segunda-feira, 7 de outubro de 2019

OBRIGAÇÕES COM TAXAS DE JURO NEGATIVAS = CATÁSTROFE À VISTA

Existem, neste momento, cerca de 14 triliões de dólares investidos em obrigações com taxas negativas. A maior parte destas são obrigações do tesouro de Estados.

Segundo François Asselineau, o mecanismo das taxas negativas na zona Euro, explica-se pela existência de uma grande incerteza quanto ao futuro do euro. 

                    
     https://www.zerohedge.com/economics/moneys-not-worth-anything-anymore-ex-credit-suisse-ceo-blasts-crazy-negative-rates

Com efeito, se os investidores estão cépticos em relação à existência do euro dentro de 10 anos, vão apostar numa obrigação emitida pela Alemanha - por exemplo - porque se acredita que a moeda deste país, o Deutche Mark, no caso do rebentamento da zona euro, irá valorizar-se em relação ao euro e/ou às outras divisas que surgirem desse rebentamento. Assim, poderá um investidor perder 0,25 % em euros, mas mesmo assim ganhar pelo facto da nova moeda, o Marco, que substituirá o euro ficar cotado 20% - ou mais - acima da cotação do euro, em relação ao dólar e em relação a outras divisas. 

                 

Por outro lado, a existência de taxas de juro muito baixas ou negativas só é possível porque as nossas pensões e poupanças estão, directa ou indirectamente, mobilizadas para sustentar essa «experiência inédita». É o que explica o responsável pelo «Grand Angle». 

                 

Com efeito, as pessoas são forçadas a isso sem o saberem (na maioria dos casos), pela colocação de capitais dos fundos do sistema de Segurança Social, e outros fundos (por exemplo, Seguradoras) em obrigações soberanas (dos Estados), consideradas seguras. Estatutariamente, estas instituições são obrigadas a ter uma certa percentagem dos seus fundos em «investimentos seguros». Que estes investimentos seguros sejam obrigações de Estados, deve-se ao pressuposto falacioso de que «um Estado nunca entra em falência» (basta pensar na Argentina, no Zimbabwe, na Venezuela, etc.)! 

De facto, em França, algumas forças políticas já começaram a divulgar o problema, a associação «Solidarité et Progrès», é uma delas. 

                 

Muitos dados importantes são divulgados nos vídeos aqui afixados, quer se goste, ou não, das forças políticas e/ou das pessoas em causa.

Seria uma tarefa impossível eu transcrever os conteúdos para leitores que não compreendem francês...porém, deixo aqui estas informações, que possuem um mínimo de seriedade.  Elas esclareceram-me em relação  dúvidas que eu possuía.

Para terminar, para os anglófonos, eis aqui um artigo muito detalhado, por um professor de economia de Helsínquia, publicado, recentemente em Zero Hedge:

WE FINALLY UNDERSTAND HOW DESTRUCTIVE NEGATIVE INTEREST RATES ACTUALLY ARE

domingo, 6 de outubro de 2019

BANDOS DE CRIMINOSOS ESTÃO A CASTIGAR OS CIDADÃOS INOCENTES DE HONG-KONG

https://www.scmp.com/news/hong-kong/politics/article/3031732/hong-kong-protesters-outraged-anti-mask-law-return-streets

                         A corridor in Mong Kok MTR station is turned into a mini river as protesters break in and vandalise facilities, setting off water sprinklers and a fire hose. Photo: Sam Tsang
                         Estação de metro de HK depois de vandalizadas as bocas anti-fogo


Será que a população tem algo a ganhar com a continuação deste estado de caos e vandalismo permanente?
A táctica dos contestatários não será a de provocar as forças da ordem para estas cometerem actos de repressão desproporcionados, de modo a depois acusá-las nos fóruns internacionais?
Será que eles, grupos de radicais violentos, não sabem que assim impossibilitam qualquer hipótese de diálogo com o governo de H-K?
Durante quanto tempo as pessoas do ocidente continuarão a tomá-los por «uns jovens um bocado exaltados» em vez de os tomarem por aquilo que são, na realidade?

No jogo complexo de guerra mista, comercial, económica, financeira, monetária, de propaganda ... o imperialismo apostou que a China fizesse um novo «Tien An Men», mas desta vez em Hong Kong.




