Muitas pessoas aceitam a situação de massacres de populações indefesas em Gaza e noutras paragens, porque foram condicionadas durante muito tempo a verem certos povos como "inimigos". Porém, as pessoas de qualquer povo estão sobretudo preocupadas com os seus afazeres quotidianos e , salvo tenham sido também sujeitas a campanhas de ódio pelos seus governos, não nutrem antagonismo por outro povo. Na verdade, os inimigos são as elites governantes e as detentoras das maiores riquezas de qualquer país. São elas que instigam os sentimentos de ódio através da média que controlam.
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quinta-feira, 8 de junho de 2023

O PROBLEMA DA CENSURA E PERSEGUIÇÃO DAS VOZES DISSIDENTES

 Muitas pessoas estarão de acordo em considerar a liberdade de opinião como pilar essencial das nossas sociedades ocidentais. Neste momento, desenvolve-se uma cruel e seletiva caça à dissidência, que tem como vítimas jornalistas, escritores e outras figuras públicas conhecidas, respeitadas e apreciadas. Perante isto, nota-se uma indiferença da cidadania e um olhar para o lado de pessoas metidas na luta política (leia-se política = meios de alcançar o poder). Não só são passivos perante esses crimes, como perante os  crimes que justamente foram denunciados pelos dadores de alerta (Assange, Snowden, etc, etc). Dessa forma, estão a dar cobertura aos senhores do poder, que irão «tratar-lhes da saúde», assim que tiverem a situação inteiramente sob controlo.

 Parece que muitos dos intelectuais dos países ocidentais ignoram os escritos de Hannah Arendt, e de muitos outros autores importantes, sobre a ascensão dos totalitarismos. Para mim, não é surpresa que os neoliberais os ignorem, quer no sentido de nunca os terem lido, ou de terem esquecido por conveniência (oportunismo) esses escritos fundamentais de reflexão em filosofia política. Mas, choca-me ainda mais que pessoas com elevadas credenciais académicas e culturais se comportem «como se» ignorassem tudo sobre a natureza dos sistemas totalitários, as suas manhas para subverter por dentro as democracias, etc. Será possível que esqueçam os contributos de Hanna Arendt, de Bertolt Brecht ou de Soljenitsin e de muitos outros, que seria demasiado longo citar?

O problema não é ter-se mais ou menos conhecimento: é muito mais central e premente. Tem relação com a dignidade e a coragem do ser humano; dizer-se «não colaboro, a minha consciência não mo permite»; ou «já não posso continuar sem fazer nada, como se nada houvesse, ou como se isso nada tivesse que ver comigo e com a sociedade em que vivo».

Eu compreendo melhor, agora, o desespero de Stefan Zweig, que o levou ao suicídio quando pensou que os nazis iriam vencer a II Guerra Mundial. Ele não queria viver num mundo assim. Também o existencialismo de Albert Camus, que teve a coragem de contribuir ativamente para a Resistência francesa durante a IIª Guerra Mundial.  Não cito aqui muitos outros, que merecem a nossa homenagem e são exemplos de dignidade humana e de elevado valor moral. 

A minha postura pode ser considerada estranha, face ao tempo em que vivemos. Pois eu sou testemunha, mas não participo nesta cultura hedónica, materialista (no sentido de procura dos bens materiais), de adoração do poder, do dinheiro, do «estrelato»... que é hoje o substrato cultural da maioria das pessoas.

 Mas, isto não acontece por acaso. Note-se que - por enquanto - o ensino nos países ocidentais não veicula estas ideologias - pelo menos, de um modo explícito. As religiões correntes nestas paragens (a cristã, mas também as outras), não encorajam, até condenam explicitamente, esta adoração do vitelo de ouro. 

Penso que a influência da comunicação social de massas é avassaladora e impregna, ao nível subconsciente, quase todas as pessoas: isto inclui, obviamente, pessoas inteligentes e de elevado nível cultural. Por isso, os verdadeiros donos deste mundo querem ter o controlo da media, sobretudo das redes sociais, como temos visto nos casos de Elon Musk, Marc Zuckerberg, etc.

A cultura das pessoas em Portugal tornou-se quase uniformemente ocidentalizada, assimilando a cultura anglófona, em particular a dos EUA, sob todos os aspetos; desde a música pop-rock, às modas de linguagem - a utilização do inglês no comércio e publicidade - aos valores ideológicos e aos modelos comportamentais das «stars». 

Por contraste, vai aumentando a ignorância do que seja português, ibérico, e de tudo o resto que não seja anglo-saxónico, mas europeu ou extraeuropeu. Isso faz com que tenham «uma vaga ideia», no melhor dos casos, das produções e personalidades que marcaram as outras culturas. 

 Não sou parcial, não tenho qualquer ódio e raiva aos americanos e ingleses, nem à maioria dos intelectuais, homens e mulheres com elevado padrão moral, além de talento. Eu aprecio a coragem de alguns jornalistas, ensaístas e políticos, dos EUA, como Chris Hedges ou como Paul Craig Roberts (e muitos outros). 

Criticar o imperialismo e a repressão aos «de baixo», não me afasta (ideológica e eticamente) deles; pelo contrário, isso aproxima-nos. O que há de bom na cultura anglo-saxónica, é por mim reconhecido, tanto em relação ao passado, como ao presente. De facto, o combate pela liberdade atravessa fronteiras geográficas ou físicas, mas também de cultura e ideológicas. 

A censura não é um «problema de intelectuais», porque o próprio âmago da liberdade está aqui em causa, a liberdade de todos; sejam de esquerda, ou direita; radicais ou conservadores; crentes ou ateus, etc...

     O autor, dramaturgo esquerdista, é acusado por tribunal de Berlim de «propaganda nazi»!

Se alguns são amordaçados por causa das suas ideias, daquilo que pensam e escrevem, então, qualquer um de nós pode também ser, de um momento para o outro. Estamos todos ameaçados. Estou convicto disso: a realidade tem trazido, ultimamente, imensas provas em apoio desta convicção.

sábado, 5 de outubro de 2019

ROTEIRO PARA ESCAPAR DA MATRIX/LABIRINTO [p. IV]

                            

Na parte III desta série, propunha que nos debruçássemos sobre a questão da propaganda ou das relações públicas (PR = public relations), em conexão com o gregarismo, que foi o fio condutor daquela parte (III). 
Agora, na parte IV, é tempo de aprofundar o que afinal liga esse mecanismo largamente endógeno, o «gregarismo», com algo que é - para todos os efeitos  - uma construção das sociedades.
A teoria da propaganda ou das «relações públicas» foi fundada e desenvolvida por Edward Bernays, um sobrinho de Sigmund Freud, mas depois dele um grande número de especialistas - psicólogos, sociólogos, etc. - foram acrescentando e refinando os conceitos. Se esta teoria foi inovadora no seu tempo (primeiras décadas do século vinte), ela não é mais do que a versão banal dos achados de Freud sobre o inconsciente, sobre as pulsões, enfim sobre a psicologia das profundezas, e a sua aplicação ao homem e mulher comuns, ao cidadão que cruzamos no quotidiano, com o objectivo de induzir um comportamento, que pode ser de consumir algo, mas também pode ter a ver com a escolha política ou outra. 
Noutro escrito detalhei bastante este aspecto, pelo que evitarei aqui repetir-me: o leitor poderá reportar-se ao artigo aqui, deste blog.

O que me interessa agora detalhar é o aspecto de manipulação destas técnicas, que fazem com que as pessoas adoptem, em aparência, atitudes e mesmo valores que pensam ser próprios, resultantes de sua escolha quando, na verdade, são induzidas e são resultantes de um condicionamento discreto. 

Qual a relação que isto tem com a manipulação? 
Penso que isto tem tudo a ver, pois «manipulação» deve ser o termo apropriado para indução de certos comportamentos ou ideias, sem que haja consciência disso. 
Logicamente, os métodos claramente autoritários, repressivos, estão excluídos da minha definição, embora, políticos e outros possam recorrer a eles, forçando as populações a adoptar um determinado padrão de comportamento. 
Neste caso, o das ditaduras, existe uma secreta, mas real, consciência por parte de muitos indivíduos dominados, de que tais comportamentos estão a ser forçados sobre eles, mesmo que eles não possam exprimi-lo. 
Mas, a propaganda ou o «public relations» consiste em algo muito diferente, pois as pessoas são levadas à ilusão de que escolhem fazer isto ou aquilo, que a sua escolha da máquina de lavar roupa é inteiramente racional ou é inteiramente baseada numa avaliação que elas próprias fazem das suas características, como produto... este exemplo anterior é um bocado simplista, mas isso é intencional; mesmo nas questões mais subtis, afinal de contas, a propaganda infiltra-se fazendo as pessoas acreditar que estão a raciocinar por elas próprias, por exemplo, se lhes dão sempre um determinado conjunto de notícias e estas pintam a realidade de determinada maneira, só uma minoria consegue compreender um escrito ou discurso que nega o discurso habitual e desmascara os parâmetros «normais» dessas notícias. Desta minoria, um número ainda menor estará em condições de aderir a esta outra forma de encarar as coisas - as realidades da política, sociológicas ou económicas, por exemplo. 
Igualmente, a chamada Educação tem muito mais de doutrinação, de amestrar, do que de educação, no sentido humanista de fornecer instrumentos de autonomia, de raciocínio crítico, de capacidade de ver o mundo social e natural pelos seus próprios olhos. 
Mas, por que razão isso resulta? Porque razão resulta a publicidade? Por que razão resultam as propagandas políticas e ideológicas? ... ou qualquer outra forma de incutir modos de pensar alheios ao indivíduo?

A resposta a esta interrogação tem necessariamente de passar por vários aspectos.
- Em primeiro lugar, passa pelo mecanismo da auto-ilusão: o eleitor, o adepto deste ou daquele, gosta de ouvir as suas «próprias» ideias, nos discursos, notícias, aquilo que reforça a sua convicção, a sua visão do mundo, a sua escolha pessoal em todos os campos. Assim, terá tendência a aplaudir e a mobilizar-se por candidatos que apelem para esses mesmos valores ou ideias, que os reforcem, que os coloquem de maneira forte, enérgica, ao nível do discurso. 
Terão mais votos, os candidatos que tiverem maior facilidade em produzir o discurso que agrada ao eleitor, não os que tenham realmente coisas importantes e originais a dizer, ou que tenham verdadeiras soluções para os problemas, admitindo que esses candidatos existam.

A «escolha» tende a ser inteiramente emotiva, baseada na impressão que tal ou tal candidato causa, junto do eleitor, não havendo relação quase nenhuma com o conteúdo concreto do discurso. 
Se analisar os discursos eleitorais em várias décadas verá que os conteúdos se tornam cada vez mais banais, mais insípidos de ideias, mais abrangentes, de forma a agradar a «gregos e troianos», com o tempo. Notará também que esta tendência se verifica em todos os partidos e correntes políticas que concorrem aos actos eleitorais.  
Podia-se também verificar um processo análogo com o fetichismo da mercadoria: por exemplo o consumo de luxo, de prestígio, teria a virtude mágica de colocar o consumidor entre a «elite» dos «muito ricos» e «superiores», visto que assinalaria um «status» de excepção do mesmo consumidor. Ou, que daria (restituiria) ao consumidor a juventude, ou charme ou sex-appeal, etc...
O mecanismo da auto-ilusão é muito forte e podem muitas pessoas auto-convencer-se das coisas mais extravagantes, desde a sua aparência física (naturalmente, a beleza é vista pelos próprios olhos...), aos seus dotes intelectuais ou morais. 
Outro aspecto importante, é o que se prende com a pressão grupal ou - dito de outro modo - com a pressão de conformidade ao grupo, que é o aspecto mais saliente do gregarismo.
Nos adolescentes, em particular, são muito marcadas as tendências para se conformarem com uma norma, não escrita... para serem aceites dentro do grupo, da faixa etária. Esta forma de coação social pode ser benigna, no melhor dos casos, resumindo-se ao uso de determinada indumentária, de certas expressões na linguagem, de gostar de determinadas músicas, etc. 
Mas, também pode ter aspectos muito menos anódinos, que passam pela criminalidade dos grupos, ou gangs, pela sistemática utilização do interdito, do socialmente condenado, do vandalismo, do uso de drogas, da utilização de motas e motociclos, de forma perigosa (para os próprios e os outros), etc. Tudo isto, para afirmarem, ou serem aceites, ou manterem, uma dada posição (hierárquica) dentro do grupo...

A tendência para o gregarismo é muito forte. Os psicólogos e sociólogos, ao serviço do sistema, sabem manipular os sentimentos das «massas» no sentido delas adoptarem este ou aquele padrão de comportamento. 
Ninguém, ou quase, sente-se confortável, se excluído do convívio com os seus semelhantes. O medo da exclusão, de ser apontado a dedo, inibe muitas pessoas de tomar certas atitudes, de fazer as coisas de acordo com sua consciência, por causa desse receio. É portanto uma força de coação social e psicológica muito importante. 
O esforço para uma pessoa se libertar de tal complexo, não é algo que se observe correntemente. A conformidade, para não dizer o conformismo, é a norma. 
As pessoas são induzidas a conformar-se com a norma, «adaptando-se», quer na escola, quer na empresa, a essa norma, mesmo a mais absurda ou contra-produtiva. Os críticos são vistos, no melhor dos casos, como uns «chatos», no pior... como «perigosos» e «subversivos».

 Assim, a sociedade tem mais tendência a reforçar comportamentos gregários, o «ficar dentro do rebanho», do que encorajar a inovação, a criatividade, a procura de novas formas de abordar as questões. 
O conservatismo das sociedades permitiu que - nas eras remotas, em que a vida, de geração em geração, era perfeitamente semelhante - houvesse um máximo de estabilidade. 
Mas agora, nas sociedades sacudidas pelo caos, onde nem nos podemos inteirar, quanto menos adaptar, aos efeitos das inúmeras mudanças simultâneas, de tantos desafios e perigos, tanto a um nível individual como colectivo, a educação conformista, autoritária e repressiva, surge como anacronismo, como um factor de regressão. 
Não admira portanto que, enquanto instituição, esteja em crise profunda e que não haja muita gente, dentro do sistema, capaz de tomar um recuo e perceber quais as causas profundas das disfunções. Este fenómeno ocorre de forma mais ou menos intensa, ou dramática, consoante os países, mas está patente em todas as sociedades.

Diria que a educação é a questão nº1, mas não o digo no sentido de preconizar a «enésima reforma do  ensino». 
Acho que é hoje a questão pior tratada, de todas as questões, nos discursos políticos ou pseudo-filosóficos, que se possam ouvir ou ler. 
Nos dias de hoje, a crise da educação é  «varrida para debaixo do tapete»,  é um claro caso de «denegação». 
Como este problema é particularmente importante, a meu ver, merece que nos debrucemos sobre ele no próximo escrito (parte V), pois está no cerne de problemas sociais e das repercussões nos indivíduos contemporâneos.