quarta-feira, 1 de novembro de 2017

MARINALEDA: AUTOGESTÃO NA ANDALUZIA





Marinaleda: Autogestão na Andaluzia

Nesta sessão do dia 3 de Novembro, vamos apresentar na Fábrica de Alternativas de Algés o trabalho de José António Antunes que fez , com a Tertúlia Liberdade, uma notável reportagem, há cerca de 3 anos, sobre os movimentos sociais no campo, na Andaluzia. 
O principal protagonista desta gesta é o Sindicato de Obreros del Campo (SOC), um sindicato autogestionado e que tem baseado as suas acções em El Coronil e em Marinaleda.
Vamos portanto saber como um sindicato autogestionado, em assembleia com toda a população, pode organizar, não apenas os momentos de luta, como também a produção, os espaços de habitação e o quotidiano de milhares de pessoas.



                      

terça-feira, 31 de outubro de 2017

A QUESTÃO DO NACIONALISMO E DA «UNIÃO» EUROPEIA

                        
Há algum tempo colocava a questão se existiria um nacionalismo de esquerda. Respondi que sim, que era evidente, pelos exemplos históricos diversos. 
Agora temos um caso especial com o nacionalismo catalão e o destino incerto de uma República Catalã que foi negada, anulada, mal foi proclamada. 

A questão de fundo prende-se com a direção do movimento nacionalista, seja em que região do mundo for. Vimos isso com as direções dos movimentos de libertação das ex-colónias portuguesas, por exemplo, que assim que tiveram o poder e formaram governo nos seus países recém-chegados à independência tratarem de assegurar o controlo pessoal dos diversos sectores da economia e finalmente, acabarem por distribuir benesses e postos lucrativos a familiares e amigos, assegurando também um pecúlio suficiente para um exílio dourado, algures à beira dum lago suíço.

Na Península Ibérica, desde a Idade Média, as diferenças culturais e étnicas, inegáveis, entre povos da Hispânia ou Ibéria, vão-se repercutir na divisão entre vários reinos, historicamente o terreno onde se desenvolveram as línguas e floresceram as culturas. 
Porém, o nacionalismo surgiu - de facto - como ideologia política somente no século XIX, na sequência da convulsão das guerras napoleónicas, em toda a extensão do continente europeu. Foi a partir dessa época que o nacionalismo se afirmou como uma aliança entre a burguesia e o povo (os camponeses, os artesãos e o proletariado das nascentes indústrias).

A República Espanhola era federal e as diversas regiões, incluindo o País Basco, a Catalunha e a Galiza, tiveram órgãos próprios de governo. 
No franquismo, as reivindicações de autonomia política foram ferozmente reprimidas, enquanto se permitia a afirmação dos particularismos regionais, como expressões da «diversidade» dentro da mãe Espanha. 
O modelo republicano era federalista: tinha na sua génese as reivindicações de poderosas burguesias regionais, que desenvolveram indústrias e comércio, na Catalunha e no País Basco, sem precisar de Madrid, a sede do império. 
Está patente, sob forma de testemunhos de pedra, a ascensão da burguesia industrial em San Sebastián ou em Barcelona. No período que vai da segunda metade do século XIX, ao primeiro quartel do século XX, foram construídos muitos monumentos e prédios burgueses nas artérias mais prestigiosas destas cidades. 
A região Galega também teve o seu impulso, liderado por uma burguesia nacional, mas sob o franquismo e o imediato pós-franquismo, constituindo fortunas colossais, como a dos patrões da «Zara» ou da «Pesca Nova». O nacionalismo galego sonha com um Estado único englobando a Galiza e Portugal. 

O nacionalismo «revolucionário» está em crise, assim como as correntes de extrema esquerda autoritária, principalmente de influência maoista, que as protagonizaram. Embora só possam oferecer um pouco de ópio de ilusões emancipadoras, conservam ainda uma certa áurea nalgumas regiões, em sectores das classes trabalhadoras.

