais excepcionais  forem preservadas. 
  
ABANDONO DA AGRICULTURA

A vocação natural e histórica de Portugal é agrícola.  
Porém, o país é um importador de alimentos; as exportações são muito mais baixas do que as importações, ano após ano, quer em termos de dinheiro, quer em volume de produtos. A produção agrícola e as pescas nacionais não chegam a cobrir 50% das necessidades do mercado interno.

Portugal é um país de clima atlântico sob influência  mediterrânica. Possui os melhores solos para a vinha (solos xistosos) em várias zonas do território. Mesmo noutras zonas, a vinha pode ser cultivada, pois existem castas e técnicas adequadas a essas condições.

Em geral, o que a agricultura de Portugal precisa mais é de água. 


                     Paisagem da Beira, perto de Monsanto                    
                     
A água disponível, na maior parte do território continental, é suficiente para as diversas necessidades humanas, incluindo a agricultura, mas está irregularmente distribuída. Por outras palavras, uma irrigação apropriada é necessária para corrigir esta irregularidade. 
Igualmente, as precipitações também estão irregularmente distribuídas no tempo; embora se possa usar, nalguns casos, uma «rega de emergência» para salvar culturas, numa altura de seca excepcional, o mais adequado será fazer-se a criteriosa selecção das espécies, variedades e cultivares, mais apropriados aos factores climatéricos. Tem também aqui lugar uma genética agrícola, respeitando e tirando partido das características do ecossistema. 
Mas a escassez e/ou irregularidade das precipitações ao longo do ano, faz com que a água seja o factor limitante. 

Pinheiros no campo, quadro a óleo de E. H. Gandon

O abandono dos campos, principalmente na Beira interior e no Alentejo, ao longo de meio século, fez com que se criasse e alargasse a mancha de «deserto verde» ou «floresta de produção», baseada no eucalipto, cujo único escoamento é a produção de pasta de papel. 
Um motor deste fenómeno foi o facto de que, só assim, podiam obter das terras um rendimento pecuniário os proprietários absentistas, perante a quase ausência do trabalho assalariado.  Desde a década de 1960 até hoje, os trabalhadores agrícolas têm emigrado massivamente para as cidades do litoral ou para países europeus com necessidade de mão-de-obra. A emigração rural, o abandono da agricultura, propiciou ainda mais o alargamento do «deserto verde», que impediu na prática a  manutenção das comunidades, obrigando a um maior êxodo, num ciclo vicioso...

Quando penso nisto, fico muito triste, porque é um lento e frio assassinato de um país, de uma cultura, de um povo, de um saber agrícola (que deixou de estar...) enraizado na memória.

As pessoas jovens que estão sem emprego ou com um emprego de má qualidade (mal pago, precário) podiam formar cooperativas e reconverter-se à agricultura. 

Penso que um país com boa sustentabilidade alimentar terá um melhor viver e guardará capacidade para se desenvolver nos restantes sectores. Pelo contrário, a indústria, nesta fase de transição energética, só poderá ter futuro, se não for baseada no petróleo.
A aposta «fácil» mas não sustentável (aqui, em Portugal) é o turismo, que se desenvolve no curto prazo. Deixa determinados sectores inflacionados, tais como o imobiliário e restauração, mas sem reprodução do capital e dos saberes. Pode o turismo ser uma alavanca, mas apenas se este sector for integrado com o sector agrícola e das pescas, numa visão de longo prazo. 

Gostaria de saber a tua opinião sobre este assunto.
 Escreve para manuelbap2@gmail.com
Obrigado!
Manuel Banet 





domingo, 17 de dezembro de 2017

NORMALIDADE OU SABEDORIA?

Na continuação do artigo «NINGUÉM É NORMAL...», apresento-te agora reflexões no prolongamento do mesmo. 

Se não há verdadeiramente ninguém «normal», quer num sentido quer noutro, então que consequências tirar deste facto?

