quinta-feira, 3 de agosto de 2023

UMA TEORIA DA NEUTRALIDADE e UMA PRÁTICA VIRADA PARA A PAZ

 Pascal Lottaz tem estudado as políticas dos países neutrais. Estudos desta natureza são surpreendentemente escassos, em termos académicos, tendo os países guerreiros recebido muito mais atenção e detalhe. Porém, algumas características dos países neutrais assim como o modo como adquirem ou revocam a sua neutralidade, são particularmente interessantes: Veja o vídeo aqui com  o conteúdo de uma conferência que deu há pouco tempo: Neutralidade na Nova Guerra Fria


Ele entrevistou Alex Mercouris (ver vídeo abaixo), que tem feito a crónica diária da guerra na Ucrânia. O seu ponto de vista é abrangente. Tem um conhecimento profundo da história contemporânea, o que lhe permite dar esclarecimentos muito válidos sobre as raízes dos confrontos atuais. 


Veja também a primeira parte e terceira parte deste diálogo: 

«Todos os Governos Mentem e a Media Também»

«Esqueça a OTAN, faça a sua própria coisa»


terça-feira, 1 de agosto de 2023

GONZALO LIRA ATRAVESSA FRONTEIRA UCRÂNIA-HUNGRIA, ONDE IRÁ PEDIR ASILO POLÍTICO

Gonzalo Lira aproveitou a oportunidade de estar em licença fora da prisão, para escapar às garras do SBU. O serviço de polícia política ucraniano (SBU), tendo-o acusado e preso por um crime que não existe, o «crime de opinião», incitava os presos na prisão onde se encontrava Lira a baterem sistematicamente nele. 
Ele irá atravessar a fronteira com a Hungria e pedir asilo político neste país que, embora membro da OTAN e da UE, tem uma atitude reservada e tem objetado à atitude de dar armas e mais armas, à Ucrânia, para alimentar o conflito. 
Esperemos que ele seja bem acolhido pelas autoridades húngaras. Que elas vejam este caso como de direito humanitário.

Recordo aos meus leitores que Gonzalo Lira, frequentemente, fazia comentários sobre a guerra russo-ucraniana, mas não é um homem hostil ao povo ucraniano. Ele via a tragédia que se estava a desenrolar e não se inibia de denunciar a responsabilidade moral e efetiva da OTAN e dos EUA. O seu caso não foi devidamente acompanhado, aquando da sua prisão em finais de Abril deste ano, pela embaixada os EUA, apesar dele ser um cidadão deste país e ter direito constitucional à proteção consular dos EUA, quando acusado de crimes de opinião, como é o caso.


 VEJA TAMBÉM:




REPÚBLICA DOS POETAS nº4 - Cecília Meireles






                                              https://www.youtube.com/watch?v=rcNpV5vNpt8


A poesia da brasileira Cecília Meireles não se pode filiar em nenhuma escola estética, embora possua traços de simbolismo. Esta inclinação da poeta, talvez se relacione com seu conhecimento de poetas orientais, que traduziu (indianos, chineses, japoneses). 

O poema «Naufrágio» foi posto em música por Alain Oulman e cantado por Amália Rodrigues, num disco* que reúne notáveis expoentes da poesia de língua portuguesa. 

Em «Naufrágio», transparece o sentido trágico da perda inexorável de um referencial, o que é transposto simbolicamente na imagem do navio que se afunda no mar. Mas, este navio simboliza as esperanças da poeta, seus sonhos e esperanças perdidas. 

Mas, a última quadra escapa à fatalidade inexorável. Ela não foi incluída na versão cantada de Amália Rodrigues. 

A última estrofe muda o significado dos versos anteriores, pois a serenidade alcançada («tudo estará perfeito») é resultante de catarse, de ir ao fundo da dor e desespero, para renovar as energias interiores e renascer. Mas, isso é obtido por alto preço: «as minhas duas mãos quebradas».

Um poema muito belo, especialmente quando completo.

                                           Naufrágio


Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
– depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio…

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça


Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

Cecília Meireles (1901-1964), Viagem, Lisboa, 1939

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*Além do referido disco, Amália cantou fados com letras de grandes nomes de poesia lusófona. Um dos mais célebres fados é «Fado Português», poema de José Régio e música de Alain Oulman: https://www.youtube.com/watch?v=CFLO_zObeUI

segunda-feira, 31 de julho de 2023

CRÓNICA (Nº16) DA IIIª GUERRA MUNDIAL: Criptodivisas, SWIFT e a guerra financeira

[A presente crónica vem na sequência da crónica anterior, a Nº14. Sua leitura ajuda a situar o contexto]

TAMBÉM NO DOMÍNIO DAS DIVISAS DIGITAIS DE BANCOS CENTRAIS SE DESENHA UM FRACASSO

 Se no plano militar a Rússia está a conseguir a total derrota do exército ucraniano e a destruição de grande parte do equipamento doado pelos países da OTAN, também no plano financeiro as sanções «devastadoras» do Ocidente em relação à economia russa, ao rublo e às reservas do banco central, têm um efeito boomerang inegável. A economia da Rússia, não só aguentou o embate, como vem melhorando em vários índices, conforme os dados publicados pelo FMI; as economias dos países Ocidentais , em especial as da UE, entraram em profunda recessão, somando crise de desemprego à crise inflacionária e sem fim à vista. 