A crise catalã vem confirmar isto, pois o processo é liderado - de facto - por sectores da burguesia, que têm como objetivo a integração da Catalunha no desconcerto das nações da desUnião Europeia. 
A aposta da independência ser apoiada pelos poderes eurocráticos de Bruxelas ainda não foi considerada perdida por vários sectores pró-independência da Catalunha. 
Mas pessoalmente, eu acho que está mais que provado que os poderes de Bruxelas e da grande maioria dos Estados e Governos que compõem a manta de retalhos chamada Europa «unida», nada temem mais do que um simultâneo rebentar de crises nacionalistas nos seus respetivos Estados. Note-se que estes são quase todos multi-étnicos, como é lógico que o sejam, numa História de tantos séculos, com guerras, invasões e tratados de paz que redesenharam fronteiras nacionais, etc. 
O enfraquecimento do poderio da UE, pode ser interessante no curto prazo para os EUA, pois estes estão interessados em que seus aliados e parceiros sejam fracos, que precisem da ajuda e proteção do Império. É melhor - para o dólar - que sejam o euro e a zona euro a sofrer o maior impacto, na vindoura crise económica e financeira . No entanto, o imperialismo dos EUA precisa do imperialismo subordinado da UE; não quererá que esta UE rebente. 
Por outras palavras, sem dúvida que uma crise generalizada de nacionalismos seria o epitáfio do Euro e mesmo da UE. 
O declínio é inevitável, com ou sem crises nacionalistas. Veria afinal, estas crises, mais como consequências, do que como causas. Num contexto de abundância, de enriquecimento, os movimentos independentistas dificilmente terão adesão maioritária. Mas, agora na UE, existem zonas (regiões dentro de Estados) profundamente sinistradas, enquanto outras, não só não sofrem com isso, como estão a beneficiar. Tal é o panorama do após crise de 2008, no espaço da UE.

O apogeu da UE já ocorreu (pouco tempo após o tratado de Maastricht de 1992, na minha opinião). De então para cá, tem havido sucessivas crises e redefinições, que apenas têm acentuado a vertente centralista, deitando pela borda fora quaisquer aspetos federalistas sinceros que pudessem estar presentes nas visões de alguns «europeístas». A UE, na sua configuração geográfica, política e institucional, encarna um centralismo extremo: a concentração do poder em pouquíssimas mãos, à custa da liberdade e da democracia, como nos sonhos imperiais de Carlos Magno, Napoleão e mesmo de Hitler.  

O paradoxo é que, tanto os independentistas da Escócia, como os da Catalunha tenham como objetivo acolherem-se debaixo da «azinha» do Império com sede em Bruxelas. Esta UE sempre foi do agrado das grandes corporações  e da casta militar de alta patente, eles próprios vassalos do Império dos EUA. 

Aliás, hoje em dia está mais que provado, com inúmeros documentos, que a UE foi uma construção querida, acarinhada e desenvolvida pelos americanos e que as fantasias de que a UE pudesse, um dia, ser uma potência rival dos EUA, não passaram de um estratagema para embarcar nacionalistas e anti-imperialistas ingénuos. 
A crise dos nacionalismos situa-se, oxalá, no capítulo final da desagregação deste projeto megalómano e autoritário da UE. 
Que esta arquitetura de super-Estado, supra-nacional e dominador dos povos seja desmontado... e quanto mais depressa, melhor. Os povos não têm nada a ganhar com a sua perpetuação. 
A democracia só pode beneficiar com o desmantelamento desta capa de burocracia e de leis feitas à revelia dos povos e em contradição com as legislações nacionais. 
A UE, desde o princípio, foi a união dos cartéis das grandes indústrias. Tinha de se revestir da «etiqueta» da democracia e da fraternidade entre os povos, para fazer passar seu projecto, como sendo desígnio de todos, de todas as classes, em que todos seriam beneficiários. 

A crise económica, política e institucional na Europa, tem mostrado os aspectos menos reluzentes da ditadura da burguesia. 
Nada, na crise catalã, deveria surpreender as pessoas que compreendem a verdadeira natureza da UE e dos seus Estados membros.   

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

MARIN MARAIS - TOMBEAU DE MONSIEUR DE STE. COLOMBE


Escrito após a morte de seu mestre, Monsieur de Ste Colombe, o jovem Marin Marais (Paris 1656- Paris 1728) mostra a sua capacidade de extrair um máximo de expressividade da viola de gamba.

Este estilo peculiar de peças lentas e plangentes, a meu ver, anuncia uma era mais centrada no indivíduo, mais interiorizada, pois tem ressonâncias profundas na psique. A música deixa de ser apenas representação, para ser uma forma idealizada de descrever estados de alma.

