A IIIª Guerra Mundial tem sido, desde o início, guerra híbrida e assimétrica, com componentes económicas, de subversão, desestabilização e lavagens ao cérebro, além das operações propriamente militares. Este cenário era bem visível, desde a guerra na Síria para derrubar Assad, ou mesmo, antes disso.
quinta-feira, 4 de agosto de 2016
«A ESPANTOSA REALIDADE DAS COUSAS» ALBERTO CAEIRO/ FERNANDO PESSOA
A Espantosa Realidade das Cousas
A espantosa realidade das cousas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada cousa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta.
Basta existir para se ser completo.
Tenho escrito bastantes poemas.
Hei de escrever muitos mais. naturalmente.
Cada poema meu diz isto,
E todos os meus poemas são diferentes,
Porque cada cousa que há é uma maneira de dizer isto.
Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.
Não me ponho a pensar se ela sente.
Não me perco a chamar-lhe minha irmã.
Mas gosto dela por ela ser uma pedra,
Gosto dela porque ela não sente nada.
Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.
Outras vezes oiço passar o vento,
E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.
Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto;
Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem estorvo,
Nem idéia de outras pessoas a ouvir-me pensar;
Porque o penso sem pensamentos
Porque o digo como as minhas palavras o dizem.
Uma vez chamaram-me poeta materialista,
E eu admirei-me, porque não julgava
Que se me pudesse chamar qualquer cousa.
Eu nem sequer sou poeta: vejo.
Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho:
O valor está ali, nos meus versos.
Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade.
MÁRIO VIEGAS DIZ «TABACARIA» DE ALVARO DE CAMPOS/ FERNANDO PESSOA
- Álvaro de Campos, 15-1-1928
- TABACARIA
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.
(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente
Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.
segunda-feira, 1 de agosto de 2016
[NO PAÍS DOS SONHOS] «OUVINDO ERROL GARNER, A CAMINHAR NAS ESTRELAS»
Acordo, ainda e mais uma
vez de noite…
Estou a vogar num oceano
de música, sem rumo. A brisa vem-me acariciar as faces e sei que tudo isto é
impossível - mas aconteceu.
Pois é verdade que os
sons me transportam para os ambientes mais esquisitos, arrastado por movimentos
dos ares, onde se encontram as estranhas e envolventes figuras etéreas que nos
tomam e nos fazem viajar até às galáxias mais distantes.
Estou mesmo acordado no
sonho, agora.
Observo o estranho destino
do saltimbanco que atravessou a rua e nunca mais voltou… e que se lembrou de
abordar a vida pelo reverso, pela noite- mistério, pela poesia.
Gostou de ter ido parar à
outra margem: «Nunca mais irei voltar», declarou, convicto … «Sim, apenas pelo grito,
pelo sabor do instante e do beijo muito apertado … O rio também corre aqui,
deste lado.»
Dormi com uma estrela,
das que cintilam no céu, das que nunca alcançaremos… ela é a minha vida
verdadeira… Passo o dia a suspirar pelos seus braços.
domingo, 31 de julho de 2016
[NO PAÍS DOS SONHOS] CARLOS SEIXAS AOS QUATORZE ANOS
Deslocava-me por vielas esconsas e
desertas, não sabendo muito bem em que sítio me encontrava, se nos velhos
bairros de Lisboa, se nos de Setúbal ou mesmo de Coimbra.
Eis senão quando encontro um frade, com
o seu hábito de burel e o rosto totalmente na sombra do capuz.
Perguntei-lhe, naturalmente, onde me
encontrava. Ele olhou para mim e, espantado, disse-me:
- «Está na presença de José António de Seixas»
Retirou o capuz, deixando ver um rosto
trigueiro, quase infantil na sua extrema juventude.
Mal me recompus do choque, pegou-me
gentilmente pela mão e disse-me em voz sussurrada:
- «Quer ver um espetáculo único,
exclusivo e delicioso?»
Não sabia o que responder, então
apertei-lhe a mão, em sinal de assentimento... Mais perdido do que já estava,
era realmente difícil, naqueles tempos...
Arrastou-me o jovem Seixas ao portal de
uma casa apalaçada de imponente fachada. Logo dois criados em libré abriram as
pesadas portas de madeiro, para deixar-nos passar. O músico era, com certeza,
esperado.
Este, sempre braço-dado comigo, subiu a majestática escadaria,
iluminada por tochas, sustentadas por estátuas de escravos negros profusamente
policromadas.
- Mas onde me encontrava eu, agora? Não
sabia. Continuava a não ter a mínima ideia, embora já tivesse percebido que se
tratava de Lisboa... Mas de uma Lisboa do início do século XVIII.
