Mostrar mensagens com a etiqueta poesia. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta poesia. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 6 de novembro de 2023

ARQUEOLOGIA/ ATUALIZADA EM 2023 [OBRAS DE MANUEL BANET]

                                   



 Recolha de 3 poemas inéditos de 1987 a 2016 , ATUALIZADA EM 2023


1- A Revolta dos Anjos


- Quem somos nós? Quem sou eu, quem és tu?
Somos instantes perdidos na imensidão do tempo
Somos transitórios como a carne
Somos menos estáveis que um grão de areia
Somos somente um elo duma cadeia que se estende desde um ser vivo primitivo…
… Somos tudo isso e temos vaidade em reclamar a imortalidade!

- Segui estrada fora… conheço-lhe os prazeres e os perigos…
… Toda a verdadeira caminhada é solitária
Que este pensamento não sofra contestação
… Bem louco seria aquele que emprestasse os pés, em vez das botas!




   2- Quando…


… Todas as profecias se gastaram no vão desejo do amanhã
… As bocas se calaram no súbito ruir da noite em tom de incêndio
… As fontes secaram fechando as gargantas sedentas de cristal
… A Terra foi a enterrar no espaço sideral





          3-  Tudo…


                     … Nasce, cresce e morre;
Se transforma,
Se vai escoando, se vai esvaindo
Se vai crescendo, se vai desenvolvendo
Se vai… …
… E tu, pra onde vais?
Tu, alma desvalida
Feres onde, vida?
Vives onde, ferida?
Do chão até às nuvens
Clamam vidas
Em seus quatro sentidos
Na água também,
Que é túmulo e fonte de Ti,
- Ó Vida!
....


4- O depois...

Quando a Terra inteira foi a enterrar
Eu lá estava, transformado em poeira
De estrelas, olhando com meus irmãos
O Sol nuclear que se alevantou 
Tudo iluminou de luz glauca
Cegando quem olhava de longe

Quando todas as profecias se cumpriram
Restou uma nuvem de pó denso, tóxico
Na Terra outrora transbordante de vida
Agora, enorme rochedo, imensa esfera
No vazio circula incansavelmente
Em torno do Sol indiferente 
Mais estéril que a própria Morte

Dizem que o Universo
É feito de infinitos paralelos
Podem ter razão; mas cada um
Vai divergir do outro:
Se houver «outros eus»
Não serão «eu mesmo»
Se houver outros viventes
Não serão deste Mundo

Porque o aqui e agora
É o que me interessa
Neste oceano de vida
Eu nado e respiro
Como todas as outras
Vidas, assim percorro
O meu percurso.

5- Uma Simples Prece
 
Ó Vida: salva-te
E salva-nos
Da loucura
Dos humanos!




segunda-feira, 30 de outubro de 2023

O SOL [OBRAS DE MANUEL BANET]



 Ele não bate à  janela

Introduz-se no quarto, 

Sem cerimónias

Visitante não convidado

Não furtivo, pelo contrário,

O atrevido ilumina tudo

Com seus raios dourados

Muda cenários sombrios

E mesmo a melancolia

É sacudida pela luz irisada

Que suavemente escoa

Dos vidros reflexivos.

Ao Sol, a matéria sublima-se

Transmuta-se e explode

Em cores triunfantes

Anulando as sombras

E os pesadelos

Da minha mente.


sábado, 14 de outubro de 2023

REFÚGIO PRECISA-SE [OBRAS DE MANUEL BANET]

  

Perante a desrazão, a fúria destruidora

Tem de haver algo que contrarie a insanidade

Um antídoto contra a estupidez e crueldade

Um refúgio que acolha sem preconceito


Todas as almas doridas, seja qual for sua origem

Seja qual for seu pensamento, religioso ou não

Um abrigo que não questione a nação, a etnia

De cada pessoa que aí chegue e nele se recolha


Eu veria este lugar como um santuário de paz

Talvez situado em vários locais no Mundo

Não seriam somente físicos, tais refúgios

Mas locais de espiritualidade aberta


Apelo a quem tenha vocação verdadeira

Para ajudar na cura dos seus semelhantes

Não sei se já existem locais assim, mas sei

Que há urgência em construir estes refúgios



segunda-feira, 2 de outubro de 2023

AS PALAVRAS [OBRAS DE MANUEL BANET]




