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Gráfico: Poder de compra do ouro na eurozona
Não existe ainda uma consciência na generalidade das pessoas, sobre o modo como o Estado obtém o financiamento para as despesas que faz. Teoricamente, ele funcionaria com o dinheiro dos impostos. Mas, é fácil constatar que ele gasta muito mais do que recebe e, ainda por cima, tem despesa que não está inscrita no Orçamento de Estado.
Como é que os Estados se mantêm, muitas vezes com défices orçamentais que se avolumam de ano para ano?
Existem vários mecanismos que levam a um aumento da receita de imposto, sem que isso se torne muito óbvio para a generalidade das pessoas. Assim, se houver um aumento geral dos preços, todos os produtos que têm o imposto de valor acrescentado (IVA) aumentam na mesma proporção. Dirão: mas o valor maior cobrado vai cobrir as maiores despesas do Estado, portanto em termos líquidos, não é propriamente um aumento.
- Certo, só que as despesas do Estado são, numa grande fatia, despesas fixas ou que pouco aumentam: Estou a referir-me a despesa com ordenados dos funcionários e agentes do Estado, assim como as pensões de reforma e invalidez. Estas despesas deveriam aumentar na devida proporção do aumento do custo de vida, mas tal não acontece nunca. Um funcionário público, ou um pensionista do Estado, terão mais alguns euros no seu ordenado ou pensão, mas de forma nenhuma tais aumentos atingem o valor que corresponderia à inflação.
Além do mais, o índice de inflação não é objetivamente avaliado. Desta forma, o Estado não tem de desembolsar tanto como seria o caso, se a inflação fosse avaliada corretamente. Se o verdadeiro índice de inflação for de 12 % ao ano, o «cozinhado» que fazem com as estatísticas poderá dar um índice (falso) de 8%. Nestas circunstâncias, não apenas o Estado desembolsa menos 4% com ordenados e pensões, como vai buscar mais na receita do IVA.
Em geral, o Estado, sobretudo quando estiver em défice, cobre as despesas emitindo obrigações do Tesouro, títulos de dívida que vencem a prazos de 2, 5 ou 10 anos, por exemplo. Nesse intervalo, o Estado vai dar um juro fixo. Se nesse intervalo de tempo houver uma inflação maior do que a taxa de juro fixo, o Estado vai pagar menos (em valor real) pelo empréstimo feito: nominalmente é a mesma coisa mas, tanto o principal da obrigação, como o juro a ela associado, terão menor valor real (menos capacidade aquisitiva).
Os Estados do Euro, têm sido «premiados» com a compra automática das obrigações que colocam no mercado e que não encontraram comprador, pois o BCE (Banco Central Europeu) comprometeu-se a comprar todos os títulos do Tesouro dos Estados aderentes ao Euro. Então, os juros foram baixando para estas obrigações, até ao ponto em que Estados muito débeis, em termos financeiros, como Portugal, tinham um juro associado a sua dívida semelhante, ou mesmo inferior, a Estados com melhor situação económica e financeira. Assim, Portugal estava obrigado a pagar juros da dívida no valor (por hipótese) de 3% em média durante um longo período, mas semelhante juro era o de obrigações estatais de países com muito melhor situação global. Era como se os compradores da dívida portuguesa aceitassem adquiri-la, embora o valor real das obrigações fosse muito menor.
Com efeito, o valor de uma obrigação é tanto maior quanto mais baixo for o seu juro. Isto reflete o cálculo do mercado sobre os riscos que correm os compradores de - ao fim do tempo definido - não receberem pagamento do principal (situação de bancarrota do Estado), ou de haver interrupção temporária no pagamento dos juros, ou outro tipo de incumprimento. Nestas circunstâncias, o apoio sistemático do BCE através da compra de obrigações dos Estados mais débeis, reflete-se a vários níveis: Estes empréstimos têm comprador garantido, com juro mais baixo e com menor despesa nos orçamentos públicos desses Estados (Os juros da dívida pública são obrigatoriamente inscritos no orçamento de Estado).