Nisto, o jovem que aqui me trouxera
abriu uma porta de duplo batente, com brasões e relevos em talha dourada,
revelando um salão onde várias damas e senhores, sentados, conversavam e
pigarreavam rapé.
Assim que viram o jovem, aplaudiram-no efusivamente, dando
vivas e palavras simpáticas de encorajamento.
Este fez uma vénia galante, apesar de
ser um jovem frade.
Sem demoras, pôs-se ao cravo, um instrumento
de um só teclado. Ele tangia o singelo instrumento, como se acariciasse o dorso
de um belo animal; tirava dele sons subtis ou arrojados, com a maior
naturalidade, como quem conversa.
Ele improvisava como se as teclas e cordas
fossem os seus próprios instrumentos fonadores, ou seja, cantava com os dedos.
Após cerca de meia hora parou a exibição virtuosistica do jovem e um senhor
muito bem arranjado e empoado - provavelmente o dono da casa - apresentou aos
presentes um nobre cavaleiro, de porte majestático, austero:
- «Il Signore Domenico Scarlatti»
Este fez uma breve reverência
dirigindo-se sem hesitação ao fradinho que se erguera entretanto e o olhava com
um misto de adoração e de terror.
- «Não temas, Caro...cuidarei que tu
faças parte da Capela de sua Alteza el Rei Dom João. Ainda ontem, ele me pediu
se eu conhecia em Napoli um bom e talentoso organista... Eu repliquei: Pois tem
Vossa Majestade quem muito bem o sirva no Seu próprio Reino».
Não recordo mais nada desta memorável
cena. Talvez eles tenham jogado uma partida de cartas, bebendo um vinho do Porto e cavaqueando, até muito tarde.
sexta-feira, 29 de julho de 2016
Mais...(+ Léo Ferré chante Baudelaire)
MAIS ...
NB: Ce poème, de 1985, donne son nom à un recueuil inédit de poésie écrite à la même époque, en langue française. Le poème «Mon Pays» (déjà publié dans ce blog) est aussi dans le même recueuil.
Y aurait-il ...
des paroles sans voix
des idées sans chemin
des voitures sans routes
des visages sans mains
des oiseaux sans plumage
des maîtres sans chevaux
des paquebots sans équipage
des ombres sans teint
des traîtres sans servage
des semences sans fruits
des sentiers sans villages
des hommes sans cerveau
des maîtresses sans corsages
des soupes sans pain
des bergers sans troupeaux
des fenêtres sans nuages
des portes sans maisons
des prairies sans corbeaux
des yeux sans mirages
des festins sans passions
des glaces sans couteaux
des pays sans esclavage
des empires sans nations
des couleurs sans drapeaux
des domaines sans partages
des vignes sans tonneaux
…
Disque 1
Disque 2
NB: Ce poème, de 1985, donne son nom à un recueuil inédit de poésie écrite à la même époque, en langue française. Le poème «Mon Pays» (déjà publié dans ce blog) est aussi dans le même recueuil.
Disque 1
quinta-feira, 21 de julho de 2016
[NO PAÍS DOS SONHOS] COLLOQUE SENTIMENTAL - VERLAINE, FÉRRÉ, JAROUSSKY
Dans le vieux parc solitaire et glacé
Deux formes ont tout à l'heure passé. Leurs yeux sont morts et leurs lèvres sont molles, Et l'on entend à peine leurs paroles. Dans le vieux parc solitaire et glacé Deux spectres ont évoqué le passé. - Te souvient-il de notre extase ancienne? - Pourquoi voulez-vous donc qu'il m'en souvienne? - Ton coeur bat-il toujours à mon seul nom? Toujours vois-tu mon âme en rêve? - Non. Ah ! les beaux jours de bonheur indicible Où nous joignions nos bouches ! - C'est possible. - Qu'il était bleu, le ciel, et grand, l'espoir ! - L'espoir a fui, vaincu, vers le ciel noir. Tels ils marchaient dans les avoines folles, Et la nuit seule entendit leurs paroles. Verlaine Les fêtes galantes
Não existem fronteiras para o passado
Somente as que colocamos no nosso coração
A música vem-nos banhar
com sua atmosfera d'encantamento d' eras passadas,
d' ondas vibrantes, ecos d' épocas doiradas,
magia da infância, p'ra sempre abandonada...
A minha voz fica embargada
com o sentido profundo da melodia unida às palavras
entretecidas do poema em nostálgica e sábia meditação.