- Primeiro, todo o raciocínio sobre assuntos de sociedade, de economia, de política que se baseie na normalidade, na referência à norma, deve ser repudiado. 
Além de falso do ponto de vista científico e filosófico, está associado às formas mais autoritárias de governação e de manipulação. 
Procura impor a normalidade ou a norma, para melhor exercer controlo sobre as pessoas, as «massas» como eles dizem.

- Segundo, se tal sistema de pensamento está muito difundido, como  podemos constatar facilmente nos media, quer no discurso político, quer noutros manipuladores da opinião, será ineficaz combatê-lo apenas contrapondo argumentos. 
Porque o discurso do poder reforça continuamente o preconceito da «normalidade» nas pessoas, que o aceitam sem espírito crítico, formando-se e mantendo-se assim um ciclo vicioso.  
Discursos alternativos apenas, por muito sábios ou sensatos que sejam, não podem ter grande alcance! 

- Terceiro, o «discurso da prática» e não a «prática de discurso» (ou oratória) é que conta: cada pessoa, grupo, colectivo,  ou sociedade, que tenham uma prática autónoma, constroem a mesma de acordo com as suas necessidades, os seus interesses, as suas visões do mundo e da sociedade. 
Ao contrário de se partir de um «a priori» ideológico, seja ele qual for, parte-se da situação dada, daquilo que é, das pessoas tais como são, com as suas vivências, as suas necessidades, os seus desejos, as suas aspirações, as suas capacidades. 

- Quarto, «Fazer uma revolução» no sentido de tomada de poder para impor a nossa visão das coisas, mesmo que fosse a visão acima delineada, é a negação - na teoria e na prática - da autonomia.
Isso seria a negação da vivência em que os vários elementos da comunidade cooperam uns com os outros, numa abertura permanente e numa forte consciência que lhes advém de um «algoritmo interno», «ouvindo a parte melhor de si próprios e tomando exemplo dos melhores de entre eles».

- Quinto, eu respeito a autonomia dos outros, meus iguais em direitos, mas sempre diferentes uns dos outros. 
O que se chama a «Regra de Ouro» (the Golden Rule) é apenas a síntese - em várias religiões e civilizações - do tal algoritmo interno acima referido. 
Aceito e sou aceite pelos outros tal como sou, sempre reconhecendo e aceitando minhas próprias fraquezas e imperfeições e aceitando reciprocamente, nos outros, as suas. 

- Sexto, não pode haver progresso, transformação real e benéfica, senão com a abordagem, a crítica, seguida da mudança na prática, dessas mesmas fraquezas e imperfeições (individuais e colectivas). 

- Sétimo, uma religião ou doutrina moral ou ideologia que proclamasse o contrário, ou seja, reprimir, esconder, disfarçar, ignorar... estaria condenada ao fracasso.
A ideia, a impulsão primeira dos movimentos - religiosos ou não - que tiveram sucesso foi abraçada, intuitivamente, por muitas pessoas. Se um determinado movimento espiritual teve sucesso, foi  porque - num primeiro tempo, pelo menos - pareceu reforçar o tal «algoritmo interno».

- Oitavo, o «algoritmo interno», que permite ao indivíduo existir, mover-se, movimentar-se dentro da sociedade, foi desviado e utilizado abusivamente. 
Em demasiadas ocasiões, esse abuso tem como resultado a perda de referências, a desorientação, sobretudo na juventude, a qual é sempre mais maleável e portanto manipulável, por líderes carismáticos devido a uma usurpação do papel de modelo a emular (o chefe, a vedeta, a estrela, o herói, o ídolo etc...)    

- Nono, nenhum indivíduo ou conjunto de indivíduos é irrecuperável para a autonomia verdadeira, pois os líderes carismáticos, sejam políticos ou não, apenas semeiam a ilusão e as pessoas recolhem decepções. 

- Décimo, parecem «fracas», as pessoas que cuidam realmente de si próprias e dos outros, mas são elas que acabam por moldar e impulsionar decisivamente as comunidades, são «as sementes e o solo» da continuidade das sociedades e da natureza.