 A palavra ciciada ao ouvido do amor nascente

A palavra gutural num soluço de ódio demente 


A palavra altaneira, de vazio cheia como vento

A palavra medida, calculando pelo sustento 


A palavra jocosa, saída de lábio sorridente

A palavra erudita, que revela o ignorante


A palavra bolsada com raiva e desespero

A palavra mão estendida em franca amizade


A palavra cozinhada com subtil tempero

A palavra esquecida em provecta idade


As palavras são tão diversas como as gentes

Traiçoeiras ou puras, radiosas ou cinzentas


Quem só sabe palavras, de vida pouco sabe

Viver, não é lição escolar que se aprenda





quarta-feira, 20 de setembro de 2023

APONTAMENTOS SOBRE ARTE POÉTICA

Existem tantas formas de escrever poesia quantas as personalidades dos / das poetas que a escrevem.

A característica que considero fundamental, numa composição poética, é sua música. Música intrínseca, ou seja, o discurso moldado para produzir determinadas sonoridades e ritmos, com suas cadências e andamentos, tonalidades e  orquestrações. No fundo, esta foi e continua a ser a matéria-prima poética, o ingrediente principal da magia que nos envolve e surpreende. 

Os atributos acima citados, aplicam-se tanto a uma composição musical, como a uma composição poética. É costume classificar-se as duas em categorias diferentes, estão arrumadas em prateleiras separadas, uma das partituras,  outra dos livros de poesia. Mas, afinal, são o mesmo, somente utilizando notações diferentes.

As pessoas estão demasiado imersas numa norma estreita, racionalizadora. Uma prova dessa estreiteza, é pretender sempre encontrar «o sentido» num poema. Uma peça musical instrumental, salvo quando classificada como «música descritiva», não suscita um tal afã nos auditores, de encontrar «sentido». 

Outra maneira das pessoas passarem ao lado da essência duma obra de arte, seja ela musical, poética ou outra, é estarem interessadas, quase exclusivamente, nas circunstâncias em que o autor escreveu o poema /partitura, que significado essa composição teve na sua vida, etc. Tudo o que é exterior à obra propriamente dita, é esmiuçado como se fosse uma prova de erudição, de bom gosto, até!  

Mas, as pessoas passam e a obra fica... Não me refiro, apenas, às que criaram a obra, mas também às outras, contemporâneas, que a aplaudiram ou ignoraram.

Por vezes, está-se perante um «nado-morto», quando a obra é medíocre. Na nossa época, existe muita arte morta, a arte dita comercial, epítome do mau gosto, que se vende bem. E não me estou a referir a determinado estilo, corrente, ou moda. Mas, no que há de mais baixo em qualquer género de música ou de literatura. 

A facilidade em escrever e em obter visibilidade (sites na Internet, por ex.) para os escritos, acrescenta uma camada suplementar de ilusão: Porém, não muda em nada a essência do que é produzido, nem a qualidade intrínseca da obra, ou seu valor artístico e literário. 

Esta multiplicação do «lixo» obriga a usar critérios muito mais exigentes. A cacofonia impede que se oiça a boa música, a boa poesia, a boa prosa. 

A verbalização imatura, despudorada, dos sentimentos é uma pornografia. Distingue-se a pornografia de arte erótica, pelo facto daquela apelar somente ao instinto sexual, sem veicular qualquer forma de beleza.

A destruição das formas de arte, muito em particular da música e da poesia, tem sido levada a cabo pela multiplicação da mediocridade. A produção industrial do que vem intitulado como «música» ou «literatura», torna mais difícil a abordagem da arte e obriga a um elitismo, mesmo quando se defende posições antielitistas, na sociedade em geral. 

Vive-se numa época em que muitos perderam as referências do passado e, portanto, deixou de haver possibilidade -para a imensa maioria - de construir um gosto pessoal, usando critérios estéticos próprios. 