A minha intuição era boa; acertei... mas é triste ver pessoas jovens a destruir tudo, o seu futuro, o de muitos cidadãos de HK, visto que a instabilidade irá desviar muitos negócios para Singapura... 

Quanto aos governos ocidentais, aos meios de comunicação de massas envolvidos numa propaganda anti-China, é isto mesmo que desejam: o máximo de caos para (numa esperança fútil e criminosa) dificultarem, atrasarem a progressão das «Novas Rotas da Seda» junto das mais de 130 nações, que possuem projectos com a China. Neste número inclui-se Portugal. 

Claro que eles não se indignam quando um polícia (que, de qualquer maneira, apenas estava a cumprir sua função) é agarrado e incendiado ou quando um jornalista do jornal oficioso do PC Chinês é cercado e recebe uma tareia que o deixa quase morto (entre outros exemplos de «respeito pelos direitos humanos» e de «liberdade e democracia» por parte dos manifestantes de cara tapada). 

A manipulação da percepção pela media corporativa internacional, sobre o que se passa em HK, é ainda mais óbvia, se nós a compararmos com a ausência de notícias (black-out) sobre o que se passa na Coreia do Sul, desde há um mês, onde se sucedem manifestações com milhões de cidadãos, sem qualquer violência... 

Vivemos numa espécie de redoma, de matrix, onde as pessoas estão dissociadas da realidade, são manipuladas constantemente. A media corporativa no Ocidente desempenha um papel essencial de «polícia da mente», obedecendo aos interesses da banca, da finança e todos os lóbis, que puseram os governos ao seu serviço.

sábado, 5 de outubro de 2019

ROTEIRO PARA ESCAPAR DA MATRIX/LABIRINTO [p. IV]

                            

Na parte III desta série, propunha que nos debruçássemos sobre a questão da propaganda ou das relações públicas (PR = public relations), em conexão com o gregarismo, que foi o fio condutor daquela parte (III). 
Agora, na parte IV, é tempo de aprofundar o que afinal liga esse mecanismo largamente endógeno, o «gregarismo», com algo que é - para todos os efeitos  - uma construção das sociedades.
A teoria da propaganda ou das «relações públicas» foi fundada e desenvolvida por Edward Bernays, um sobrinho de Sigmund Freud, mas depois dele um grande número de especialistas - psicólogos, sociólogos, etc. - foram acrescentando e refinando os conceitos. Se esta teoria foi inovadora no seu tempo (primeiras décadas do século vinte), ela não é mais do que a versão banal dos achados de Freud sobre o inconsciente, sobre as pulsões, enfim sobre a psicologia das profundezas, e a sua aplicação ao homem e mulher comuns, ao cidadão que cruzamos no quotidiano, com o objectivo de induzir um comportamento, que pode ser de consumir algo, mas também pode ter a ver com a escolha política ou outra. 
Noutro escrito detalhei bastante este aspecto, pelo que evitarei aqui repetir-me: o leitor poderá reportar-se ao artigo aqui, deste blog.

O que me interessa agora detalhar é o aspecto de manipulação destas técnicas, que fazem com que as pessoas adoptem, em aparência, atitudes e mesmo valores que pensam ser próprios, resultantes de sua escolha quando, na verdade, são induzidas e são resultantes de um condicionamento discreto. 