Os ordenados e pensões são sistematicamente depreciados: o seu «ajuste» é feito tardiamente, num intervalo que pode ser dum ano; é baseado num índice oficial de inflação fictício; nalguns casos, provoca o aumento no imposto (IRS), por mudança de escalão, o que anula o pequeno aumento recebido.
Os grandes capitalistas também aproveitam a inflação em seu favor. Não apenas nos ordenados que têm de pagar; mesmo aumentando-os, estes terão menos valor, em termos relativos. Eles «antecipam» as subidas de preços, colocando a mesma mercadoria, cuja compra foi ao «preço antigo», com preço inflacionado ou aumentando a margem de lucro porque decidem vender a um preço muito maior que a inflação, que eles próprios sofreram no processo de fabrico.
Em Portugal, o Estado não tem verdadeiros motivos para se preocupar muito com a subida dos preços, até certo ponto. O ponto crítico é a capacidade da população em suportar uma forte descida do seu nível de vida. Esta descida pode significar a caída na pobreza extrema, para alguns, e o empobrecimento relativo para a imensa maioria. Penso que a generalidade das pessoas estaria de acordo que, em Portugal, o bem-estar económico tem diminuído para a grande maioria, desde há alguns anos, sobretudo desde há cerca de ano e meio, com o agravamento da inflação.
Há perdas acentuadas nos pequenos comércios e nos serviços, que são as empresas mais criticamente dependentes da retração brusca da clientela. Muitos têm de abrir falência, outros têm de reduzir pessoal para fazer face ao novo contexto. Esta concentração favorece os grandes grupos, por exemplo os hipermercados, ao eliminar a concorrência do pequeno comércio de bairro.
Por fim, a injustiça desta taxa, ou imposto oculto, ressalta se verificarmos que as pessoas pobres, ou com rendimentos médios-baixos, têm como principal despesa a alimentação (e outras necessidades quotidianas): A inflação é sempre mais acentuada neste item. Ora, os ricos têm, proporcionalmente às despesas, muito menos impacto, com o aumento dos preços da alimentação: A alimentação pode representar uns 60% do rendimento, numa família pobre e somente 20% numa família rica.
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Na Europa, o ECB imprimiu e emprestou a juro zero aos bancos da zona euro, dinheiro que serviu para eles consolidarem os seus balanços desastrosos, onde certos bancos - não dos menores, como por exemplo Santander - têm uma enorme carga de dívida não paga, de cobrança difícil ou impossível.
O dinheiro deveria ser visto como um meio de troca de uns valores por outros, mas não como um valor em si. A impressão monetária tem um efeito depressor na economia, contrariamente ao que a escola Neo-keynesiana pretende. Com efeito, a inundação de dinheiro, não correspondente a acréscimo de bens e serviços só pode ter como resultado o aumento da inflação. Esta pode exprimir-se no domínio das bolhas especulativas, bolsas de valores e imobiliário, principalmente; ou poderá exprimir-se pelo aumento dos preços ao consumidor. Esta segunda modalidade já começou a manifestar-se nos bens alimentares, os que afectam mais a população pobre. Ela terá uma aceleração brusca, a partir do momento em que as pessoas percebam que a causa da inflação reside no dinheiro ser demasiado abundante, não nos preços ao consumidor dos produtos (estes são uma consequência).
Na primeira parte da entrevista de Claudio Grass a Rafi Farber, um economista da Escola Austríaca, o entrevistador colocava a pergunta seguinte (ver abaixo), à qual RF respondeu de maneira brilhante e original. Traduzi aquela resposta, sugerindo aos leitores deste blog que leiam também a entrevista na íntegra. Tem passagens de grande profundidade e inteligência.
CG: Logo desde o começo da crise do COVID, vimos os bancos centrais e governos tomarem passos inéditos, com medidas fiscais e monetárias extremas. Porém, quando temos em conta a escala de destruição económica, pode ser um desafio determinar-se que força irá prevalecer, por isso se assiste a um vivo debate «inflação vs deflação». Como é que se posiciona neste debate?