Atualmente, não existe um «cânon» nas artes, «vale tudo». Não seria necessário, no entanto, (re)instituir um cânon. Supondo que tal fosse possível, nem acharia desejável. O conhecimento das diversas escolas estéticas deveria fazer parte da formação, desde a infância. A educação do público seria o meio mais importante - a meu ver - de restaurar a qualidade nos domínios artísticos; infelizmente, vai-se no sentido exatamente oposto.


sábado, 16 de setembro de 2023

CÉUS DE OUTONO [OBRAS DE MANUEL BANET]

 


Quando o frio e as primeiras chuvas

Esvaziam os locais de veraneio

Quando os matizes de cinzento 

Se desfraldam nos céus

É nessa ocasião que passeio

A minha melancolia

Contando as gaivotas

Que na praia se aquecem





Os céus sempre mutáveis

Exibem o portentoso fresco

Que nenhuma mão humana

Pode representar com pincéis

E cores numa imensa tela





Quando o Sol se põe

Iluminam-se breves os flocos

D' algodão das nuvens,

Espetáculo grandiloquente

Onde os azuis e os roxos,

Os rosa e os laranja 

Se casam em apoteose

Serena e lânguida 





Em breve, o pano de veludo 

polvilhado de luzes

 Recobre o oceano e as falésias

Cenário dum novo drama

E a noite entra em cena

sexta-feira, 15 de setembro de 2023

REPÚBLICA DOS POETAS Nº8: SEBASTIÃO DA GAMA

Sua originalidade faz dele, a meu ver, o poeta eternamente jovem, eternamente atual. É um fervoroso católico, mas sua religião é (também) a do amor à sua esposa e à sua terra, Arrábida. 

É o que mais transparece da leitura da sua obra poética, que - em grande parte - foi publicada postumamente. 

Assinale-se o facto de também ter sido um apaixonado professor de Português; os seus escritos pedagógicos têm valor  próprio, são reflexões do transmissor da paixão pela literatura e pela poesia, às jovens gerações.  

Morreu cedo (Vila Nogueira de Azeitão10 de abril de 1924 — Lisboa7 de fevereiro de 1952)de tuberculose. Porém, para sempre, o poeta vive nas palavras vibrantes e radiosas de vida nos seus poemas. E sua palavra soa através das paisagens maravilhosas da Serra da Arrábida, que ele soube amar e dar a conhecer.

Ver:  SEBASTIÃO DA GAMA, O POETA DA ARRÁBIDA: documentário da RTP






SERRA-MÃE

O agoiro do bufo, nos penhascos,...
foi o sinal da Paz.
O Silêncio baixou do Céu,
mesclou as cores todas o negrume,
o folhado calou o seu perfume,
e a Serra adormeceu.

Depois, apenas uma linha escura
e a nódoa branca de uma fonte antiga :
a fazer-me sedento, de a ouvir,
a água, num murmúrio de cantiga,
ajuda a Serra a dormir.

O murmúrio é a alma de um Poeta que se finou
e anda agora à procura, pela Serra,
da verdade dos sonhos que na Terra,
nunca alcançou.

E outros murmúrios de água escuto, mais além :
os Poetas embalam sua Mãe,
que um dia os embalou .

Na noite calma,
a poesia da Serra adormecida
vem recolher-se em mim.
E o combate magnífico da Cor,
que eu vi de dia :
e o casamento do cheiro a maresia
com o perfume agreste do alecrim ;
e os gritos mudos das rochas sequiosas que o Sol castiga
--passam a dar-se em mim .

E todo eu me alevanto e todo eu ardo.
Chego a julgar a Arrábida por Mãe,
quando não serei mais que seu bastardo.

A minha alma sente-se beijada
pela poalha da hora do Sol-pôr ;
sente-se a vida das seivas e a alegria
que faz cantar as aves na quebrada ;
e a solidão augusta que me fala
pela mata cerrada,
aonde o ar no peito se me cala,
descem da Serra e concentrou-se em mim.

E eu pressinto que a Noite, nesse instante,
se vai ajoelhar ...

.....................................................................