Qual a relação que isto tem com a manipulação? 
Penso que isto tem tudo a ver, pois «manipulação» deve ser o termo apropriado para indução de certos comportamentos ou ideias, sem que haja consciência disso. 
Logicamente, os métodos claramente autoritários, repressivos, estão excluídos da minha definição, embora, políticos e outros possam recorrer a eles, forçando as populações a adoptar um determinado padrão de comportamento. 
Neste caso, o das ditaduras, existe uma secreta, mas real, consciência por parte de muitos indivíduos dominados, de que tais comportamentos estão a ser forçados sobre eles, mesmo que eles não possam exprimi-lo. 
Mas, a propaganda ou o «public relations» consiste em algo muito diferente, pois as pessoas são levadas à ilusão de que escolhem fazer isto ou aquilo, que a sua escolha da máquina de lavar roupa é inteiramente racional ou é inteiramente baseada numa avaliação que elas próprias fazem das suas características, como produto... este exemplo anterior é um bocado simplista, mas isso é intencional; mesmo nas questões mais subtis, afinal de contas, a propaganda infiltra-se fazendo as pessoas acreditar que estão a raciocinar por elas próprias, por exemplo, se lhes dão sempre um determinado conjunto de notícias e estas pintam a realidade de determinada maneira, só uma minoria consegue compreender um escrito ou discurso que nega o discurso habitual e desmascara os parâmetros «normais» dessas notícias. Desta minoria, um número ainda menor estará em condições de aderir a esta outra forma de encarar as coisas - as realidades da política, sociológicas ou económicas, por exemplo. 
Igualmente, a chamada Educação tem muito mais de doutrinação, de amestrar, do que de educação, no sentido humanista de fornecer instrumentos de autonomia, de raciocínio crítico, de capacidade de ver o mundo social e natural pelos seus próprios olhos. 
Mas, por que razão isso resulta? Porque razão resulta a publicidade? Por que razão resultam as propagandas políticas e ideológicas? ... ou qualquer outra forma de incutir modos de pensar alheios ao indivíduo?

A resposta a esta interrogação tem necessariamente de passar por vários aspectos.
- Em primeiro lugar, passa pelo mecanismo da auto-ilusão: o eleitor, o adepto deste ou daquele, gosta de ouvir as suas «próprias» ideias, nos discursos, notícias, aquilo que reforça a sua convicção, a sua visão do mundo, a sua escolha pessoal em todos os campos. Assim, terá tendência a aplaudir e a mobilizar-se por candidatos que apelem para esses mesmos valores ou ideias, que os reforcem, que os coloquem de maneira forte, enérgica, ao nível do discurso. 
Terão mais votos, os candidatos que tiverem maior facilidade em produzir o discurso que agrada ao eleitor, não os que tenham realmente coisas importantes e originais a dizer, ou que tenham verdadeiras soluções para os problemas, admitindo que esses candidatos existam.

A «escolha» tende a ser inteiramente emotiva, baseada na impressão que tal ou tal candidato causa, junto do eleitor, não havendo relação quase nenhuma com o conteúdo concreto do discurso. 
Se analisar os discursos eleitorais em várias décadas verá que os conteúdos se tornam cada vez mais banais, mais insípidos de ideias, mais abrangentes, de forma a agradar a «gregos e troianos», com o tempo. Notará também que esta tendência se verifica em todos os partidos e correntes políticas que concorrem aos actos eleitorais.  
Podia-se também verificar um processo análogo com o fetichismo da mercadoria: por exemplo o consumo de luxo, de prestígio, teria a virtude mágica de colocar o consumidor entre a «elite» dos «muito ricos» e «superiores», visto que assinalaria um «status» de excepção do mesmo consumidor. Ou, que daria (restituiria) ao consumidor a juventude, ou charme ou sex-appeal, etc...
O mecanismo da auto-ilusão é muito forte e podem muitas pessoas auto-convencer-se das coisas mais extravagantes, desde a sua aparência física (naturalmente, a beleza é vista pelos próprios olhos...), aos seus dotes intelectuais ou morais. 
Outro aspecto importante, é o que se prende com a pressão grupal ou - dito de outro modo - com a pressão de conformidade ao grupo, que é o aspecto mais saliente do gregarismo.
Nos adolescentes, em particular, são muito marcadas as tendências para se conformarem com uma norma, não escrita... para serem aceites dentro do grupo, da faixa etária. Esta forma de coação social pode ser benigna, no melhor dos casos, resumindo-se ao uso de determinada indumentária, de certas expressões na linguagem, de gostar de determinadas músicas, etc. 
Mas, também pode ter aspectos muito menos anódinos, que passam pela criminalidade dos grupos, ou gangs, pela sistemática utilização do interdito, do socialmente condenado, do vandalismo, do uso de drogas, da utilização de motas e motociclos, de forma perigosa (para os próprios e os outros), etc. Tudo isto, para afirmarem, ou serem aceites, ou manterem, uma dada posição (hierárquica) dentro do grupo...