A qualidade subtil desta música apenas pode ser perceptível a pessoas que conservaram intactas as «cordas» da sensibilidade, o que - infelizmente - não é o caso hoje de muitas pessoas, nesta época de hedonismo desenfreado.

Num certo sentido, aqui transparece o lado intensamente humano deste compositor, pois a sinceridade da sua lamentação pela morte de seu mestre, não pode ser posta em causa por quem ouve atentamente e mesmo que não saiba quais os códigos musicais em vigor naquela época.

O modo menor, o andamento adagio ou lento, os cromatismos, a intensidade expressiva, são «artifícios» no sentido etimológico, ou seja técnicas da arte de compor... porém, resultam muito sinceros.
A arte tem de ser veiculada dentro de uma tradição e dentro de um conjunto de códigos, para que seja entendida pelo auditor. O auditor (da época, entenda-se), estava plenamente consciente do que constitui uma peça solene, grave, cheia de elevação.
Mas as nossas sensibilidades contemporâneas podem ainda assim usufruir destes momentos de êxtase e reflexão pura, devido ao facto da arte dos sons ser capaz de penetrar nos âmbitos mais profundos do ser.

Um hipotético auditor, que nunca tenha tido contacto com música barroca e mesmo que seja ignorante da arte dos sons, captará o essencial da mensagem da peça. Tal significa que a arte dos sons recorre a «constantes antropológicas», especialmente quando atinge um cume, em termos estéticos.

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

CATALUNHA DECLARA INDEPENDÊNCIA


Após um longo período de incerteza - desde o 1º de Outubro - o parlamento catalão acabou por aplicar aquilo que foi manifesta vontade popular, declarando a independência

O papel de Madrid foi de todo em todo miserável. Não existe termo mais suave aplicável ao comportamento de acicatar as rivalidades, negando todo e qualquer respeito pela vontade do povo, expressa em referendo, o qual foi boicotado e declarado ilegal pelo poder centralista. 
Esta mancha também se alarga para lá das hostes do PP no poder, no PSOE e mesmo à sua esquerda, vários tiveram um reflexo centralista e declararam que não era possível uma autodeterminação, porque isso não estava previsto na constituição. 

Ora, as constituições são fruto de equilíbrios e compromissos históricos, como no caso de Espanha, compromissos que ocorreram no contexto de uma transição pós-franquista, em 1978. Neste contexto, foi considerado que o mais importante era assegurar um Estado de direito consagrador das liberdades fundamentais. 

Mas, em nenhum momento, as instâncias do direito Internacional ou  Europeu afirmaram que o referendo, para auto-determinação de um povo, com eventual separação do Estado no qual se encontrava inserido, era ilegítimo.

Embora seja de saudar a coragem dos parlamentares que declararam hoje, dia 27 de Outubro a República da Catalunha, independente do Reino de Espanha, é com grande apreensão que verificamos haver muito rancor e - mesmo - desejo de vingança de alguns atores políticos em Espanha. 

O contexto da União Europeia, governada por pigmeus políticos, numa comissão imperial de Bruxelas, não eleita, também não favorece a concretização do desejo legítimo do povo catalão. Temo que o papel dos órgãos de comando da União Europeia seja o de querer «por na ordem» os insubordinados catalães. Têm muito medo de que este exemplo alastre a outras regiões da UE, ou mesmo países inteiros, como aconteceu com o Brexit. 

No caso caso do Brexit, eles não podiam fazer grande coisa para contrariar a vontade centrífuga do povo britânico. Fizeram e fazem tudo o que podem para dificultar o divórcio, para que custe muito, para que não sirva de exemplo... 

Porém, no caso da Catalunha, temo algo pior: 
- temo uma repressão militar, com estado de sítio e supressão dos órgãos representativos do povo da Catalunha; 
- temo uma longa guerra de desgaste, com boicote de todos os processos - nomeadamente financeiros e económicos - que poderiam viabilizar a proclamada independência; 
- temo uma declaração de apoio explícito ao centralismo de Madrid pelos poderes eurocráticos e a exclusão explícita da independência, pela maioria dos membros em conselho da UE.

Se um povo está firmemente determinado a conquistar a sua independência, nada o fará recuar. 
Podem lamentar, podem não concordar, mas o mais sábio seria aceitar a situação de facto e negociar algo que não tivesse repercussões nefastas para os restantes povos ibéricos. 