Ai não te cales , água murmurante !
Ai não te cales , voz do Poeta errante !

-- se não a Serra pode despertar .

                                                 ....#.....



Pelo sonho é que vamos


Pelo sonho é que vamos,
comovidos e mudos.

Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
pelo sonho é que vamos.

Basta a fé no que temos.
Basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
com a mesma alegria,
ao que desconhecemos
e ao que é do dia a dia.

Chegamos? Não chegamos?
– Partimos. Vamos. Somos.

 

quinta-feira, 7 de setembro de 2023

O FACTO [Obra de Maximiano Gonçalves]


Eu falo aqui do Facto.

O Facto fala por si mesmo,

Nenhum artifício de palavra o desmente,

Nenhuma autoridade o esconde ou ofende.

Vem da Natureza,

E eu, ser vivo consciente,

De um local que ouço chamar Terra,

Fico feliz de o perceber,

O Facto integrador da Realidade que me rodeia

E do movente Cosmos que o Homem pensa

E lentamente vai encontrando,

Percebendo que dele veio.

Também sei do Facto que é acto inicial

Do homem que inventa do tronco o pau,

O instrumento que o prolonga

E por ele vai matar e construir.


O Facto, já se escreveu,

Fala por si mesmo e é teimoso.

O Facto sempre me pergunta

Se sei da sua origem

E das suas razões de ser.

Por existir, não pergunta se é necessário.

Mas, depois de aparecido,

Interpela-me se sei da sua razão


E quer que dele se saiba.

Do Facto se ergue a Ciência

E se imagina a Arte.

O Facto não esteve à espera,

Simplesmente apareceu

Na devida altura de aparecer,

O Facto quer que o pensem

E por ele avancemos.

Não é por o desconheceres

Que se cala ou desvanece.

Olha bem o Facto,

Ele indica o que aí vem.

O Facto traz consigo as suas razões

E se te parece que as guarda

É por te querer interrogador,

Trabalhador da verdade, buscador.

Pergunta-lhe por elas,

O Facto pede a tua inquietude

Até chegares ao acontecimento

E lhe entenderes a virtude.

O Facto é indestrutível,

Complexo mas compreensível,

O Facto explica a Vida,

A da Terra que ainda aprendemos

E dos Mundos que começamos a ver

E, sem os ver, calculamos,

No Espaço cujo fim nem sabemos.


Disseram de ti, Facto

(e do Número, que é Facto, também)

Que és teimoso.

Sei porquê e todos

- e são tantos - os mais sábios que eu:

Mas, sendo literariamente interessante

Dizer que és teimoso o certo é dizer

Que queres encontrar a Verdade

E, assim, és invencível e determinante.


O Facto desfaz a falsidade.

E ao encontrar-te, Facto,

Ensina-me as tuas razões

Para chegar à Paz.


Maximiano Gonçalves

quarta-feira, 6 de setembro de 2023

BAUDELAIRE POR LÉO FERRÉ

 

                                              

ALBUM COMPLETO, AQUI.


Causerie

Vous êtes un beau ciel d'automne, clair et rose!
Mais la tristesse en moi monte comme la mer,
Et laisse, en refluant, sur ma lèvre morose
Le souvenir cuisant de son limon amer.

— Ta main se glisse en vain sur mon sein qui se pâme;
Ce qu'elle cherche, amie, est un lieu saccagé
Par la griffe et la dent féroce de la femme.
Ne cherchez plus mon coeur; les bêtes l'ont mangé.

Mon coeur est un palais flétri par la cohue;
On s'y soûle, on s'y tue, on s'y prend aux cheveux!
— Un parfum nage autour de votre gorge nue!...

Ô Beauté, dur fléau des âmes, tu le veux!
Avec tes yeux de feu, brillants comme des fêtes,
Calcine ces lambeaux qu'ont épargnés les bêtes!


Conversa

Sois um belo céu de Outono, claro e róseo!
Mas a tristeza invade-me como a maré,
E deixa, ao refluir, no meu lábio dormente
A lembrança ardente do limo amargo.