Serei náufrago do passado por opção,
deliberadamente, no presente de banal e infinita chateza...
prefiro os espectros dum revisitado passado
que nunca se foi, junto a vultos cimeiros da Arte.
segunda-feira, 18 de julho de 2016
RAZÃO MORAL E CONSCIÊNCIA
De que é que serve a nossa
razão moral, anos depois de centenas de milhares de mortos?
Isabel do Carmo
Esta reputada médica coloca
a questão num artigo de opinião surgido nas páginas do «Público».
Eu coloco a questão de
outro modo.
Se a razão moral é uma
medida de alguma coisa, será da nossa
impotência. Ou – simetricamente – da força brutal dos poderes do capital,
dos governos e dos media, que puderam ignorar completamente o grito moral de
muitos milhões de pessoas que se manifestaram, incluindo nos países que seriam –
dias depois - agressores nesta guerra criminosa do Iraque.
Esta guerra de 2003 foi
antecedida de uma década de sanções crudelíssimas contra as populações civis
iraquianas, elas próprias atos de guerra, assim como esporádicos ataques aéreos
«preventivos», com devastadoras consequências nas depauperadas infraestruturas
do Iraque.
Muitos se recordam da
entrevista dada por Madeleine Allbright (da administração Clinton) que
respondeu a uma pergunta da entrevistadora sobre se este regime de sanções
contra o Iraque se justificava em face de cerca de quinhentas mil mortes de
crianças, provocadas pelas condições sanitárias deficientíssimas e carências
alimentares, além de outras carências. Ao que a representante da diplomacia dos EUA
respondeu que sim, que estas sanções se justificavam.
As pessoas do Ocidente,
supostamente educadas, civilizadas, não podem deitar para traz das costas a sua objetiva conivência, com os facínoras,
os Blair, os Bush, os Obama e todos os seus acólitos e agentes, incluindo as
hierarquias das forças armadas, do comando da NATO, etc. Elas – ao saberem dos
crimes de guerra – quando escolheram «ignorar», comportaram-se como se fossem pessoalmente
inocentes desses crimes. Na realidade, se elas se consideram livres,
logicamente deveriam considerar que livremente
elegeram políticos monstruosos capazes de mentira, de crimes contra a
humanidade, para se manterem no poder. Ainda maior sua responsabilidade será, no
caso de nada terem feito para impedir essas monstruosidades, mesmo depois de denunciadas por organizações
e pessoas inteiramente credíveis.
Nem sequer estão totalmente
isentas de responsabilidade moral em relação ao terrorismo, perpetrado por pessoas desesperadas pelas devastações
que ocorreram nos seus países: Os crimes de guerra efetuados pelas potências
nessas terras são uma mancha indelével, uma ferida sangrando nessas zonas do
globo.
O cinismo das potências
vai ao ponto de levarem a cabo ataques com gases venenosos, causadores de
dezenas de mortes, como foi o caso há apenas 3 anos, na Síria, para depois, falsamente,
acusarem o presidente desse país, Assad, da responsabilidade deste crime…
A responsabilidade da média corrupta e mercenária é grande ao deitar
poeira para os olhos da opinião pública dos diversos países, ditos
democráticos, desviando o seu olhar dos comportamentos criminosos dos seus
dirigentes, carregando outros, Assad, Putin, Kim Jong Un, etc. com todos os
males, diabolizando esses dirigentes, assim como os seus governos e Estados. Ora,
se nenhum governo é perfeito, nós sabemos também que não se tolera, num Estado
dito de «de Direito», que alguém seja enxovalhado publicamente e sem possibilidade
sequer de se defender eficazmente, por crimes que lhes são imputados, mas nunca são minimamente demonstrados.
Este critério,
perfeitamente válido e aceite em relação a qualquer cidadão de um dos tais
países ditos civilizados, é alegremente ignorado quando se trata de governos
«inimigos».
Vale tudo; tudo é aceite
para nutrir o medo insuflado numa
opinião pública cobarde, infantilizada e disposta a tudo para não ter que
se confrontar com a triste realidade da sua inegável decadência moral.
Por esses motivos todos, considero
que só são dignos os que resistem, os
que dizem não a esta barbárie, especialmente os cidadãos e cidadãs dos países
da NATO e outros aliados dos EUA, cujos governos e forças armadas têm
contribuído para a destruição da paz e agredido violentamente populações
indefesas.
A única defesa contra o
terrorismo é depor
os governos que direta ou
indiretamente o fomentam, se alimentam dele, precisam dele para desencadear as
suas campanhas de medo e de ódio.
A NATO, porventura a maior
ameaça terrorista que ameaça a paz mundial e a sobrevivência do planeta, deveria ser dissolvida quanto antes e, no imediato, abolida qualquer pretensão
de ela ser «polícia mundial».
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