A tendência para o gregarismo é muito forte. Os psicólogos e sociólogos, ao serviço do sistema, sabem manipular os sentimentos das «massas» no sentido delas adoptarem este ou aquele padrão de comportamento. 
Ninguém, ou quase, sente-se confortável, se excluído do convívio com os seus semelhantes. O medo da exclusão, de ser apontado a dedo, inibe muitas pessoas de tomar certas atitudes, de fazer as coisas de acordo com sua consciência, por causa desse receio. É portanto uma força de coação social e psicológica muito importante. 
O esforço para uma pessoa se libertar de tal complexo, não é algo que se observe correntemente. A conformidade, para não dizer o conformismo, é a norma. 
As pessoas são induzidas a conformar-se com a norma, «adaptando-se», quer na escola, quer na empresa, a essa norma, mesmo a mais absurda ou contra-produtiva. Os críticos são vistos, no melhor dos casos, como uns «chatos», no pior... como «perigosos» e «subversivos».

 Assim, a sociedade tem mais tendência a reforçar comportamentos gregários, o «ficar dentro do rebanho», do que encorajar a inovação, a criatividade, a procura de novas formas de abordar as questões. 
O conservatismo das sociedades permitiu que - nas eras remotas, em que a vida, de geração em geração, era perfeitamente semelhante - houvesse um máximo de estabilidade. 
Mas agora, nas sociedades sacudidas pelo caos, onde nem nos podemos inteirar, quanto menos adaptar, aos efeitos das inúmeras mudanças simultâneas, de tantos desafios e perigos, tanto a um nível individual como colectivo, a educação conformista, autoritária e repressiva, surge como anacronismo, como um factor de regressão. 
Não admira portanto que, enquanto instituição, esteja em crise profunda e que não haja muita gente, dentro do sistema, capaz de tomar um recuo e perceber quais as causas profundas das disfunções. Este fenómeno ocorre de forma mais ou menos intensa, ou dramática, consoante os países, mas está patente em todas as sociedades.

Diria que a educação é a questão nº1, mas não o digo no sentido de preconizar a «enésima reforma do  ensino». 
Acho que é hoje a questão pior tratada, de todas as questões, nos discursos políticos ou pseudo-filosóficos, que se possam ouvir ou ler. 
Nos dias de hoje, a crise da educação é  «varrida para debaixo do tapete»,  é um claro caso de «denegação». 
Como este problema é particularmente importante, a meu ver, merece que nos debrucemos sobre ele no próximo escrito (parte V), pois está no cerne de problemas sociais e das repercussões nos indivíduos contemporâneos. 

O FIM DO MUNDO ESTÁ ANUNCIADO PARA 2020!

Seria cómico, se não fosse trágico*!

Um jornal sensacionalista «Bild», anunciava em 2007 em grandes letras, que apenas «temos 13 anos ...para salvar o planeta... antes da catástrofe se abater».
Preparem-se, porque o fim do mundo é já em 2020!!!!
(* o trágico está em que as pessoas não compreendem como andam a ser vergonhosamente manipuladas!!!)



ROTEIRO PARA ESCAPAR DA MATRIX/LABIRINTO [parte III]





Nas espécies animais mais próximas da espécie humana do ponto de vista evolutivo, os grandes símios antropóides, a existência de comunidades estruturadas de modo muito idêntico, de geração em geração, reforça a noção de que existe uma determinação genética nos seus modos de se relacionarem e de se estruturarem em sociedade. 

Nos gorilas, a estrutura social é diferente da sociedade dos chimpanzés, e nestes difere grandemente da dos seus «primos», os bonobos. Porém, a distância genética entre eles não é muito elevada. 
Estão todos muito dependentes do grupo para a criação e integração dos infantes e dos jovens. A sociedade está estruturada de modo hierárquico e familiar nos gorilas, hierárquico e supra-familiar ou de família alargada nos chimpanzés, e não-hierárquico,  sexualmente promíscuo, nos bonobos.