Um outro aspeto de que se fala pouco é a forma como a expulsão da Rússia do sistema SWIFT afetou a própria credibilidade do mesmo sistema; ela propulsionou o desenvolvimento e generalização de sistemas alternativos, como o sistema chinês CIPS. Com efeito, antes da atual situação da guerra OTAN-Rússia, na Ucrânia, os que controlam o sistema SWIFT podiam ameaçar os países ditos «paraísos fiscais» de que - se estes não fornecessem as identidades dos proprietários e os dados das contas albergadas em bancos desses mesmos países - eles corriam o risco de serem desligados do SWIFT. Isso equivaleria então a uma morte financeira desses países. Porém, no presente, as plataformas alternativas ao SWIFT, permitem que esses mesmos países adiram a um sistema interbancário alternativo, limitando muito o potencial prejuízo de se verem desligados do SWIFT.

Assim, a suposta eficácia das moedas digitais emitidas por bancos centrais (CBDC) para o combate da criminalidade económica vai por água abaixo.  O bitcoin e outras moedas digitais não estatais, não centralizadas têm ganho com a  situação, visto que os seus possuidores percebem que se lhes abre nova oportunidade, em face de tentativas autoritárias e globalistas dos governos e bancos centrais ocidentais. As contas desses paraísos fiscais poderão calmamente ser os locais de transações envolvendo cripto-divisas não-estatais, pois aqueles governos e bancos centrais decididos a vigiar e reprimir as trocas que escapem ao sistema SWIFT, ficarão com a sua eficácia estritamente limitada à «zona SWIFT», enquanto no vasto mundo, outros sistemas monetários, como o dos BRICS+ e o desenvolvimento dos pagamentos usando cripto-divisas não estatais, irão expandir-se. 

Será o Ocidente orgulhoso a ficar encurralado no seu sistema monetário e financeiro, enquanto os que ele pretende combater se desenvolverão, livres das coações e sanções económicas devastadoras.


Se o poema fosse confissão [OBRAS DE MANUEL BANET]

 


Se o poema fosse confissão

Falsa seria. Seria pose, artifício

Porém, num certo sentido

Confessa o que a mente

Ignora


Reflexo e sombra, é o poema

Sopro sussurrado ao ouvido

Do poeta 


Eu não tenho a vaidade

De ser o autor do vento

Da chama, da música

Ouvida ou sonhada.


Produzo um balbuciar

Olhando espantado

O maravilhamento

Deste Mundo


E confesso embaraçado

Que -afinal- os ditos versos

Propriamente de meu

Têm pouco, ou nada.




domingo, 30 de julho de 2023

REPÚBLICA DOS POETAS nº3 - Alda Lara

 



A luso-angolana ALDA LARA reúne a originalidade da poesia de expressão portuguesa, com a preocupação de natureza social. Esta sua sensibilidade não pode ser alheia ao muito sofrimento e miséria que testemunhou na sua curta vida, como médica numa Angola dominada por um colonialismo retrógrado,   só possível porque foi a expressão dum poder político profundamente reacionário, o Portugal de Salazar. 

O poema «Círculo», entre muitos poemas de qualidade, que se podem ler nas diversas coletâneas e na integral da obra poética, marcou-me com uma impressão profunda de proximidade com a autora, embora não a tivesse jamais encontrado e somente soubesse da sua vida pelo que consta nas biografias da Autora. 
Seria injusto reduzir um/a poeta a um único poema. Mas, o meu propósito não é dar uma visão panorâmica de uma obra; é de partilhar convosco as poesias que tiveram maior impacto em mim, no passado e que ainda possuem essa qualidade: Suscitar o maravilhamento, como obras de arte imorredoiras que são.



                      CÍRCULO
  
todo o caminho é belo se cumprido.
ficar no meio é que é perder o sonho.
é deixá-lo apodrecer, no resumido
círculo, da angústia e do abandono.

é ir de mãos abertas, mas vazias,
de coração completo, mas chagado.
é ter o sol a arder dentro de nós,
cercado,
por grades infindas...

culpa de quem, se fiz o que podia,
na hora dos descantes
e das lidas?

ah! ninguém diga que foi minha!
Ah! ninguém diga...

minha a culpa,
de ter dentro do peito, 
tantas vidas!...