Mas, tendo algum conhecimento da História e conhecendo a mentalidade profunda das elites políticas de Espanha (não o que afixam, mas o seu verdadeiro «credo»), não se pode esperar nenhum bom senso de parte deles: eles estão a jogar - e continuarão a jogar - um jogo de «lose-lose», ou seja, perde a parte contrária (os independentistas catalães), mas a outra parte (resto de Espanha), perde igualmente. O certo é que o poder central de Madrid irá sofrer uma erosão muito maior e verá levantar-se uma forte onda de repúdio, se persistir em tomadas de posição de grande intolerância e sem qualquer sensibilidade para o sentir das gentes. 

Só as gentes do conjunto da península ibérica podem evitar que a situação piore: evitar que um divórcio de uma parte de um Estado plurinacional, se transforme numa tragédia como, infelizmente, estas terras têm sido pródigas ...


quinta-feira, 26 de outubro de 2017

UMA CRÓNICA REPUGNANTE

Hesitei longo tempo em escrever esta crónica, porque os factos à qual esta se refere são simplesmente repugnantes. 
Toda a gente em Portugal comenta a notícia da sentença do Tribunal da Relação do Porto, que considera aceitável violência (exercida com sadismo, ainda por cima) pelo marido, devido a se tratar de uma mulher adúltera. 
Foi preciso uma afirmação do Presidente da República, de que «todos os magistrados são obrigados, obviamente, a cumprir a Constituição da República» para que o Conselho Superior da Magistratura instaurasse um inquérito disciplinar. 
Ora, acontece que o juiz que redigiu a sentença infame tinha antecedentes em desculpar a violência contra mulheres e mesmo em «justificar» violência contra criança de quatro anos.

Estes factos, quando saltam dos tribunais para as primeiras páginas dos jornais e para a discussão pública, são chocantes porque as pessoas têm uma noção intuitiva da justiça que está exatamente no polo oposto do comportamento destes juízes. Aliás, não é assim tão raro - em Portugal - vir a público uma notícia de uma sentença completamente disparatada e com fundamentos absurdos, como foi este recente caso, que despoletou a onda de indignação em todo o país. 

Infelizmente, as pessoas estão completamente equivocadas em relação à chamada «justiça». Ela é efetivamente uma justiça de classe e os seus guardiões de toga estão ao serviço do Estado, não ao serviço dos cidadãos. São privilegiados - pelo próprio estatuto e pelo Estado - que se veem numa situação de impunidade. 

Muitos devem ver-se a si próprios como fora do alcance de qualquer medida disciplinar, mesmo quando pisam e distorcem de forma grotesca a letra e o espírito da lei. Muitos, não apenas aqueles juízes do Tribunal da Relação do Porto, pensam que podem decretar sentenças segundo o seu parecer subjetivo e distorcer - até à caricatura - os fundamentos legais, sobre os quais essas mesmas sentenças teoricamente deveriam repousar.

Sem dúvida, o ordenamento do Estado tem a ver com esta situação de virtual impunidade dos juízes: a prática tem-lhes mostrado que poucas vezes algo acontece em termos disciplinares, seja qual for a sentença proferida, seja qual for o fundamento invocado para a mesma. 
Pressupõe-se que um juiz deve ser respeitoso da Constituição e das Leis, mas a sua posição é praticamente inamovível ou é preciso um escândalo de enormes proporções, como este, da «sentença da mulher adúltera», para que algo sério lhes aconteça, em termos disciplinares.

A um nível diferente, também os polícias são salvaguardados de sérias consequências dos seus atos, mesmo quando estes envolvem clara violação dos direitos das pessoas, um desrespeito óbvio pela lei e atos de brutalidade. Tanto no caso dos magistrados como dos polícias, há alguns elementos que interpretam de forma «demasiado lata» a impunidade que - de facto- lhes é facultada pelo Estado - dito- de «Direito», com suas leis e práticas disciplinares. 

Que eles têm a proteção do aparelho e dos agentes do Estado, pode ser comprovado por nunca serem postos em causa quando ocorre a repressão brutal e totalmente injustificada de manifestações, que eles consideram «contrária à ordem pública», mesmo manifestações legalmente convocadas, onde não exista qualquer ato agressivo de manifestantes. 
Nestas ocasiões, quanto muito, pode surgir alguma indignação pública por «actos desproporcionados» por parte dos polícias ou sentenças «demasiado severas» por parte de juízes. 