A estruturação dos grupos pré-humanos - ou homininos - pode ser inferida pelos vestígios quer da anatomia, quer de restos arqueológicos, permitindo inferir a estrutura dos bandos, a partir de uma série de parâmetros. 
Mas, só podemos ter a certeza sobre os detalhes dos modos de organização social, na nossa espécie - o Homo sapiens - a qual terá cerca de 300 mil anos, segundo as descobertas mais recentes.
A estrutura familiar foi - em muitos casos-  o único nível de complexidade que muitos humanos das épocas mais remotas conheceram. 
Isto não invalida a existência de agrupamentos supra-familiares, como os clãs ou as tribos, mesmo nas etapas anteriores ao «homem anatomicamente moderno». 
Porém, a estruturação das sociedades em conjuntos maiores é típica das épocas pós-paleolíticas: neolítico, calcolítico, bronze, ferro..
Nas sociedades agrárias e pastoris iniciais, já existia uma hierarquia dos géneros, das idades, do poder e da riqueza. 
As relações eram - no entanto - quase «cara a cara», havia um conhecimento directo dos chefes pelos súbditos e vice-versa. A complexidade crescente e o tamanho dos conjuntos humanos, veio trazer uma distância cada vez maior entre os dominantes e seus subordinados. 
Nas sociedades do paleolítico e do início do neolítico, aquele que se impunha pessoalmente como chefe do bando, do clã ou da tribo, seria quase sempre um homem forte e respeitado pela sua coragem e argúcia. 
Nas sociedades agrárias mais tardias, como no Egipto, a casta de sacerdotes dominava o poder, pondo e dispondo de monarcas divinizados. 
Irrompe, nas sociedades humanas, a partir de há cerca de oito mil anos, a religião organizada e de estado, um elemento decisivo de organização da sociedade. Nesta, o exercício do poder estava integrado na ordem cosmológica havendo, portanto, uma vinculação comum a esse poder, como emanado directamente da ordem divina. 
Só num período muito curto e recente a humanidade não esteve submetida a um poder patriarcal, autoritário, fortemente apoiado na religião. 
O restante, foi o período das sociedades pré-históricas (cerca de 300 mil anos), mais o  longuíssimo período superior a 5 milhões de anos, em que os homininos se foram afastando do ancestral comum a estes e aos grandes símios. 
Claramente, isto mostra-nos que os comportamentos sociais têm uma profunda raiz na nossa história propriamente biológica. 
Também as formas de organização das sociedades humanas, ao longo da História e que antecederam a nossa civilização contemporânea, mantiveram, de alguma forma, relação com este fundo comum da espécie.

Para inúmeras gerações, a questão central da vida não era a liberdade do individuo, mas a subsistência. O conseguir alimento suficiente para si e para os filhos, era a preocupação quase exclusiva de inúmeras gerações de homens e mulheres.  
A questão da submissão ao grupo ou gregarismo nasce dessa situação. 
Nunca foi fácil o ser humano ou hominino sobreviver. Nos primeiros milhões de anos, os homininos tinham de contentar-se com o que os grandes carnívoros deixavam das carcaças das prezas mortas por eles. 
Existem muitas indicações de que a humanidade (e as formas que a antecedem) vivia na carência ou no limiar desta, além de que eram muito mais frequentemente presas do que predadores: não faltam evidências disso, desde marcas de dentes de grandes carnívoros nos ossos fossilizados de homininos, até às composições isotópicas dos dentes, que nos dão uma ideia da composição da sua dieta. 
As estimativas da densidade populacional, correlacionadas com a  abundância ou escassez de alimento, mostram uma humanidade no limiar da fome em vastos períodos históricos. 
Tem de compreender-se então o gregarismo como uma tendência forte, no ramo da evolução animal ao qual pertencemos. Forte, no sentido de ter havido muitas forças no entorno dos indivíduos, que favoreceram este comportamento, que até o reforçaram com dispositivos sociais (as castas, as classes, as ordens...) e com uma super-estrutura ideológica (as crenças, os mitos, as religiões, as ideologias...). 
Mas, as coisas são muito mais complexas, pois em simultâneo, surgem forças que se exercem no sentido contrário. Estou a referir-me à  plasticidade do comportamento humano, que alguns assimilam ao «livre arbítrio» mas que - afinal - se pode resumir à capacidade de auto-determinação do indivíduo, em relação ao grupo no qual está inserido. Esta liberdade face ao grupo, obviamente, tem mais oportunidade de se exprimir e desenvolver numa sociedade onde exista uma certa abundância, ou onde os indivíduos não estejam tão constrangidos, tão dependentes do entorno social, para a sua simples subsistência. 

