Nos escritos anteriores vimos alguns dos métodos que permitem ao sistema de escravidão «suave» contemporâneo se apoderar das alavancas fundamentais das sociedades e - a pouco e pouco - ir controlando os indivíduos. Poderia insistir e desenvolver, detalhando os métodos de controlo social que estão despontando, com muita eficácia, em países muito diversos. Mas esta sequência de escritos propõe-se ser, antes de tudo, um roteiro para escapar da matrix ou labirinto...
Trata-se de uma afirmação arrojada, pois não pode haver duas situações iguais, quaisquer duas pessoas são diferentes, neste mundo; cada qual terá de construir a sua escada metafórica, para se evadir da ilusão, da falsa realidade que o cerca e lhe faz andar sempre, em infindável caminhar, pelos corredores do labirinto, sem jamais vislumbrar a saída do mesmo. No entanto, creio que se nos centrarmos naquilo que é efectivamente idêntico no ser humano, por muito que cada um de nós seja único, podemos chegar a algum lado, podemos encontrar o fio de Ariadne que nos permita sair do Labirinto.
As necessidades básicas têm de ser satisfeitas, será esse o primeiro nível de auto-transformação. O reconhecimento de que o equilíbrio de todo o ser passa por uma alimentação, um estilo de vida, uma regularidade nas horas de repouso e sono, uma harmonia essencial do indivíduo consigo próprio, que se vai traduzir também por uma maior harmonia com a Natureza e com tudo aquilo que o cerca.
Uma disciplina adequada ao nosso próprio ser, levada a cabo no longo prazo, tem de estar interiorizada por convicção profunda, não por mera atitude de entusiasmo momentâneo. Pois, se nosso ego se sobrepõe ao nosso verdadeiro eu, comandando e dominando todos os aspectos da nossa vida (hoje em dia, isso é muito mais frequente do que se pensa), não haverá possibilidade de um indivíduo sair da matrix. Note-se que, a matrix é completamente interiorizada por nós próprios. É assumindo os seus parâmetros, inconscientemente, devido à nossa persistente adesão ao seu mundo falso, ilusório, que estamos encerrados nela. A matrix é (ou tornou-se parte de ... ) o nosso ego.
No segundo nível corresponde ao acordar para o facto de que as realidades que nos cercam, não são tão poderosas como parecem. De novo, estamos muitas vezes condicionados a imaginar coisas - geralmente inibitórias - sobre a realidade social que nos cerca, sobre os outros. A realidade do entorno social, o seu funcionamento, é como uma meta-linguagem, tem de ser compreendida, para ser desencriptada. Enquanto linguagem, tem uma gramática e uma sintaxe própria. Quem está atento e consciente desta realidade básica, não poderá ser apanhado de surpresa, nem ficar indefeso, porque está desperto e atento a todos os sinais que vêm do entorno, dando-lhes uma «leitura» adequada.
A leitura do real, analogamente à linguagem, é como quando analisamos a fundo um texto: não olhamos para as palavras isoladamente. Vemos as relações entre elas, avaliamos a importância relativa das mesmas, na estrutura do texto. Sublinhamos as palavras-chave, as que nos dão a chave para a compreensão global do texto em análise. Este modo de proceder, aplicado ao entorno social, não se aprende senão com muita experiência, com ensaios e erros. Mas, podemos acelerar muito esta auto-aprendizagem, caso desejemos realmente nos emancipar, não da sociedade em si mesma, mas de nossa relação de submissão doentia aos que a dominam.
O conhecimento verdadeiro de si próprio e da sociedade leva-nos à consciência das múltiplas instâncias em que nos auto-condicionamos e em que somos condicionados. Tais mecanismos não são, em si mesmos, benéficos ou malévolos. Os indivíduos que já alcançaram aquele patamar de consciência, irão instituir - para si próprios - determinados condicionamentos e anular ou neutralizar outros.
Os condicionamentos exteriores são poderosos, se adoptados e interiorizados inconscientemente. Porque, a partir desse momento, levam o indivíduo, sem que ele se aperceba, a adoptar automatismos, a ter respostas estereotipadas do seu comportamento em sociedade. Penso que, a maior parte senão todos, os condicionamentos escravizantes, têm origem na sociedade. Eles foram «naturalizados» de forma inconsciente, ao ponto de parecerem fazer parte de nós próprios.