Mas não se equaciona nunca que estes são levados a cabo pelos mesmos que os das sentenças aberrantes ou dos atos brutais nas esquadras. Se não são os mesmos, pertencem todos ao mesmo caldo de cultura dos tribunais e das esquadras. 

Se um indivíduo de origem africana é agredido no interior de uma esquadra ou se uma mulher, que sofreu agressão física pelo seu marido com um bastão cheio de pregos, é sujeita a uma sentença totalmente absurda, a indignação do público, muito justificadamente, sobe ao rubro. 

Porém, após o anúncio de um inquérito, parece que tudo volta à normalidade, tudo entra «na ordem». As punições disciplinares são decretadas e aplicadas muito tempo depois e com a maior das indulgências, por norma, ou não fossem eles também, os que as decretam,  guardiãos do sistema.

Não nos iludamos: a justiça é de classe e defensora do Estado acima de tudo. As corporações, supostamente especializadas em defender a legalidade, têm de defender o Estado, acima de tudo! 
... e as pessoas? - Bem, estas, deve-se dar a impressão de que o Estado «se preocupa» com elas.

Uma justiça de verdade só poderá ser baseada num poder real do povo; não me admira nada que numa sociedade divida em classes e onde o poder do dinheiro «soa» cada vez mais alto, a justiça seja o lamentável espectáculo que se vê.

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE A DEMOCRACIA AO NÍVEL LOCAL

Sem dúvida os acontecimentos trágicos de Pedrogão Grande, no início do passado Verão deveriam ser um alerta muito sério sobre o estado calamitoso da floresta, do mundo rural e das diversas (ausentes) medidas de prevenção de incêndios neste retângulo  de terra chamado Portugal.
Porém, esse facto pesado não pesou realmente nas campanhas eleitorais dos partidos para os órgãos de gestão local . Ora, justamente aqueles que têm a primeira linha, ou deveriam ter, no que toca à prevenção de fogos florestais, são os poderes autárquicos. 