RF: Eis uma questão fascinante. Deixe-me responder sinteticamente e depois explicar. Inflação/deflação é uma falsa dicotomia. Inflação é deflação. São a mesma coisa. Dirá, isso é sem-sentido! Como é isso possível? Vou explicá-lo de forma simples.
A produção real mergulhou em todo o Mundo, enquanto a abundância de divisas «fiat» (não sustentadas por valor tangível) cresce numa parábola. Como é que alguém poderá dizer que isto não é inflacionário, quando aquilo que todos os bancos centrais estão fazendo é literalmente inflacionar? A resposta é que, no momento em que as dívidas têm de ser pagas, mas os fluxos de pagamento param, o serviço da dívida não pode ser satisfeito e portanto tem de ser obtido «cash» (dinheiro líquido) por qualquer meio possível para pagamento, ou as obrigações entrariam em incumprimento e o sistema bancário, todo ele cheio de dívida tóxica até ao pescoço, entra em colapso. Eles estão cheios até às goelas com este veneno.
No afã de obter «cash» por quaisquer meios, a procura de dinheiro sobe precipitadamente; inversamente, a procura de bens e serviços vai cair nesta emergência, temporariamente puxando o nível dos preços para baixo. Isto é visto como deflação. Acontece que o único propósito de um banco central, a própria razão de sua existência, é manter todo o esquema da dívida a funcionar, de ser o «emprestador de último recurso» e portanto eles não podem deixar que isto aconteça, nunca. Então, em vez de deixar que tudo acabe por deflacionar numa implosão espectacular, em vez de deixar que toda a dívida tóxica seja reduzida ao seu valor intrínseco, que é zero, os bancos centrais simplesmente compram todo o lixo («junk») e entregam «cash», que produzem a partir de nada. Agora, toda a gente está em dívida para com eles, porque eles compraram todas as dívidas com nada.
Num certo momento, muito em breve, os detentores internacionais de dólares vão tomar consciência do que está a acontecer e irão desfazer-se dos dólares e comprar algo tangível, para fazerem face ao que se está a passar. A China já está a fazê-lo com matérias primas agrícolas como trigo e soja. O mesmo se passa com o Egipto e Jordânia, por sinal. Os preços dos bilhetes de avião podem estar em queda, mas apenas porque é impossível voar para qualquer lado sem quarentenas. No entanto, o preço da comida está a subir em todo o lado, e depressa. Uma vez que o dólar seja trocado internacionalmente por bens tangíveis - e isto pode tornar-se muito sério, assim que o novo resgate de multi-triliões de dólares for aprovado – o efeito nos preços ao consumidor nos EUA vai ser drástico e assustador: nesse momento, veremos rapidamente uma hiper inflação nos preços ao consumidor.
Mas se pensarmos um pouco mais profundamente, o que é realmente a hiper-inflação? É a destruição de toda a dívida, expressa em dinheiro-fiat, de todos os activos em papel, em benefício dos activos tangíveis. A híper inflação é uma completa e manifesta deflação, em termos do ouro e da prata. Em termos de dinheiro real (ouro e prata) os preços literalmente tombam. É verdade que, quem não tem dinheiro real, ouro e prata, ficará desesperadamente pobre, o que é horrível. No entanto, os que têm ouro e prata ficam, de repente, com todo o poder de compra. Na Alemanha de Weimar, em 1923, podia-se comprar uma bela casa no centro de Berlim, apenas com quatro onças de ouro. Só isso. A hiper inflação é apenas hiper deflação, com outro nome. Tudo converge para o mesmo objectivo - o fim da bolha de dinheiro-fiat, que permitiu este crime contra a civilização humana, que está a atingir o pico em mais do que uma maneira.
Ou a bolha deflaciona, ou hiper- inflaciona e explode. Em ambos os casos, o resultado final é o mesmo.