— Tua mão deslisa em vão sobre meu seio tenso;
O que procuras, amiga, é um local arruinado
Pelas garras e dentes ferozes da mulher.
Não  procures 
mais o coração; as feras o devoraram.

Meu coração é um palácio invadido pela turba;
Ela se embebeda, se mata e se agarra pelos cabelos!
— Um perfume flutua em torno de vosso seio nu!...

Ó Beleza, duro flagelo das almas, tu o exiges!
Com teus olhos de fogo, luzindo como festas,
Calcina estes farrapos que sobraram das feras!

(tradução de Manuel Banet)




segunda-feira, 28 de agosto de 2023

VIAGEM CÓSMICA [OBRAS DE MANUEL BANET]

 



Nosso rio da Lua serpenteia por um céu de estrelas

Não existe limite no firmamento só escuridão vibrante 

Em nossos corações pequeninos estão encerrados universos

Pelo caminho de prata vogamos em silêncio

Recolhidos perante o mar cintilante aos nossos pés

Afinal somos estrelas, não somos só daqui

Viajamos em espaços vibrantes e sensuais

O vazio não existe, a nossa vida é eterna

Posso morrer, num certo sentido, mas estarei

Em constelações e galáxias, num espaço-tempo

Insuspeitado. Olho o céu estrelado

Na noite, respiro o perfume

Das fragrâncias oceânicas 

Num silêncio só entrecortado 

Pelo murmúrio das vagas

Eternidade do momento que me possui

Sinto-me unido a Ti 

Tranquilo como criança por nascer

No ventre de sua Mãe





segunda-feira, 21 de agosto de 2023

TOM JOBIM/ VINÍCIUS DE MORAES : INSENSATEZ

Nesta atuação ao vivo, Tom Jobim e seus músicos dão-nos a essência do poema de Vinícius de Moraes, através de sua criação musical ímpar.
«Quem nunca amou, não merece ser amado...»




Ah, insensatez, o que você fez?Coração mais sem cuidadoFez chorar de dor o seu amorUm amor tão delicado
Ah, por que você foi fraco assim?Assim, tão desalmado?Ah, meu coração, quem nunca amouNão merece ser amado
Vai, meu coração, ouve a razãoUsa só sinceridadeQuem semeia vento, diz a razãoColhe sempre tempestade
Vai, meu coraçãoPede perdão, perdão apaixonadoVai, porque quem não pede perdãoNão é nunca perdoado

Compositores: Marcus Vinícius Da Cruz De Mello Moraes / António Carlos Brasileiro De Almeida Jobim

segunda-feira, 14 de agosto de 2023

REPÚBLICA DOS POETAS nº 7: LUIZ VAZ DE CAMÕES

Podem celebrar o poeta como o genial autor dos Lusíadas, tanto quanto quiserem! 
Eu, pessoalmente não me sinto - nunca me senti - impressionado pela versificação épica! 
Além do mais, não consigo olvidar que para se fazer o exame do 7ª ano dos liceus, tinha-se de saber dividir as orações dos Lusíadas. Era assim nesse tempo, «matam-se dois coelhos de uma cajadada» (pensavam eles): «Ficam a saber fazer análise gramatical e aprendem os Lusíadas».  Na realidade, nem uma coisa, nem outra: Muitos de nós, até os com maior inclinação literária, perante este exercício estúpido e mecânico criavam uma aversão tal, que «contagiava» os Lusíadas!
Felizmente, tinha em casa a recolha integral das Líricas, editadas e prefaciadas pelo Prof. Hernâni Cidade. Foi esse Camões que, desde muito cedo aprendi a apreciar: A beleza do soneto e da redondilha, a subtileza e o engenho dos poemas de amor. 
Noutro tomo da mesma obra estava reunida a dramaturgia, peças de teatro quase completamente esquecidas, hoje. Porém, têm real valor com aquela truculência cómica na linha direta de Gil Vicente.
Tudo isto são impressões pessoais, mas não esperem de mim outra coisa, pois a poesia e os poetas têm sido os meus companheiros. Suas palavras mágicas habitam na minha mente: Isto significa que, às vezes, lembro-me dum verso, ou duma estrofe, a propósito ou despropósito.  
Deixo-vos com Mário Viegas e com Amália Rodrigues, para vos fazer apreciar a música encerrada nos versos camonianos.