Os ideólogos do individualismo colocaram as liberdades e garantias individuais como direitos inerentes e inalienáveis de todos os humanos, claramente acima de quaisquer direitos de grupos. 

Os direitos humanos foram assim entendidos como coisa absoluta, independente das sociedades. Nalguns filósofos, foram tidos como independentes da contribuição dos indivíduos para as mesmas sociedades.

Porém, pouco tempo depois, desenvolveram-se regimes totalitários, como o nazismo e o bolchevismo, em que o indivíduo era subordinado ao Estado todo-poderoso.  

As guerras e enormes destruições ocorridas conduziram ao Direito Internacional, aos princípios da ONU, à sua Carta e Convenções, aos organismos supra-nacionais. Infelizmente, todo o edifício está fortemente posto em causa pela própria utilização abusiva dos poderes dominantes, que violam impunemente esta legalidade internacional. 

O gregarismo é um mecanismo biológico e não adianta muito contrariá-lo. Mas, deve-se compreender que a manipulação deste gregarismo, que está na nossa biologia, é um dos ingredientes da propaganda ou das «relações públicas». Esta manipulação está integrada no âmago das nossas sociedades, condicionando de forma inevitável praticamente todas as pessoas. 
Através de mecanismos psicológicos infundem a ilusão nas pessoas de uma liberdade no consumo, na política, na religião, etc. Isto consiste, claro, num processo hábil de neutralizar as salvaguardas racionais e a verdadeira autonomia dos indivíduos, sem que estes tomem consciência disso. 
A questão da propaganda (ou «public relations») na sociedade contemporânea será tratada, em pormenor, noutra parte.   



sexta-feira, 4 de outubro de 2019

ROTEIRO PARA ESCAPAR DA MATRIX/LABIRINTO [parte II]

                           

Quando me decidi a escrever algo do «sumo» da minha experiência, relativamente a questões que só superficialmente são tidas como do foro íntimo - a consciência, a autonomia do indivíduo, a responsabilidade individual e social - não estava querendo dar «lições de moral», mas antes motivado pelo desejo de arrumar - na minha própria cabeça - conceitos e experiências. 
Depois descobri que, ao arrumar este conjunto de questões, estava a tornar tudo muito mais claro, na minha mente. Este era um «fio de Ariadne» que me poderia conduzir, no futuro, para fora de situações embaraçosas e de constrangimento, como acontece nas vidas de quase todas as pessoas. 
Este «fio» talvez seja demasiado frágil e talvez apenas uma hipótese. Porém, se tal hipótese se confirmar, mesmo que só eu consiga recorrer a ele para sair do labirinto, já é muito. 
Para si, leitor/a, isso significa que o/a leitor/a pode encontrar o seu próprio método, também! Não será isto uma boa notícia?  

As pessoas todas precisam de um «vestido aureolar», uma roupa invisível que proteja a nudez do seu ego. Elas deslocam-se na sociedade, exibindo esse traje, embora estejam nuas, face a alguém com o olhar ingénuo duma criança. 
É curioso ver as pessoas imbuídas das suas roupagens e adereços, como se fossem personagens de teatro, ou de ópera. Serão elas capazes de descolar de suas próprias «representações teatrais», verem-se a si próprias e o papel que estão desempenhando?
- Os personagens da história (os monarcas, chefes militares, etc) construíram deliberadamente um «avatar» de si próprios, um ser mítico, que os súbditos adoravam, um símbolo, algo que não tinha realidade, senão na imaginação dos seus adeptos.
Assim procedem, igualmente, os «ídolos» do desporto, do cinema, da música pop, da política-espectáculo, enquanto manipulação hábil desse «vestido-aureolar». 
Do lado dos adeptos, do lado das massas, existe um desejo, não-satisfeito, de amor, de um amor impossível de satisfazer porque é o amor que uma criança com poucos meses de vida possui/recebe do seio materno, que o nutre e lhe dá tudo, calor, carinho, segurança, prazer. 
A nostalgia dos humanos pelo seio materno é universal. 
Aquilo que não é tão universal é um desejo sôfrego pela satisfação do retorno ao seio materno, mesmo que seja de modo totalmente simbólico, ou o mais  irrisório, até. 
Mas devemos compreender que, em larguíssima escala na sociedade, existe uma regressão infantil de certo número de pessoas. São estas pessoas com grande pulsão para «se entregarem», que procuram uma identificação com um ídolo. Elas colocam-se (interiormente) na postura do «bebé que mama o seio materno». Isto não deveria surpreender, pois estas pessoas não conseguem encontrar na sua vida - que, elas próprias desprezam - algo que supere a quase perfeita felicidade do bebé. É como uma droga, como a «soma» do romance de Aldous Huxley.  E a isto, pode chamar-se alienação.

Note-se que, quanto mais frustradas, mais se agarram à sua «droga» preferida: numas, pode ser  mesmo «droga» no sentido usual de substância aditiva. Noutras, pode ser a identificação com e adoração do ídolo. 
Tal mecanismo é patológico, na medida em que vai escamotear a realidade: o ídolo, não é assim na realidade, mas é essa a imagem retida pelos adeptos que o adoram. 
Além disso, o reforço constante da imago do ídolo, na media popular de massas, cria e alimenta em permanência, o mecanismo de identificação com ele: os adoradores recebem através da imago, um pouco de sua aura, do seu poder mágico, etc, etc.

As pessoas podem estar de tal maneira reprimidas ou anuladas, que não têm a coragem - nem pensam sequer - de viver a sua vida, construindo os seus projectos, aceitando desafios, lutando pelos seus objectivos. Assim, um pequeno grupo consegue perfeitamente manter controlo das restantes pessoas, dominadas. A receita é simples e muito velha: 
- Fazer com que a imagem da(s) pessoa(s) dominante(s) coincida com um mito pré-existente, vestindo a mesma roupagem do mito, ou levemente diferente mas facilmente reconhecida pelas massas, o vestido-aureolar de que falei acima.

Mas, nada disto seria possível se não houvesse, profundamente, em todos nós, uma tendência genética, hereditária, para o gregarismo. 
Esta tendência já está presente, antes do aparecimento dos humanos, no mundo animal, não sendo portanto uma contribuição original da evolução humana, mas antes uma herança ancestral, transportada pelos homininos até  Homo sapiens e presente em todas as culturas humanas, passadas e presentes. 

Irei desenvolver este tema no capítulo seguinte.

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

ROTEIRO PARA ESCAPAR DA MATRIX/LABIRINTO [parte I]


                        
Por vezes, a mente é levada a construir complexas construções, as quais se apoderam do próprio funcionamento do indivíduo. A sua consciência é auto-adormecida, pela falsa evidência, aparência, ou ilusão, de que a realidade que o cerca se conforma ao modelo interior, por ele construído. 
Por outras palavras, temos a tendência - forte e generalizada - de interpretar as informações, tanto o que nos chega pelos sentidos, como o que entra pela via do «universo medio-cognitivo», duma maneira que se encaixe no modelo interior que construímos (não conscientemente) do mundo e de nós próprios.
Quando nos deparamos com evidência de que assim é (como escrevi acima) e, sobretudo, que o nosso ponto de vista não pode ser senão o ângulo subjectivo do indivíduo, que interpreta as coisas de acordo com a sua conveniência, podemos ser tentados a adoptar uma postura cínica, como: «se as coisas são assim, então irei fabricar a minha narrativa do real, de acordo com a minha conveniência».
Mas, a narrativa do real, não é o real. O real está para além do alcance da mente humana, não porque ele não exista... nem porque a mente humana seja conceptualmente deficiente, para alcançar esse conhecimento. Não, a impossibilidade de ver o real é ontológica. 
É aquilo que nos transmite o «Koan» seguinte: 

   «os olhos não podem ver-se a si próprios». 