A verdadeira educação é sobretudo uma auto-educação. É uma educação da vontade, da capacidade de dirigir o barco do nosso ser... Aliás, a palavra «cibernética» deriva daí, na sua raiz grega: a palavra cibernética em grego, designa o saber ou a ciência daquele que está ao leme dum navio. Por outras palavras, a nossa autonomia consiste na auto-condução do nosso ser pelos mares da vida.
A falsa educação, que nos é imposta por anos e anos de condicionamento na escola, na família, na igreja, etc, tende a suprimir qualquer aspiração a exercitar nossa potencialidade cibernética.
O condicionamento skineriano ou pavloviano utiliza técnicas de amestramento, recorrendo à recompensa e à punição. Pode acontecer, sem que as pessoas que protagonizam este amestrar, tenham plena consciência do que estão a fazer. Elas estão convencidas de que isso é «educação» e de que o fazem «para o bem» da criança ou jovem.
Como poderá imaginar, não faria sentido nenhum eu propor-lhe um comportamento, seja ele qual for, pois somente o leitor/a está em condições de avaliar o seu próprio estado, a sua situação.
Sugiro apenas uma metodologia que lhe permita deslindar os problemas que tem encontrado na sua vida pessoal:
- Procurar ver os próprios fracassos sem contemplações, mas compreender o que está na sua origem.
- Ter clara noção do poder que está encerrado em cada um de nós, sem o hipertrofiar ou diminuir.
- Avaliar as nossas qualidades, os nossos trunfos. A nossa avaliação deve ser realista e prudentemente optimista.
- Devemos assumir o papel de «mestres» de nós próprios.
- A postura correcta face aos outros, face à sociedade, também se aprende e se aperfeiçoa.
Imagine-se um guerreiro com um escudo e uma lança: O escudo simboliza as tácticas defensivas e a lança, as ofensivas (ou contra-ofensivas). Para que seja bem sucedido num combate (imaginário), ele terá de guardar a boa distância, a que permite proteger-se dos golpes do adversário, mas conservando a capacidade de desferir - ele próprio - um golpe.
Esta analogia deve ser interpretada, não como algo bélico, mas como metáfora...O combate pode ser uma troca amistosa, uma relação amorosa, etc... Não fiquemos demasiado presos pelas palavras.
Para que a vida não seja uma luta incessante e inglória, a postura de que falei acima não chega. Tem de ser complementada com outra, a qual se traduz no mais profundo Mandamento que existe.
Ele é reconhecido e ensinado, desde tempos imemoriais, em todos os povos, em todas as regiões. Pode-se formular do seguinte modo:
«Trata o outro, como queres que te tratem a ti próprio».
Isto significa o reconhecimento de uma série de coisas:
- a igualdade humana (em dignidade);
- a necessidade de ver o outro (sair da sua redoma, do seu egoísmo);
- a troca igual, a ajuda mútua, a sociedade baseada na entre-ajuda...
Desta simples frase extrai-se um sem fim de corolários.
Estou convicto de que é retomando este fio condutor, que poderemos - colectivamente - ser felizes, pois a nossa felicidade está absolutamente ligada ao bem-estar dos outros, ao estado de harmonia da sociedade que nos rodeia. É impossível ser-se feliz no meio da infelicidade, no meio da desgraça...
Nesta série de textos «ROTEIRO PARA ESCAPAR DA MATRIX» preconizo o auto-conhecimento para o auto-governo (autonomia), assim como o conhecimento do nosso entorno (a ecologia social), a capacidade de avaliar a situação em que nos encontramos, do modo mais objectivo possível, a firme decisão de sermos mestres de nós próprios, o que não implica rejeitar, pelo contrário, o que nos vem de fora.
O mundo exterior deve ser visto como algo que nos enriquece, como fonte, não só de informação , mas de aprendizagem. Mas, tanto no plano individual como social devemos ter como finalidade ética o que é realmente elevado...
Pois, não se trata de nos colocarmos acima dos outros, mas de adoptarmos o princípio da reciprocidade, como base das relações pessoais. Este princípio pode e deve estender-se a toda a sociedade humana: quanto mais for praticado, numa dada sociedade, mais essa sociedade estará próxima dos ideais de equidade, respeito, justiça e portanto, estará proporcionando as melhores condições para a felicidade dos indivíduos.