O debate, como sempre, dominado pelos candidatos dos partidos, foi centrado em questões das cidades. Mas mesmo nessas, evitou-se tocar na sacro-santa propriedade, mesmo quando abandonada: Esta propriedade desleixada  - nas zonas centrais das urbes -  mostra a sua ruína. Ela também priva as pessoas normais de habitação, reservada que está para construção de unidades de luxo ou hoteleiras, de duvidosa rentabilidade no longo prazo, mas cuja aprovação é garantida pela «impoluta probidade» de presidentes e vereadores camarários ...
Existe, porém, um ponto fulcral para a gestão de áreas rurais ou urbanas, de que nenhum poder político largou mão, desde os mais revolucionários aos mais conservadores. Este poder é o direito de expropriar, por manifesto interesse público. Não me digam que não existe o enquadramento legal para um executivo camarário fazer tal ato de boa gestão territorial, uma vez que se tenha verificado a condição de abandono. Quem diz isso é ignorante ou desonesto. Nada mais simples, dentro da lei vigente, dentro dos poderes que são conferidos (e bem) aos responsáveis camarários. 
Então porque não usam este instrumento? Porque não expropriam a propriedade abandonada, que é um fator de perigo iminente para as propriedades vizinhas (ou até nem tão vizinhas) e constante prejuízo em termos de estética, manchando toda a cidade ou região com os seus matagais nos jardins abandonados, as suas ruínas, a sua fealdade?  
A cidadania é mantida fora desse domínio por uma média prostituta, que nunca questiona os políticos nas verdadeiras questões, naquelas que têm de ser abordadas e resolvidas, no interesse global da população. 
Por muito estranho que pareça, as problemáticas dos fogos nos campos, transformados em bosques de eucaliptos e pinhais deixados ao abandono, até que alguém se lembre de os comprar e dos prédios nas zonas «nobres» das cidades que são deixados cair em ruína até que uma empresa de investimento imobiliário os transforme em edifícios destinados a alojamento local ou a condomínios de luxo... estão estritamente relacionadas.
A relação é evidente: o chamado «sacro-santo» direito de propriedade. Em Portugal ele atinge um absoluto como em nenhum outro país da Europa ocidental, onde cabe a comparação, obviamente, pois os regimes políticos são em muitos aspectos semelhantes, em que muitas normas e leis portuguesas são decalcadas de modelos de outros países ocidentais. 
A casta política portuguesa, passivamente apoiada pelo atavismo doentio de uma parte dos portugueses, dá à propriedade privada uma prioridade total: tanto os eleitos como eleitores, numa larga percentagem, vêem como legitimo que a propriedade (urbana ou rural) esteja ao abandono. Muitas vezes trata-se de questões entre herdeiros. E então? Será que a sociedade, no seu todo, deve suportar as consequências das questiúnculas entre herdeiros? 
Quaisquer que sejam os regimes políticos, a propriedade, em termos jurídicos, nunca é um absoluto. Não é preciso irmos para exemplos de regimes «socialistas» ou «comunistas» para que tal se verifique. É um facto que todos os regimes têm mecanismos legais para expropriação por interesse público. As propriedades abandonadas, sejam rurais ou urbanas, são um prejuízo objetivo às comunidades em torno, ou mesmo ao país no seu conjunto. A expropriação com pagamento de uma indemnização, com preço adequado, segundo estimativa de comissão independente e idónea, não apenas é legítima; é mesmo uma medida indispensável como ato de boa gestão municipal. 
Acerca destas questões e de muitas outras a cidadania é distraída; nunca tais questões figuram na «agenda» de políticos ou comentadores, por razões óbvias: O lóbi do imobiliário (nas cidades) e o lóbi dos madeireiros e do agro negócio (nos campos) têm esses na mão. São eles que dão dinheiro para a campanha dos partidos ou «independentes». Não tenham dúvida que os candidatos farão tudo para serem eleitos, para não perderem a hipótese de se sentarem no cadeiral que ambicionam!
A campanha útil da cidadania deste país - realisticamente - deve ser de desmascarar os políticos que permitiram - durante anos a fio - que propriedades rurais ou urbanas permanecessem abandonadas e nada fizeram, com os pretextos do costume. Fotografemos estas propriedades abandonadas há X anos, mostrando o estado de degradação a que chegaram. 
Talvez isto melhore a visão de autarcas «míopes», para o «belo» efeito destas. 
Há-de haver muita gente que vos argumentará com desculpas como a de que «o município não pode ficar com uma data de propriedades nos braços». Dirão que muitos dos prédios (urbanos ou rurais) estão «bloqueados por questões em tribunais», etc. 
Isso tudo são pretextos, pois a legislação atual permite ultrapassar todos esses obstáculos. 
O que eles/elas têm é um medo atávico de expropriarem aquilo que deve ser expropriado. Aliás, as propriedades urbanas podem ser reconstruidas e postas à venda/aluguer a preços controlados para travar (por ação do próprio mercado) a onda especulativa que se tem abatido sobre várias cidades de Portugal nos últimos tempos.  Nas zonas rurais, o loteamento correto das propriedades e sua venda a jovens agricultores, pode ser uma saída para a desertificação do interior. O Estado e o Governo, têm uma pesada responsabilidade neste deixar ao abandono as regiões do país que mais precisam de ajudas.
A perversão maior da «democracia representativa», além de não ser senão uma aristocracia, onde os que sempre tiveram privilégios têm muito mais fácil acesso aos comandos do poder, é a de que as hostes dos vários partidos trabalham «para o voto», para conquistar a simpatia do eleitor, não se irão investir em medidas, em políticas concretas que - embora consensualmente façam todo o sentido - apenas trarão resultados visíveis numa década ou mais. 
Mas a cidadania é igualmente responsável, não apenas por eleger estes políticos chico-espertos, mas porque clama contra a «corrupção» somente em abstrato: os atos de corrupção estão à vista de todo o povo, quer em zonas urbanas ou rurais, em prédios rústicos ou urbanos deixados ao abandono. São o testemunho silencioso de que ações que deveriam ser tomadas, não o foram em bom e devido tempo. 




Não é difícil construir um blogue e colocar lá fotos de abandono urbano ou rural. Não é difícil falar nos mercados, nas praças públicas, com vizinhos ou em reuniões de assembleias de freguesia ou de assembleias de município. 
Os cidadãos em cada conselho podem facilmente evidenciar as provas materiais de corrupção e devem exigir - imediatamente - que a situação mude.