«Erros Meus» dito por Mário Viegas


 Erros meus, má fortuna, amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a fortuna sobejaram,
Que pera mim bastava amor somente.

Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas que passaram,
Que as magoadas iras me ensinaram
A não querer já nunca ser contente.

Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa [a] que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.

De amor não vi senão breves enganos.
Oh! quem tanto pudesse, que fartasse
Este meu duro Génio de vinganças!

e «Erros Meus...» cantado por Amália Rodrigues (música de Alain Oulman)



«Com Que Voz» cantado por Amália Rodrigues (música de Alain Oulman)

Com que voz chorarei meu triste fado
Que em tão dura paixão me sepultou
Que mor não seja a dor que me deixou o tempo
Que me deixou o tempo de meu bem desenganado
De meu bem desenganado

Mas chorar não se estima neste estado
Aonde suspirar nunca aproveitou
Triste quero viver, pois se mudou em tristeza
Pois se mudou em tristeza a alegria do passado
A alegria do passado

De tanto mal, a causa é amor puro
Devido a quem de mim tenho ausente
Por quem a vida e bens dele aventuro
Por quem a vida e bens dele aventuro

Com que voz chorarei meu triste fado
Que em tão dura paixão me sepultou
Que mor não seja a dor que me deixou o tempo
Que me deixou o tempo de meu bem desenganado
De meu bem desenganado, desenganado



sexta-feira, 11 de agosto de 2023

REPÚBLICA DOS POETAS nº6: VINÍCIUS DE MORAES & O TROPICALISMO








Deixa
Fale quem quiser falar, meu bem
Deixa
Deixe o coração falar também
Porque ele tem razão demais quando se queixa
Então a gente deixa, deixa , deixa, deixa
Ninguém vive mais do que uma vez
Deixa
Diz que sim prá não dizer talvez
Deixa
A paixão também existe
Deixa
Não me deixes ficar triste

Porque ele tem razão demais quando se queixa
Então a gente deixa, deixa , deixa, deixa
Ninguém vive mais do que uma vez
Deixa
Diz que sim prá não dizer talvez
Mas ve se deixa

A paixão também existe
Deixa
Não me deixes ficar triste (bis)

Composição: Baden Powell.




  • TEMPO DE AMOR (SAMBA DO VELOSO)

    Vinicius de Moraes, Baden Powell

    Ah, bem melhor seria
    Poder viver em paz 
    Sem ter que sofrer 
    Sem ter que chorar 
    Sem ter que querer 
    Sem ter que se dar 

    Mas tem que sofrer 
    Mas tem que chorar 
    Mas tem que querer 
    Pra poder amar 

    Ah, mundo enganador 
    Ah, não quer mais dizer amor 
    Ah, não existe coisa mais triste que ter paz 
    E se arrepender, e se conformar 
    E se proteger de um amor a mais 

    O tempo de amor 
    É tempo de dor 
    O tempo de paz 
    Não faz nem desfaz 

    Ah, que não seja meu 
    O mundo onde o amor morreu
Vinícius, o poeta do tropicalismo, da miscigenação, da fusão entre culturas europeia, africana e índia. O Brasil de hoje nasceu dessas três fontes principais. A poesia de Vinícius e as composições de Baden Powell, Toquinho e de muitos outros, estão impregnadas de toda a paixão que um coração lusitano, transposto para os trópicos, poderá exprimir. 
É portanto muito natural que Vinícius seja celebrado aqui também, no extremo ocidental da Europa, como um grande poeta, como aquele que exprimiu os sentimentos de muita juventude através de frases lindas, simples e profundas, como só ele conseguia inventar. Mas, ainda por cima, a música intrínseca dos seus poemas é potenciada pela intervenção de músicos, compositores e interpretes, da maior qualidade (a lista seria demasiado longa, peço às pessoas interessadas para consultar a bibliografia e discografia relevantes).


Alguns apontamentos de poesia e música de Vinícius, que tenho recolhido aqui, neste blog: