quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

NÃO É SÓ A ECONOMIA, ESTÚPIDO!

Os portugueses e os europeus em geral estão sendo propositadamente mantidos no escuro no que toca à gravidade da crise do Euro e da economia. 
Com o provável rebentamento de uma crise muito pior que a de 2008, já no horizonte próximo de 2017, a maior parte das pessoas vão ficar completamente arrasadas, com uma parte muito substancial das suas poupanças destruídas, ou o poder de compra de seus salários ou pensões grandemente reduzido.
Um fator que torna a situação mais confusa é a total rendição de uma parte da esquerda, incluindo a que se gosta de afirmar como «anticapitalista» a teses neokeynesianas, as quais decretam que, em situações de recessão, a produção de grandes quantidades de dinheiro (QE = «quantative easing») vai estimular a economia e criar o efeito de inflação benéfico para os mercados. 
Estas afirmações são absurdas em si mesmas: a verdadeira estimulação da economia tem de ser feita propiciando a construção de infraestruturas e de estímulos ao consumo, como defendeu Keynes aliás, não com a deliberada destruição do valor do dinheiro como pretendem os neokeynesianos. 
A diluição do valor do dinheiro e a tentativa de fazer disparar a inflação não apenas são ineficazes enquanto «estímulo» da economia, têm exatamente o efeito oposto. Isto é simples de ver, pois a diluição do valor do dinheiro, conjugada com a impossibilidade de manter rendimento significativo com as formas tradicionais de aforro, inevitavelmente vai trazer um aumento do capital mal aplicado, seja em ações ou obrigações, ativos financeiros muito hipervalorizados: quando ocorre uma correção (o que acaba sempre por acontecer) há uma perda brutal de capital para os investidores individuais, mas também para os investidores institucionais, tais como fundos de pensões. 
Isto significa que a insistência no «QE» por parte do banco central europeu (BCE) faz exatamente o contrário do que pretende remediar. Agrava a carência de capital, desvia somas colossais para a especulação e acaba por estimular - não a economia - mas a destruição de capital, subsequente de decisões de investimento equivocadas ou aventureiras.
O conjunto das pessoas parece ignorar que estão a segurar na sua mão algo que - de dia para dia - perde valor. Quando o valor de uma moeda é diluído, por aumento constante das unidades dessa moeda em circulação sem uma destruição equivalente como contrapartida, isso vai inevitavelmente diminuir o poder de compra da mesma, chama-se inflação monetária. 
Esta inflação monetária vai transformar-se em qualquer momento em inflação nos preços, pois não existe nenhum mecanismo que possa prevenir que – num momento ou noutro – os detentores de grandes quantidades dessa moeda decidam coloca-la na economia «real», adquirindo bens, etc. A quantidade de capital mantido em espera de investimento pelos grandes bancos, não trouxe ainda um efeito na economia real, pois eles não arriscam empresta-lo para atividades económicas, preferem guardá-lo nas suas próprias contas do BCE, auferindo um juro muito baixo, mas sem risco e assim também retendo a sua solvabilidade e compensando para eventuais perdas nos setores mais especulativos, como seja o mercado de derivados onde estão todos mergulhados até ao pescoço. 
Como as operações com derivativos não estão sujeitas às regras de contabilidade bancárias das outras operações, não se pode – de facto – saber ao certo quantas «apostas» nos mercados de derivados tal ou tal banco ou outra entidade fez. Pode-se apenas fazer uma estimativa. 
Todo este processo parece um enorme ciclo de Ponzi, onde as «garantias» de solvabilidade dos bancos são «garantidas» por papel-moeda que está cada vez mais diluído. 
Os detentores de poupanças e os detentores de dívida (pública ou privada) são os grandes castigados, pois detêm algo que se vai desvalorizando mais e mais. 
Os sistemas públicos de pensões são largamente utilizadores de veículos financeiros que estão constantemente a perder rendibilidade; não há dúvida que isso corresponde a parte do problema da «sustentabilidade» do sistema de pensões, parte esta que poucas vezes se vê descrita; é um agravamento substancial ao problema demográfico, mas que é passado sob silêncio.
A crise do euro mantém-se desde há mais de seis anos, pelo menos (apareceu em toda a sua extensão com a crise grega), e não vai ser «curada» por nenhuma medida das que o BCE ou os governos têm estado a seguir. 
Infelizmente, serão os pobres a sofrer as consequências de uma aceleração da inflação. Desejar um aumento da inflação para 2% e pensar que se pode manter esse número «mágico» é como desejar que as pessoas percam «só um pouco» confiança na moeda, mas sabemos que uma perda parcial de confiança pode ampliar-se até uma rejeição total da moeda ou uma destruição total da confiança, como na hiperinflação em curso na Venezuela ou nos exemplos históricos. 
Não existe nenhum caso de inflação deliberada e controlada a contrapor aos múltiplos exemplos de inflação fora de controlo, quando as autoridades monetárias e governamentais se põem a «brincar» com a moeda! É uma história que - desde os romanos do final do império, até à Alemanha de 1923, ao Zimbabué, etc. - acaba sempre mal!
Os banqueiros centrais estão a brincar com o fogo, sabem-no, mas não se importam, porque assim mantêm a falsa coesão de um sistema, o sistema da moeda única, que foi mal concebido e pior implementado. 
A análise da crise do Euro e da eurolândia por «opinadores» que escrevem nos jornais e em blogues, incorre muitas vezes no erro de tomar por válidos os mitos das teorias económicas em voga, neokeynesianas e outras, o que mostra até que ponto estão – de facto – dentro do paradigma neoliberal. 
A consequência, é que o público, em vez de alertado para os problemas reais, está na ilusão de falsas panaceias, caminhando de olhos fechados para o colapso.
Chego à conclusão de que, aquando da avalanche e colapso do sistema financeiro, praticamente ninguém estará preparado. A opinião pública foi intencionalmente distraída das questões e dos factos.
A quem aproveita o crime?


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