Muitas pessoas aceitam a situação de massacres de populações indefesas em Gaza e noutras paragens, porque foram condicionadas durante muito tempo a verem certos povos como "inimigos". Porém, as pessoas de qualquer povo estão sobretudo preocupadas com os seus afazeres quotidianos e , salvo tenham sido também sujeitas a campanhas de ódio pelos seus governos, não nutrem antagonismo por outro povo. Na verdade, os inimigos são as elites governantes e as detentoras das maiores riquezas de qualquer país. São elas que instigam os sentimentos de ódio através da média que controlam.

domingo, 17 de dezembro de 2017

NORMALIDADE OU SABEDORIA?

Na continuação do artigo «NINGUÉM É NORMAL...», apresento-te agora reflexões no prolongamento do mesmo. 

Se não há verdadeiramente ninguém «normal», quer num sentido quer noutro, então que consequências tirar deste facto?

- Primeiro, todo o raciocínio sobre assuntos de sociedade, de economia, de política que se baseie na normalidade, na referência à norma, deve ser repudiado. 
Além de falso do ponto de vista científico e filosófico, está associado às formas mais autoritárias de governação e de manipulação. 
Procura impor a normalidade ou a norma, para melhor exercer controlo sobre as pessoas, as «massas» como eles dizem.

- Segundo, se tal sistema de pensamento está muito difundido, como  podemos constatar facilmente nos media, quer no discurso político, quer noutros manipuladores da opinião, será ineficaz combatê-lo apenas contrapondo argumentos. 
Porque o discurso do poder reforça continuamente o preconceito da «normalidade» nas pessoas, que o aceitam sem espírito crítico, formando-se e mantendo-se assim um ciclo vicioso.  
Discursos alternativos apenas, por muito sábios ou sensatos que sejam, não podem ter grande alcance! 

- Terceiro, o «discurso da prática» e não a «prática de discurso» (ou oratória) é que conta: cada pessoa, grupo, colectivo,  ou sociedade, que tenham uma prática autónoma, constroem a mesma de acordo com as suas necessidades, os seus interesses, as suas visões do mundo e da sociedade. 
Ao contrário de se partir de um «a priori» ideológico, seja ele qual for, parte-se da situação dada, daquilo que é, das pessoas tais como são, com as suas vivências, as suas necessidades, os seus desejos, as suas aspirações, as suas capacidades. 

- Quarto, «Fazer uma revolução» no sentido de tomada de poder para impor a nossa visão das coisas, mesmo que fosse a visão acima delineada, é a negação - na teoria e na prática - da autonomia.
Isso seria a negação da vivência em que os vários elementos da comunidade cooperam uns com os outros, numa abertura permanente e numa forte consciência que lhes advém de um «algoritmo interno», «ouvindo a parte melhor de si próprios e tomando exemplo dos melhores de entre eles».

- Quinto, eu respeito a autonomia dos outros, meus iguais em direitos, mas sempre diferentes uns dos outros. 
O que se chama a «Regra de Ouro» (the Golden Rule) é apenas a síntese - em várias religiões e civilizações - do tal algoritmo interno acima referido. 
Aceito e sou aceite pelos outros tal como sou, sempre reconhecendo e aceitando minhas próprias fraquezas e imperfeições e aceitando reciprocamente, nos outros, as suas. 

- Sexto, não pode haver progresso, transformação real e benéfica, senão com a abordagem, a crítica, seguida da mudança na prática, dessas mesmas fraquezas e imperfeições (individuais e colectivas). 

- Sétimo, uma religião ou doutrina moral ou ideologia que proclamasse o contrário, ou seja, reprimir, esconder, disfarçar, ignorar... estaria condenada ao fracasso.
A ideia, a impulsão primeira dos movimentos - religiosos ou não - que tiveram sucesso foi abraçada, intuitivamente, por muitas pessoas. Se um determinado movimento espiritual teve sucesso, foi  porque - num primeiro tempo, pelo menos - pareceu reforçar o tal «algoritmo interno».

- Oitavo, o «algoritmo interno», que permite ao indivíduo existir, mover-se, movimentar-se dentro da sociedade, foi desviado e utilizado abusivamente. 
Em demasiadas ocasiões, esse abuso tem como resultado a perda de referências, a desorientação, sobretudo na juventude, a qual é sempre mais maleável e portanto manipulável, por líderes carismáticos devido a uma usurpação do papel de modelo a emular (o chefe, a vedeta, a estrela, o herói, o ídolo etc...)    

- Nono, nenhum indivíduo ou conjunto de indivíduos é irrecuperável para a autonomia verdadeira, pois os líderes carismáticos, sejam políticos ou não, apenas semeiam a ilusão e as pessoas recolhem decepções. 

- Décimo, parecem «fracas», as pessoas que cuidam realmente de si próprias e dos outros, mas são elas que acabam por moldar e impulsionar decisivamente as comunidades, são «as sementes e o solo» da continuidade das sociedades e da natureza.


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