Murray Rothbard descreve a hiper- inflação no livro « Man Economy and State », não como uma tragédia que deva ser evitada, mas como uma última defesa do povo contra a impressão sistemática de divisas e o correlativo roubo. É apenas uma tragédia, se não se está preparado para isso. Estamos agora no 50º aniversário da monstruosa bolha, que começou em 1971 e que procura desesperadamente deflacionar. E irá fazê-lo. Se a FED não deixar que a dívida tóxica, com juros negativos deflacione completamente e morra, e se deixar que os bancos criminosos sobrevivam, o povo - espontaneamente - irá destruir a bolha por ele próprio, atacando o próprio dólar. A inflação é deflação, em termos de dinheiro real. É a mesma coisa; é para lá que caminhamos.
Uma lição clara e concisa!
Peter Schiff é o CEO duma empresa de investimento «Euro Pacific Capital». Ele começa pela análise da subida muito enérgica do ouro. Ele recua no tempo até à decisão de Nixon de 1971, de retirar o dólar da indexação ao ouro (35 USD /onça de ouro) fazendo com que o sistema de Bretton Woods ficasse sem base. Antes da decisão de Nixon, era possível trocar (ao nível dos bancos centrais) os dólares - que estes detivessem em excesso nas suas reservas - por ouro àquela taxa.
A inflação que ocorreu nos anos 70 e até Paul Volker (o presidente da FED durante a presidência de Ronald Reagan) nos início dos anos 80, fez com que o ouro subisse de 35 dólares a mais de 800 dólares a onça, em menos de uma década.
Seguiu-se um período em que a inflação foi severamente reprimida, com imenso custo social. Neste período, o ouro iniciou uma longa fase de descida que atingiu seu mínimo por volta do ano 2000. Após esta fase, a subida do ouro - muito lenta, primeiro e rápida depois - culminou com a cotação de cerca de 1900 dólares / onça (em 2011).
No entanto, os bancos centrais ocidentais, em conjunção com os grandes bancos que negoceiam no mercado do ouro, têm-se coligado para suprimir a subida do ouro, pois iria mostrar a rapidez da desvalorização das divisas, a começar pelo dólar, a divisa de reserva desde Bretton Woods (1944).
Mas, eles não têm escolha, senão deixar o ouro subir substancialmente, mas ainda assim, muito abaixo do valor que corresponderia à relação ouro /divisas.
Com efeito, o ouro total teoricamente disponível nos cofres dos bancos centrais, dos bancos comerciais, de particulares, etc., se correspondesse ao total de divisas «fiat» em circulação, ao nível mundial, segundo os cálculos de especialistas, teria um preço de cerca de 10 mil a 20 mil dólares por onça. É preciso notar que o poder aquisitivo das divisas (a começar pelo dólar) tem diminuído exponencialmente, sendo de cerca de 2-3% DO PODER AQUISITIVO, na primeira ou na segunda década do século XX.
A inflação é uma coisa má; Peter Schiff explica porquê. Ele recorda que Warren Buffett está consciente que esse imposto escondido - que é a inflação - vai afectar os seus investimentos, razão pela qual decidiu vender acções de empresas tecnológicas e investir substancialmente nas melhores empresas mineiras de ouro.
Ele explica porque razão o mundo está a ficar inundado em «dinheiro falso», ou seja, o aumento desproporcionado da massa monetária em relação à economia produtiva. O efeito é, necessariamente, uma espiral da inflação. Não admira, portanto, que o ouro tenha ultrapassado recentemente a cotação máxima de 1900 dólares/onça, atingindo cotações que se aproximam de 2000 dólares /onça.
Defende que o ouro voltará - num certo momento - a ser o garante do valor das diversas divisas. Diz que está a verificar-se o início dessa viragem, o que se pode observar pelo sentimento cada vez mais favorável em relação ao ouro. Nos últimos dois anos, verificou-se uma procura - cada vez maior- deste metal precioso, nos mercados. O ouro é um garante contra a perda de valor dos activos, num contexto de aumento da inflação. Esta, deve-se à impressão monetária dos bancos centrais. Todos os analistas dos mercados estão seguros de que ela vai acelerar. Com efeito, Jerome Powell, o presidente da FED, prometeu de que irá permitir que a inflação suba, para além do objectivo (anterior) de 2%.
NB: O vídeo de Lynette Zang é um bom complemento para aprofundar este tema.