Dirás «mas os meus olhos, que se reflectem no espelho e dos quais vejo a imagem, são reais, pois os fluxos de ondas luminosas que chegam aos meus olhos, o são»... 
Para lá da explicação imediata, de que os olhos não podem ver senão o reflexo (ou seja, ondas luminosas) ao espelho, de si próprios.... devemos ter em conta que o próprio tecido do real é composto de uma grande complexidade. 
Estaremos convictos de que «vemos» algo, que os olhos não nos estão a enganar, no instante preciso em que estamos a sofrer uma ilusão. 
Além disso, a realidade física, as leis da reflexão dos objectos num espelho, a luz que incide e é reflectida, o modo como isso acontece, etc...existem, mas, também elas não proíbem que determinados parâmetros variem, e isso fará com que o observador interprete - de modo erróneo - uma determinada imagem. 
Deve-se ler a discussão acima, não meramente no sentido literal, mas também metafórico: compreendemos que estamos permanentemente a nos enganar a nós próprios, com os «olhos da mente» coloridos por lentes, de cores diversas, como um caleidoscópio que varia, consoante nossos estados internos.
Poderia desenvolver e ilustrar longamente o que acima delineei, mas peço ao próprio leitor para fazê-lo, reflectindo, recorrendo a memórias da sua experiência pessoal, ao que tem ocasião de observar no mundo que o rodeia. 

Assumindo pessoalmente os pressupostos acima, como é que eu me poderei libertar desta «teia», desta «matrix», que me impede a ver o real sem «filtro», sem as ilusões de «óptica» decorrentes da minha própria pessoa? 
- Fará sentido procurar «sair de mim próprio»? 
- Será que posso me desdobrar em «observador do real» e «observador do observador do real»... num jogo de espelhos sem fim,  até ao infinito? 
- Não será melhor eu assumir que - faça o que fizer - estarei sempre imerso nesta matriz, neste vai e vem entre o mundo real e a minha percepção do mesmo, a qual não é «mecânica», «automática», mas sim uma construção? 
O meu cérebro tende a procurar «fazer sentido» da informação, porque foi feito para isso, geneticamente. 
Também  foi treinado pela educação, reforçando este comportamento na vivência de todo o tempo de vida... 
Mesmo que tente descolar do realismo ingénuo - a realidade é «aquilo que vemos» - o certo, é que não comando as minhas pulsões, o meu «fundo animal», etc, pelo que - no melhor dos casos, somente poderei «a posteriori», depois duma ocorrência, tentar compreender o que se passou. 
Também neste caso, terei necessariamente de recorrer às experiências passadas e ao armazenamento das mesmas na memória, não poderei raciocinar de outra forma, senão da maneira como me foi ensinado, condicionado, habituado a fazê-lo, etc. 
Em qualquer situação, estará sempre um subjectivismo irredutível, no centro da interpretação do que vejo.  

A consciência da não-distância ao real, da não-descolagem do personagem que observa, em relação à informação que lhe chega pelos sentidos (ou mecanismos cognitivos), poderá ser um princípio. 
Tendo em conta esta complexidade, não deverei ter a veleidade de saber tudo, nem de ter uma clara visão do que vejo. Terei uma grande prudência em relação aos meus juízos. Nomeadamente, de que sendo eu centrado, ancorado, na minha existência (e isto não pode ser de outro modo), não poderei abarcar a realidade numa visão global, como se fosse «Deus».
A impossibilidade de uma parte (nós) ter um total conhecimento e consciência do todo, no qual está incluída (o Universo), foi demonstrada matematicamente por Gödel, um dos mais brilhantes matemáticos do século XX.

Eu adopto a posição de um realismo prudente, não trivial, não «materialista», não ingénuo em relação à ciência, nem à sua ideologia (cientismo) que muitas vezes nela se esconde. 
Mas sou realista e reivindico esta minha opção, pois me parece ser a única que poderá alimentar uma abordagem saudável e construtiva dos problemas éticos, que se me deparam a cada passo.

Se falamos de ética e de consciência, estamos a falar de quê? 
- Estou a fazer algo pelo sentido do dever ou do prazer? 
- Estou a auto-avaliar a minha escolha, a minha acção, por valores que poderão ser adoptados pelo conjunto da sociedade e até do universo, ou estarei meramente a jogar com as palavras, para me «enganar» a mim próprio?

Muito poderia e deveria ser dito e escrito sobre estas questões, mas aqui irei apenas dar uma indicação de caminho:
- A consciência de si e a noção do real, da realidade, são dois aspectos indissociáveis do «ethos» do indivíduo; tal pode também ser aplicado, com modificações, à ética social, à «moral pública».